Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02063/06.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/25/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:IAPMEI; RESCISÃO DO CONTRATO DE INCENTIVOS; LEI PROCESSUAL;
APLICAÇÃO NO TEMPO; ARTIGO 12º DO CÓDIGO CIVIL; DESPACHO SANEADOR;
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1995;
SANEAMENTO JURÍDICO; SANEAMENTO DE FACTO;
PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DO JUIZ E DO JUIZ NATURAL;
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO;
N.ºS 1 E 2, DO ARTIGO 640.º DO CPC, APLICÁVEL POR FORÇA DO DISPOSTO NO ARTIGO 140º DO CPTADMINISTRATIVOS E FISCAIS;
ARTIGO 662º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; VIOLAÇÃO DO DIREITO DE INFORMAÇÃO;
RESCISÃO DE INCENTIVOS; ENCERRAMENTO DA EMPRESA; NÃO CRIAÇÃO DE EMPREGO.
Sumário:
1. A lei só dispõe, por regra, para o futuro – artigo 12º do Código Civil. Esta regra significa na área do direito processual, que a nova lei se aplica as acções futuras e também aos actos futuros praticados nas acções pendentes.
2. Solução contrária, introduziria, de resto, o caos na maioria dos processos, tendo sobretudo em conta a relativa frequência com que as leis processuais vão sendo alteradas.
3. No Código de Processo Civil de 1995 (o original Código de Processo Civil de 1961, aprovado pelo Decreto-Lei 44.129, de 28.12.1961, com as alterações introduzidas pela Lei 33/95, de 18.08), na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 375º-A/99, de 20.09, e pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08.03, o conceito de “despacho saneador” era mais abrangente do que o actual conceito. Abrangia não apenas o saneamento jurídico do processo, a apreciação das questões jurídicas que possam ser já apreciadas, o conceito actual, mas também o saneamento da matéria de facto, expurgando do processo a matéria de facto irrelevante e separando os factos já assentes dos factos a provar, de forma a que o julgamento da matéria de facto recaísse apenas sobre os factos relevantes e controvertidos, evitando perdas de tempo com a produção de prova inútil.
4. A redução do conceito de “despacho saneador” ao saneamento jurídico do processo apenas surge com pelo Decreto-Lei 214-G/2015, de 02.10, e com a inovação introduzida por este diploma nos artigos 87.º-A, n.º 1, alínea f), e 89.º-A, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que entrou em vigor apenas em 01.12.2015. O que faz sentido, dado que a selecção da matéria de facto, ou seja, a fixação dos factos relevantes e, entre estes, a separação entre factos assentes e factos a provar, foi substituída pela fixação do objecto do julgamento de facto, ou seja, pela enunciação dos temas da prova. Deixou de haver saneamento da matéria de facto do processo para passar a haver delimitação do objecto do julgamento de facto de forma abstracta, pelos temas da prova.
5. O n.º 1 do artigo 512.º do Código de Processo Civil de 1995, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 375º-A/99, de 20.09, e pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08.03, apenas impunha a notificação do despacho saneador e para as partes apresentarem requerimentos probatórios, mas não impunha a notificação para o efeito específico de reclamar.
6. Findo o prazo para reclamar sem que tivesse havido reclamações contra a selecção da matéria de facto, impunha-se designar logo dia para a audiência final, nos termos do n.º 2 do artigo 512.º do Código de Processo Civil de 1995.
7. Tendo sido anulado um primeiro julgamento, deixou de existir na ordem jurídica, pelo que não faz sentido falar em violação do princípio da plenitude da assistência do juiz e do juiz natural pelo facto de o primeiro julgamento ter sido presidido por um juiz e o segundo julgamento ter sido presidido por outro juiz
8. Tendo a Recorrente feito um ataque à matéria de facto dada como provada e como não provada, invocando os factos que entende estarem provados, mas sem fazer corresponder os elementos de prova que analisou nem essa análise com os pontos em concreto da matéria de facto que considerou erradamente julgada, quer a dada como provada e quer a dada como não provada e, no que se refere aos depoimentos das testemunhas, sem referir com precisão as passagens das gravações em que fundaria o seu recurso, assim como sem proceder à transcrição das passagens que entendia serem relevantes, impunha-se a rejeição do recurso nesta parte, face ao disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 640.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais.
9. Na interpretação do artigo 662º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, tem-se entendido que em recurso só deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa ou seja, se for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
10. Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram directamente percepcionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.
11. A eventual violação do direito à informação no procedimento administrativo não pode sequer em abstracto constituir um vício do acto porque é algo que lhe é externo e posterior.
12. Tendo ficado provado que as instalações da empresa Autora foram encerradas e entregues ao Banco sem autorização e antes de decorrido o prazo de três anos posterior à concretização do projecto, e não tendo ficado provada, por outro lado, a causa do encerramento que eventualmente o justificasse nem quais as diligências adoptadas no sentido de criar 60 postos de trabalho que alegou com vista à retoma da actividade empresarial, impõe-se manter na ordem jurídica a deliberação do que do IAPMEI que determinou a rescisão do contrato de incentivos .
Recorrente:S..., L.da
Recorrido 1:IAPMEI – Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
A S..., L.da veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 18.04.2018, pela qual foi julgada totalmente improcedente a presente acção administrativa especial intentada pela Recorrente contra IAPMEI – Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à I..., I.P., visando a anulação da deliberação do Conselho Diretivo do IAPMEI de 13.02.2006 de rescisão do contrato de incentivos nº N/99/6...3.9...2 e o reconhecimento do cumprimento do contrato pela Autora e devolução do montante de 315.517€10 correspondente ao valor da garantia bancária nº 1...-02-01...20.
Invocou para tanto, em síntese, que: verificaram-se várias nulidades processuais, a saber, a não junção do processo administrativo nas suas peças essenciais, violando-se o direito á informação, a não realização da audiência prévia, a não prolação do despacho saneador, a não delimitação do objecto do litígio, a não enunciação dos temas de prova, a violação do direito de reclamação, tudo a traduzir-se numa violação do princípio da adequação formal, na indefinição do objecto do processo e na violação do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte; invocou ainda a violação do princípio da plenitude da assistência do juiz e do juiz natural. Quanto à decisão recorrida, em si mesma, a Recorrente sustenta que padece de nulidade por omissão de pronúncia, por nada ter dito sobre o direito à informação, a falta de fundamentação e a violação da audiência prévia.
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O IAPMEI contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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Foi proferido despacho de sustentação, a negar a verificação das nulidades invocadas pela Recorrente.
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O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
a) A douta sentença apesar de ser a terceira que conhece do mérito dos autos, aprofunda as nulidades assacadas às duas revogadas sentenças anteriores e continua a ignorar direitos fundamentais da RTE.
b) Constituem nulidades a não realização da audiência prévia, a não prolação do despacho saneador, a não delimitação do objeto do litígio, a não enunciação dos temas da prova.
c) Nulidades estas que tiveram como efeito uma completa deriva errática na prática dos actos posteriores, designadamente da prolação da sentença recorrida, cujo sentido era completamente previsível (CPC art.º 195º, 596º, 1 e 2, 597 ex vi art.º 1º CPTA, 87, 87, 87-A, 87-B, 88 do CPTA).
d) Cerceando, assim, o direito de reclamação, conferido às partes.
e) O douto Tribunal a quo violou o princípio da adequação formal, sem o qual não é assegurado um processo equitativo.
f) A sentença recorrida não cumpriu o que foi decretado no preclaro acórdão desse Venerando Tribunal, anulatório da segunda sentença.
g) A audiência de julgamento foi presidida e conduzida por uma não identificada Mmª Juíza, tendo estado ausente da diligência a Mmª Juíza titular do processo e autora da sentença, em manifesta violação do princípio da plenitude da assistência do juiz e do princípio do juiz natural, ampliando assim as nulidades de que enferma a sentença (CPC- art.º 605).
h) A sentença omitiu a pronúncia e não garantiu à RTE direito à informação, que a RTE vem a reclamar, pela via administrativa e pela via contenciosa, há 17 anos; (CRP 268º, CPTA art.º 6º, 82, 86).
i) O tribunal a quo permitiu também que não fosse junto aos autos o PA completo, pelo menos nas suas peças essenciais.
j) O douto Tribunal desconsiderou e não dedicou qualquer pronúncia à omissão do direito de audição; do dever de fundamentação dos actos administrativos de forma clara e congruente, nem valorizou o ocultismo que rodeou a sua prática.
