Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01666/23.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/16/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA; SUBCONTRATADO;
DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO;
EXCLUSÃO DE PROPOSTA;
Sumário:
I – A circunstância de uma concorrente não assumir na sua proposta o recurso à subcontratação por parte de determinado operador económico, identificando-o apenas como sendo a entidade titular das licenças administrativas necessárias à execução dos serviços postos a concurso, não obsta a que tal operador não possa ser qualificado como uma sendo “entidade subcontratada”, dependendo esta qualificação apenas do escopo da sua intervenção no âmbito dos serviços propostos pela concorrente em questão.

II- É de excluir uma proposta em que o operador económico pretende recorrer às capacidades de outra entidade para a execução de um contrato público e não apresenta, conjuntamente com a proposta, os documentos de habilitação dessa entidade e a declaração de compromisso da mesma.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento aos recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:
* *

I – RELATÓRIO

1. A sociedade [SCom01...], S.A. [doravante [SCom01...]] e a [SCom02...] [doravante [SCom02...]], Contra-interessada e Entidade Demandada, respectivamente, nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Autora a sociedade [SCom03...], S.A. [doravante [SCom03...]], vêm intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou procedente a presente ação, e, em consequência, “(…) [anulou ] a deliberação de 31.7.2023 do Conselho de Administração da [SCom02...] de adjudicação da “Prestação de serviços de transporte e deposição em aterro de escórias produzidas na Central de Valorização Energética” à proposta da CI, [SCom01...] S.A. (…) [e condenou] a entidade demandada a proferir ato de exclusão da proposta da CI do concurso para “Prestação de serviços de transporte e deposição em aterro de escórias produzidas na Central de Valorização Energética” e a adjudicar o contrato à proposta da A. (…)”.

2. Alegando, a Recorrente [SCom01...] formulou as seguintes conclusões: “(…)

1º) A C.I., aqui Recorrente, nunca assumiu que a [SCom04...] é sua subcontratada, dado que esta é detida a 100% pela [SCom01...], S.A. (facto provado 13, págs. 59/61 da sentença), mas bem sabendo que a deposição controlada das escórias teria de ser feita no aterro da [SCom04...].

2º) Aliás, basta verificar o DEUCP da C.I. Recorrente, onde esta só indicou como subcontratada a [SCom05...] (facto provado 8, pág. 41 da sentença).

3º) É certo que a alínea l) do n.° 1 do Artigo 9.° do P.P. exige ao proponente que junte à proposta uma declaração de compromissos, quando recorra às capacidades de outras entidades, mas só o exige em relação aos subcontratados e a [SCom04...] não é subcontratada da [SCom01...], S.A.

4º) O tribunal a quo não pode interferir na natureza do vínculo que une a [SCom01...] e a [SCom04...], como é patente na jurisprudência do TJUE (Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, 5^ edição, pág. 754/755 ).

5º) O n.° 1 do artigo 63.° da Diretiva 2014/24/EU refere expressamente ...Quando pretenda recorrer às capacidades de outras entidades, o operador económico deve provar à autoridade adjudicante que irá dispor dos recursos necessários, por exemplo através da “apresentação de uma declaração de compromisso dessas entidades para o efeito.”.

6º) Ora, sendo certo que a C.I. deve provar à E.D. que irá dispor dos recursos necessários à execução do contrato ( in casu, o tratamento das escórias), mas é livre de escolher a natureza do vínculo que a liga à [SCom04...] e o modo da prova de tal vínculo, encontra-se já plenamente feita a referida prova: i) a natureza do vínculo advém do facto de a proponente ser a titular da totalidade do capital da [SCom04...] (facto provado 13, págs. 59/61 da sentença; ii) o modo da prova, pela entrega dos documentos que a C.I. carreou para o processo (vejam-se os documentos das alíneas e), f)-nomeadamente o ponto 4 da Metodologia e Desenvolvimento dos Serviços a Prestar - g) e j) do n.° 1 do Artigo 9.° do P.P., para além da certidão permanente, factos provados 6 e 13).

7º) Não falta à proposta da C.I. a apresentação de qualquer documento que comprove à E.D. a disponibilidade dos recursos necessários à execução do contrato, não é exigível à C.I. Recorrente a apresentação da declaração de compromisso da [SCom04...] e, por isso, falece a argumentação do tribunal a quo quanto a esta questão, sendo notório o erro da sua decisão.

8º) Acresce o facto de que, mesmo que se entendesse que a [SCom04...] é subcontratada da [SCom01...], S.A., e já vimos que não o é, o P.P. é omisso quanto às consequências que derivam da não entrega da referida declaração de compromisso.

9º) Por outro lado, a remissão do Artigo 14.° do P.P. para a o n.° 2 do Artigo 70.° e n°s 2 e 3 do Artigo 146.° do CCP também não tem a virtualidade de penalizar com a exclusão a proposta à qual falte a dita declaração de compromisso.

10º) Com efeito, a sentença a quo exclui a proposta da C.I. Recorrente, com base no Artigo 146.°, n.° 2 al. d) do CCP, isto é, o Júri deve propor a exclusão de propostas “que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto nos n.° 1 e 2 do Artigo 57.° e no Artigo 57.°-A”.

11º) O Artigo 57.°-A não se aplica; n.° 2 do Artigo 57.° também não se aplica; a alínea a) do n.° 1 do Artigo 57.° não está em causa; as alíneas b) e c) do n.° 1 do Artigo 57.° dizem respeito a documentos que contenham os atributos da proposta ou contenham os termos e condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule, o que não é o caso.

12º) É que, uma coisa são os próprios documentos do proponente que contêm os atributos e termos e condições da proposta, outra coisa bem diferente são compromissos assumidos por terceiras entidades, não perante a entidade adjudicante, mas perante o próprio proponente.

13º) O tribunal a quo julgou com erro manifesto (…)”.

3. Já quanto ao seu recurso, a Recorrente [SCom02...] rematou nos seguintes termos: “(…)

I. Vem o presente Recurso interposto do saneador-sentença proferido pelo douto Tribunal a quo a 09.11.2023, com a referência SITAF ...63 através do qual aquele digníssimo Tribunal julgou totalmente procedente a pretensão aduzida pela Recorrida, [SCom03...], S.A., anulando a decisão de adjudicação e condenando a Recorrente a proferir ato de exclusão da proposta da Contrainteressada e a adjudicar o referido procedimento à proposta da Recorrida;

II. Não pode a Recorrente conformar-se com o sentido e com a fundamentação da decisão ora em crise, porquanto a mesma incorre em manifesto erro de julgamento de Direito, ofendendo os mais elementares ditames jurídico-legais;

III. Não pode a Recorrente deixar de rebelar, de forma absolutamente clara, contra a sentença recorrida na medida em que a mesma incorreu num manifesto erro de Direito ao entender que as exigências decorrentes da aplicação conjugada do disposto no Considerando 84 e nos artigos 59.° e 63.° da Diretiva seriam aplicáveis, tal quale, a procedimentos que não se revistam de uma natureza bi-fásica (v.g. procedimento de concurso público com prévia qualificação);

IV. Demonstrando-se, como se espera, este último erro, haverá que concluir que não existia a obrigação de junção, com a proposta da Contrainteressada, do DEUCP e da declaração de compromisso prevista na alínea l) do n.° 1 do artigo 9.° do Programa de Concurso o que conduzirá ao inexorável corolário de que inexiste qualquer tipo de fundamento, in casu, para a exclusão daquela proposta à luz da alínea d) do n.° 2 do artigo 146.° do CCP e da alínea n) da mesma norma;

