Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02471/19.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/07/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IRC;
IVA;
ÓNUS DA PROVA;
Sumário:I. A presunção consagrada no art.º 75º, nº 1 da LGT deixa de funcionar, a Administração Tributária fica legitimada a efetuar a determinação da matéria tributável, com recurso para o efeito e preferencialmente de métodos diretos ou, quando tal não seja possível, a métodos indiretos.

II. No entanto, a Administração Tributária, nos termos do art.º 74.º da LGT, tem o ónus de demonstrar que o juízo que esteve subjacente à sua atuação corretiva é bem fundado, provando os indícios que o sustentam, demonstrando a factualidade suscetível de abalar a presunção da veracidade das operações registadas na contabilidade do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente Autoridade Tributária Aduaneira, interpõe recurso da sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IVA de 2015, 2016 e 2017 e as liquidações de IRC de 2015 e 2016, por entender que a sentença incorre em erro no julgamento da matéria de facto, e por consequência, erro na interpretação e aplicação do direito.

A Recorrente formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:“(…)
I. Censura-se a sentença recorrida por ser entendimento da Fazenda Pública que a douta sentença incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, primeiramente, ao dar como não provado o concreto ponto da matéria de facto do ponto C) da sentença recorrida e, por outro lado, ao ter desvalorizado toda a prova produzida pelos SIT no respetivo relatório de Inspeção Tributária.
II. O concreto ponto da matéria de facto C), baseou-se em juízo valorativo da Mma. Juiz segundo o qual r. elativamente à factualidade não provada, é de salientar que analisados todos os Anexos dos diversos relatórios de inspecção não vislumbramos qualquer documento comprovativo da matéria alegada, sendo certo que de acordo com o disposto na alínea i) do nº 3 do artigo 62º do Regime Complementar de Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira o relatório de inspecção deve ser instruído com os “meios de prova” de “suporte das correcções efectuadas”.
III. Sobre a questão do ónus da prova, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.
IV. Nesse mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11: “Nos casos em que a correcção da matéria tributável declarada decorra do facto de a AT ter considerado que determinadas despesas não podem integrar o valor de aquisição a considerar no apuramento das mais-valias porque respeitam a activos que não foram transmitidos (motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções aritméticas”, expurgou tais despesas do valor de aquisição), à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a concluir que aquelas despesas não se referem aos activos transmitidos), só depois competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no apuramento das mais-valias.” (sublinhado nosso)
V. Assim, tem-se por certo que recai sobre o impugnante o ónus da prova dos factos que agora invoca na sequência das correções plasmadas no RIT inscritos na sua contabilidade relativa aos anos de 2015, 2016 e 2017 das importâncias recebidas dos clientes e contabilizadas na conta 27823 – “cauções de obras em curso”, isto porque, com o devido respeito, entende a Fazenda Pública que os SIT recolheram indícios suficientes que, analisados conjuntamente, à luz das regras da experiência comum, permitem alicerçar as correções efetuadas.
VI. Estamos, pois, perante factos seriamente indiciantes de que as importâncias classificadas na contabilidade pela impugnante como se tratando de cauções eram na realidade rendimentos conexos com o contrato de empreitada auferidos pela contraprestação de serviços, inexistindo prova de que tais importâncias se destinaram efetivamente a ressarcir despesas faturadas/por conta dos seus clientes na argumentação da impugnação.
VII. Aqui o dissenso está entre uma qualificação das importâncias que “as retira” da sujeição a tributação – perspetiva da Impugnante – que alega tratarem-se adiantamentos para despesas incorridas pelo prestador de serviços em nome e por conta dos seus clientes, tais operações estão fora do campo do imposto em sede de IVA e não geram qualquer rendimento ou ganho sujeito a IRC e, por outro, segundo os SIT, as importâncias são uma contraprestação de serviços conexos com o contrato principal de empreitada e aí não previstos (serviços prévios de concepção/projectos, licenciamentos e serviços de acompanhamento da obra, entre outros), o que legitimou a aplicação das regras de incidência do IVA e do IRC.
VIII. Para sustentar as correções, os SIT apuraram factos índice acima transcritos, sendo em relação ao facto i) desses factos-índice que a sentença recorrida considera não estar comprovado nos autos por referência aos contratos de rescisão a menção de que os adiantamentos estavam descritos como uma contraprestação para serviços prestados aos clientes, de acompanhamento de obra, projetos, licenciamentos, e.o., ou seja, que os acordos de rescisão contendo essa menção não constam dos documentos que integram o RIT.
IX. Se bem que a Mma. Juiz, ao abrigo do princípio do Inquisitório consagrado na lei processual civil, segundo o qual o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade, poderia ter interpelado a Fazenda Pública para a junção de tais documentos uma vez que são referidos no RIT, até porque estes se revestiam de valor probatório no apuramento da verdade, sempre se dirá que apesar de não constarem dos autos, a não junção de tais acordos de rescisão foi, com todo e o devido respeito, exageradamente valorado na motivação da Mma. Juiz.
X. Com o devido respeito, tratando-se de apenas um dos vários factos índice que sustentam as correções em causa, a decisão ao valorar como valorou a circunstância de não estarem juntos os acordos de rescisão fez incorreta apreciação e valoração da prova pois a apreciação da prova produzida pelos SIT deveria ser elaborada em conjunto com os restantes factos índice e não de forma isolada determinando por si só a procedência ou improcedência da ação.
XI. Considera a Fazenda Pública, que não obstante tal percalço, os SIT imbuídos do princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da LGT, realizaram todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material. Deveres que foram cumpridos extensivamente pela AT, conforme resulta da inspeção efetuada.