k) Bem como a incongruência da sua fundamentação, só conhecida nestes autos.
l) Sem o acesso à informação, que é devida não é possível o efectivo do exercício do contraditório e o acesso à tutela jurídica, vícios estes que vêm desde há 17 anos e que a douta sentença tolerou, nem lhe dedicado uma frase que fosse (CRP art.º 268º).
m) Todos estes vícios têm conduzido a uma conduta processual errática, sem a estabilidade processual mínima que permita às partes ao próprio Tribunal a prática de actos processuais assertivos.
n) A douta sentença desconsidera e omite a pronúncia sobre factos provados documentalmente não impugnados pelo réu, ora recorrido, mas que o douto Tribunal a quo considerou deu como não provados.
o) Em contrapartida há aceitação e pronúncia sobre actos de terceiros, que dolosa e inaceitavelmente o Recorrido trouxe para o processo administrativo e para estes autos, e
p) Declarou credíveis depoimentos de duas funcionárias do Recorrido que, se falaram verdade subjetivamente, sobre factos que a RTE nem podia conhecer, fizeram depoimento não inteiramente condizente com a verdade.
q) A douta sentença não emitiu qualquer pronúncia sobre os factos ocorridos em Junho e Julho de 2004, caraterizados por uma absoluta duplicidade.
r) Enquanto oficialmente o Recorrido partia do princípio de que a RTE cumprira o projecto, interrompido por pedido de falência a que não dera causa, e negociava com a RTE a forma de a ajudar a recuperar o seu inovador projecto modelo de produção e comercialização têxtil,
s) lhe concedia a possibilidade de pagamento em 84 prestações para pagar a dívida ao IAPMEI e
t) anunciava a devolução da garantia por escrito,
u) funcionários que depuseram nos autos procediam a uma inspecção de uma outra empresa com diferente actividade têxtil, diferente administração, diferentes interesses, diferente estrutura societária, havendo apenas um accionista minoritário da RTE que detinha capital na empresa investigada.
v) Esses funcionários, dirigidos pelo jurista e advogado, Sr. Dr. AA, imputavam à RTE a ilícita cessão de 12 máquinas de costura e de uma outra máquina à empresa investigada.
w) Esta farsa teria sido desmontada se, com presumível dolo, não tivesse sido omitido o dever de audição da RTE, substituído pelo envio de cartas para instalações da RTE que os mesmos técnicos argumentavam estarem fechadas e com ar abandonado.
x) Facto este verdadeiro e bem conhecido do IAPMEI, originado pelo cruzamento de um pedido de falência doloso, pela desapropriação das instalações, que a RTE quis reverter logo após a negação da falência da RTE.
y) Nesta dualidade de conduta de Recorrido esteve presente o referido jurista, contribuindo para que de um lado viessem facilidades para a recuperação do projecto e, por detrás, houvesse um golpe baixo, desconforme com a verdade e difamatório.
z) A douta sentença erra pronúncia quando desconsidera o efeito probatório de vários documentos, que sensatamente o Recorrido não impugnou.
aa) É o caso da escritura de dação em cumprimento pela qual uma empresa do principal accionista da RTE pagou ao BCP as dívidas da RTE de 1 150 000€ com a entrega ao desbarato de um prédio que valia para cima de 1 500 000€, condições leoninas cuja aceitação decorreu da necessidade de reabertura da RTE.
bb) Esse mesmo accionista resgatou as instalações fabris da RTE pagando lhe 350.000€, facto provado testemunhalmente cuja credibilidade decorre da natureza do próprio contrato de leasing através do qual a RTE adquiriu as instalações.
cc) Pelo contrário, a sentença dá como provadas extrapolações convertidas em factos inexistentes como é a imaginária cedência das instalações.
dd) Aliás a RTE considera que o douto Tribunal a quo «não assegura um estatuto de igualdade efectiva das partes no processo (CPTA-6º).
ee) Os actos do Recorrido estão minados por incontornável vício de forma, por omissão de fundamentação, preterição de audição prévia, incongruência e flutuação de justificações ao sabor do momento, pelo que essa Veneranda Formação pode pôr termo ao processo com base neste vício. Se outro for o entendimento preclaro de Vexas, não se afigura à RTE como possível a reapreciação da matéria facto, atenta a ausência das formalidades que ditam a nulidade da sentença.
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II. Questões prévias e nulidades processuais.
1. A não junção do processo administrativo nas suas peças essenciais; a violação do direito à informação.
Por requerimento de 12.12.2008 o IAPMEI, depois de notificado pelo Tribunal para o efeito, veio “juntar aos autos o P.A. relativo ao procedimento que culminou com a prática do acto impugnado, devidamente paginado e ordenado cronologicamente” (ver SITAF).
Por requerimento de 06.01.2009 a Autora solicitou que após a junção do processo instrutor lhe fosse facultada “a possibilidade de produção de alegações complementares” (ver SITAF).
Com a data de 30.01.2009 foi proferido despacho a ordenar a notificação da Autora da “junção do P.A., concedendo-se a esta, nos termos requeridos, prazo de 15 (quinze) dias para, querendo, apresentar alegações complementares” (ver SITAF).
Por requerimento apresentado em 25.02.2009 a Autora veio reiterar que o processo instrutor não foi junto na sua integralidade faltando, segundo aí invoca, “peças essenciais, tais como cópia do ofício referido na PI, nos art.º 25, fls. 5 e 6 dos autos).
Mais invocou que do processo instrutor junto não “consta também cópia dos elementos de prova da “limpeza do passivo bancário da S..., L.da (ver art.º 55 da PI fls. 10 dos autos), com injecção exclusiva de capital pelos accionistas (ver SITAF).
Apresentou, no entanto, nesse mesmo requerimento, alegações, reiterando no essencial a sua posição inicial quanto ao mérito da acção (ver SITAF).
Percebe-se que os elementos em falta no processo instrutor se destinavam a fazer prova dos fundamentos da acção.
O momento próprio para reiterar o requerimento seria após a notificação ordenada pelo despacho de 10.02.2021 “para, no prazo de 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado…” (ver SITAF).
Sucede que a Autora, na sequência deste despacho, nada disse ou requereu.
Foi o próprio Réu que, por requerimento de 19.04.2022 e documento que o acompanhou, juntou aos autos cópia do ofício referido no artigo 25º da petição inicial bem como outros elementos do processo instrutor, ainda em falta.
Quanto à matéria do art.º 55 da PI fls. 10 dos autos), em concreto a injecção exclusiva de capital pelos accionistas, não se trata de matéria, em si mesma, relativa ao processo instrutor e portanto, a provar por documentos do processo instrutor, mas de matéria alheia ao procedimento administrativo cuja prova, de resto, a própria Autora, como menciona, juntou logo com a petição inicial, o seu documento 15, a escritura de dação em cumprimento celebrada no Quarto Cartório Notarial do Porto em 30.12.2004.
Nada mais, havia, portanto, a juntar aos autos do processo instrutor.
Nem a Autora especifica, nas suas alegações de recurso, que “peças essenciais” são essas que não foram juntas ao processo.
Improcede, pois, esta questão prévia.

2. A não realização da audiência prévia.
A audiência prévia, como o próprio nome indica, é anterior ao despacho saneador.
No caso, o despacho saneador, em sentido estrito, foi proferido em 05.11.2008.
Nessa altura não estava prevista na lei processual nos tribunais administrativos a audiência prévia.
Como defendeu, com acerto, Tribunal recorrido:
“… acontece que a presente acção – instaurada no ano de 2006 é anterior à actual redacção do CPTA, dada pelo Decreto-Lei n.º 215-G/2015, de 02 de Outubro. Ora, nos termos do n.º 2 do seu artigo 15.º, “As alterações efetuadas pelo presente decreto-lei ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 4-A/2003, de 19 de fevereiro, 59/2008, de 11 de setembro, e 63/2011, de 14 de dezembro, só se aplicam aos processos administrativos que se iniciem após a sua entrada em vigor.” Consequentemente, a nova redacção do CPTA não é aplicável ao caso, pelo que, não estando prevista a realização de audiência prévia na tramitação da anterior acção administrativa especial – forma processual dos presentes autos -, não só não se impunha, como carecia de fundamento legal a realização de audiência prévia nos presentes autos”.