V. Também não pode a Recorrente deixar de discordar relativamente aos termos algo simplistas com que o douto Tribunal a quo encarou a verdadeira natureza jurídica da declaração de compromisso, seja no que diz respeito à fase procedimental em que a mesma foi exigida, seja no que tange com a norma ao abrigo da qual foi fixada aquela exigência procedimental, e que impactou negativamente na fundamentação jurídica da decisão de exclusão da proposta da referida Contrainteressada;

VI. Por deliberação do Conselho de Administração da Ré, ora Recorrente, datada de 29.05.2023, foi aberto um procedimento por concurso público com publicidade internacional com vista à celebração de um contrato para a “Prestação de serviços de transporte e deposição em aterro de escórias produzidas na Central de Valorização Energética”, e aprovadas as peças do procedimento, incluindo o Programada de Procedimento e o Caderno de Encargos;

VII. Recebidas as propostas apresentadas por cada uma das referidas concorrentes, e decorrida a fase procedimental de análise e graduação daquelas, decidiu o Conselho de Administração da Ré, ora Recorrente, em reunião datada de 31.07.2023, e com fundamento no teor do Relatório Final elaborado pelo Júri do procedimento, adjudicar o “Concurso Público com publicidade internacional para a prestação de serviços de transporte e deposição em aterro de escórias produzidas na central de valorização energética” à proposta apresentada pela [SCom01...] S.A., Contrainteressada nos presentes autos;

VIII. A Recorrida intentou, em 16.08.2023, uma ação de contencioso pré-contratual, ao abrigo do preceituado nos artigos 100.° e seguintes do CPTA, através da qual peticionava o seguinte: (i) a anulação do ato de adjudicação do procedimento à Contrainteressada, nos termos e com os fundamentos supra descritos; (ii) a exclusão da proposta da Contrainteressada, nos termos e com os fundamentos supra descritos; (iii) o reenvio prejudicial, pelo Tribunal a quo, para o Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do artigo 267.° do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), para que este se pronunciasse sobre a correta interpretação dos artigos 59.° e 63.° da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho; (iv) a adjudicação do contrato ora em apreço; e ainda, (v) a declaração de ilegalidade do modelo de avaliação;

IX. Crê a Recorrente que, após análise dos fundamentos que motivam a interposição do presente recurso de apelação, o douto Tribunal ad quem reverterá o sentido da decisão datada de novembro de 2023;

X. O Tribunal a quo iniciou a fundamentação jurídica da decisão recorrida defendendo que, por força do disposto no Considerando 84 e dos artigos 59.° e 63.° da Diretiva, existe a obrigação de junção do DEUCP e das declarações de compromisso das entidades terceiras logo no momento de apresentação das propostas, mesmo no caso, como o vertente, em que não está em causa um procedimento de concurso público limitado por prévia qualificação.

XI. Tal posição não é digna de qualquer tipo de crédito jurídico, muito menos com o sentido e alcance que à mesma foram atribuídos, na estrita e indelével medida em que a mesma assenta numa errónea interpretação do considerando e das normas vindas de aludir;

XII. Mesmo que se entenda que a possibilidade de exigência de documentação complementar possa acontecer nos concursos públicos unifásicos, a verdade é que tal exigência só pode ocorrer no momento da seleção do cocontratante quando estejamos perante um concurso com prévia qualificação;

XIII. Tal conclusão resulta, não só da inserção sistemática daquele inciso (imediatamente após a referência aos concursos públicos compostos por duas fases), mas também do próprio elemento literal do referido excerto em que expressamente se refere que os destinatários de tal exigência são os “candidatos a convidar”;

XIV. Fazendo a parte final do Considerando referência a “candidatos” e a “convites”, dúvidas não restam de que a exigência de documentação complementar antes do momento adjudicatório só pode ocorrer nos casos em que as propostas apresentadas o são no seio de procedimentos de contratação pública bifásicos, únicas instâncias em que se verifica, a existência de “candidatos” e de forma relevante, “convites”;

XV. O regime resultante da aplicação conjugada do disposto no Considerando 84.° e nos artigos 59.° e 63.° da Diretiva, apesar de aplicável aos dois tipos de procedimento, não o é nos precisos e exatos termos, realidade que o douto Tribunal a quo ignorou e que, consequentemente, conduziu a uma errada interpretação, por aquela instância, do disposto no artigo 59.° e 63.° da Diretiva;

XVI. Não existia qualquer obrigação de a Contrainteressada fazer instruir a sua proposta com o DEUCP e com a declarações de compromisso da [SCom04...] porquanto, no tipo de procedimento ora em crise (concurso público com publicidade internacional), não era aplicável a disciplina ínsita no artigo 59.° e 63.° da Diretiva quando interpretados de acordo com o verdadeiro sentido e alcance do Considerando 84;

XVII. De igual modo, e sem prejuízo da Recorrente ter obtido ganho de causa quanto a esta específica matéria, também não se verificava a exigência de apresentação, junto com a proposta da Contrainteressada, do DEUCP e das declarações de compromisso da [SCom05...] precisamente com base nos mesmos fundamentos vindos de aludir;

XVIII. Sendo meridionalmente claro que não poderia ser exigido à Contrainteressada que fizesse instruir a sua proposta com o DEUCP e as declarações de compromisso das Contrainteressadas, dúvidas não restam de que, ao contrário do propugnado pelo douto Tribunal a quo, nunca a referida proposta poderia ser excluída com base na omissão da inclusão daqueles documentos à luz do preceituado na alínea d) do n.° 2 do artigo 146.° do CCP, mormente por força da omissão de apresentação da declaração de compromisso relativa à [SCom04...];

XIX. De resto, e no que tange com a falta de apresentação do DEUCP das entidades terceiras, nunca a mesma seria idónea a determinar a exclusão da proposta da Contrainteressada uma vez que tal lacuna sempre seria suprível à luz do n.° 3 do artigo 72.° do CCP, tal como, de forma correta, entendeu a sentença recorrida;

XX. Aferida a verdadeira natureza da declaração de compromisso exigida nos termos da alínea l) do n.° 1 do artigo 9.° do Programa de Concurso, a verdade é que a mesma configura uma matéria relativa à confirmação de compromissos assumidos por terceiros, nos termos da alínea c) do n.° 2 do artigo 77.° do CCP, razão pela qual nunca a mesma poderia ser exigida na fase de apresentação de propostas, mas sim, nos termos gerais, em sede pós-adjudicatória, circunstância que, aliás, surge em pleno alinhamento com tudo o que acima se referiu quanto à interpretação a conceder ao Considerando 84 e ao artigo 63.° da Diretiva;

XXI. Assim sendo, tendo-se tornado meridionalmente claro que a exigência documental prevista na alínea l) do n.° 1 do artigo 9.° do Programa de Concurso não é compatível com a verdadeira e efetiva conformação jurídica das declarações de compromisso das entidades terceiras à luz do CCP, é imperativo concluir que deverá ser esta última a prevalecer, nos termos do artigo 51.° do CCP;

XXII. Deve ter-se por não escrita a exigência documental relativa às declarações de compromisso a entregar pelas entidades terceira e, nessa medida, apenas se exigir a sua apresentação em sede de confirmação de compromissos de terceiros;

XXIII. Face a tudo quanto acima se expendeu, de forma meridionalmente clara, seja por força do disposto na Diretiva, seja na sequência da aplicação conjugada do disposto na alínea c) do n.° 2 do artigo 77.° e do artigo 51.° do CCP, não existia a obrigação, por parte da Contrainteressada, de fazer instruir a sua proposta com a declaração de compromisso de entidades terceiras;

