Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00033/21.3BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/19/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO; EXCEPÇÃO INSUPRÍVEL;
PRINCÍPIOS DA COOPERAÇÃO, DA GESTÃO PROCESSUAL E DA BOA-FÉ PROCESSUAL;
ARTIGOS 6º, N.º1, 7º, N.º1, E 8º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL;
Sumário:
1. Tendo sido devidamente contado o prazo geral de três meses para interpor a acção de impugnação e concluindo-se que o mesmo foi ultrapassado, ao tribunal não restava outra solução legal que não fosse julgar procedente a excepção da caducidade do direito de acção e absolver a entidade demandada da instância na acção, pois não podia convidar o autor a suprir uma excepção insuprível.

2. Quanto aos princípios da cooperação, previsto no artigo 7.º n.º 1; da gestão processual, previsto no artigo 6.º n.º 1, e ainda, da boa-fé processual, previsto no artigo 8.º, todos do Código de Processo Civil, não saem minimamente beliscados quando se verifica, como no caso, uma excepção dilatória insuprível, pois neste caso são os princípios da certeza e segurança jurídicas que se sobrepõem.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 02.07.2023 pela qual foi julgada procedente a excepção dilatória da caducidade direito da acção que intentou contra a Caixa Geral de Aposentações, I.P., para condenação da Ré “a praticar o acto administrativo de contagem do tempo de serviço do autor com as respectivas bonificações e consequente correcção do valor de pensão, atento o total de 42 anos e 13 dias, desde 28/05/2020, tal como por si peticionado, tudo com as legais consequências».

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, violando a norma contida no artigo 69.º n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, assim como os princípios processuais basilares, nomeadamente da cooperação, previsto no artigo 7.º n.º 1; da gestão processual, previsto no artigo 6.º n.º 1, e ainda, da boa-fé processual, previsto no artigo 8.º, todos do Código de Processo Civil. Deveria decisão recorrida, no seu entender, julgar improcedente a matéria de excepção e procedente a acção por lhe ser devido o reconhecimento do direito que se arroga.

A Entidade Recorrida apresentou contra-alegações defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.


*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

a) Sobem os presentes autos à superior consideração de V. Exas. atenta a decisão que julgou procedente a excepção dilatória arguida pela R., absolvendo-a do pedido formulado pelo A. na acção administrativa por si intentada.

b) Porém, a decisão do Tribunal “a quo” padece de erro nos pressupostos de facto e, por consequência, aplicou inadequadamente o direito. Para tanto, em muito terá contribuído o teor da Contestação da Ré.

c) E, com a devida vénia, bem se percebeu o porquê e a intenção da Ré.

d) Desde logo, pela negação do pedido de condenação da Ré à prática de acto legalmente devido por julgar procedente a excepção dilatória arguida pela R e absolvendo a mesma da instância.

e) Como consabido, a procedência de uma execpção dilatória dentro de uma acção que pretende ver um direito reconhecido tem por efeito fazer declinar toda e qualquer pretensão do seu Autor.

f) Não obstante, não deve a procedência da mesma arguir-se à margem de princípios processuais basilares, nomeadamente da cooperação, previsto no artigo 7.º n.º 1; da gestão processual, previsto no artigo 6.º n.º 1, e ainda, da boa-fé processual, previsto no artigo 8.º, todos do CPC;

g) Como facilmente se compreenderá, com esta decisão recorrida o Tribunal a quo imediatamente se equivocou quando decidiu que “o prazo para deduzir a presente ação administrativa de condenação à prática de ato findou em 30-10-2020.”

h) Efectivamente, não esteve o A., em momento algum, na eminência de ultrapassar o prazo que a Lei lhe garante para arguir as pretensões que formulou na P.I, muito pelo contrário.

i) Sempre diligente e pronto, o A. soube reagir atempadamente quando intentou a acção administrativa para condenação à pratica de acto legalmente devido contra a R.

j) Pois que fê-lo dentro do prazo de um ano “contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do ato ilegalmente omitido” nos termos do artigo 69.º n.º1 do CPTA.

k) Isto porque, aos sucessivos erros que originaram a contagem de tempo de serviço do aqui autor, sem a correcta inclusão no cálculo da sua pensão dos respectivos períodos de bonificação do tempo de serviço de 20% e 15%, consubstancia, não esqueçamos, um erro nos pressupostos de facto o que, naturalmente, origina um correspondente erro nos pressupostos do direito.