Também no processo civil, aplicável subsidiariamente, por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não estava prevista, à data, a audiência prévia. Apenas veio a estar prevista e regulada no Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06.
Ora, a lei só dispõe, por regra, para o futuro – artigo 12º do Código Civil.
Esta regra significa “na área do direito processual, que a nova lei se aplica as acções futuras e também aos actos futuros praticados nas acções pendentes”; por outro lado, a “ideia, complementar desta, de que a nova lei não regula os factos pretéritos (para não atingir efeitos já produzidos por estes), traduzir-se-á, no âmbito do direito processual, em que a validade e regularidade os actos processuais anteriores continuarão a aferir-se pela lei antiga, na vigência da qual foram praticados” – Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, revista e actualizada de acordo com o Dec.-Lei 242/85, Coimbra Editora, 1985, página 49.
Solução contrária, introduziria, de resto, o caos na maioria dos processos, tendo sobretudo em conta a relativa frequência com que as leis processuais vão sendo alteradas.
Quando foi proferido o despacho saneador, em 05.11.2008, estava prevista a audiência preliminar. Mas eventual preterição ilegal da audiência preliminar não foi invocada em tempo.
No recurso interposto deste despacho saneador, em 24.01.2011 (ver SITAF), em momento algum a Autora refere esta eventual irregularidade ou nulidade processual.
Pelo que, mesmo a existir, estaria sanada tal irregularidade ou nulidade (artigos 202º, n.º2 (a contrario), e 205º, n.º 1, do Código de Processo Civil em vigor à data.
Improcede, também, esta questão prévia.

3. A não prolação do despacho saneador.
Refere-se no despacho que antecedeu a decisão recorrida, o seguinte, depois reiterado no despacho de sustentação proferido pelo Tribunal recorrido, a este propósito:
“(…)
Alega ainda a autora que “(…) era expectável maior rigor na prática dos atos processuais.” na medida em que, por força do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que determinou a baixa dos autos a este Tribunal, “Impunha-se que houvesse novo saneador, o que implicava a realização da audiência prévia.”
Como decorre do n.º 1 do artigo 88.º do CPTA, “O despacho saneador destina-se a: a) Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, em face dos elementos constantes dos autos, o juiz deva apreciar oficiosamente; b) Conhecer total ou parcialmente do mérito da causa, sempre que a questão seja apenas de direito ou quando, sendo também de facto, o estado do processo permita, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos ou de algum dos pedidos deduzidos, ou de alguma exceção perentória.” Assim, o despacho saneador é diferente do “despacho destinado a identificar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova”, proferido subsequentemente ao despacho saneador, quando a acção deva prosseguir, e com o qual não se identifica, sendo a lei clara na sua distinção – cfr. artigos 87.º-A, n.º 1, alínea f), e 89.º-A, n.º 1, do CPTA.
Nos presentes autos, apenas foi proferido “verdadeiro” despacho saneador em 05.11.2008, no qual se conheceu da invocada excepção dilatória da ilegitimidade activa, decisão que, não tendo sido objecto de recurso jurisdicional, transitou em julgado, pelo que não pode, presentemente, o Tribunal sobre a mesma pronunciar-se.
É certo que o Acórdão determina a anulação do processado “desde o despacho saneador, inclusive, e a repetição deste despacho”.
Todavia, a referência a “despacho saneador” reporta-se ao despacho proferido nos presentes autos a 13.11.2017, que fixou o valor da causa, identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova, o qual, apesar de não consubstanciar um “despacho saneador”, assim foi designado pelo Tribunal aquando da sua prolação, o que justifica que o Acórdão a ele se refira como “despacho saneador”.
Acresce que, resulta, à saciedade, do Acórdão proferido que – como vimos - o que determinou a anulação do processado foi a definição dos temas de prova em vez da fixação dos factos assentes e controvertidos, o que ocorreu no designado (pelo Tribunal a quo) “despacho saneador”.”

Vejamos.
Por acórdão de 12.09.2012 deste Tribunal Central Administrativo Norte foi revogado a acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 25.11.2010, pelo qual foi julgada improcedente a acção administrativa especial, que intentou contra o IAPMEI, e ordenada “baixa do processo para fixação e julgamento da matéria de facto controvertida, com posterior decisão de mérito”.
Nessa acórdão, acolhendo no essencial o invocado pela Recorrente, foram alinhados os factos assentes e os factos controvertidos que não tinham sido fixados no despacho saneador de 05.11.2008 que apenas deu por assentes alguns dos factos relevantes e decidiu não haver matéria controvertida.
Materialmente, apreciando os fundamentos do recurso no que toca ao erro (deficiência) no julgamento da matéria de facto, este Tribunal de recurso elaborou o despacho saneador que o Tribunal recorrido deveria ter elaborado.
Por referência à legislação em vigor aquando da prolação do despacho saneador de 05.11.2008, pois foi esta a decisão “substituída” pelo acórdão de 12.09.2012 deste Tribunal Central Administrativo Norte.
Em 2008 estava em vigor o Código de Processo nos Tribunais Administrativos na redacção dada pela Lei n.º 4 – A/2003, de 19.02, data em que ainda não tinha sido criada a figura jurídica do “despacho destinado a identificar o objecto do litígio e enunciar os temas da prova”, que apenas veio a surgir no contencioso administrativo com a entrada em vigor da alteração introduzida pelo Decreto-Lei 214-G/2015, de 02.10, pelo que não se pode chamar à colação o disposto nos artigos 87.º-A, n.º 1, alínea f), e 89.º-A, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos com esta redacção que entrou em vigor apenas em 01.12.2015 – artigo 7º do Decreto-Lei 214-G/2015, de 02.1 – para definir o conceito de “despacho saneador” resultante da lei em vigor em 2008.
Nessa data dispunham os artigos 510º a 512º, do Código de Processo Civil de 1995 (o original Código de Processo Civil de 1961, aprovado pelo Decreto-Lei 44.129, de 28.12.1961, com as alterações introduzidas pela Lei 33/95, de 18.08), na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 375º-A/99, de 20.09, e pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08.03, em vigor quando foi prolatado o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 12.09.2012, o seguinte (com sublinhado nosso):
Artigo 510º
Despacho saneador
1. Findos os articulados, se não houver que proceder à convocação da audiência preliminar, o juiz profere, no prazo de vinte dias, despacho saneador destinado a:
a)Conhecer das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente;
b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidas deduzidos ou de alguma excepção peremptória.
2. Se houver lugar a audiência preliminar, o despacho saneador é logo ditado para a acta; quando, porém, a complexidade das questões a resolver o exija, o juiz poderá excepcionalmente proferi-lo por escrito, no prazo de vinte dias, suspendendo-se a audiência e fixando-se logo data para a sua continuação, se for caso disso.
3. No caso previsto na alínea a) do nº 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas; na hipótese prevista na alínea b), fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença.
4. Não cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer.
5. Nas acções destinadas à defesa da posse, se o réu apenas tiver invocado a titularidade do direito de propriedade, sem impugnar a posse do autor, e não puder apreciar-se logo aquela questão, o juiz ordena a imediata manutenção ou restituição da posse, sem prejuízo do que venha a decidir-se a final quanto à questão da titularidade do direito.
Artigo 511º
Selecção da matéria de facto
1. O juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida.
2. As partes podem reclamar contra a selecção da matéria de facto, incluída na base instrutória ou considerada como assente, com fundamento em deficiência, excesso ou obscuridade.
3. O despacho proferido sobre as reclamações apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final.
Artigo 512º
Indicação das provas
1. Quando o processo houver de prosseguir e se não tiver realizado a audiência preliminar, a secretaria notifica as partes do despacho saneador e para, em 15 dias, apresentarem o rol de testemunhas, requererem outras provas ou alterarem os requerimentos probatórios que hajam feito nos articulados e requererem a gravação da audiência final ou a intervenção do colectivo.
2. Findo o prazo a que alude o número anterior sem que haja reclamações contra a selecção da matéria de facto, ou decididas estas, o juiz designa logo dia para a audiência final, ponderada a duração provável das diligências de instrução a realizar antes dela.
(…)”.