XXIV. A omissão da apresentação daquela declaração nunca poderá determinar a exclusão da referida proposta, à luz do disposto na alínea d) do n.° 2 do artigo 146.° do CCP, tal como projetado na decisão de que ora se recorre, motivo pelo qual urge a reversão de tal decisão, por parte do douto Tribunal ad quem, com todas as consequência legais que daí advêm, o que expressamente se requer para todos os devidos e legais efeitos;

XXV. Caso se entenda que a Contrainteressada estava obrigada a apresentar a declaração de compromisso da [SCom04...], ao abrigo da alínea l) do n.° 1 do artigo 9.° do Programa de Concurso, nunca o incumprimento dessa obrigação determinaria a exclusão da proposta da Contrainteressada nos termos defendidos na decisão recorrida, isto é, à luz do preceituado na alínea d) do n.° 2 do artigo 146.° do CCP;

XXVI. Ao contrário do defendido pelo douto Tribunal a quo na sentença recorrida, as declarações de compromisso não são exigidas ao abrigo das alíneas c) do n.° 1 do artigo 57.° do CCP, uma vez que não diz respeito diretamente, nem a um atributo da proposta, nem a um termo ou condição daquela;

XXVII. O entendimento do douto Tribunal a quo quanto a esta matéria não é minimamente correto uma vez que, para efeitos de avaliação da proposta da Contrainteressada no que diz respeito ao fator F3 - Organização e Meios Humanos e Materiais a afetar à execução do contrato, o documento relevante, quando em causa estejam entidades terceiras, não é a declaração de compromisso ora em causa, mas sim a declaração do próprio concorrente em que indica os serviços que serão realizados por entidade terceira!

XXVIII. Independentemente da discussão sobre se a declaração ora em causa é apresentada à luz da alínea b) ou c) do n.° 1 do artigo 57.° do CCP (consoante se enfrente o seu conteúdo como relativo a atributo ou termo ou condição da proposta) a verdade é que só a falta daquela declaração poderia conduzir à exclusão da proposta à luz do preceituado na alínea d) do n.° 2 do artigo 146.° do CCP;

XXIX. Tendo a decisão recorrida identificado e, bem, que a indicação dos termos da prestação a desenvolver pela [SCom04...] constavam da proposta, apesar de não ter sido junta a declaração prevista para o efeito, e que, nessa medida, inexistia fundamento para a sua exclusão por força dessa realidade, dúvidas não restam de que a proposta da Contrainteressada nunca poderia ser excluída com base na alínea d) do n.° 2 do artigo 146.° do CCP;

XXX. O único raciocínio que poderia conduzir à exclusão da proposta da Contrainteressada com base na ausência de junção da declaração de compromisso da [SCom04...] seria entender-se que tal documento havia sido exigido à luz do n.° 4 do artigo 132.° do CCP e que, nessa medida, a omissão da sua entrega determinaria a exclusão da referida proposta nos termos da alínea n) do n.° 2 do artigo 146.° do CCP;

XXXI. Para que tal raciocínio seja válido, teria de estar previsto no Programa de Concurso que a omissão de entrega daquele documento e, nessa medida, o incumprimento de uma regra fixada à luz do n.° 4 do artigo 132.° do CCP, conduziria à exclusão da proposta em que tal omissão se verificasse;

XXXII. Inexistindo tal cominação, torna-se possível constatar que nunca a proposta da Contrainteressada poderia ter sido excluída com base na alínea n) do n.° 2 do artigo 146.° do CCP, nos precisos termos de que acima se deu apurada e exaustiva nota;

XXXI11. Face a tudo quanto acima se expendeu, mesmo admitindo-se que existia a obrigação legal de apresentação da declaração de compromisso da [SCom04...] no caso concreto, o que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, o inadimplemento daquela obrigação nunca poderia conduzir à exclusão da proposta da Recorrida, quer por força da alínea d) do n.° 2 do artigo 146.° do CCP, quer à luz da alínea n) da mesma norma;

XXXIV. Ao contrário do defendido na sentença recorrida, a decisão de admissão da proposta da Contrainteressada e, bem assim, a adjudicação do procedimento a seu favor não se encontram eivadas de quaisquer ilegalidades, motivo pelo qual devem manter-se na ordem jurídica, tal qual foram praticadas;

XXXV. Reflexamente, por absoluta falta de arrimo jurídico, deverá ser revertida a decisão de condenação da Recorrente na adjudicação do presente procedimento a favor da proposta da Recorrida uma vez que, uma vez admitidas as duas propostas apresentadas a concurso, e aplicado o critério de adjudicação procedimentalmente fixado, a proposta da Contrainteressada sempre será graduada em termos mais favoráveis do que a da Recorrida;

XXXVI. Para tanto é absolutamente curial que o presente recurso seja julgado totalmente procedente, por provado, e, nessa medida, seja proferido acórdão que, revogando a sentença recorrida, reponha a juridicidade imanente ao presente procedimento, o que expressamente se requer para todos os devidos e legais efeitos (…)”.

4. A Recorrida [SCom03...] produziu contra-alegações quanto a ambos os recursos, (i) defendendo a manutenção do decidido quanto à procedência da presente ação e (ii) requerendo a dispensa do pagamento do remanescente do taxa de justiça.

5. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão dos recursos, fixando os seus efeitos e o modo de subida.


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6. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

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7. Cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

8. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

9. Neste pressuposto, as questão essenciais a dirimir em ambos os recursos consiste em determinar se o Tribunal a quo, ao julgar procedente a presente ação, incorreu em diversos erros de julgamento de direito nos termos e com o alcance patenteados nas conclusões recursivas.

10. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

11. A matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art.º 663º, n.º 6, do CPC.


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IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

12. A Autora [SCom03...], aqui Recorrida, intentou a presente ação de contencioso pré-contratual, tendo formulado o seguinte petitório: “(...) Nestes termos, e nos melhores de Direito, como certamente V.ª Ex.ª doutamente suprirá, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e assim: a) Deve ser anulado o ato de adjudicação da empreitada à contrainteressada [SCom01...], S.A., nos termos e com os fundamentos expendidos na presente; b) Deve ser excluída a proposta da contrainteressada [SCom01...], S.A., nos termos e com os fundamentos expendidos na presente; caso assim não se entenda: c) Deve o Tribunal, nos termos do disposto no artigo 267.° do TFUE, proceder ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, para que este se pronuncie sobre as questões suscitadas no presente articulado; d) Deve o contrato ser adjudicado à A.; subsidiariamente: e)Deve o modelo de avaliação ser declarado ilegal nos termos e com os fundamentos expendidos na presente (…)”.

13. Arrimou tais pretensões jurisdicionais no entendimento [aqui sintetizado] de que a proposta apresentada pela Contra-interessada Adjudicatária [SCom01...] deveria ser excluída, por falta de apresentação (i) do DEUCP dos subcontratados indicados na sua proposta; (ii) da declaração de compromisso do subcontratado [SCom04...] Lda.; e ainda (iii) da declaração “onde indique os serviços que serão objeto de subcontratação”, nos termos da normação contida no art. 9.º, n.º 1 al. l) do PP, 168.º, n.º 4 e 63.º, n.º 1 da Diretiva 2014/24/EU.

14. Estribou ainda as pretensões jurisdicionais formuladas nos autos na convicção de que, “(…) reordenada a classificação em conformidade com a lei e o PP, ficará a A. com a primeira classificação (…)”, devendo, por isso, ser-lhe adjudicado o procedimento concursal visado nos autos.