XII. Nessa medida, o ónus da prova sobre a verificação dos pressupostos legais (vinculativos) legitimadores da sua atuação mostram-se cumpridos provocando o afastamento da presunção de veracidade das declarações do contribuinte, o que tem como consequência, que ao sujeito passivo lhe incumbe um ónus da prova acrescido, concretamente, fazer prova de que aquelas importâncias foram efetivamente efetuadas por conta dos clientes, nomeadamente, exemplificando, com a apresentação das faturas emitidas em nome dos clientes correspondentes às importâncias que lhe haviam sido entregues a título de caução.
XIII. Ora, a impugnante não fez tal prova, pelo que deveria a sentença recorrida ter dado como não provado que as importâncias em causa haviam sido aplicadas efetivamente na contratação de serviços por conta do cliente – não consta dos autos qualquer fatura que sustente essa versão dos factos;
XIV. Ou seja, a convicção da Mma. Juiz bastou-se pelas meras alegações da impugnante. Dessa forma, com o devido respeito, incorreu em erro no julgamento da matéria de facto.
XV. Termos em que deverá aditar-se à matéria de facto o seguinte concreto ponto como não provado: que as importâncias refletidas na conta 27823 – cauções e obras em curso se destinaram a suportar despesas contraídas em nome e por conta dos seus clientes.
Para concluir,
XVI. Cumprindo a AT o seu ónus probatório, deveria a Impugnante, ter alegado e provado factos concretos e sindicáveis sobre tais importâncias, refutando os fundamentos constantes do relatório de inspeção tributária, o que não fez, tendo apenas alegado, de modo genérico, que se tratariam de cauções/garantia para fazer face a despesas a serem suportados em nome e por conta dos clientes. Tal alegação é manifestamente insuficiente em face da prova produzida na inspeção, até porque, em causa está a qualificação dessas importâncias para efeitos da sua sujeição a IRC e IVA ou não.
XVII. Assim, e em suma, tendo a AT considerado, com base nos indícios apontados, que as importâncias revestiam a natureza de contraprestação por serviços prestados aos clientes, satisfez o dever de investigação que sobre ela impendia em sede de procedimento administrativo-tributário, estando assim legitimada a correção dos rendimentos declarados para efeitos de IRC e da sujeição a IVA dessas mesmas importâncias. Por sua vez, a Impugnante não demonstrou que os rendimentos em causa revestiam a natureza de cauções destinadas a incorrer em despesas em nome e por conta dos clientes.
XVIII. Destarte, a atuação da Administração Tributária foi conforme à lei, não se verificando o vício que é imputado ao ato tributário, sendo que este por ser legal, deverá manter-se.
XIX. Tendo na douta sentença ora recorrida se decidido de forma diversa é inevitável que se conclua que foi violado foi violado o disposto nas normas respeitantes á incidência tributária do ato de liquidação, artigos 8.º, n.º 1, c), 16.º, n.º 1 e 28.º, n.º 1, alínea b), todos do CIVA e artigos 17.º e 20.º, n.º1, ambos do CIRC, na redação à data dos factos.

Nestes termos e no mais que for doutamente suprido por Vossas Excelências, concedendo-se provimento a este recurso,
Deve revogar-se a sentença considerando-se improcedente a impugnação, com o que farão, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA.(…)”

A Recorrida apresentou contra-alegações tendo formulado a seguintes conclusões:
“(…) 1. O recurso interposto pelo Recorrente incide (objeto do recurso) sobre anulação, pelo Tribunal a quo:
a) da totalidade das liquidações adicionais de IRC que emergiram das correções efetuadas em sede de “adiantamentos / cauções”; e
b) da totalidade das liquidações adicionais de IVA que emergiram das correções efetuadas em sede de “adiantamentos / cauções”.
2. A controvérsia está em saber sobre quem recai o ónus da prova:
a) se sobre a Recorrente, que defende a posição de que as importâncias contabilizadas na conta de terceiros 27823, com a designação “cauções de obras em curso”, são contraprestações de serviços conexos com os contratos de empreitada e, por esse motivo, rendimentos ou ganhos sujeitos às regras de incidência do IVA e do IRC; ou
b) se sobre a Recorrida, que sufraga que as importâncias contabilizadas na conta de terceiros 27823, com a designação “cauções de obras em curso”, se tratam de adiantamentos para fazer face a despesas suportadas em nome e por conta dos clientes e que, por esse motivo, não são rendimentos ou ganhos, logo, não estão sujeitas às regras de incidência do IVA e do IRC.
3. Estipula o nosso legislador no art. 75.º, n.º 1 da LGT, uma presunção iuris tantum a favor da Recorrida, que pode ser afastada, nos termos do art. 75.º, n.º 2, alínea a) da LGT, se as declarações, a contabilidade ou a escrita dos mesmos revelarem indícios fundados de que não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real.
4. O Recorrente não reuniu factos / argumentos que constituíssem indícios fundados para concluir – como faz no Relatório de Inspeção Tributário – que as importâncias contabilizadas na conta de terceiros 27823, com a designação “cauções de obras em curso”, são contraprestações de serviços conexos com os contratos de empreitada e que, por esse motivo, rendimentos ou ganhos sujeitos às regras de incidência do IVA e do IRC.
5. O Recorrido não consegue afastar a presunção relativa do art. 75.º, n.º 1 da LGT, motivo pelo qual deverá o Tribunal ad quem, à semelhança do Tribunal a quo, presumir que as importâncias contabilizadas na conta de terceiros 27823 se tratam de adiantamentos para fazer face a despesas suportadas em nome e por conta dos clientes e que, por esse motivo, não estão sujeitas às regras de incidência do IVA e do IRC, confirmando a anulação da totalidade das liquidações adicionais do IVA e do IRC decretada.