No Código de Processo Civil de 1985 (o original Código de Processo Civil de 1961, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 09.07), logo a seguir ao artigo 510.º com a epígrafe “despacho saneador”, dispunha o artigo 511º, com a epígrafe “Organização da especificação e questionário”, no seu n.º1(com sublinhado nosso):
“Se o processo houver de prosseguir e a acção tiver de sido contestada, o juiz, no próprio despacho a que se refere o artigo anterior, seleccionará entre os factos articulados os que interessam à decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, especificando os que julgue assentes por virtude de confissão, acordo das partes ou prova documental e quesitando, com subordinação a números, os pontos de facto controvertidos que devam ser provados.”
Aqui, claramente, o conceito de “despacho saneador” era mais abrangente do que o actual conceito.
Abrangia não apenas o saneamento jurídico do processo, a apreciação das questões jurídicas que possam ser já apreciadas, o conceito actual, mas também o saneamento da matéria de facto, expurgando do processo a matéria de facto irrelevante e separando os factos já assentes dos factos a provar, de forma a que o julgamento da matéria de facto recaísse apenas sobre os factos relevantes de controvertidos, evitando perdas de tempo com a produção de prova inútil.
Este conceito, presente no Código de Processo Civil de 1985, não se mostra alterado, em nosso entender, na versão de 1995.
Quer pela inserção sistemática do n.º 1 do artigo 512º onde se menciona o “despacho saneador” depois do artigo 511º, relativo à selecção da matéria de facto.
Quer, sobretudo, pela menção à notificação das partes para apresentarem prova com a notificação do “despacho saneador”. Não faria sentido notificar as partes do despacho saneador para produzirem prova se este tivesse apenas o sentido estrito de saneamento das questões jurídicas do processo.
A redução do conceito de “despacho saneador” ao saneamento jurídico do processo apenas surge com pelo Decreto-Lei 214-G/2015, de 02.10, e com a inovação introduzida por este diploma nos artigos 87.º-A, n.º 1, alínea f), e 89.º-A, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que entrou em vigor apenas em 01.12.2015.
O que faz sentido, dado que a selecção da matéria de facto, ou seja, a fixação dos factos relevantes e, entre estes, a separação entre factos assentes e factos a provar, foi substituída pela fixação do objecto do julgamento de facto, ou seja, pela enunciação dos temas da prova.
Deixou de haver saneamento da matéria de facto do processo para passar a haver delimitação do objecto do julgamento de facto de forma abstracta, pelos temas da prova.
Mas, reitera-se, aquando da prolação do “despacho saneador” 05.11.2008, com a extensão que lhe foi dada pelo acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 12.09.2012, o saneamento do processo era jurídico e de facto.
Daí que o termo “despacho saneador” tenha sido utilizado por este Tribunal com o sentido exacto e preciso que lhe era dado pela lei então em vigor.
Exactamente por essa razão foi revogada a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 18.04.2018, que, ao invés de respeitar o saneamento da matéria de facto feita em sede de recurso por este Tribunal Central Administrativo Norte, no seu acórdão de 12.09.2012, resolveu ignorar a autoridade de caso julgado formado com este acórdão e aplicar no novo regime processual ao julgamento da matéria de facto, com a enunciação de temas de prova inovatoriamente definidos.
Enunciação dos temas de prova feita em despacho de 13.11.2017. O despacho que era suposto ser despacho saneador, mas materialmente o não foi.
O acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 12.09.2012, acabou por ser respeitado no despacho saneador proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 10.02.2021 (ver SITAF).
Não se verifica, portanto, a omissão processual que a Recorrente invoca, a não prolacção do despacho saneador: o despacho saneador foi proferido em 10.02.2021.
Não se coloca aqui a questão da sucessão de leis processuais no tempo porque o regime processual a aplicar tinha já sido definido pelo acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.09.2012.
Como se diz no despacho que antecedeu a decisão recorrida:
“Nos termos do n.º 1 do artigo 152.º do CPC, o dever de administrar a justiça, que incumbe aos juízes, abrange, não só a prolação de despacho ou sentença sobre as matérias pendentes, mas também o cumprimento das decisões dos tribunais superiores.
Por conseguinte, a falta de enunciação dos temas de prova previamente à realização da audiência de julgamento não constitui qualquer irregularidade processual”.
Improcede, pois, esta nulidade processual.

4. A não delimitação do objecto do litígio; a não enunciação dos temas de prova; a indefinição do objecto do processo; a violação do princípio da adequação formal, do direito de reclamação; a violação do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte.
O que se decide quanto à anterior questão, permite antecipar a decisão quanto a estoutra questão.
O objecto do litígio foi definido não pela enunciação dos temas de prova, mas pela elaboração do despacho saneador e fixar os factos relevantes provados e os factos a provar, conforme imposto pelo Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.09.2012, transitado em julgado.
Processualmente era o regime adequado porque era o regime imposto por lei à data.
Por outro lado, não houve preterição do direito de reclamação.
A Autora e Recorrente foi notificada por ofício de 11.02.2021 do despacho saneador e para apresentar requerimento probatório ou alterar o que já tinha apresentado (ver SITAF).
Se não reclamou foi porque não quis ou não foi diligente como lhe era exigível que fosse exercendo a faculdade processual que lhe é directamente concedida por lei.
No caso pelo disposto no n.º 1 do artigo 512.º do Código de Processo Civil de 1995, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 375º-A/99, de 20.09, e pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08.03, em vigor quando foi prolatado o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 12.09.2012.
Isto sendo certo que a lei apenas impõe a notificação do despacho saneador e para as partes apresentarem requerimentos probatórios, mas não impõe a notificação para o efeito específico de reclamar.
Findo o prazo para reclamar sem que tivesse havido reclamações contra a selecção da matéria de facto, impunha-se designar logo dia para a audiência final, nos termos do n.º 2 do artigo 512.º do Código de Processo Civil de 1995, acima citado. Como foi feito.
Também não se verifica esta nulidade processual.

5. A violação do princípio da plenitude da assistência do juiz e do juiz natural.
Consignou-se a este propósito no despacho de sustentação, o seguinte:
“A respeito da aludida nulidade, a recorrente alega que “não foi a Mmª Juíza titular do processo e autora da sentença quem presidiu e dirigiu a audiência de julgamento, mas uma outra Sra. Juíza não identificada”.
No caso dos autos, e por força do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, já mencionado, foi repetido o julgamento. A juiz signatária presidiu a esse julgamento (cfr. acta da audiência final, constante de fls. 1446 e seguintes do SITAF), a que se seguiu a prolação da sentença também pela aqui signatária.
Nestes termos, encontram-se salvaguardados e observados os princípios da plenitude da assistência do juiz e da imediação, pelo que se refuta a invocada nulidade”.
Com acerto.
Notificada, por despacho de 30.05.2022, do aqui Relator, para esclarecer esta sua alegação, veio a Autora, por requerimento de 27.06.2022, esclarecer que se estava a referir às audiências de 30.01.2018 e de 03.09.2021.
Sucede que não se tratam de duas sessões da mesma audiência de julgamento.
Tratam-se de duas audiências de julgamento distintas.
Quanto ao primeiro julgamento, foi anulado, por acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.04.2019, do qual se extrai o seguinte segmento decisório (ver SITAF):
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:
A) Anulam todo o processado desde o despacho saneador, incluindo este acto.
B) Determinam a baixa dos autos ao Tribunal Recorrido para que aí seja proferido novo despacho saneador que respeite o decidido no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.09.2012, seguindo-se os ulteriores termos.
(…)”.
Tendo sido anulado esse julgamento, deixou de existir na ordem jurídica, pelo que não faz sentido falar em violação do princípio da plenitude da assistência do juiz e do juiz natural pelo facto de o primeiro julgamento ter sido presidido por uma juiz e o segundo julgamento ter sido presidido por outra juiz.
As duas sessões da única audiência de julgamento validamente realizada, a de 03.09.2021, foram ambas presididas pela M.ma Juiz BB que é titular do processo (ver SITAF). E foi a mesma M.ma Juiz que elaborou a sentença recorrida procedendo à fixação dos factos provados e não provados
Não se verifica, por isso, também esta nulidade.

III –Matéria de facto.