15. O T.A.F. do Porto, como sabemos, julgou procedente a presente ação.

16. Perlustrando a fundamentação de direito vertida na decisão judicial recorrida, verificamos que o juízo de procedência da presente ação estribou-se, no mais essencial, no pressuposto de que, não obstante não assistir razão à Autora nos vetores assinalados quanto à falta de apresentação (i) do DEUCP dos subcontratados indicados na sua proposta e da (ii) declaração “onde indique os serviços que serão objeto de subcontratação” exigida no art. 9.º, n.º 1 al. l) do PP, a mesma asserção já não era atingível no que tange à alegada (iii) falta da declaração de compromisso do operador económico [SCom04...] Lda., que, sendo patente, constituía causa exclusiva da proposta não suprível, impondo-se, por isso, reconhecer que o ato adjudicatório impugnado enfermava de erro nos pressupostos.

17. Ancorou-se ainda no entendimento de que proposta da A. era contratualmente aceitável, sendo a única de todas as propostas que não podia ser excluída, não detendo a entidade adjudicante qualquer margem de liberdade quanto à aceitação de tal proposta, restando-lhe praticar o ato adjudicatório em favor da Autora, aqui Recorrida.

18. Razões que determinaram a (i) declaração judicial de ilegalidade da “(…) deliberação de 31.7.2023 do Conselho de Administração da [SCom02...] de adjudicação da “Prestação de serviços de transporte e deposição em aterro de escórias produzidas na Central de Valorização Energética” à proposta da CI, [SCom01...] S.A. (…)” e a (ii) condenação da Entidade Demandada “(…) a proferir ato de exclusão da proposta da CI do concurso para “Prestação de serviços de transporte e deposição em aterro de escórias produzidas na Central de Valorização Energética” e a adjudicar o contrato à proposta da A. (…)”.

19. Vêm agora as Recorrentes, por intermédio dos recursos jurisdicionais em análise, colocar em crise a decisão judicial assim promanada.

20. De facto, patenteiam as conclusões alegatórias que as Recorrentes se insurgem contra o assim decidido, impetrando-lhe diversos erros de julgamento de direito.

21. O que estribam na crença, aqui concatenada, de que:

(i) Que o operador económico [SCom04...] não pode ser considerado como subcontratado da [SCom01...], não lhe resultando, por isso, aplicável a exigência contida no artigo 9º do PP, sendo certo que, ainda que assim não se entenda, o P.P. é omisso quanto às consequências emergentes da não apresentação de tal documento, para além do que o estribo legal contido 57º-A e nos 1 e 2 do artigo 57º do CCP, e convocado pelo Tribunal a quo, resulta inaplicável quanto à patologia evidenciada nos autos [recurso da [SCom01...]];

(ii) Não podia ser exigido à concorrente [SCom01...] que fizesse instruir a sua proposta com a declaração de compromisso do operador económico [SCom04...], quer porque (i), no tipo de procedimento ora em crise [concurso público com publicidade internacional], não era aplicável a disciplina ínsita no artigo 59.ºe 63.º da Diretiva, quando interpretados de acordo com o verdadeiro sentido e alcance do Considerando 84, quer porque (ii) a natureza da “declaração de compromisso” configura uma matéria relativa à confirmação de compromissos assumidos por terceiros, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 77.º do CCP, pelo que nunca a mesma pode ser exigida na fase de apresentação de propostas, mas sim, nos termos gerais, em sede pós-adjudicatória [recurso da [SCom02...]];

(iii) Ainda que assim não se entenda, nunca o incumprimento da obrigação contida no artigo 9º, nº.1, alínea L) do PP determinaria a exclusão da proposta da concorrente [SCom01...], por força da alínea d) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP e/ou da alínea n) da mesma norma [recurso da [SCom02...]];

22. Espraiadas as considerações pertinentes da constelação argumentativa das Recorrentes, vemos nelas a necessidade de responder às seguintes questões:

23. Em primeiro lugar, determinar se o operador económico [SCom04...] deve [ou não] ser qualificado como um subcontratado da [SCom01...] para efeitos do procedimento concursal visado nos autos;

24. Em segundo lugar, e em caso afirmativo, apurar se resulta[va] [ou não] obrigatório que a [SCom01...] fizesse instruir a sua proposta com a “declaração de compromisso” do operador económico [SCom04...];

25. Em terceiro lugar, e em caso afirmativo, verificar se a falta de apresentação de tal declaração de compromisso é [ou não] determinante da exclusão da proposta da [SCom01...] do procedimento concursal em referência, ademais e especialmente, à luz da normação invocada pelo Tribunal a quo.

26. Vejamos estas questões especificadamente.

27. Assim, e no que tange ao primeiro ponto, cabe notar que a decisão que a 1.ª Instância proferiu a este respeito tem, no mais essencial, o seguinte teor, que consideramos útil transcrever para a melhor compreensão da questão prévia acima elencada e que ora nos cumpre decidir: ”(…)

Impõe-se, agora, considerar a posição da [SCom04...] pois que quer a ED, quer a CI sustentam que a mesma não pode ser considerada uma subcontratada da [SCom01...] na medida em que, por um lado, (i) não executa qualquer das operações postas a concurso, antes as suas instalações constituem o local licenciado de destino das escórias e, por outro, (ii) sendo detida a 100% pela Contrainteressada não representaria mais do que uma mera longa manus desta última na prossecução da sua atividade, não constituindo em relação àquela uma entidade terceira, antes estando a atuação da [SCom04...], Lda. exclusivamente dependente da vontade da Contrainteressada e dispondo a CI livremente dos recursos desta.

Recorda-se que nos termos do artigo 1.° do Programa de Procedimento e nos arts. 1.° das Cláusulas Jurídicas e Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos o objeto do contrato corresponde, não só ao transporte, mas também, à deposição de 75.000 (setenta e cinco mil) toneladas de escórias provenientes da Central de Valorização Energética em aterro destinado a resíduos não perigosos.

Assim, a prestação contratual abrange a deposição da escória em aterro, o qual “deverá estar apto a receber o material, devendo ser observadas todas as condições essenciais à continuidade do serviço, mesmo nas condições mais adversas e garantindo sempre a deposição dos quantitativos previstos no âmbito do presente Concurso” e “autorizado e licenciado pelas entidades competentes a receber as escórias resultantes da atividade da Central de Valorização Energética”. Ou seja, a prestação contratual a cargo do adjudicatário abrange a deposição em aterro e, bem assim, a aptidão e adequação do aterro à receção do material transportado e a depositar.

Note-se, aliás, que um dos documentos exigidos na proposta é a “licença ou autorização do aterro de destino, evidenciando que o mesmo está licenciado e apto para a receção do material objeto de Concurso” (art. 9.°, n° 1 al. j) do PP), o que resulta de o regime de tratamento de resíduos - que abrange qualquer operação de valorização ou de eliminação de resíduos, incluindo a preparação prévia à valorização ou eliminação (art. 3.° n.° 1 al. nn) do Regime Geral da Gestão de Resíduos) - estar sujeita a um regime especial de licenciamento regulado nos arts. 59.° e ss. do Regime Geral da Gestão de Resíduos. A ratio subjacente à exigência deste documento pelo Programa de Procedimento é precisamente o de verificar se o proponente dispõe das qualificações/habilitações necessárias à execução da prestação contratual respeitante ao depósito em aterro, o que significa que efetivamente o objeto contratual integra as atividades de tratamento de resíduos (no sentido que lhe é dado pelo art. 3.° n.° 1 al. nn) do Regime Geral da Gestão de Resíduos) que se desenvolvem em aterro, que não apenas o mero transporte e descargo da escória.