l) Erros atrás de erros que apenas poderiam ter originado, como originaram, graves prejuízos para o A.

m) Prejuízos esses contabilizados até à data em milhares de euros por resultado da omissão do pagamento do devido valor de €1016,00 (mil e dezasseis euros) a que tem direito pela sua pensão;

n) Ao invés dos apenas €866,63 (oitocentos e sessenta e seis euros e sessenta e três cêntimos), pagos ao A. por entender a R. que deveria ser aplicável uma qualquer penalização ao valor da pensão a atribuir-lhe e sem que dessa decisão resultasse um motivo atendível ou sequer explicado.

o) Não, de facto o A. não preteriu qualquer norma que inviabilizasse a sua legítima pretensão.

p) O A. e ora Recorrente apenas reagiu enérgica e atempadamente à violação dos princípios subjacentes ao dever de fundamentação que deveriam ter sido observados pela R. e cingidos aos artigos 152.º e 153.º do Código do Procedimento Administrativo.

q) Pelo que deverá, ao invés da douta decisão proferida, declarar-se o vício de falta de fundamentação ao “pseudo acto” ilegalmente omitido pela R.

r) Erro para o qual o Autor, desde o início, pretendeu sempre alertar, estando-se ainda a tempo de corrigir o acto praticado, para que o completo restabelecimento da ordem jurídica se faça.

s) Assim, entende o Recorrente que a acção tem de prosseguir, com o respeito pelos princípios normativos ora invocados, o que por via deste recurso de apelação se pretende, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a baixa dos autos para tal desiderato.

*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1) Em Outubro de 2019, o Autor apresentou, junto dos serviços da Entidade Demandada, requerimento tendente atribuição de pensão de aposentação voluntária não antecipada – Cf. formulário de fls. 25 a 32 do processo administrativo.

2) No requerimento referido no ponto anterior, mais concretamente na secção 5, referente ao mapa de efectividade, o Autor requereu que lhe fossem consideradas bonificações de 25% nos períodos compreendidos entre 17-03-1980 a 14-08-1981, 01-06-1982 a 03-061982, 20-07-1982 a 27-07-1982, 10-10-1982 a 18-09-1984, 20% no período compreendido entre 15-06-1987 e 31-12-2005, e de 15% entre 01-01-2006 e 06-03-2014 – Cf. formulário de fls. 25 a 32 do processo administrativo.

3) Através do ofício n.º ...0, datado de 21-05-2020, os serviços da demanda comunicaram ao Autor que

“[…] ao abrigo do disposto no artigo 97.º do Estatuto da Aposentação - Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, lhe foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 2020-05-21, da Direcção da Caixa Geral de Aposentações (proferido por delegação de poderes publicada no Diário da República II Série, n.º 244 de 2019-12-19), tendo sido considerada a situação existente em 2020-05-21, nos termos do artigo 43.º daquele Estatuto, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 238/2009, de 16 de setembro”, informando-o, ainda de que “[…] o valor da pensão para o ano de 2020 é de € 866,63 e foi calculado, nos termos do artigo 5.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei n.º 52/2007 e com a redação dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril”
– Cf. ofício de fls. 65 a 78 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4) Em data não concretamente apurada, mas nunca após 15-06-2020, o Autor tomou conhecimento do ofício referido no ponto antecedente – Cf. reclamação inserta a fls. 80 a 81 do processo administrativo.

5) Em 15-06-2020, o Autor elaborou reclamação da decisão inserta no ofício referido em “3)”, invocando, para tanto, e entre o mais, o seguinte:

«[…]
1. Como se referiu supra, o reclamante não foi previamente notificado do despacho dessa caixa de 2105-2020, que lhe fixa o valor e respectivos cálculos da pensão que lhe viria ser atribuída.
2. De tal facto, resulta que existe erro grave no tempo de serviço a atender para o calculo da pensão.
3. Com efeito, sendo o aqui expoente guarda florestal, deveria ter-lhe sido computado o tempo legal de acréscimo constantes da declaração emitida pela GNR que se anexa como doc. n- 2 e aqui se dá como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
4. Destarte, a titulo de acréscimos de tempo contabilizáveis para aposentação que lhe não foram contados, 5 (cinco) anos, 9 (nove) meses e 12 (doze) dias. […]
6. Por efeito daquele tempo de acréscimo, impõe-se que o tempo total de descontos passe dos 36 anos e três meses para 42 dois anos de descontos, o que determinará, obviamente pensão completamente diferente.
7. Neste sentido deve ser efectuada a correcção com notificação prévia ao reclamante do valor da pensão a atribui-lhe.
8. Mais requer que a notificação com a correcção e respectivos cálculos lhe seja notificada para a residência mencionada supra no prazo previsto no nº 2 do art.º 192º do CPA.
Nestes termos e nos melhores que V. Ex- doutamente suprirão, requer a recalculo da pensão pela contagem do acréscimo do tempo de serviço a que aludem os dispositivos legais supra melhor identificados, tudo no prazo supra referido.
[…]».

– Cf. reclamação inserta a fls. 80 a 81 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6) A reclamação a que se alude no ponto antecedente deu entrada nos serviços da Entidade Demandada, em 17-06-2020 – Cf. comprovativo de recepção postal, de fls. 102 e 103 do processo administrativo.

7) Em 24-07-2020, o Autor elaborou nova comunicação escrita, endereçada ao Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Aposentações, solicitando o seguinte:

«[…] Não tendo o requerente, neste momento, ainda conhecimento do despacho de V. Ex. sobre o requerimento enviado por carta registada com aviso de recepção, em 16.06.2020, aqui anexos, no qual requeria o recálculo da pensão pela contagem do acréscimo do tempo de serviço, vem muito respeitosamente requerer se digne, nos termos e prazo previstos no art.º 82º do CPA, mandar informar o requerente do teor do despacho que sobre aquele recaiu […]».
– Cf. ofício de fls. 96 do processo administrativo.

8) Através de mensagem de correio eletrónico, datada de 29-10-2020, a Equipa de Atendimento Escrito da Entidade Demandada, em resposta à reclamação referida em “5)”, informou ao Autor o seguinte:

«[…] Em resposta à carta de 2020-06-15, informamos que a norma que previa a atribuição de um acréscimo de 20% do tempo de serviço ao pessoal da carreira de Guarda Florestal, que requeresse a reforma após os 60 anos de idade, foi revogada pelo artigo 2.º, alínea s) do Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29 de Dezembro, com efeitos a partir de 2006-01-01.
Esclarecemos ainda que, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do referido diploma, o tempo de serviço efectivo na carreira de Guarda-Florestal beneficia de um acréscimo de 15% para efeitos de aposentação entre 2006-0101 e 2014-03-06.
É que, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.911/2014, de 6 de Março, foram revogadas todas as normas que estabelecem acréscimos de tempo de serviço para efeitos de aposentação no âmbito da Caixa Geral de Aposentações.
No seu caso, e durante a instrução do processo, verificou-se que a contagem daquela bonificação (entre 2006-01-01 e 2014-03-06) iria obrigar à fixação de um débito de quotas, não trazendo qualquer vantagem em termos de pensão, uma vez que esta manter-se-ia inalterável […]».

– Cf. mensagem de correio eletrónico (extracto), de fls. 116 do processo administrativo.

9) Em 17-11-2020, o Autor elabora, ainda, outra comunicação escrita, também endereçada ao Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Aposentações, reclamando da informação prestada por via da mensagem de correio eletrónico mencionada no ponto anterior, contendo, entre o mais, o teor seguinte:
«[…]
1. O expoente não entendeu o cálculo da pensão pelo simples facto do mesmo não ser esclarecedor quanto aos acréscimos referentes ao tempo de serviço prestado, tal como melhor se alcança do seu primeiro requerimento.
2. De facto, nunca lhe foi, como continua a não ser remetido a forma como ' aqueles cálculos foram efetuados
[…]
6. V. Exª não deram, ainda, ao requerente o direito de ele optar pelo direito ao referido acréscimo, dado que partiram do conceito errado de que a ele não tinha direito.
7. Deve assim essa caixa elaborar os respetivos cálculos com os acréscimos do tempo de serviço até 31/12/2005 a 20% e com o eventual acréscimo dos 15% no período subsequente, de forma separada, para que o expoente possa ter o direito de escolha quanto à eventual contagem.
8. Para efeitos do número precedente deve simultaneamente essa Caixa Geral de Aposentações informar o expoente dos valores a liquidar e forma de o fazer em relação à proporção de quotas.
9. Deve ainda, ser informada com rigor o valor da pensão em cada caso, com o acréscimo dos 20%, e ou com o acréscimo dos 15% .
10. Por fim referir que, como se alcança do vinde de reiterar, não deram V. Ex- prova alguma do vertido no último parágrafo do e-mail, ora sob resposta.
[…]».

– Cf. documento de fls. 114 e 115 do processo administrativo.

10) Em 28-01-2021, deu entrada, neste TAF de Mirandela, a petição inicial referente à presente ação administrativa - Cf. comprovativo de entrega de articulado, de ref.ª ...03....

*
III - Enquadramento jurídico.

É o seguinte o teor da sentença recorrida, a parte aqui relevante:

“(…)
Na senda do que supra se expendeu, os interessados não podem, em regra, fazer valer os seus direitos, perante um órgão jurisdicional, a todo o tempo. Efetivamente, a lei postula os meios processuais adequados às diversas pretensões de tutela que, em abstrato, podem ser dirigidas a um Tribunal, e os correspondentes prazos para o seu acionamento.

Como bem refere o Autor, o seu fito, ao deduzir a ação administrativa vertente, é obter a condenação da ED na prática do ato administrativo que entende ser legalmente devido, isto é, de uma decisão que lhe reconheça o direito à pensão de aposentação calculada da forma que considera ser a que tem aplicação ao seu caso, isto é, compreendendo um conjunto de bonificações do tempo de serviço a que a aqui demandada não atendeu.

Promana do n.º 1 do artigo 66.º do CPTA que a ação administrativa pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado.

A condenação à prática de ato administrativo pode ser pedida quando, tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir:

a) Não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido;
b) Tenha sido praticado ato administrativo de indeferimento ou de recusa de apreciação do requerimento;
c) Tenha sido praticado ato administrativo de conteúdo positivo que não satisfaça integralmente a pretensão do interessado (cf. artigo 67.º, n.º 1 do CPTA).

Na situação em mira, temos que, pelo ofício n.º ...0, datado de 21-052020, os serviços da demanda comunicaram ao Autor que “[…] ao abrigo do disposto no artigo 97.º do Estatuto da Aposentação - Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, lhe foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 2020-05-21, da Direção da CGA (proferido por delegação de poderes publicada no Diário da República II Série, n.º 244 de 2019-12-19), tendo sido considerada a situação existente em 2020-05-21, nos termos do artigo 43.º daquele Estatuto, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 238/2009, de 16 de setembro”, informando-o, ainda de que “[…] o valor da pensão para o ano de 2020 é de € 866,63 e foi calculado, nos termos do artigo 5.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei n.º 52/2007 e com a redação dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril”.

O Autor apenas não se conforma com este ato administrativo na parte em que não lhe foram calculadas certas bonificações do tempo de serviço de que entende dever beneficiar, nos termos legais. Logo, é na hipótese normativa consagrada na al. c) do n.º 1 do artigo 67.º do CPTA que se enquadra a situação do aqui Autor, posto que o ato praticado pela ED, ainda que contendo conteúdo positivo (pois reconheceu o seu direito à atribuição da pensão de aposentação que pretendia), não satisfez integralmente a sua pretensão, posto que não atendeu a todo o tempo de serviço que o Autor entendia que deveria ser considerado, desde logo contabilizando as bonificações que, já no requerimento que apresentou junto dos serviços da demandada, o aqui A. havia identificado como lhe sendo aplicáveis.

No que concerne aos prazos para a dedução da ação administrativa com uma configuração como a que está em causa nestes autos, estabelece o n.º 2 do artigo 69.º do CPTA que “[n]os casos de indeferimento, de recusa de apreciação do requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um ato de conteúdo positivo, é aplicável o disposto nos artigos 58.º, 59.º e 60.º”.