Sobre o julgamento da matéria de facto, conclui a Recorrente da seguinte forma:
“(…)
n) A douta sentença desconsidera e omite a pronúncia sobre factos provados documentalmente não impugnados pelo réu, ora recorrido, mas que o douto Tribunal a quo considerou deu como não provados.
o) Em contrapartida há aceitação e pronúncia sobre actos de terceiros, que dolosa e inaceitavelmente o Recorrido trouxe para o processo administrativo e para estes autos, e
p) Declarou credíveis depoimentos de duas funcionárias do Recorrido que, se falaram verdade subjetivamente, sobre factos que a RTE nem podia conhecer, fizeram depoimento não inteiramente condizente com a verdade.
q) A douta sentença não emitiu qualquer pronúncia sobre os factos ocorridos em Junho e Julho de 2004, caraterizados por uma absoluta duplicidade.
r) Enquanto oficialmente o Recorrido partia do princípio de que a RTE cumprira o projecto, interrompido por pedido de falência a que não dera causa, e negociava com a RTE a forma de a ajudar a recuperar o seu inovador projecto modelo de produção e comercialização têxtil,
s) lhe concedia a possibilidade de pagamento em 84 prestações para pagar a dívida ao IAPMEI e
t) anunciava a devolução da garantia por escrito,
u) funcionários que depuseram nos autos procediam a uma inspecção de uma outra empresa com diferente actividade têxtil, diferente administração, diferentes interesses, diferente estrutura societária, havendo apenas um accionista minoritário da RTE que detinha capital na empresa investigada.
v) Esses funcionários, dirigidos pelo jurista e advogado, Sr. Dr. AA, imputavam à RTE a ilícita cessão de 12 máquinas de costura e de uma outra máquina à empresa investigada.
w) Esta farsa teria sido desmontada se, com presumível dolo, não tivesse sido omitido o dever de audição da RTE, substituído pelo envio de cartas para instalações da RTE que os mesmos técnicos argumentavam estarem fechadas e com ar abandonado.
x) Facto este verdadeiro e bem conhecido do IAPMEI, originado pelo cruzamento de um pedido de falência doloso, pela desapropriação das instalações, que a RTE quis reverter logo após a negação da falência da RTE.
y) Nesta dualidade de conduta de Recorrido esteve presente o referido jurista, contribuindo para que de um lado viessem facilidades para a recuperação do projecto e, por detrás, houvesse um golpe baixo, desconforme com a verdade e difamatório.
z) A douta sentença erra pronúncia quando desconsidera o efeito probatório de vários documentos, que sensatamente o Recorrido não impugnou.
aa) É o caso da escritura de dação em cumprimento pela qual uma empresa do principal accionista da RTE pagou ao BCP as dívidas da RTE de 1 150 000€ com a entrega ao desbarato de um prédio que valia para cima de 1 500 000€, condições leoninas cuja aceitação decorreu da necessidade de reabertura da RTE.
bb) Esse mesmo accionista resgatou as instalações fabris da RTE pagando lhe 350.000€, facto provado testemunhalmente cuja credibilidade decorre da natureza do próprio contrato de leasing através do qual a RTE adquiriu as instalações.
cc) Pelo contrário, a sentença dá como provadas extrapolações convertidas em factos inexistentes como é a imaginária cedência das instalações.
dd) Aliás a RTE considera que o douto Tribunal a quo «não assegura um estatuto de igualdade efectiva das partes no processo (CPTA-6º).
Apreciando.
Dispõe o artigo 640.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, aqui aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes
Ora a Recorrente faz um ataque à matéria de facto dada como provada e como não provada, invocando os factos que entende estarem provados, mas sem fazer corresponder os elementos de prova que analisa nem essa análise com os pontos em concreto da matéria de facto que considera erradamente julgada, quer a dada como provada e quer a dada como não provada.
E, no que se refere aos depoimentos das testemunhas, sem referir com precisão as passagens das gravações em que fundaria o seu recurso e sem proceder à transcrição das passagens que entendia serem relevantes.
O que sempre imporia a rejeição do recurso nesta parte, face ao citado normativo.
Em todo o caso, sempre se dirá, à cautela, que não se vislumbra qualquer erro no julgamento da matéria de facto que imponha a sua alteração.
Determina o artigo 662º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Na interpretação do equivalente preceito do Código de Processo Civil anterior (o artigo 712º), foi pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.2005, processo n.º 394/05, de 19.11.2008, processo n.º 601/07, de 02.06.2010, processo n.º 0161/10 e de 21.09.2010, processo n.º 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo n.º 00205/07.3 PNF, e de 14.09.2012, processo n.º 00849/05.8 VIS).
Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram directamente percepcionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.
Como defende Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 657:
“Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”. Para o julgamento da matéria de facto, tal como ficou fixada na decisão recorrida, o Tribunal a quo a presentou a seguinte motivação:
“(…)
A decisão da matéria de facto assentou na análise nos documentos constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada concreto ponto do probatório, no acordo das partes e na prova testemunhal quanto ao facto C., nos seguintes termos.
As testemunhas CC, DD e EE, a primeira secretária de administração da S..., L.da e os demais sócios da mesma, afirmaram que a empresa dispunha de marcas e lojas próprias, referido, a propósito, a C... e M.... No que a esta matéria respeita, não se detectaram incoerências ou hesitações nos seus depoimentos, pelo que os mesmos se mostraram credíveis.
O mesmo não se pode dizer em matéria relacionada com a relação da S..., L.da com a L..., Lda. (factos não provados 3) a 5)) pois que, a propósito, a testemunha CC se limitou a referir, de forma vaga e genérica, a constituição de uma jointventure em 2000 e o afastamento progressivo da L..., Lda., que nem sequer conseguiu situar no tempo; já a testemunha DD afirmou que foi por causa do 11 de Setembro de 2001 que o administrador da L..., Lda., árabe, fechou todas as empresas da Europa, acrescentando que a L..., Lda. devia muito dinheiro à S..., L.da mas sem concretizar o montante da dívida nem a respectiva data, igualmente depondo de forma vaga e genérica; por fim, a testemunha EE limitou-se a afirmar que a L..., Lda. vendia as três marcas landmark, M... e C..., nada acrescentando de relevo para além disso, sendo certo que nenhuma das três testemunhas logrou explicar a organização societária da L..., Lda..
Também quanto à alegada amortização do passivo, tentativa de retoma da actividade da S..., L.da e financiamento da mesma (factos não provados 6) a 10)), os depoimentos de tais testemunhas se revelaram imprestáveis. A testemunha CC, embora tenha afirmado que o sócio EE se empenhou muito nas negociações com os bancos e que assistiu a conversas entre os sócios no sentido de retomarem a actividade da empresa após o seu encerramento, exibiu um depoimento vago e genérico, pleno de impressões subjectivas, mostrando-se estranho nada mais de concreto saber uma vez que afirmou que, após o encerramento das instalações da empresa, continuou a acompanhar a situação da empresa porque, como secretária de administração, recebia a correspondência do IAPMEI e respondia à mesma. A testemunha DD afirmou que só um dos sócios, EE, havia injectado dinheiro na empresa (cerca de € 1.850.000,00), para pagar aos bancos mas tal afirmação não encontra suporte documental nos autos, não sendo plausível que um sócio pague o passivo de uma sociedade em montante semelhante sem que tal esteja evidenciado na contabilidade e sem que haja documento comprovativo do pagamento; quanto à não retoma da actividade da empresa, justificou-a com a inexistência de meios, instalações e equipamentos, depondo de forma confusa, vaga e pouco precisa. Por fim, a testemunha EE, ainda que tenha confirmado que pagou todo o passivo bancário do BCP, não soube concretizar o montante do pagamento nem a data em que o mesmo ocorreu, o que também não se mostra verosímil, atento o montante em causa e a circunstância de se tratar de uma pessoa singular a efectuar o seu pagamento; quanto às tentativas de retoma da actividade, limitou-se a dizer que procuraram outras instalações e tentaram obter financiamento junto da banca, que o recusou face a indicações do banco de Portugal, sem concretizar as diligências de procura de instalações, inexistindo nos autos qualquer suporte documental da recusa de financiamento, normal no âmbito de actividade comercial de uma sociedade com a dimensão da S..., L.da.
Quanto aos factos não provados 1) e 2), notificada a autora para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos certidão dos docs. 6, 9 e 10 juntos com a p.i. para provar dos factos controvertidos enunciados em 1) e 2), conforme determinado no citado acórdão do tribunal de recurso, a mesma nada disse.
Finalmente, as testemunhas FF e GG, técnicas superiores do IAPMEI, prestaram depoimentos que se mostraram sérios e credíveis, corroborando a factualidade resultante de documentos existentes nos autos, relacionada com a não libertação da garantia bancária e com a existência de máquinas da S..., L.da nas instalações da P..., esclarecendo que eram os mesmos os seus números de série.