Atente-se, ademais, que à luz do critério de adjudicação é objeto de avaliação,

• No fator F2 a metodologia do serviço a prestar, incluindo no que se refere à deposição (Nota 2 do artigo 16.° do PP);

• No fator F3 relevam todos os meios humanos e materiais a afetar à prestação de serviços, incluindo, pois, os referentes ao aterro, e, bem assim, sendo especificamente avaliado o currículo do responsável técnico pela gestão do aterro de destino (Nota 3 do artigo 16.° do PP);

• No fator F4 é avaliada a quantidade de escórias reutilizadas (Nota 4 do artigo 16.° do PP), reutilização essa que é feita no aterro.

Considere-se que na sua proposta a CI de forma expressa admite que a prestação de serviços engloba “a gestão adequada das escórias” e que a deposição das escórias em aterro abrange “a. Recepção, controlo e pesagem do resíduo; b. Descarga do resíduo; c. Pesagem e expedição para novas cargas, caso seja necessário” e, bem assim, a reutilização dos resíduos em aterro adiantando que “a [SCom01...] compromete-se a reutilizar 10% da quantidade total na modelação do aterro, em execução de plataformas de descarga de resíduos, reperfilamento de taludes e também nos acessos de descarga no aterro, sempre que necessário.

Com esta metodologia pretende-se minimizar os impactos ambientais negativos que estão inevitavelmente associados a uma exploração deste tipo, mediante a segregação dos resíduos entrados, a compactação e a selagem, usando este resíduo em benefício do ambiente, neste caso no aterro.”

De resto, a importância da deposição e reutilização em aterro é de tal forma relevante que a CI dedica os pontos 4 e 5 do documento “Metodologia e desenvolvimento dos serviços a prestar (deposição)” a uma descrição completa de todas as atividades que são realizadas no aterro, designadamente o tratamento dos resíduos recebidos e a sua reutilização.

O exposto permite, sem margem para dúvidas, concluir que as prestações contratuais objeto do concurso em causa nos autos, no que se reporta à deposição, não se limitam a uma mera operação de descarga da escória no aterro, de tal forma que se pudesse aceitar estar em causa um mero local/destino final dos resíduos recolhidos e transportados. Opostamente, são múltiplas e diversificadas as atividades/prestações que são desenvolvidas no aterro, designadamente no que respeita ao seu tratamento e à reutilização da escória, e são de tal forma relevantes ao objeto contratual que a entidade adjudicante as elevou a atributos da proposta, assumindo-as como objeto de avaliação.

Assim sendo, dado que o objeto contratual, no que respeita à deposição, abrange as prestações que são desenvolvidas no aterro, nomeadamente o tratamento e a reutilização da escória, naturalmente que não se pode afastar do conceito de entidades a cujas capacidades o proponente recorre (a que se reporta o art. 63.° da Diretiva 2014/24/EU) aquela que executa as prestações contratuais relativas à deposição que, abrangendo o tratamento e reutilização das escórias em aterro, e não são de mero local de descarga da escória.

Isto posto, o que importa agora saber é se a [SCom04...] pode ser considerada, relativamente à CI, outra entidade a cujas capacidades a CI recorre, independentemente da natureza jurídica do vínculo que a CI tenha com ela e que poderá ser, ou não, de subcontratação.

Efetivamente, como emerge seja do n.° 1 do art. 63.° da Diretiva 2014/24/EU, seja do n.° 4 do art. 168.° do CCP (aplicável ao concurso público), do que se trata é de o operador económico recorrer a terceiros para realizar determinadas prestações objeto do contrato do contrato a celebrar, irrelevando para este efeito o tipo de vínculo que se estabelece entre o proponente e a referida entidade.

Refira-se que o subcontrato corresponde ao “negócio jurídico bilateral, pelo qual um dos sujeitos, parte em outro contrato, sem deste se desvincular e com base na posição jurídica que daí lhe advém, estipula com terceiro, (...) a execução, total ou parcial, de prestações a que está adstrito”. O subcontrato pressupõe, pois, a coexistência de dois negócios jurídicos estruturalmente individualizados, um contrato base e o subcontrato que, apesar de subordinado à convenção principal, é um negócio jurídico distinto. Adiante-se que “[o] subcontrato pode ser usado para se executarem as obrigações do contrato principal. Sendo o subcontrato usado com esta finalidade, haverá um terceiro que se substitui a uma das partes na execução da actividade a que esta se obrigara.” (Pedro Romano Martinez (in O subcontrato, Almedina, Coimbra 1989, p.188 e 129), ou seja, há uma substituição de um dos contraentes do contrato base na execução das prestações contratuais que para ele emergem desse vínculo jurídico.

Compreende-se, por isso, que o subcontrato corresponda a uma das modalidades em que se entende que o operador económico proponente recorre às capacidades de outra entidade para a execução das prestações contratuais. Mas sendo uma das modalidades não é a única, razão pela qual o legislador comunitário expressamente deu nota que para os efeitos do art. 63.° da Diretiva o recurso às capacidades de outra entidade é independente do vínculo jurídico estabelecido entre o proponente e a entidade.

Como se constata do probatório a CI juntou, no que respeita ao documento exigido pelo art. 9.°, n.° 1 al. j) do PP, a licença ambiental n.° 682/1.0/2017 emitida pela APA ao operador [SCom04...] Lda. para a instalação de “Centro Integrado de Valorização de resíduos industriais não perigosos” para o exercício da atividade de deposição de resíduos em aterro, a licença da operação de deposição de resíduos em aterro n.° 01/2019 para o aterro de resíduos não perigosos emitida pela CCDRN à [SCom04...] Lda. e o averbamento n° 1 à licença de exploração n.° ...09... emitida pela APA.

No documento “Metodologia e desenvolvimento dos serviços a prestar” a CI indica que “propõe como destino final para os resíduos do presente concurso, o seu aterro da [SCom04...] Lda., localizado em ..., freguesia do concelho ... (Coordenadas GPS: 41° 24'11.24” N- 8° 33'46.83” W).

(...)

A [SCom04...] com este Centro Integrado de Valorização de Resíduos Industriais Não Perigosos, proporciona às empresas/entidades de toda a área Norte, ... e ..., um local adequado para o tratamento, valorização e deposição dos seus resíduos não perigosos, sem a necessidade de ter de transferir os mesmos para outras regiões de Portugal.

Assim os resíduos terão como destino final um local adequado e devidamente licenciado de acordo com Decreto-Lei n.° 178/2006, de 5 de setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 102- D/2020 de 10 de dezembro de 2020 e demais diplomas aplicáveis.”. Refere que procederá à “deposição em destino final devidamente licenciado para o efeito, o aterro de resíduos industriais da [SCom04...] do qual a [SCom01...] é detentora em 100%.” E nos pontos 4.3. e seguintes desenvolve, entre o mais, o plano/metodologia de gestão/tratamento dos resíduos no Centro de Tratamento de Resíduos da [SCom04...] (ponto 4.4.) incluindo não só a receção e descarga da escória, mas também as operações de espalhamento, compactação e modelação, cobertura de telas verdes.

Mais resulta do probatório que a [SCom04...] Unipessoal, Lda.

• Corresponde a uma sociedade por quotas;

• Tem como sócio único a [SCom01...], S.A.;

• Obriga-se mediante a assinatura de dois gerentes, de um gerente e de um mandatário ou de um ou mais mandatários;

• São dela gerentes «AA», que é igualmente administrador da [SCom01...], S.A., e «BB».

Ora, pese embora a [SCom04...] tenha como sócio único a [SCom01...] tratam-se, evidentemente, de pessoas coletivas distintas e com personalidades jurídicas que se não confundem.

Efetivamente, como se sabe, o art. 980° do Código Civil prescreve que o contrato de sociedade “é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade”.

O art. 5° do Código das Sociedades Comerciais prescreve, por seu lado, que “As sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras”, conferindo personalidade jurídica às sociedades.

Como refere Pinto Furtado (in Curso de Direito das Sociedades, 5.a Edição, Coimbra, 2004, p. 24) as sociedades comerciais “não se limitam a constituir um mero corpo unitário de bens, um património autónomo, uma unidade objectiva, mas são verdadeiramente uma unidade subjectiva, um novo sujeito de direito, em si, uma individualidade diferente de cada um dos seus sócios”. Ou, de outra forma, a sociedade passa a ser um “autónomo centro de imputação de efeitos jurídicos ou autónomo sujeito de direitos e obrigações” (Alexandre Soveral Martins, «Da personalidade e capacidade jurídicas das sociedades comerciais» in Estudos de Direito das Sociedades, coord. de Coutinho de Abreu, Coimbra, 1998, p. 69).

Recorda-se que a personalidade jurídica da sociedade representa um instrumento jurídico-formal para a prossecução de interesses e fins aceites e valorizados pela ordem jurídica, sendo a sociedade comercial um instrumento legítimo de destaque patrimonial para a exploração

de certos fins económicos e a limitação da responsabilidade dos sócios representa um instrumento de viabilização da atividade económica. De tal forma que a personalidade jurídica da sociedade resulta na sua compreensão como uma entidade jurídica separada dos seus sócios e com bens próprios separados dos seus sócios.

Assim sendo, não é a mera circunstância de o sócio único da [SCom04...] ser a [SCom01...], que daí se pode extrair que não constitui, nos termos do art. 63.° da Diretiva e 168.°, n° 4 do CCP, uma entidade - distinta do próprio proponente - a cujas capacidades a [SCom01...] recorre para a execução das prestações contratuais a seu cargo.

É certo que estamos aqui perante uma relação de grupo, de domínio total superveniente, nos termos do art. 489.°, n.° 1 do CSC, tipicamente considerada no âmbito do instituto da desconsideração ou levantamento da personalidade coletiva como sendo, em abstrato, uma das situações em que poderá operar a delimitação negativa da personalidade coletiva quando se revelem os imperativos de cercear formas abusivas de atuação que ponham em risco a harmonia e a credibilidade do sistema.

Sucede que essa miscigenação/confusão das esferas jurídicas da [SCom04...] e da [SCom01...] não se mostra provada, não bastando para tanto estarmos perante uma relação de grupo, pois que, não obstante a existência de uma relação de domínio total da [SCom01...] sobre a [SCom04...], as duas entidades mantêm a sua autonomia e personalidade jurídica distinta. Na realidade a consideração unitária da [SCom01...] e da [SCom04...] dependeria da demonstração da confusão/união entre as esferas jurídicas da sociedade e da sua sócia única, o que não só não foi feito como se mostra excluída pela constatação de que a [SCom04...] se obriga com a assinatura de dois gerentes e apenas um deles é administrador da [SCom01...], sem que se logre relacionar o outro gerente com a [SCom01...].

Note-se, de resto, que não obstante a relação de grupo existente entre a [SCom01...] e [SCom04...] as licenças para o exercício da atividade de aterro são apenas da [SCom04...] e não são transmissíveis à [SCom01...], de forma a que se pudesse considerar a [SCom01...] habilitada ao exercício da referida atividade de deposição de resíduos em aterro.

Não podemos, ademais, deixar de relevar a este respeito o Ac. do TJUE de 10.11.2022 proferido no processo C-631/21 no qual se considerou que “O artigo 59.°, n.° 1, da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, lido em conjugação com o artigo 2.°, n.° 1, ponto 10, e o artigo 63.° desta diretiva, bem como com o anexo 1 do Regulamento de Execução (UE) 2016/7 da Comissão, de 5 de janeiro de 2016, que estabelece o formulário - tipo do Documento Europeu Único de Contratação Pública, deve ser interpretado no sentido de que uma empresa comum, que, sem ser uma pessoa coletiva, assume a forma de uma sociedade regulada pela legislação nacional de um Estado-Membro, que está inscrita no registo comercial deste, que pode ter sido constituída de modo temporário ou permanente e cujos sócios operam todos no mesmo mercado que ela e são solidariamente responsáveis pelo cumprimento integral das obrigações por ela contraídas, deve fornecer à autoridade adjudicante unicamente o seu próprio Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP) quando pretende participar, a título individual, num procedimento de contratação pública ou apresentar uma proposta se demonstrar poder cumprir o contrato em causa utilizando apenas os seus próprios pessoal e material. Se, em contrapartida, para o cumprimento de um contrato público, essa empresa comum considera dever solicitar recursos próprios de alguns sócios, deve considerar-se que a mesma recorre às capacidades de outras entidades, na aceção do artigo 63.° da Diretiva 2014/24, devendo então apresentar não só o seu próprio DEUCP mas também o DEUCP de cada um dos sócios a cujas capacidades pretende recorrer.”

Nos termos deste Acórdão o TJUE considerou que no caso de uma sociedade em nome coletivo, na aceção do direito neerlandês - ou seja, uma sociedade constituída para o exercício de certa atividade comercial sob uma denominação comum, que tinha como sócios duas outras empresas/sociedades que exploravam as suas próprias empresas de transporte, em que cada um dos sócios tem poderes para agir e vincular a sociedade para com terceiros e cada sócio é solidariamente responsável pelas obrigações da sociedade -, pretendendo esta utilizar recursos dos consócios (que não os seus próprios recursos que os consócios lhe transferiram nos termos do contrato de sociedade e de que dispõe livremente) deve considerar-se que a sociedade recorre às capacidades de outras entidades, na aceção do art. 63.° da Diretiva 2014/24.

Se assim é na hipótese em que é a própria sociedade proponente a recorrer aos recursos dos seus consócios, por maioria de razão na situação em que a sociedade proponente recorre aos recursos ou capacidades de uma sociedade, com distinta personalidade jurídica, ainda que tenha com esta uma relação de grupo (de domínio total), terá que se considerar que recorre às capacidades de outras entidades, na aceção do art. 63.° da Diretiva 2014/24.

Isto posto, resultando da proposta da CI que a atividade de deposição da escória em aterro que, como vimos, abrange não só a descarga, como também o tratamento e reutilização das escórias em aterro, será realizada utilizando o aterro da [SCom04...] e o Centro Integrado de Valorização de Resíduos Industriais Não Perigosos, ou seja utilizando os recursos desta entidade - a única que detém as qualificações para a execução dessa prestação contratual -, naturalmente, que temos que concluir que estamos perante uma situação em que operador económico proponente recorre às capacidades de outras entidades, na aceção do artigo 63.° da Diretiva 2014/24, pelo que a CI deveria, com a sua proposta, ter apresentado o DEUCP da [SCom04...] e, bem assim, a declaração de compromisso desta entidade (…)”.

28. Secundamos integralmente esta linha de pensamento, quo não merece o menor reparo, encontrando-se exuberadamente justificada.

29. Na verdade, os presentes autos envolvem um concurso público lançado pela [SCom02...] visando a adjudicação da “Prestação de serviços de (i) “transporte” e (ii) “deposição em aterro” de escórias produzidas na Central de Valorização Energética”.

30. Note-se, porém, que o “depósito em aterro” não se esgota na operação única de depósito, abarcando ainda as tarefas de tratamento e valorização das escórias produzidas na Central de Valorização Energética por forma a permitir a sua eventual reutilização futura.