Assim sendo, a ação administrativa de condenação à prática de ato deveria, in casu, ser deduzida no prazo de 03 meses, a contar da data em que o Autor fosse notificado da decisão que lhe reconheceu o direito à pensão de aposentação, ainda que não de forma inteiramente coincidente com a pretensão que formulou, em prejuízo de esse prazo se suspender no caso de ser utilizado um dos meios de impugnação administrativa previstos no CPA (artigos 58.º, n.º 1, b) e 59.º, n.ºs 1, 2, 3, b) e 4 do CPTA, ex vi artigo 69.º, n.º 2 desse mesmo diploma).

De facto, promana no artigo 59.º, n.º 4 do CPTA que “[…] a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar”.

Ou seja, se o interessado, uma vez notificado do ato, reclamar ou recorrer do mesmo dentro da própria administração, desde que essa reclamação ou recurso sejam deduzidos dentro do prazo legal para o efeito, o prazo de propositura da ação administrativa fica suspenso com a apresentação da reclamação ou desse recurso. Tal suspensão cessa, depois, ou com a notificação da decisão proferida sobre esse meio impugnatório gracioso, ou com o decurso do prazo legal de decisão da reclamação / do recurso, consoante o evento que corra em primeiro lugar.

Sobrevoando o probatório, não há dúvidas de que a decisão com a qual o Autor não se conformou, pelo menos parcialmente, foi-lhe comunicada através de um ofício datado de 21-052020. Não se sabe exatamente a data em que da mesma foi notificado, mas sabe-se que essa notificação não poderá ter acontecido depois do dia 15-06-2020, posto que foi nessa data que elaborou a reclamação administrativa daquele ato administrativo.

Donde, fazendo a interpretação dos factos mais favorável ao Autor, assumiremos, por inexistirem outros elementos nos autos que permitam fixar uma data anterior, que este foi notificado da decisão da CGA com a qual não se conforma apenas em 15-06-2020.

Em princípio, no dia 16-06-2020, começaria a correr o prazo de 03 meses para deduzir a presente ação administrativa, nos termos do disposto nos artigos 58.º, n.º 1, b) e 59.º, n.ºs 1, 2, 3, b) e 4 do CPTA, ex vi artigo 69.º, n.º 2 desse mesmo diploma.

No entanto, em 17-06-2020, deu entrada, nos serviços da ED, a reclamação elaborada, em 15-06-2020, pelo aqui Autor, que tinha por objeto o ato que lhe foi comunicado pelo sobredito ofício, datado de 21-05-2020.

Logo, nos termos da parte inicial do artigo 59.º, n.º 4 do CPTA, o prazo para propor a presente ação suspendeu-se em 17-06-2020, com a reclamação graciosa.

Tal reclamação só foi decidida em 29-10-2020.

Significa isto que o prazo para propor a ação administrativa de condenação à prática de ato esteve suspenso entre 17-06-2020 e 29-10-2020?

Temos de responder negativamente.

Como mencionamos, o CPTA é claro quando, no n.º 4 do artigo 59.º, prevê que a suspensão do prazo para a dedução das ações administrativas, motivada pela apresentação de reclamação administrativa ou de recurso hierárquico, cessa, ou com a notificação da decisão desse meio impugnatório gracioso, ou com o termo do prazo legal de que a administração dispunha para decidir tal reclamação ou tal recurso, consoante o evento que ocorra em primeiro lugar.

Esta disposição tem em vista permitir que o interessado possa aceder à tutela jurisdicional sem ter de estar indefinidamente a aguardar uma pronúncia decisória expressa por parte da administração pública.

Ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 191.º do CPA, salvo disposição legal em contrário, pode reclamar-se, para o autor, da prática ou omissão de qualquer ato administrativo.

A reclamação deve ser apresentada pelo interessado no prazo de 15 dias úteis a contar da notificação da decisão de que se quer reclamar (191.º, n.º 3 do CPA).

Dispõe, depois, o n.º 2 do artigo 192.º do CPA que o prazo para o órgão competente apreciar e decidir a reclamação é de 30 dias, podendo confirmar, revogar, anular, modificar ou substituir o ato reclamado, ou praticar o ato ilegalmente omitido.

Esse prazo de 30 dias é um prazo procedimental, contabilizado, por isso, de acordo com o estatuído no artigo 87.º do CPA.