(…)".
Não se detecta aqui qualquer erro de julgamento menos ainda evidente sendo certo que os depoimentos das testemunhas da Autora não foram desconsiderados sem mais.
Antes foram levados em conta em parte e na parte em que foram desconsiderados o Tribunal a quo apresentou uma justificação plausível, razoável, para essa opção.
Também justificou de forma plausível a razão de ser de dar total crédito ao depoimento das testemunhas do Réu.
Quanto ao alegado facto ter sido celebrada uma “escritura de dação em cumprimento pela qual uma empresa do principal accionista da RTE pagou ao BCP as dívidas da RTE de 1 150 000€ com a entrega ao desbarato de um prédio que valia para cima de 1 500 000€, condições leoninas cuja aceitação decorreu da necessidade de reabertura da RTE”, não consta da base instrutória fixada por decisão transitada em julgado e não se vê qual o relevo para a análise do vício de erro nos pressupostos do acto impugnado, único vício imputado a este acto o articulado inicial.
O que está em causa não é a reabertura da RTE. O que está em causa é precisamente o seu encerramento e entrega das instalações ao BPI. Este invocado facto confirma o encerramento da empresa, mas nada diz quanto à causa do encerramento. Causa que eventualmente o justificasse e, assim, impusesse a anulação do acto impugnado.
Pelo que se impõe manter o julgamento da matéria de facto.
Deveremos assim dar como provados os seguintes factos, constantes da decisão recorrida:
A. Entre a S..., L.da e o Réu foi celebrado, em 08.11.1999, acordo escrito (contrato n.º N/99/6...3.9...2) destinado à concessão de incentivos financeiros ao investimento nas áreas de organização, recursos humanos, produção tecnológica, económico-financeira, comercial, energética, ambiental e qualidade, incluindo a aquisição de equipamentos e máquinas de corte automático, máquinas de costura, prensas para acabamento, sistema automático de armazenagem, sistemas de informação e a ampliação e adaptação das instalações fabris situadas em ..., a fundo perdido, no montante de 1.005.102€70 – alínea A) dos factos assentes.
B. Do clausulado do referido contrato, extrai-se, além do mais, o seguinte - alínea B) dos factos assentes:
“(…)
Cláusula Sétima
(Outras Obrigações)
1. (…)
2. O Promotor deverá, também:
a) (…)
b) Comunicar ao IAPMEI qualquer alteração ou ocorrência que ponha em causa os pressupostos relativos às condições de acesso que permitiram a aprovação do projecto, bem como a sua realização;
(…)
f) Não utilizar para outro fim, não ceder, alienar, locar ou onerar, no todo ou em parte, quer a gestão, quer a propriedade dos bens adquiridos com os subsídios, sem prévia autorização do Ministro da Economia, até 3 anos após a concretização do projecto;
(…)
Cláusula Décima Terceira
(Rescisão)
1. O IAPMEI poderá rescindir o contrato, nos termos do artigo 13º do Regulamento de Aplicação do IMIT, sempre que o Promotor:
a) Não cumpra qualquer das obrigações decorrentes da celebração do presente contrato;
b) (…)
2. Ocorrendo rescisão do presente contrato, o subsídio deverá ser restituído no prazo de 40 dias consecutivos, acrescido de juros, contados desde a data do recebimento do subsídio, calculados a uma taxa igual a duas vezes a LISBOR ou EURIBOR a seis meses em vigor à data da notificação.”
C. A S..., L.da tinha marcas próprias e apoiava-se num sistema de vendas através de lojas próprias.
D. O projecto de investimento da S..., L.da enquadrava-se, entre outras, numa estratégia de ampliação das instalações situadas em ... e de modernização da secção de corte, confecção e acabamentos – alínea M) dos factos assentes.
E. O projecto de investimento previa a mudança da localização da Seporgal de ... para ..., tendo a candidatura integrado apenas os custos da ampliação do edifício fabril que adquiriu através de contrato de locação financeira, com a duração de 120 meses e início em 17.06.1998 – alínea N) dos factos assentes.
F. A S..., L.da tinha sede na Rua ..., e possuía instalações fabris, adquiridas por intermédio de contrato de locação financeira imobiliária, celebrado com o BPI Leasing Sociedade de Locação Financeira, S.A., compostas por dois prédios urbanos sitos na Rua ... – alínea J) dos factos assentes.
G. A S..., L.da deixou de pagar as rendas ao BPI Leasing, S.A., o que originou a resolução do contrato de locação financeira – aliena K) dos factos assentes.
H. Por força da execução do referido contrato a S..., L.da recebeu do R. a quantia de 809.309€56 – alínea C) dos factos assentes.
I. Os fundos foram libertos à medida da execução do projecto – alínea P) dos factos assentes.
J. Em 14.12.1999, a pedido da S..., L.da, o BCP prestou garantia bancária n.º 1...-02-01...20, no valor de 63.255.500$00 (315. 517€10), a favor do IAPMEI, responsabilizando-se a fazer as entregas que este solicitar se o ordenador não cumprir qualquer uma das condições ou das obrigações que resultam do contrato datado de 08.11.1999 - cfr. fls. 133 do PA apenso aos presentes autos.
K. Em 07.03.2001, foi paga a última factura apresentada pela autora (fatura n.º ...22, emitida pela ... e datada de 09.11.2000) – cfr. folhas 203 do processo administrativo apenso.
L. O apuramento do Dossier Saldo Final ocorreu em 24.04.2001 alínea Q) dos factos assentes.
M. A auditora técnico-financeira de verificação final do projecto, E & ..., realizou uma visita às instalações da S..., L.da, em 26.10.2001, no decurso da qual foi descrito o funcionamento dos diversos equipamentos adquiridos no âmbito do projecto de investimento apresentado na candidatura ao SIMIT – alínea L) dos factos assentes.
N. A insolvência da S..., L.da foi requerida pela massa falida da L..., Lda. – acordo.
O. Por forma a averiguar a situação da S..., L.da, em termos de laboração, tendo em conta a quantidade de equipamentos verificados nas instalações da P..., uma equipa do IAPMEI deslocou-se às instalações onde decorreu o projecto em assunto, sitas na Rua ..., as quais se encontravam encerradas e bastante degradadas, estando afixado na portaria da empresa um Aviso do Tribunal da Maia – ... Juízo, datado de 20.08.2003, com a seguinte informação: Processo 4.../03-1TVPRT-...-..., Autor: BPI – Leasing, S.A., Réu: S..., L.da «Nos autos acima indicados foi efectuada a entrega do imóvel e respectivas chaves ao BPI» – cfr. folhas 263 a 266 dos autos.
P. Em 27.05.2004, o Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia proferiu sentença de arquivamento dos autos de falência n.º 52/2002, em que era requerida S..., L.da, face à constatação da viabilidade económica da mesma – alínea E) dos factos assentes.
Q. A carta de 29.07.2004, dirigida pelo IAPMEI à S..., L.da, refere: “Anexo: original da garantia bancária” – cfr. documento 7 junto com a petição inicial.
R. Em 25.08.2004, a S..., L.da solicitou ao IAPMEI a devolução do original da garantia bancária – acordo.
S. Face à carta da S..., L.da de 25.08.2004, o IAPMEI afirmou que cometera um erro de escrita – acordo.
T. Foram os seguintes os bens integrados na candidatura ao POE apresentada pela P..., S.A., que também foram incluídos em projectos da S..., L.da aprovados no âmbito do Programa IMIT – cfr. documentos 2 e 3 juntos com o requerimento de 23.09.2021:
(Imagens constantes da sentença que aqui se dão por reproduzidas).
U. Com referência ao contrato de concessão de incentivos n.º N/99/6...3.9...2, o IAPMEI, em 14.01.2005, prestou a informação n.º 1.../CVP-N/05, a folhas 263 a 266 dos autos, da qual se extrai o seguinte – alínea F) dos factos assentes:
“(…)
2. O projecto foi alvo de verificação física, documental e contabilística, tendo o investimento sido encerrado em 28-03-2002, autorizando-se a libertação da garantia bancária após parecer favorável da DGA quanto ao cumprimento das condicionantes contratuais (…).
3. Em 04-07-2002, após comprovação das condicionantes impostas no encerramento do investimento, foi elaborada informação (Informação nº 2.../GVP/...02) com proposta de libertação da garantia bancária nº 1...-02-01...20, emitida pelo BCP em 14-12-1999, no valor de 63.255,5 contos.