31. Tanto assim é que a possibilidade de reutilização de propostas assume um destaque majorado na apreciação das propostas, conforme se alcança grandemente dos critérios de adjudicação patenteados a concurso, mormente do vetor “ F2 – Metodologia do Serviço a Prestar” [cfr. artigo do 16º do PP].

32. Outrossim é de referir a circunstância da Concorrente [SCom01...] assumir na sua proposta – como bem assinalado na sentença recorrida -, que “(…) a prestação de serviços engloba “a gestão adequada das escórias” e que a deposição das escórias em aterro abrange “a. Recepção, controlo e pesagem do resíduo; b. Descarga do resíduo; c. Pesagem e expedição para novas cargas, caso seja necessário” e, bem assim, a reutilização dos resíduos em aterro adiantando que “a [SCom01...] compromete-se a reutilizar 10% da quantidade total na modelação do aterro, em execução de plataformas de descarga de resíduos, reperfilamento de taludes e também nos acessos de descarga no aterro, sempre que necessário (…)”, o que também contribuiu para a posição ora assumida no que diz respeito a esta matéria.

33. Na senda do que se vem de expor, deve, portanto, entender-se que o “objeto confesso” do procedimento concursal visado nos autos prende-se com a aquisição de serviços de (i) “transporte e de (ii) “depósito em aterro” de escórias, [este último] que não se esgota na operação única de depósito, abarcando ainda as tarefas de tratamento e valorização das escórias produzidas na Central de Valorização Energética por forma a permitir a sua eventual reutilização futura.

34. Nos termos da proposta apresentada, a concorrente [SCom01...] propôs-se executar os serviços de transporte e recolha de escórias com recurso à subcontratação da sociedade [SCom05...], Lda.

35. Ora, a circunstância da concorrente [SCom01...] não ter assumido na sua proposta o recurso à subcontratação do operador económico [SCom04...] – que identificou apenas como sendo a “entidade titular da licença de operação de deposição de aterros” – não obsta a que o mesmo não possa ser qualificado como tal, isto é, como “entidade subcontratada”, dependendo esta qualificação apenas do escopo e alcance da sua intervenção no âmbito dos serviços prestados pela concorrente [SCom01...].

36. Perante este quadro, e ante o exposto nos sobreditos parágrafos 30) e 31), não sentimos hesitação em assumir que o operador económico [SCom04...] jamais poderá deixar de ser qualificado como sendo uma “entidade subcontratada”, pois que a intervenção vai muito para além do mero depósito das escórias, integrando também as tarefas de tratamento e valorização das escórias produzidas na Central de Valorização Energética por forma a permitir a sua eventual reutilização futura.

37. Tudo isto para concluir pelo acerto da qualificação da [SCom04...] como entidade subcontratada operada na sentença recorrida.

38. A Recorrente [SCom01...] procura obstaculizar o juízo decisório assim na invocação de que o “(…) o tribunal a quo não pode interferir na natureza do vínculo que une a [SCom01...] e a [SCom04...], como é patente na jurisprudência do TJUE que a seguir se transcreve com o prestimoso auxílio de Pedro Costa Gonçalves (…)”.

39. Esta alegação, porém, é absolutamente imprestável para demonstrar a existência de qualquer erro de julgamento da decisão recorrida.

40. Na verdade, o axioma de que arranca a alegação da Recorrente [SCom01...] não reveste um carácter absoluto e infranqueável, antes deverá ser adaptado à realidade procedimental de modo a fornecer um equilíbrio plausível e concreto entre o que foi prestado por cada uma das entidades envolvidas na proposta apresentada.

41. Nem de outro modo se nos afigura que pudesse ser, sob pena de se frustrar o desejável equilíbrio concorrencial que se almeja num procedimento concursal.

42. Não seria garante de uma justiça concorrencial que o Tribunal a quo, só porque um concorrente subtraiu a qualificação de um terceiro como uma “entidade subcontratada”, pudesse ficar despojado da criteriosa adaptação e conformação do conteúdo prestacional à realidade originada pela real efetiva execução contratual.

43. Não é lícito, portanto, assumir pensar que a falta de identificação da relação estabelecida entre a concorrente e a [SCom04...] possa obstar à sua configuração real em função do escopo e alcance da sua intervenção no âmbito dos serviços prestados pela concorrente [SCom01...].

44. No caso dos autos, é apodítico que a intervenção da [SCom04...] vai muito para além do mero depósito das escórias, integrando também as tarefas de tratamento e valorização das escórias produzidas na Central de Valorização Energética por forma a permitir a sua eventual reutilização futuram, não se levantando, por isso, quaisquer dúvidas quanto à natureza de “entidade subcontratada” por parte do operador económico [SCom04...].

45. Resolvida que está a primeira questão decidenda, vejamos agora se resulta[va] [ou não] obrigatório que a concorrente [SCom01...] fizesse instruir a sua proposta com declarações de compromisso do operador económico [SCom04...];

46. Neste domínio, cabe notar que, nos termos da normação contida no artigo 9º, nº.1, alínea l) do Programa de Procedimento, as propostas devem, nos termos do disposto no artigo 57º do C.C.P., ser constituídas pelos, de entre outros, pelo[s] seguinte documento[s]: “(…) declaração do concorrente onde indique os serviços que serão objeto de subcontratação, acompanhada de declaração dos subcontratados em que se comprometem, incondicionalmente, a executar os trabalhos para os quais foram indicados (…)”.

47. Logo, assumindo a operadora [SCom04...] a natureza de entidade subcontratada, é de manifesta evidência que competia à Recorrente [fazer] instruir a sua proposta com a declaração de compromisso daquele operador económico.

48. A questão que se coloca no seguimento é a de saber se a falta de apresentação de tal declaração de compromisso é [ou não] determinante da exclusão da proposta da [SCom01...] do procedimento concursal.

49. Sobre esta problemática, e que ocupa ora a nossa atenção, entendemos ser de ressaltar o teor da jurisprudência emanada pelo Tribunal Cúpula desta Jurisdição, no aresto de 09.02.2023, tirado no processo nº. 025/21.2BEPRT, onde se expendeu o seguinte:”(…)

“2.2.1.2. No essencial, a questão há de resolver-se a partir da resposta antes formulada em último lugar, a qual se prende com o problema de saber se quando um concorrente, no âmbito de um concurso público (e não de um concurso limitado por prévia qualificação) apresenta um terceiro (empresa auxiliar) a cujas capacidades técnicas pretende recorrer para fornecer parte do serviço, está ou não obrigado a apresentar, juntamente com a proposta, os documentos de habilitação desse (futuro) subcontratado e a declaração do respetivo subcontratado de que se vincula à execução daquela parte do serviço.

A questão é relevante e duvidosa à luz do direito nacional. É que, é verdade, por um lado, como se destaca no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 18.11.2021 (proc. 0452/20.2BEALM), que a entidade adjudicante não deve poder exigir requisitos que não constam da lei - leia-se do CCP - nem do programa do concurso.

Isto significa, segundo aquele aresto, que, se nada resultar em contrário do programa de concurso, quer a habilitação do subcontratado, quer a sua declaração de compromisso face à execução da parte da prestação, apenas podem ser exigidos após a adjudicação, como resulta do artigo 2.°, n.° 2 da Portaria n.° 372/2017 e dos artigos 77.°, n.° 2, als. a) e c), 81.°, 92.° e 93.° do CCP. A exigência no momento da apresentação da candidatura parece estar assim reservada, à luz do direito nacional - das regras do CCP - para os casos de concurso limitado por prévia qualificação, conforme o disposto no n.° 4 do artigo 168.° do CCP.

Porém, o artigo 63.° da Diretiva 2014/24/UE aparenta impor uma regra diferente, na medida em que considera que o recurso por parte do operador económico às capacidades de outras entidades, independentemente do tipo de procedimento em causa, impõe àquele que faça prova junto da autoridade adjudicante de que irá dispor dos recursos necessários para o efeito, por exemplo, através da apresentação de uma declaração de compromisso dessas entidades auxiliares ou subcontratadas (artigo 63.°, n° 1, §1° in fine).

E no mesmo sentido parece apontar também o acórdão RAD do TJUE, de 3.6.2021, exarado no processo C-210/20, que, convocando o princípio da proporcionalidade, destaca que a apresentação dos elementos respeitantes aos subcontratados conjuntamente com a proposta inicial consubstancia um afloramento dos princípios da igualdade de tratamento e da transparência, essenciais à correta operacionalidade da concorrência na avaliação das propostas, para depois concluir que, se o subcontratado não preencher os requisitos legalmente exigidos para poder ser parte num contrato público, o mesmo deve ser excluído. O aresto do TJUE acrescenta ainda que o proponente há de poder fazer substituir o dito terceiro auxiliar na execução do contrato, a convite da entidade adjudicante, desde que essa substituição não altere o teor da proposta apresentada, o que pode vir a ser prejudicado pela “subcontratação” em momento posterior.

No diapasão daquela jurisprudência, afigura-se-nos que uma interpretação das regras do direito nacional - das regras do CCP - segundo a qual, nos procedimentos de concurso público, quer os documento de habilitação do subcontratado, quer a sua vinculação à execução da parte do serviço que consta da proposta, apenas são exigidos após a adjudicação, pode bulir, quer com a regra do artigo 63.° da Diretiva 2014/24/UE, quer com os princípios da igualdade de tratamento e da transparência, enquanto dimensões de efetivação do princípio da concorrência na avaliação das propostas em concurso, tal como os mesmos foram configurados pelo legislador europeu da contratação publica.

Por esta razão, antes de prosseguir, havendo dúvidas sobre a correta interpretação do disposto nos artigos 77.°, n.° 2, als. a) e c), 81.°, 92.°, 93.° e 168.°, n.° 4 do CCP, este STA decidiu suspender a instância e formular a seguinte questão ao TJUE:

É conforme com o direito da União, em especial com o disposto no artigo 63.° da Diretiva 2014/24/UE, a solução do direito nacional segundo a qual, nos procedimentos de concurso público em que haja recurso às capacidades de outras entidades para executar a prestação, quer os documentos de habilitação do subcontratado, quer a apresentação de uma declaração de compromisso deste, apenas têm de ser exigidas após a adjudicação?

2.2.2. Por decisão de 10.01.2023, do Tribunal de Justiça da União Europeia, exarado processo C-469/22, foi esclarecido que: “O artigo 63.°da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, lido em conjugação com o artigo 59.° e o considerando 84 desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que: se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual um operador económico que pretenda recorrer às capacidades de outra entidade para a execução de um contrato público apenas deve transmitir os documentos de habilitação dessa entidade e a declaração de compromisso desta última após a adjudicação do contrato em causa”. As partes foram notificadas da decisão e nada alegaram. Assim, não restam dúvidas de que a decisão adotada pelas instâncias é correta. Com efeito, resulta da decisão do TJUE antes enunciada que o artigo 70.°, n° 2, al. a) do CCP tem de ser interpretado em conformidade com o disposto no artigo 63.° da Diretiva 2014/24/UE e, nesse sentido, é de excluir uma proposta em que o operador económico pretende recorrer às capacidades de outra entidade para a execução de um contrato público e não apresenta, conjuntamente com a proposta, os documentos de habilitação dessa entidade e a declaração de compromisso da mesma, ou seja, não faz prova de que “irá dispor dos recursos necessários para cumprir os critérios de seleção enunciados” e não permite que a entidade adjudicante verifique (em conformidade com os artigos 59.° a 61.° da Diretiva 2014/24/UE) se essas entidades a que o operador económico pretende recorrer cumprem os critérios de seleção relevantes e se existem ou não motivos de exclusão das mesmas (nos termos do artigo 57.° da referida Diretiva). Estas verificações têm, necessariamente, que ser prévias à adjudicação do contrato.

Aliás, a decisão do TJUE esclarece que esta exigência não é sequer um trâmite burocrático complexo, pelo que a sua exigibilidade como elemento de admissibilidade das propostas não é desproporcionado nem desrazoável no plano da garantia do princípio da concorrência, uma vez que o operador económico pode apresentar um Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP), constituído por uma autodeclaração atualizada para, a partir dela, se verificar o cumprimento dos requisitos do artigo 57.° da Diretiva 2014/24/UE, sem prejuízo de a entidade adjudicante, a qualquer momento, poder exigir os documentos comprovativos que considere pertinentes”.

50. Acompanhando e declarando esta linha jurisprudencial, tem-se, portanto, por assente que, no âmbito de um concurso público, é de excluir uma proposta em que o operador económico pretende recorrer às capacidades de outra entidade para a execução de um contrato público e não apresenta, conjuntamente com a proposta, os documentos de habilitação dessa entidade e a declaração de compromisso da mesma, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação às demais objeções formuladas pelas Recorrentes no patamar em análise, como sejam, a alegada inaplicabilidade do artigo 63.° da Diretiva 2014/24/EU ao tipo de procedimento concursal visado nos autos ou mesmo a invocada inviabilidade de exclusão da proposta da Recorrente em face da previsão contida nas alíneas d) ou n) do nº. 2 do artigo 146º do CCP.

51. Perante este quadro, e apresentando-se distintivo que a Autora, aqui Recorrida, submeteu na plataforma eletrónica a sua proposta desprovida da declaração de compromisso da [SCom04...], deve concluir-se no sentido da existência de um fundamento da exclusão da mesma, nos termos do dispostos nos artigos 70º, nº. 2, alínea a) e nos termos do art. 146.º, n.º 2 al. d), ambos do CCP.

52. O júri concursal, ao assim não o entender, interpretou mal e violou o regime jurídico aplicável, o que serve para atingir a ilegalidade de decisão adjudicatória censurada nos autos.

53. Deste modo, tendo também sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, com maior ou menor variação de fundamentação, é mandatório concluir que esta não sendo é merecedora de todas as objeções que as Recorrentes lhe dirigem nos presentes recursos, sendo, por isso, de manter em juízo.

54. Uma nota final para referir que, não obstante dirigido a este Tribunal Superior, o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente contido nas contra-alegações deve ser objeto de apreciação pelo Tribunal a quo, em virtude do mesmo não se inserir no leque de matérias atribuídas a este Tribunal Superior para conhecimento em 1º grau decisório.

55. Aliás, o que bem se harmoniza com a proteção do princípio da tutela jurisdicional efetiva, sob pena de supressão de um grau de recurso.

56. Mercê de tudo o quanto exposto, deverá ser negado provimento a ambos os recursos jurisdicionais e confirmada a sentença recorrida, relegando-se o conhecimento do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça para o Tribunal a quo.

57. Assim se decidirá.


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V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO a ambos os recursos jurisdicionais e confirmar a sentença recorrida, relegando-se o conhecimento do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça para o Tribunal a quo.

Custas do recurso interposto pelo [SCom01...] pela Recorrente.

Custas do recurso interposto pelo [SCom02...] pela Recorrente.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 16 de fevereiro de 2024,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Luís Migueis Garcia em substituição
Helena Maria Mesquita Ribeiro