Sem Prescindir,
6. Ainda que assim não se entenda, e se considere que o Recorrente conseguiu afastar a presunção de veracidade das declarações da Recorrida, consideramos que, da prova documental carreada para os autos resulta, de forma clara e cabal, que as importâncias contabilizadas na conta de terceiros 27823 são adiantamentos para fazer face a despesas suportadas em nome e por conta dos clientes, devendo confirmar-se a anulação da totalidade das liquidações adicionais do IVA e do IRC decretada.
Sem Prescindir,
7. Se assim não se entender – o que não se aceita ou concede – sempre se dirá que o explanado criou, pelo menos, no julgador, uma séria dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário. E, assim sendo, deve o Tribunal a quem confirmar a douta decisão do Tribunal a quo de anulação da totalidade das liquidações adicionais do IVA e do IRC decretada pois, nos termos do art. 100.º, n.º 1 do CPPT, sempre que da prova produzida resulte fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exas., deve o recurso interposto ser julgado improcedente, com as legais consequências.
Fazendo-se assim, A INTEIRA E DEVIDA JUSTIÇA!(…)”

O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF, dispensa-se os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, com seu consentimento, submetendo-se à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações de recurso nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, sendo as de saber se a sentença incorreu em: (i) em erro de julgamento de facto (ii) erro de julgamento de direito por ter considerado que a inspeção tributária não recolheu indícios suficientes para efetuar as correções ao IVA e ao IRC incorrendo vicio de violação de lei, nomeadamente dos artigos 8.º, n.º 1, c), 16.º, n.º 1 e 28.º, n.º 1, alínea b), todos do CIVA e artigos 17.º e 20.º, n.º1, ambos do CIRC, na redação à data dos factos.

3. JULGAMENTO DE FACTO
No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:“ (…).
1. A sociedade impugnante encontra-se colectada pelo Serviço de Finanças de ... para o exercício da actividade 41200 – Construção de Edifícios (Residenciais e não Residenciais); 68100 Compra e Venda de Bens Imobiliários; 25110 – Fabricação de Estruturas de Construções Metálicas; 43320 – Montagem de Trabalhos de Carpintaria e de Caixilharia, desde 28.04.2008 – cfr. p. 3 dos RIT insertos no processo administrativo apenso aos autos principais (doravante, apenso).
2. A sociedade impugnante celebrou um protocolo com a imobiliária ..., designado por “CASA ... ...”, que consistia num produto chave-na-mão, de construção em terreno pertencente ao cliente, destacando-se as seguintes cláusulas contratuais:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[cfr. Anexo II aos RIT, constantes a fls. 27, 142 e 278 do apenso]
3. Aquando da celebração dos contratos de empreitada, a Impugnante solicitava importâncias que eram relevadas na contabilidade em subcontas 27823 – “cauções de obras em curso” – factualidade não controvertida;
4. Para quitação das importâncias em causa, a Impugnante emitiu declarações dos valores recebidos em como se destinaram ao pagamento de despesas com projectos de arquitectura, licenciamentos, projectos de especialidades, taxas municipais, certificado energético, licença de habitabilidade e execução do contrato de gestão de obra – cfr. Anexo I e II aos projetos de RIT insertos no apenso.
5. A Impugnante foi sujeita a um procedimento de Inspeção Tributária, de natureza externa e âmbito geral, incidente sobre os exercícios de 2015 (ordem de serviço n.º OI2018.....81), 2016 (ordem de serviço n.º OI2018....82) e 2017 (ordem de serviço n.º OI2018...96), levado a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ... – cfr. fls. 2 a 117, 118 a 252 e 253 a 435 do apenso.
Da OI2018...81
6. Através do Ofício n.º ...14, datado de 02.10.2018, foi a sociedade, na pessoa do mandatário constituído no procedimento inspetivo, notificada do projecto de relatório inspectivo para o exercício do direito de audição prévia – cfr. fls. 2 do apenso.
7. A impugnante exerceu o direito de audição prévia nos termos constantes de fls. 84 e ss. do apenso.
8. Em 06.11.2018 foi elaborado o relatório de inspecção tributária, dando-se aqui por reproduzido o respectivo teor – cfr. fls. 92 a 115 do apenso.
9. Através do Ofício n.º ...57, datado de 19.11.2018, remetido através de carta registada com aviso de receção – registo dos CTT n.º RF.......97PT – foi a sociedade, na pessoa do mandatário constituído, notificada do RIT, com notificação ocorrida em 20.11.2018, conforme data e assinatura apostas no aviso de receção constante de fls. 116 e 117 do apenso.
Da OI2018....82
10. Através do Ofício n.º ...06, datado de 02.10.2018, registo postal CTT n.º RF.......24PT, foi a sociedade, ora impugnante, na pessoa do mandatário constituído no procedimento, notificada para o exercício do direito de audição prévia – cfr. fls. 119 do apenso.
11. A impugnante exerceu o direito de audição prévia nos termos constantes de fls. 209 e ss. do apenso.
12. Em 06.11.2018 foi elaborado o relatório de inspecção tributária, dando-se aqui por reproduzido o respectivo teor – cfr. fls. 226 a 250 do apenso.
13. Através do Ofício n.º ...27, datado de 19.11.2018, remetido através de carta registada com aviso de receção – registo dos CTT n.º RF.......10PT – foi a sociedade, na pessoa da mandatária constituída, notificada do RIT, com notificação ocorrida em 20.11.2018, conforme data e assinatura apostas no aviso de receção constante de fls. 251 e 252 do apenso.
Da OI2018...96
14. Através do Ofício n.º ...92, datado de 01.10.2018, registo postal CTT n.º RF.......55PT, foi a sociedade, ora impugnante, na pessoa do mandatário constituído no procedimento, notificada para o exercício do direito de audição prévia – Cfr. fls. 254 do apenso.
15. A impugnante exerceu o direito de audição prévia nos termos constantes de fls. 340 a 393 do apenso.
16. Em 06.11.2018 foi elaborado o relatório de inspecção tributária, dando-se aqui por reproduzido o respectivo teor – cfr. fls. 396 a 419 do apenso.