Contudo a garantia não chegou a ser libertada, uma vez que a DRJC informou, através da NS nº 9.../DRJC/...02, que fora requerida a falência da S..., L.da.
4. Entretanto, o IAPMEI foi informado, por ofício dimanado do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia da decisão de arquivar o processo de falência em causa (…).
5. Na sequência da verificação final da candidatura nº 00/7056 ao SIME, da P..., S.A., foi detectada a existência de investimentos já comparticipados ao nível da candidatura em assunto (nº 9862) da S..., L.da. No decurso da verificação física às instalações da P... (…) foi possível verificar que esses equipamentos se encontravam aí instalados.
Por forma a averiguar a situação da S..., L.da, em termos de laboração, tendo em conta a quantidade de equipamentos verificados nas instalações da P..., uma equipa do IAPMEI deslocou-se às instalações onde decorreu o projecto em assunto, sitas na Rua ..., tendo sido possível comprovar que as mesmas se encontravam encerradas e bastante degradadas. Na portaria da empresa estava afixado um Aviso do Tribunal da Maia – ... Juízo, datado de 20-08-2003, com a seguinte informação:
* Processo 4.../03-1TVPRT-...-...
* Autor: BPI – Leasing, S.A.
* Réu: S..., L.da
«Nos autos acima indicados foi efectuada a entrega do imóvel e respectivas chaves ao BPI».
Será ainda de referir que no âmbito da candidatura ao SIMIT em causa (nº 9862), foram comparticipados equipamentos e obras de adaptação no edifício em questão e que o promotor nunca remeteu qualquer comunicação dando conhecimento destas situações, contrariando o estabelecido nas alíneas b) e f) do ponto 2 da Cláusula Sétima do Contrato de Concessão de Incentivos.
(…)
8. Face ao exposto, e tendo em conta que os factos atrás descritos se traduzem no incumprimento das obrigações contratuais estabelecidas no ponto 2, alíneas b) e f) do ponto 2 da Cláusula Sétima (encerramento da empresa e entrega do imóvel ao BPI, sem comunicação ao IAPMEI e sem autorização); somos de opinião que se encontram reunidas as condições para se propor a rescisão do contrato de concessão de incentivos, de acordo com o definido na alínea a) do ponto 1 da Cláusula Décima Terceira do mesmo, com devolução do subsídio processado, acrescido de juros.
(…)”.
V. O IAPMEI procedeu à “verificação física, documental e contabilística, tendo o investimento sido encerrado em 28.03.2002” - alínea O) dos factos assentes.
W. Informação interna do IAPMEI concluiu que o “projecto foi alvo de verificação física, documental e contabilística, tendo o investimento sido encerrado em 28-03-2002” - alínea R) dos factos assentes.
X. Essa informação propõe “a libertação da garantia bancária” nº 1...-02-01...20, com o valor de 63.255.500$00 após parecer favorável da DGA quanto ao cumprimento das condicionantes contratuais ….” – alínea s) dos factos assentes.
Y. Esta proposta só não foi aceite porque foi requerida a insolvência da S..., L.da pelo que prosseguiu a retenção da garantia - alínea T) dos factos assentes.
Z. Em Junho de 2005, o IAPMEI rescindiu o contrato de concessão de incentivos financeiros com a sociedade P... com base na seguinte fundamentação – cfr. documento 4 junto com o requerimento de 23.09.2021:
(Imagens constantes da sentença que aqui se dão por reproduzidas).
AA. Em 03.02. 2006, foi elaborada pela Unidade Jurídica do IAPMEI proposta n.º 0775/UJUR/2006 de rescisão do contrato n.º N/99/6...3.9...2, da qual se extrai o seguinte – alínea G) dos factos assentes:
“Assunto: S..., L.da
Rescisão de Contrato
1. A empresa supra referenciada apresentou uma candidatura ao Regime de Apoio a Planos de Modernização Empresarial, na sequência da qual foi celebrado o Contrato nº N/99/6...3.9...2.
2. No âmbito deste Contrato foi paga a quantia de € 809.309,56.
3. Verificou-se a inexistência do(s) seguinte(s) incumprimento(s) contratual(is):
- Encerramento da actividade da empresa
4. Face ao exposto propõe-se a rescisão do Contrato nº N/99/6...3.9...2 e consequente devolução do incentivo pago no valor de € 809.309,56.
5. Propõe-se também o accionamento da garantia bancária nº 1...-02-01...20 do BCP no valor total de € 315.517,10.
(…)
Com efeito, a factualidade indicada integra a previsão da al. a) do nº 1 do nº 13 do Anexo à Resolução do Conselho de Ministros nº 96-A/95, de 6/10, situação que possibilita a rescisão do contrato nos termos da al. c) do nº 1 da cláusula 7ª (cfr. ainda al. a) do nº 1 da cláusula 13ª).
(…)”.
BB. No dia 13.02.2006, o Conselho Directivo do Réu deliberou rescindir o contrato n.º N/99/6...3.9...2, com fundamento no encerramento da actividade da empresa - acto impugnado - alínea H) dos factos assentes:
CC. Através do ofício n.º 1...7, de 11.05.2006, o IAPMEI comunicou à S..., L.da a decisão de rescindir o contrato n.º N/99/6...3.9...2 – alínea I) dos factos assentes.
*
III - Enquadramento jurídico.
1. A nulidade da sentença.
1.1. A nulidade por omissão de pronúncia: o direito à informação.
A eventual violação do direito à informação não pode sequer em abstracto constituir um vício do acto porque é algo que lhe é externo e posterior.
Poderia quando muito justificar a invocação superveniente de vícios do acto.
Mas como se pode verificar dos documentos do processo instrutor juntos no decurso do presente processo judicial nenhum outro vício a Autora poderia invocar (e por isso não invocou) para além do que invocou em sede própria, o articulado inicial: o vício de erro nos pressupostos do acto impugnado.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.

1.2. A nulidade por omissão de pronúncia: o vício de violação da audiência prévia.
A sentença recorrida não se pronunciou sobre este vício nem se podia ter pronunciado porque não foi invocado em sede própria, o articulado inicial.
Articulado onde poderia ter sido invocado tal vício, dado ser um facto pessoal da Autora, ter sido ou não ouvida antes de ter sido tomada a decisão final.

2. O acerto da sentença.
Quanto ao vício de erro nos pressupostos, único vicio que foi invocado na petição inicial, diz a sentença recorrida:
“(…)
A. Do erro nos pressupostos
Está em causa a legalidade da deliberação do Conselho Diretivo do IAPMEI de 13.02.2006 de rescisão do contrato de incentivos financeiros ao investimento nas áreas de organização, recursos humanos, produção tecnológica, económico-financeira, comercial, energética, ambiental e qualidade, incluindo a aquisição de equipamentos e máquinas de corte automático, máquinas de costura, prensas para acabamento, sistema automático de armazenagem, sistemas de informação e a ampliação e adaptação das instalações fabris situadas em ..., com o n.º N/99/6...3.9...2, com fundamento no encerramento da actividade da empresa e na entrega do imóvel ao BPI sem comunicação ao IAPMEI e sem autorização e ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º do n.º 13 do Anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 96-A/95, de 6/10, e das alíneas b) e f) do ponto 2 da cláusula 7.ª e da alínea a) do n.º 1 da cláusula 13ª do contrato.