Assim sendo, com a dedução da reclamação administrativa, em 17-06-2020, o prazo para propor a ação administrativa vertente suspendeu-se.

A partir daí, a demandada dispunha de um prazo de 30 dias úteis para decidir a reclamação do aqui Autor, prazo esse que terminou em 29-07-2020.

No entanto, só decidiu tal reclamação em 29-10-2020.

Assim, não há dúvidas de que o evento que ocorreu em primeiro lugar foi o termo do prazo legal de que a administração dispunha para decidir a reclamação administrativa (29-072020), e não a data em que tal reclamação foi, efetivamente, decidida (29-10-2020).

Pelo que, a suspensão do prazo, operada nos termos do disposto no artigo 59.º, n.º 4 do CPTA, cessou em 29-07-2020, tendo o prazo de 03 meses para propor a presente ação administrativo iniciado no dia seguinte (279.º, b) do CC), isto é, em 29-07-2020.

De acordo com o n.º 2 do artigo 58.º (ex vi 69.º, n.º 2 do CPTA), os prazos para a dedução das ações administrativas contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em férias judiciais ou em dia em que os tribunais estiverem encerrados, para o 1.º dia útil seguinte. Assim, tais prazos não suspendem no período de férias judiciais.

Assim sendo, o prazo para deduzir a presente ação administrativa de condenação à prática de ato findou em 30-10-2020.

No entanto, a ação administrativa vertente apenas foi proposta em 28-01-2020, ou seja, depois de estar esgotado o prazo para o efeito.

Vistos estes considerandos, temos que a razão legal está do lado da demandada, devendo ter-se por verificada a exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual / caducidade do direito de ação, com a consequente absolvição dessa parte da instância.

Ao que se provirá em sede de dispositivo.
(…)”.´

Com manifesto acerto, sendo certo que o Recorrente em nada de essencial ataca a decisão recorrida, em particular na forma como foi contado o prazo geral de três meses para interpor a acção de impugnação num caso como o presente em que este prazo foi suspenso por força de reclamação administrativa apresentada contra o acto, tudo na correcta interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto nos artigos 58.º, n.º 1, b) e 59.º, n.ºs 1, 2, 3, b) e 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ex vi artigo 69.º, n.º 2 do mesmo diploma.

Quanto aos princípios da cooperação, previsto no artigo 7.º n.º 1; da gestão processual, previsto no artigo 6.º n.º 1, e ainda, da boa-fé processual, previsto no artigo 8.º, todos do Código de Processo Civil, não saem minimamente beliscados quando se verifica, como no caso, uma excepção dilatória insuprível, em concreto a caducidade do direito de acção.

Ao Tribunal não restava outra solução legal que não fosse julgar procedente a excepção e absolver a Entidade Demandada da instância na acção, pois não podia convidar o Autor a suprir uma excepção insuprível.

Para as acções impugnatórias ou para as acções de reconhecimento de direito e para a condenação à prática de acto devido que pressupõem afastar da ordem jurídica um acto que apenas pode padecer de vícios conducentes à anulabilidade do acto e não à respectiva declaração de nulidade (ou inexistência jurídica), com aqui sucede, existe o prazo geral de três meses.

Este prazo é, indiscutivelmente, preclusivo, por razões de certeza e segurança jurídicas: não se pode manter na indefinição por tempo indeterminado uma situação jurídica definida por acto cuja eventual invalidade não vai para além da gravidade que afecta o acto de mera anulabilidade.

Que assim é, demonstra-o o facto de tais normas, que estabelecem prazos peremptórios para intentar acções ou para a prática de actos processuais, razoáveis, como é evidente, nunca terem sido declaradas inconstitucionais, face, designadamente aos princípios constitucionais do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva - artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

Procedendo uma excepção dilatória, como é o caso, não pode haver pronúncia sobre o mérito da acção, sob pena de nulidade da decisão por excesso de pronúncia, por se conhecer de questão que não deve ser conhecida – artigos 278º, n.º1 alínea e), e 615º, n.º 1, alínea d) segunda parte, do Código de Processo Civil.

Termos em que se impõe julgar totalmente improcedente o recurso.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício da isenção de que beneficia neste âmbito.


Porto, 19.01.2024


Rogério Martins
Isabel Costa
Fernanda Brandão