17. Através do Ofício n.º ...28, datado de 19.11.2018, remetido através de carta registada com aviso de receção – registo dos CTT n.º RF.......05PT – foi a sociedade, na pessoa da mandatária constituída, notificada do RIT, com notificação ocorrida em 20.11.2018, conforme data e assinatura apostas no aviso de receção constante de fls. 420/421 do apenso;
18. Na sequência das correcções promovidas no âmbito dos procedimentos de Inspeção Tributária foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de imposto:
IVA e Juros Compensatórios referentes aos períodos de tributação de 2015, 2016 e 2017, no montante global a pagar de €677.275,19 – cfr. docs. 1 a 27 juntos com a PI do processo principal;
IRC e Juros Compensatórios referentes aos períodos de tributação de 2015 e 2016, no valor de €269.056,02 e €190.872,45, respetivamente – cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial do processo apenso.
19. As liquidações identificadas no ponto precedente foram notificadas à Impugnante através da sua caixa “via CTT” – factualidade não controvertida.
Do procedimento de Reclamação Graciosa nº ............05.2
20. Em 08.05.2019, a aqui impugnante apresentou Reclamação Graciosa, com vista à anulação das liquidações de IVA identificadas no ponto 18. – cfr. fls. 437 a 457 do apenso.
21. Em 28.08.2019 foi proferido projecto de decisão de indeferimento, com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
cfr. fls. 556 a 562 do apenso].
22. Notificada para o efeito, a Impugnante não exerceu o direito de audição – cfr. fls. 563 a 565 do apenso.
23. Por decisão de 18.09.2019 foi convertida em definitiva a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, notificada mediante o envio do ofício n.º ...40, de 18.09.2019, acompanhado do registo postal dos CTT n.º RF.......46PT, ao mandatário designado para o efeito – cfr. fls. 568 e 570 do apenso.
Do procedimento de Reclamação Graciosa nº ............04.4
24. Em 08.05.2019, a aqui impugnante apresentou Reclamação Graciosa, com vista à anulação das liquidações de IRC identificadas no ponto 18. – cfr. fls. 437 a 457 do PA junto à Impugnação nº 2472/19.0BEBRG.
25. Em 28.08.2019 foi proferido projecto de decisão de indeferimento
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[cfr. fls. 282 a 286 do PA junto à Impugnação nº 2472/19.0BEBRG].
26. Notificada para o efeito, a Impugnante não exerceu o direito de audição – cfr. fls. 288 do PA junto à Impugnação nº 2472/19.0BEBRG.
27. Por decisão de 18.09.2019 foi convertida em definitiva a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, notificada mediante o envio do ofício n.º ...38, de 18.09.2019, acompanhado do registo postal dos CTT n.º RF........32PT, ao mandatário designado para o efeito – cfr. fls. 291 e 295 do PA junto à Impugnação nº 2472/19.0BEBRG.
Mais se provou o seguinte:
28. Em 07.08.2015, a Impugnante enviou email ao cliente «AA» através do qual a Nota de Crédito 1/9, por lapso na elaboração da factura 1/501 – cfr. doc. 31 junto com a PI do processo principal.
29. Em 02.02.2015, a Impugnante enviou email ao cliente «BB» através do qual remeteu a Nota de Crédito 1/2 que visou anular a factura 1/33 – cfr. doc. 32 junto com a PI do processo principal.
30. Em 14.04.2017, a Impugnante enviou email ao cliente «CC» através do qual foi remetida a Nota de Crédito 2017/09, por lapso na elaboração da factura 2017/106 – cfr. doc. 37 junto com a PI do processo principal.
31. Em 07.07.2017, a Impugnante enviou email à cliente «DD» através do qual a Nota de Crédito 2017/11, por ter havido engano na taxa de IVA mencionada na factura 2017/201 – cfr. doc. 39 junto com a PI do processo principal.
C) FACTOS NÃO PROVADOS
Não ficou demonstrado nos autos que:
Em vários acordos de rescisão, o valor entregue antecipadamente pelo cliente [registado na conta 27823] é descrito como “contraprestação para os serviços de acompanhamento da obra, projetos, licenciamentos, entre outros”.
D) MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A decisão da matéria de facto considerada provada resultou do exame dos documentos que constam dos autos, identificados em cada um dos pontos do probatório.
Relativamente à factualidade não provada, é de salientar que analisados todos os Anexos dos diversos relatórios de inspecção não vislumbramos qualquer documento comprovativo da matéria alegada, sendo certo que de acordo com o disposto na alínea i) do nº 3 do artigo 62º do Regime Complementar de Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira o relatório de inspecção deve ser instruído com os “meios de prova” de “suporte das correcções efectuadas”. (…)”
4. JULGAMENTO DE DIREITO.
4.1. Nas conclusões I. e II. a Recorrente censura a sentença recorrida por entender que incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, primeiramente, ao dar como não provado o concreto ponto da matéria de facto do ponto C) e, por outro lado, ao ter desvalorizado toda a prova produzida pelos SIT nos respetivos relatórios de Inspeção Tributária.
E que o concreto ponto da matéria de facto C), baseou-se em juízo valorativo da Mma. Juíza segundo o qual “relativamente à factualidade não provada, é de salientar que analisados todos os Anexos dos diversos relatórios de inspeção não vislumbramos qualquer documento comprovativo da matéria alegada, sendo certo que de acordo com o disposto na alínea i) do nº 3 do artigo 62º do Regime Complementar de Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira o relatório de inspeção deve ser instruído com os “meios de prova” de “suporte das correcções efectuadas”.
Na conclusão XV alega que deverá aditar-se à matéria de facto o seguinte ponto como não provado: que as importâncias refletidas na conta 27823 – cauções e obras em curso se destinaram a suportar despesas contraídas em nome e por conta dos seus clientes.
Em suma pretende que seja eliminada a alínea C) dos factos não provado e aditado aos factos não provado outro facto.
Vejamos.
Resulta da conjugação dos art.ºs 662.º e 640.º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa e desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados indique os concretos meios probatórios e a decisão que, no seu entender deve ser proferida.
Baixando ao caso dos autos, consta da matéria de facto não provada que “ Não ficou demonstrado nos autos que:
Em vários acordos de rescisão, o valor entregue antecipadamente pelo cliente [registado na conta 27823] é descrito como “contraprestação para os serviços de acompanhamento da obra, projetos, licenciamentos, entre outros”.
Analisada a alegação dada como não provada termos de concluir que se trata de um juízo conclusivo na medida em que, um juízo de facto é um julgamento baseado em análise isenta de valores ou interpretações subjetivas identificando somente aquilo que é visível comprovado ou objetivo.
Como é sabido, a matéria de facto deve assentar em factos simples e concretos, ou seja, factos diante dos quais não seja necessário tirar ilações de outros factos, nem de realizar integrações jurídicas.
O que a Recorrente pretende, é que seja dado como provado um facto, que no fundo, é mais uma conclusão retirada em face dos elementos carreados no Relatório de Inspeção. Portanto, não é um facto simples, que possa ser levado, à matéria de facto, sem realizar a interpretação de outros factos e até de efetuar uma análise jurídica, como aliás é realizada no relatório, quando cita um Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.
Tratando-se de um juízo genérico, indeterminado, reportando-se a vários acordos de rescisão, sem, contudo, explicar que acordos se tratavam e com quem foram celebrados, e em que número, sem identificar a que anos se referem, não pode ser levado ao probatório.
Nesta conformidade, procede-se à eliminação da citada alínea C) dos factos não provados.
Porém a Recorrente pretende que a mesma alegação, embora com formulação diversa, seja levada aos factos provados, como supra se disse, e pelos mesmos motivos, e por se tratar de um juízo conclusivo, vago e genérico não pode ser levado aos factos provados.
Pelo que não se procede ao seu aditamento.

4.2. Estabilizada a matéria de facto, a questão a decidir nos presentes autos é a de saber sobre quem recai o ónus da prova. Se é sobre a Recorrente que defende que as importâncias contabilizadas na conta de terceiros 27823 com a designação de “cauções de obras em curso” são contraprestações de serviços conexos com os contratos de empreitada e por esse motivo rendimentos ou ganhos sujeitos a regras de incidência de IVA e de IRC.
Ou, se é sobre a Recorrida que defende que as importâncias contabilizadas na conta de terceiros 27823 trata-se de adiantamentos para fazer face as despesas suportadas em nome e por conta dos clientes e que por esse motivo não são rendimentos ou ganhos logo não estão sujeitos a regras da incidência do IVA e de IRC.
A Recorrente alega que a Autoridade Tributária cumpriu o seu ónus probatório, por isso deveria a Impugnante ter alegado e provado factos concretos e sindicáveis sobre tais importâncias, refutando os fundamentos constantes dos relatórios de inspeção tributária, o que não fez, tendo apenas alegado, de modo genérico, que se trataria de cauções ou garantias para fazer face a despesas a serem suportados em nome e por conta dos clientes.
E que recai sobre o Impugnante o ónus da prova dos factos que agora invoca na sequência das correções plasmadas no RIT inscritos na sua contabilidade relativa aos anos de 2015, 2016 e 2017 das importâncias recebidas dos clientes e contabilizadas na conta 27823 – “cauções de obras em curso”, isto porque, entende que os SIT recolheram indícios suficientes que, analisados conjuntamente, à luz das regras da experiência comum, permitem alicerçar as correções efetuadas.
Tratando-se de factos seriamente indiciantes de que as importâncias classificadas na contabilidade pela Impugnante como se tratando de cauções eram na realidade rendimentos conexos com o contrato de empreitada auferidos pela contraprestação de serviços, inexistindo prova que tais importâncias se destinaram efetivamente a ressarcir despesas faturadas por conta dos seus clientes na argumentação da impugnação.
Para sustentar as correções, os SIT apuraram factos índices acima transcritos, sendo em relação ao facto i) desses factos-índice que a sentença recorrida considera não estar comprovado nos autos por referência aos contratos de rescisão a menção de que os adiantamentos estavam descritos como uma contraprestação para serviços prestados aos clientes, de acompanhamento de obra, projetos, licenciamentos, e.o., ou seja, que os acordos de rescisão contendo essa menção não constam dos documentos que integram o RIT.
Mais refere que, os SIT lograram recolher outros factos, os chamados factos-índice, os quais permitiram concluir que as importâncias em causa não se tratava de cauções de obras em curso (subconta 27823), mas de importâncias relacionadas com uma contraprestação por serviços prestados aos seus clientes atenta a sua conexão com o contrato principal, o de empreitada.
Conclui que a atuação da Administração Tributária foi conforme à lei, não se verificando o vício que é imputado ao ato tributário, sendo que este por ser legal, deverá manter-se. E que, tendo na douta sentença ora recorrida decidido de forma diversa é inevitável que se conclua que foi violado o disposto nas normas respeitantes à incidência tributária do ato de liquidação, artigos 8.º, n.º 1, c), 16.º, n.º 1 e 28.º, n.º 1, alínea b), todos do CIVA e artigos 17.º e 20.º, n.º 1, ambos do CIRC, na redação à data dos factos.
Vejamos:
Como é sabido, nos casos em que, por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no art.º 75º, nº 1 da LGT deixa de funcionar, a Administração Tributária fica legitimada a efetuar a determinação da matéria tributável, com recurso para o efeito e preferencialmente de métodos diretos ou, quando tal não seja possível, a métodos indiretos.
No entanto, a Administração Tributária, nos termos do art.º 74.º da LGT, tem o ónus de demonstrar que o juízo que esteve subjacente à sua atuação corretiva é bem fundado, provando os indícios que o sustentam, demonstrando a factualidade suscetível de abalar a presunção da veracidade das operações registadas na contabilidade do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte.
E como bem refere a sentença recorrida, a doutrina e a jurisprudência têm afirmado,actuando a Administração Tributária no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabe-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efectuar as correcções técnicas que suportam essa liquidação”. – cf., por todos, acórdão do STA de 28/9/2011, Processo 0494/11.
Para o efeito, compete à Autoridade Tributária (AT) demonstrar os indícios suficientes de que a contabilidade não espelha a matéria tributável real, conforme determina o n.º 1 do artigo 74.º da LGT.
Portanto, importa apurar se a AT logrou demonstrar existência de indícios de que a contabilidade (na matéria que está aqui em causa), não reflete a realidade das operações que foram inscritas no registo contabilístico.
Se a AT lograr demonstrar que existem indícios de a contabilidade não espelhar a realidade, passa a caber ao contribuinte o ónus de demonstrar os factos relevantes para a fixação da matéria coletável. Ou seja, o contribuinte deve apresentar a prova necessária e suficiente para corroborar os registos contabilísticos que efetuou. Por isso, é necessário que os documentos de suporte da contabilidade sejam idóneos para que os registos contabilísticos tivessem sido realizados do modo que o foram.
A Administração Fiscal, através do SIT, procedeu a correções aritméticas em sede de IRC e IVA, nos anos de 2015, 2016 e 2017, considerando que o sujeito passivo relevou os valores dos adiantamentos recebidos dos clientes em conta de terceiros (sob contas 27823-cauções de obras em curso) não refletindo esses valores no apuramento dos resultados contabilísticos ou fiscais do período.
E dessa forma considerou que os adiantamentos são rendimentos do sujeito passivo não quando são recebidos, mas à medida que as obras foram decorrendo, ou seja, pela percentagem do acabamento de cada uma das obras.
Para sustentar a sua conclusão, os serviços de inspeção no Relatório de Inspeção invocaram os seguintes factos/argumentos:
De facto, no caso concreto, apesar do sujeito passivo, designar estes montantes entregues antecipadamente pelos clientes como “cauções”, verificam-se um conjunto de factos que colocam em crise essa natureza:
i) Em vários acordos de rescisão, verifica-se que descrevem o valor entregue antecipadamente pelo cliente, como correspondentes a uma contraprestação para os serviços de acompanhamento da obra, projetos, licenciamentos, entre outros;
ii) Em várias obras concluídas pelo sujeito passivo, não se verificou que este tenha devolvido este valor aos clientes, o que pressupõe, desde logo, que estes valores revestem a natureza de prestações de serviços conexos com o contrato de empreitada;
iii) A própria caracterização do serviço “CASA ... ...”, como um serviço “chave-na-mão”, pressupõe que inclua os serviços prévios de conceção (projetos), licenciamentos e acompanhamento da obra. Apesar de alguns destes serviços estarem descritos nos contratos de empreitada celebrados com os clientes, não estão incluídos no valor dos contratos de empreitada;
iv) Constatou-se que o sujeito passivo em determinadas obras, procedeu à emissão de fatura referente aos adiantamentos, descrevendo-os como “Serviço de Construção- Adjudicação do contrato” ou então como “Serviço de Construção prestado, para vossa obra”. Apesar de posteriormente o sujeito passivo ter anulado esses documentos, não evidenciou fundamentação para tal nem que deu conhecimento dessa anulação ao cliente, até porque essas faturas refletiam os montantes recebidos antecipadamente do cliente. A este respeito, veja-se a título exemplificativo os documentos que integram o Anexo VIII.(…)”
Considerou-se, ainda, nos relatórios de inspeção que “o próprio sujeito passivo, em 2017, determinou como rendimento do período, os valores que não foram devolvidos aos clientes, decorrente dos acordos de rescisão celebrados, ou que é clarificador da natureza dos montantes entregues antecipadamente, pois serviam para pagamento antecipado, dos serviços construção designadamente referentes à conceção de projetos.”
Após procedeu ao levantamento em cada um dos anos, os valores contabilizados nas respetivas contas correntes de cada cliente apurando assim, o imposto devido a título de IRC e IVA, nos referidos anos.
A sentença recorrida analisou o quadro legal aplicável à data dos factos, o que não vem questionado, bem como cada um dos argumentos sustentados pela Inspeção para proceder às correções.
Relativamente à analise do facto/índice do ponto I, no qual consta “Em vários acordos de rescisão, verifica-se que descrevem o valor entregue antecipadamente pelo cliente, como correspondente a uma contraprestação para os serviços de acompanhamento da obra, projetos, licenciamentos, entre outros.” teremos de convocar aquilo que se disse na apreciação erro de julgamento da matéria de facto. Trata-se de um juízo conclusivo, genérico e sem identificar quais e quantos acordos de rescisão estão em causa bem como os anos a que os mesmos se reportam.
O argumento é vago e genérico não evidenciando de forma concretizada que os valores registados na referida conta de terceiros constituíam a contrapartida dos serviços prestados pela Impugnante/Recorrida.
Argumento que não permite per si concluir que estes valores reveste a natureza de prestações de serviços conexos com o contrato de empreitada.
Nos restantes índice acompanhamos análise que foi efetuada pela sentença recorrida, ou seja, que passaremos a transcrever por uma questão de economia de meios.”(...)
Refere, ainda, a AT para fundamentar as correcções efectuadas que os serviços prévios de elaboração de projectos, licenciamentos e acompanhamento da obra não estavam incluídos no valor do contrato de empreitada, daí concluindo que os montantes em discussão nos autos constituíam a contrapartida pela prestação desses serviços “conexos” com o contrato de empreitada.
Ora, na verdade, os contratos de empreitada estipulavam que recaía sobre a Impugnante, nomeadamente, a obrigação de “obter os projectos de arquitectura, especialidades, respectivas licenças, a contratação do abastecimento de águia e energia eléctrica à obra (…)”, o que significa que tais serviços estavam contemplados na empreitada e, por conseguinte, incluídos no preço global da empreitada.
Tal conclusão não é posta em causa pelo facto de nos planos de trabalhos/planos de pagamentos não virem discriminados todos os serviços em causa – repare-se que os mesmos até aludem à obtenção dos certificados para emissão da licença de utilização - pois tal documento não tem carácter exaustivo, visando apenas fixar o momento do vencimento de cada uma das prestações, em que se decompunha o preço global, por referência a certas fases da obra.
Conclui-se, deste modo, que não se encontra devidamente fundamentada a afirmação constante dos relatórios de inspecção de que os serviços “conexos” com as empreitadas realizadas pela Impugnante não estavam abrangidos no preço fixado nos respectivos contratos.
Sustenta, ainda, a inspecção tributária que a Impugnante procedeu à emissão de facturas referentes a “montantes recebidos antecipadamente do cliente”, descrevendo-os como “Serviço de Construção – Adjudicação do contrato” ou então como “Serviço de construção prestado, para vossa obra”, facturas essas que foram anuladas sem que o sujeito passivo evidenciasse fundamentação para tal e sem que desse conhecimento aos clientes.
Relativamente a esta matéria, a Impugnante defende que tais facturas não são relativas aos montantes pagos pelos clientes a título de “caução” [entenda-se, adiantamentos para despesas em nome e por conta dos clientes], mas sim à adjudicação dos contratos de empreitada, acrescentando que as mesmas foram anuladas em consequência da rescisão dos mesmos.
Analisadas as referidas facturas - que integram o Anexo VIII do RIT referido no ponto 8. dos factos provados e o Anexo IX do RIT referido no ponto 12. – não se vislumbra qual a razão que levou a AT a concluir que as mesmas respeitavam às ditas “cauções”, uma vez que o seu descritivo alude a “serviço de construção” e “adjudicação do contrato”.
Tal conclusão colide, aliás, frontalmente com a afirmação efectuada nos diversos relatórios de inspecção e que veio a sustentar as correcções efectuadas em sede de IVA e IRC, a saber, a de que os serviços prestados pela Impugnante conexos com a empreitada não eram facturados pelo sujeito passivo aos clientes não relevando as contrapartidas recebidas como proveito, nem liquidando o respectivo IVA) – cfr. pág. 10 de cada um dos RIT.
Em face do exposto, cai por terra o argumento da AT em análise.
Por último, refere-se nos relatórios de inspecção que “o próprio sujeito passivo, em 2017, determinou como rendimento do período, os valores que não foram devolvidos aos clientes, decorrente dos acórdãos de rescisão celebrados, o que é clarificador da natureza dos montantes entregues antecipadamente, pois serviam para pagamento antecipado, de serviços de construção, designadamente referente à conceção de projetos”.
A Impugnante, por seu lado, refere que nos casos em que o valor das “cauções” não foi totalmente gasto em despesas e no acordo de rescisão o cliente abdicou do montante não utilizado, ocorreu um perdão da dívida existente e registada na contabilidade.
Ora, de acordo com o parágrafo 90 da Estrutura Conceptual do SNC, o perdão do pagamento da dívida a pagar aos credores, deve resultar no desreconhecimento do passivo financeiro por contrapartida do reconhecimento de rendimentos.
Assim, in casu, o perdão da dívida (correspondente à parte da “caução” que não foi utilizada) deveria ser efectivamente considerado como um rendimento da Impugnante, por contrapartida da conta de terceiros (subconta 27823) onde as dívidas se encontravam relevadas.
Deste modo, o registo na contabilidade da Impugnante como “rendimento do período” de “valores que não foram devolvidos aos clientes, decorrente dos acórdãos de rescisão celebrados” não significa necessariamente que tais montantes dissessem respeito a pagamentos antecipados de serviços de construção (designadamente “conceção de projetos”).
Em suma, impõe-se concluir que, não foram reunidos pela AT elementos válidos para sustentar que os valores registados na referida conta de terceiros constituíam a contrapartida dos serviços prestados pela Impugnante, resultando, ao invés, da prova documental junta aos relatórios de inspecção que essas importâncias respeitavam a adiantamentos de despesas por conta e em nome dos clientes ou, em última ratio, gerando dúvidas fundadas sobre a existência ou quantificação do facto tributário, nos termos do artigo 100.º, n.º 1 do CPPT:
- Na cláusula terceira dos contratos de empreitada consta que os clientes se comprometem a “assinar os documentos necessários [para a obtenção dos projectos de arquitectura, especialidades, respectivas licenças, contratação de água e energia elétrica …”], o que significa que se tratava de despesas incorridas em nome do cliente (dono da obra).
- Os documentos que integram o Anexo I dos relatórios de inspecção (declarações emitidas pela Impugnante para quitação das importâncias em causa) fazem referência a “despesas” com “projectos de arquitectura”, “licenciamentos”, “taxas municipais”, “certificado energético”, etc.;
- As importâncias em causa eram registadas na contabilidade numa conta de terceiros (subconta da conta 278 – “Outras contas a receber e a pagar”/”Outros devedores e credores” – em conformidade com o Código de Contas aprovado pela Portaria n.º 218/2015 de 23 de julho), não sendo consequentemente liquidado IVA, nem sendo englobadas no rendimento tributável em sede de IRC, observando, assim, o regime legal acima descrito da figura dos adiantamentos por conta de despesas em nome e por conta do cliente;
- Do balancete junto com a PI (doc. 29) resulta que na referida conta eram registadas as importâncias pagas pelos clientes e debitados diversos montantes que não podem senão corresponder aos pagamentos que iam sendo efectuados pela Impugnante, relacionados com esses adiantamentos para despesas em nome dos clientes.
Em face do exposto, impõe-se concluir que a designação de “caução” dada na contabilidade aos valores recebidos pela Impugnante em discussão nos autos (e que, por exemplo, na actividade da advocacia se designa comummente de “provisão” para pagamento de despesas), configura uma simples inexactidão que, desacompanhada de quaisquer outros elementos válidos, é manifestamente insuficiente para servir de fundamento às correcções efectuadas pela AT.
Saliente-se, por fim, que ao qualificar as importâncias em causa como ganhos tributáveis sem atender aos gastos que a Impugnante suportou com a obtenção dos projectos de arquitectura, licenças, taxas, etc. – refletidos nos movimentos a débito da conta 27823 – a AT não observou o princípio constitucional da tributação do rendimento real que consta do artigo 104º, n.º 2 da Constituição da República, pelo que as liquidações adicionais de IRC impugnadas enfermariam, em qualquer caso, de ilegalidade. (…)”.
Alega a Recorrente que a decisão ao valorar como valorou a prova produzida pelos SIT deveria ser elaborada em conjunto com os restantes factos índice e não de forma isolada determinando por si só a procedência ou improcedência da ação.
Porém não se pode concordar com a Recorrente, pois, apesar de ter sido analisados os 4 factos índices, individualmente, foram concatenados, bem como com outros elementos existentes nos autos e dos Relatórios, concluindo-se que em conjuntos e à luz das regras da experiência comum, não permitem alicerçar as correções efetuadas, pelo que a sentença recorrida fez uma correta apreciação e valoração da prova, não merecendo reparo.
Aqui chegados termos de concluir, tal como a sentença recorrida, que as liquidações de IVA e IRC impugnadas enfermam de ilegalidade por erro nos pressupostos na parte em que assentaram nas correções efetuadas em sede de adiantamentos/cauções.
Em jeito de nota final cumpre ainda salientar, conforme se pode ver pelas alegações da Recorrente, bem assim como pelas conclusões acima transcritas, apenas sindica a sentença no que concerne à matéria de facto dada como não provada. No demais que ficou decidido na sentença, a Recorrente não esgrime qualquer fundamento para o desacerto da decisão, limitando-se a invocar o regime do ónus da prova e a reafirmar que a Inspeção Tributária cumpriu o seu ónus da prova, pois recolheu indícios certos e seguros sobre a falta de veracidade da contabilização realizada pela Impugnante na conta 27823, o que em bom rigor conduziria ao não cumprimento do n.º 5 do art.º 635.º do CPC.
Destarte improcede a pretensão da Recorrente.

4.3. No que concerne a custas, atenta a improcedência total do recurso, é a Recorrente a responsável pelas custas do mesmo nos temos dos artigos 527.º, n.ºs. 1 e 2 do 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Considerando que na sentença foi fixado o valor da ação em € 1.137.202,00, justifica-se analisar se deve ocorrer dispensa do remanescente da taxa de justiça.
Tem sido entendido pela jurisprudência que a complexidade da causa ou a conduta das partes constituem factores que devem ser atendidos para a dispensa do remanescente da taxa de justiça, mas outros factores também podem ser relevantes para o efeito, em função do princípio da proporcionalidade, designadamente a natureza e a atividade exercida pelos sujeitos processuais, o valor dos interesses económicos em discussão ou os resultados obtidos.
Veja-se, por exemplo, o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 06/05/2016, proferido no processo n.º 03192/11.0BEPRT, cujo sumário é:
I – O artigo 6º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais concede ao juiz, oficiosamente ou a instâncias tempestiva das partes, um poder/dever de dispensar, nas causas de valor superior a 275.000,00€, o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, em função da apreciação casuística da especificidade da situação em causa, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, ou seja, à falta de especial complexidade da mesma e ao comportamento processual positivo das partes, de recíproca correcção, cooperação e de boa-fé.
II – Dessa forma permite-se ao juiz adequar o valor da taxa de justiça aos custos que, em concreto, o processo consumiu ao sistema de administração de justiça, em ordem à salvaguarda, entre outros valores, dos da proporcionalidade e da justiça distributiva na responsabilização/pagamento das custas processuais.”
Relativamente a este aspeto cumpre referir que a conduta das partes não foi belicosa, o processo não oferece especial complexidade, assim como pela salvaguarda do princípio da proporcionalidade, na medida em que o processo não teve especiais ou demoradas diligências, deve ser dispensado o remanescente da taxa de justiça.

4.4. E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário:
I. A presunção consagrada no art.º 75º, nº 1 da LGT deixa de funcionar, a Administração Tributária fica legitimada a efetuar a determinação da matéria tributável, com recurso para o efeito e preferencialmente de métodos diretos ou, quando tal não seja possível, a métodos indiretos.
II. No entanto, a Administração Tributária, nos termos do art.º 74.º da LGT, tem o ónus de demonstrar que o juízo que esteve subjacente à sua atuação corretiva é bem fundado, provando os indícios que o sustentam, demonstrando a factualidade suscetível de abalar a presunção da veracidade das operações registadas na contabilidade do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, negar provimento ao recurso interposto, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente, nesta instância, nos termos do art.º 527.º do CPC, dispensando-se do remanescente da taxa de justiça.

Após trânsito em julgado do presente acórdão dê-se conhecimento ao processo n.º.../18.2IDBRG, a correr no Departamento de Investigação e Ação Penal- 1.ª Secção de ..., melhor identificada nos autos.

Porto, 7 de dezembro de 2023

Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ana Paula Coelho dos Santos
Paulo Moura