O Regulamento de Aplicação do Programa IMIT – Iniciativa para a Modernização da Indústria Têxtil foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 96-A/95, de 06 de Outubro, prevê, na alínea a) do n.º 1 do seu artigo 13.º que o IAPMEI pode rescindir o contrato de concessão de incentivos em caso de não cumprimento dos objectivos e das obrigações acordados por facto imputável ao promotor. Prevê ainda, no n.º 1 do seu artigo 3.º, que a prossecução do Programa se concretiza através do Sistema de Incentivos à Modernização da Indústria Têxtil (SIMIT), regulamentado pelo Despacho Normativo n.º 61-A/95, de 17 de Outubro, em cujo artigo 15.º, n.º 1, se dispõe que “As entidades que venham a beneficiar de qualquer incentivo no âmbito do SIMIT ficam sujeitas às seguintes obrigações: a) Executar o projecto nos termos e prazos fixados no contrato; b) Cumprir os objectivos constantes do projecto; c) Cumprir atempadamente as obrigações legais e fiscais, de harmonia com o estabelecido na regulamentação específica; d) Fornecer todos os elementos que lhe forem solicitados pelas entidades com competências de acompanhamento, controlo e fiscalização e, bem assim, pelas instituições do sistema bancário referidas no n.º 4 do artigo 8.º; e) Comunicar ao organismo gestor qualquer alteração ou ocorrência que ponha em causa os pressupostos relativos às condições de acesso com que o projecto foi aprovado, bem como a sua realização pontual.” Mais se estabelece no n.º 2 que “As entidades beneficiárias ficam sujeitas à verificação da utilização dos incentivos concedidos, não podendo ceder, locar, alienar ou por qualquer modo onerar, no todo ou em parte, sem autorização prévia do Ministro da Indústria e Energia, quer a gestão quer os bens adquiridos para a execução do projecto até três anos após a concretização do projecto.” Sobre a “concretização do projecto”, dispõe o artigo 10.º, n.º 3, que “Para efeitos administrativos, a concretização do projecto traduzir-se-á na data do último pagamento efectuado pelo beneficiário ou beneficiários do contrato.”
Por sua vez, conforme resulta do probatório, decorre das alíneas b) e f) do n.º 2 da cláusula sétima do contrato de concessão de incentivos celebrado entre a S..., L.da e o IPAMEI que são obrigações do promotor “Comunicar ao IAPMEI qualquer alteração ou ocorrência que ponha em causa os pressupostos relativos às condições de acesso que permitiram a aprovação do projecto, bem como a sua realização” e “Não utilizar para outro fim, não ceder, alienar, locar ou onerar, no todo ou em parte, quer a gestão, quer a propriedade dos bens adquiridos com os subsídios, sem prévia autorização do Ministro da Economia, até 3 anos após a concretização do projecto”, resultando da alínea a) do n.º 1 da cláusula décima terceira que o IAPMEI poderá rescindir o contrato, nos termos do artigo 13.º do Regulamento de Aplicação do IMIT1, sempre que o promotor não cumpra qualquer das obrigações decorrentes da celebração do contrato, caso em que, nos termos do n.º 2, o subsídio deverá ser restituído no prazo de 40 dias consecutivos, acrescido de juros, contados desde a data do recebimento do subsídio, calculados a uma taxa igual a duas vezes a LISBOR ou EURIBOR a seis meses em vigor à data da notificação.
Alega a autora que cumpriu integralmente o contrato, devendo o réu restituir-lhe o montante de € 315.517,10 correspondente ao valor da garantia bancária n.º 1...-02-01...20.
Assim, importa aferir, antes de mais, se houve incumprimento contratual por parte da autora.
Decorre do probatório que as instalações da S..., L.da em ..., para cujas obras de alteração e ampliação foram concedidos os apoios financeiros a que se reporta o contrato n.º N/99/6...3.9...2, foram encerradas em Agosto de 2003 no âmbito do processo judicial n.º 4.../03-1TVPRT-...-...-4 e entregues ao BPI Leasing, S.A., pelo que, pelo menos a partir de tal data, a S..., L.da cessou a sua actividade.
Mais resulta do probatório que o último pagamento efectuado pela autora enquanto beneficiária do contrato em análise data de 07.03.2001, pelo que é esta a data da concretização do projecto. Assim, não podia a autora, sem autorização, onerar a gestão ou a propriedade das instalações da S..., L.da até 07.03.2004, nos termos do clausulado do contrato e dos normativos ao mesmo aplicáveis, acima enunciados.
Tendo as instalações da S..., L.da sido encerradas e entregues ao BPI Leasing, S.A., em Agosto de 2003, é manifesto que foram as mesmas oneradas sem autorização antes de decorrido o prazo de três anos posterior à concretização do projecto, pelo que se mostra violada obrigação contratual, violação essa apta a sustentar a rescisão do contrato e à qual não obsta, naturalmente, a prévia ocorrência de verificação contratual, atenta a obrigação prevista, não só na f) do n.º 2 da cláusula sétima do contrato de concessão de incentivos celebrado entre a S..., L.da e o IPAMEI, mas também no artigo 15.º, n.º 2, do Despacho Normativo n.º 61-A/95, de 17 de Outubro, que regulamenta o SIMIT.
Mais alega a autora que o incumprimento que sustenta a rescisão contratual não lhe é imputável, nos termos e para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º do Regulamento de Aplicação do Programa IMIT – Iniciativa para a Modernização da Indústria Têxtil, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 96-A/95, de 06 de Outubro, que prevê que a rescisão assente no incumprimento de obrigação contratual por facto imputável ao promotor. Defende a autora que a oneração das suas instalações se ficou a dever ao pedido de insolvência apresentado pela massa falida da L..., Lda. desprovido de fundamento assim como à não libertação, por parte do IAPMEI, da garantia bancária prestada pela S..., L.da, que terá impedido a autora de aceder a financiamento bancário e, desse modo, retomar a sua laboração.
Todavia, a autora não logrou demonstrar que lhe foi recusado financiamento bancário por lhe estar a ser exigida a garantia bancária por parte do IAPMEI nem quais as diligências que adoptou no sentido da criação dos 60 postos de trabalho que alega com vista à retoma da actividade empresarial. De resto, não ficou demonstrada a causa do encerramento das instalações da S..., L.da, designadamente que tal causa se relacione com o processo de insolvência (até porque o mesmo foi arquivado precisamente em virtude da viabilidade da empresa). Por outro lado, do relatório elaborado pela administradora de insolvência no âmbito do processo n.º 4.../05...TYVNG consta que, em Março de 2000, a S..., L.da tinha já cedido os seus equipamentos e as suas instalações quer à L..., Lda., quer à C... Lda. Resulta ainda do probatório que o que originou a resolução do contrato de locação financeira por parte do BPI Leasing, S.A., - com a consequente tomada de posse das instalações - foi a falta de pagamento de rendas por parte da S..., L.da.
Ante o exposto, não restam dúvidas de que o incumprimento da obrigação contratual de não onerar os bens financiados no prazo de três anos após a concretização do projecto é imputável à autora, enquanto beneficiária do incentivo ao investimento.
Inverificado o invocado erro nos pressupostos do acto impugnado, carece de fundamento o peticionado reembolso do valor correspondente à garantia bancária n.º 1...-02-01...20 exigida pelo IAPMEI ao BCP, atento o disposto no citado n.º 2 do artigo 13.º do Regulamento de Aplicação do Programa IMIT – Iniciativa para a Modernização da Indústria Têxtil, que prevê a restituição do subsídio como consequência da rescisão do contrato.
(…)”.
Decisão que se mostra sólida e acertada.
Vem impugnada a deliberação do Conselho Directivo do IAPMEI de 13.02.2006, de rescisão do contrato de incentivos nº N/99/6...3.9...2 e pedido o reconhecimento do cumprimento do contrato pela Autora e devolução do montante de 315.517€10 correspondente ao valor da garantia bancária nº 1...-02-01...20.
Mas três fundamentos essenciais resultam dos factos provados e bastam para sustentar a deliberação impugnada, apontados na decisão ora recorrida que a manteve na ordem jurídica.
1º - As instalações da S..., L.da foram encerradas e entregues ao BPI Leasing, S.A., em Agosto de 2003. É assim manifesto que foram as mesmas oneradas sem autorização antes de decorrido o prazo de três anos posterior à concretização do projecto.
2º - Não ficou provada a causa do encerramento das instalações da S..., L.da. Causa que eventualmente o justificasse. Em particular que o encerramento se tivesse ficado a dever ao processo de insolvência, tanto assim que o mesmo foi arquivado precisamente em virtude da viabilidade da empresa. Por outro lado, consta do relatório elaborado pela administradora de insolvência no âmbito do processo n.º 4.../05...TYVNG consta que em Março de 2000 a S..., L.da tinha já cedido os seus equipamentos e as suas instalações quer à L..., Lda., quer à C... Lda.
3º - A autora não logrou provar quais as diligências que adoptou no sentido de criar 60 postos de trabalho que alegou com vista à retoma da actividade empresarial.

Mostra-se por isso acertada a sentença recorrida ao julgar não verificado o único vício da deliberação impugnada que se impunha analisar: o vício de erro nos respectivos pressupostos.

Termos em que se impõe manter a decisão recorrida.
*
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
*
Porto, 25.11.2022
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre