Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00793/19.8BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Cristina da Nova
Descritores:MANIFESTAÇÃO DE FORTUNA, DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA POR MÉTODOS INDIRETOS, SUBPROCEDIMENTO, ATO DESTACÁVEL, RECURSO,
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA, PRECLUSÃO DO DIREITO A INVOCAR OUTROS VÍCIOS
Sumário:1-Embora a regra do contencioso tributário seja a do princípio da impugnação unitária, por vezes, a lei prevê a impugnabilidade contenciosa imediata de atos anteriores ao ato final do procedimento, que têm especial relevo para condicionar a decisão final, sendo estas ressalvadas no n. º1, do art. 54.º do CPPT.
Tal é o caso do procedimento no âmbito das manifestações fortuna em que avaliação da matéria coletável pelo método indireto é suscetível de recurso, o n.º7 do art. 89.º-A da LGT.

2-Não obstante o seu carácter preparatório, permite-se, no entanto, que tais atos de determinação da matéria coletável possam ser autonomamente impugnáveis, sempre que entre eles e o ato final haja uma relação de evidente prejudicialidade.
A decisão de avaliação da matéria coletável constitui ato, que embora preparatório da liquidação (ou subprocedimento), assume a natureza prejudicial ou ato destacável ma medida em que define uma situação jurídica, inserindo-se nas relações intersubjetivas e condicionando a decisão final (liquidação).

3- Mas caso não haja recurso, porque o sujeito dele não fez uso para impugnar a avaliação da matéria coletável, a decisão de determinação da matéria coletável torna-se caso decidido ou resolvido, a lei coloca à disposição do contribuinte um meio de defesa ele deve concentrar toda a sua defesa no recurso da decisão de fixação da matéria coletável, pois, este recurso é o meio previsto na lei para impugnar o procedimento de fixação da matéria coletável.

4- Todos os vícios ou ilegalidades que tal procedimento contenha devem ser aqui invocados, sob pena de não poder fazer mais tarde quando for liquidado o imposto (ato subsequente ao procedimento de determinação ou fixação da matéria coletável).

5- Se não houver recurso da decisão de determinação da matéria coletável ou havendo recurso desta decisão não se acionarem todos os fundamentos de ilegalidade deste ato, preclude-se a possibilidade de no ato final [liquidação] vir arguir vícios daquele ato.
No direito processual reconduz-se à perda de um determinado direito e intervenção no processo, por ela não ter sido objetivada ou operada oportunamente no prazo ou no âmbito da providência respetiva, a inatividade objetivada na não concentração da defesa dos seus direitos em determinado prazo ou em determinada providência processual, torna a decisão definitiva, inatacável ou resolvida.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:M., E OUTRO
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
M. e J., vem recorrer da sentença que decidiu que a decisão proferida no procedimento de revisão não padece de ilegalidade ao sancionar não haver erro imputável aos serviços na medida em que as liquidações cuja revisão oficiosa se peticionou decorrem do cumprimento do julgado no processo 344/12 que assentou nos documentos aí obtidos no cumprimento do acórdão no mesmo processo de 21-03-2013.
Formulam os recorrentes, M. e J., nas respetivas alegações as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«i) Deve ser dado como provado que resulta do teor do Doc. 1 junto à presente petição, que não foi alegada a causa de pedir da ilegalidade das liquidações por OMISSÃO DO PROCEDIMENTO IMPOSTO PELO ART.º 63º-B, N.ºS 3 E 4 DA LGT, sendo que é face ao teor da petição inicial que se terá que aferir se a questão em causa foi ou não foi alegada ou se essa questão fez ou não parte do objecto do processo.
ii) Como se pode constatar pelo teor da PI do processo n.º 344/12.9BECBR, a questão da omissão do procedimento imposto pelo artigo 63º-B, n.ºs 3 e 4 da LGT, não constituiu causa de pedir daquela, nem tão pouco o TCAN a julgou, como resulta cristalino do referido a págs. 23 do acórdão, mas apenas e tão só a questão da legalidade da prova constante dos documentos de fls. 75, 77, 89 e 90 que estiveram na base dos factos supra referidos, na sequência de anterior decisão do TCAN de 21.3.2013 que no seu dispositivo consagrou: (...) Julgar procedente o recurso jurisdicional interposto pelos Recorrentes e, em consequência, anular a sentença recorrida ordenando a baixa dos autos à 1.ª instância a fim de aí serem realizadas as diligências de prova necessárias ao apuramento da identidade dos beneficiários económicos das contas existentes no «Banque (...)» em nome da M. S.A. (sublinhado nosso).» (contas nºs 22660, 22661, 22662, e 22663) seguindo posteriormente os autos a sua normal tramitação»), tendo sido considerado ocorrer caso julgado quanto a esta concreta situação, ou seja, de que os ora recorrentes são os beneficiários económicos das contas bancárias abertas no Banque (...) em nome da M., S.A. e S., S.A., com base naqueles documentos, e não quanto à causa de pedir referida supra, que nunca chegou a ser alegada e consequentemente apreciada.
iii) Nos termos do art.º 260º do CPC: “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”.
iv) Não tendo existido qualquer ampliação das causas de pedir e não sendo esta uma situação de conhecimento oficioso, também o Tribunal não a poderia ter conhecido.
v) Donde a excepção do caso julgado, in casu, apenas se coloca em relação ao juízo probatório efectuado sobre os documentos de fls. 75, 77, 89 e 90, não sendo mais possível sindicar o juízo que sobre os mesmos foram feitos e que se traduziu no facto dado como provado de que os ora recorrentes são os beneficiários económicos das contas bancárias abertas no Banque (...) em nome da M., S.A. e S., S.A. (na sequência do alegado nos artigos 15º e 16º daquela PI: “Os documentos em que se estriba a AT são totalmente inócuos, sem qualquer valor probatório e descontextualizados para a prova de que os recorrentes eram os beneficiários económicos daquela sociedade, sendo que não o eram, como expressamente se invoca, permitindo-se juntar aos autos elementos dos quais ou constam assinaturas que são totalmente desconhecidas ou não consta assinatura alguma, não se sabendo se os mesmos são verdadeiros, razão pela qual se impugnam para todos os devidos e legais efeitos, não se aceitando todos e cada um dos factos que os mesmos pretendem provar (art.º 544º do CPC) ou como consta a fls. 30 do acórdão, “destarte, constata-se a existência de obstáculo legal ao conhecimento da questão da legalidade (sublinhado nosso) da prova obtida mediante os documentos de fls. 75, 77, 89 e 90 dos autos por se ter formado caso julgado...”, mas já não relativamente aos demais documentos através dos quais foi efectuada a quantificação que está na base das liquidações de IRS em questão e, obviamente, também não e concretamente em relação à questão da omissão do PROCEDIMENTO IMPOSTO PELO ART.º 63º-B, N.ºS 3 E 4 DA LGT, porquanto tal questão nunca foi alegada e julgada anteriormente pelo Tribunal nos termos que na presente impugnação foram exarados.
vi) A questão colocada, e ainda assim não conhecida na sequência dos recursos referidos na sentença recorrida, nos termos em que o foi, traduziu-se somente na alegação da ilegalidade da obtenção dos documentos de fls. 75, 77, 89 e 90 daqueles autos e nos quais assentava a afirmação da AT de que ora recorrentes eram os beneficiários económicos e não quanto à omissão procedimental depois alegada no presente processo; e mesmo que o tivesse sido, em sede recursiva, sempre seria uma questão nova e por isso, insusceptível de ser conhecida.
vii) Em parte alguma o tribunal julgou tal questão, porquanto a mesma não lhe foi colocada para julgamento, pelo que não se pode impor uma proibição sobre uma questão que não foi anteriormente apreciada.
viii) Não se vislumbra como é que o conhecimento da causa de pedir em causa (OMISSÃO DO PROCEDIMENTO IMPOSTO PELO ART.º 63º-B, N.ºS 3 E 4 DA LGT), nos termos recortados na PI, contraria o que foi anteriormente decidido no processo n.º344/12.9BECBR.
ix) A Senhora Juíza a quo tomou a decisão administrativa como um acto autónomo com vocação para conhecer de todas as questões que possam sobrevir no procedimento de liquidação até ao momento da decisão administrativa e não apenas como um acto autónomo para aferir dos pressupostos do recurso ao método de avaliação do art..º 89.-A e dos elementos em que a avaliação se estribou, que hajam sido alegados e conhecidos, ou seja, a senhora juíza entendeu essa autonomia em termos correspondentes aos que estão consagrados no art.º 134.º do CPPT, como se a decisão administrativa decidisse de vez a questão tributária autonomizada para todos os impostos que relevem esse valor.
x) Nos tempos anteriores à LGT, os tribunais tendiam a ver o acto autónomo como um acto que conhecia de todas as questões tributárias que se suscitassem até esse momento da decisão. Mas agora a autonomia para efeitos contenciosos é aferida apenas em termos do recorte das questões que o legislador quis sujeitar à autonomia contenciosa, por o princípio da impugnação unitária ter uma vocação universal.
xi) A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido; a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 498º do CPC.
xii) Importa jamais olvidar que o caso julgado tem como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, pois como estatui o artº 673º do CPC, «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga», tratando-se de um corolário do conhecido princípio dos praxistas enunciado na fórmula latina «tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat».
xiii) Mesmo para quem entenda que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade, como parece ser o caso da maioria jurisprudencial, será sempre em função do teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado e, consequentemente, a autoridade deste.
xiv) A autoridade do caso julgado não vale fora dos limites definidos pelos sujeitos, pelo pedido e pela causa de pedir, sendo certo que, conforme resulta do disposto no artigo 619º do CPC, é apenas dentro desses limites que a decisão adquire a força de caso julgado, sendo que tal autoridade visa que a relação ou situação jurídica já definida por decisão transitada em julgado seja novamente apreciada para o efeito de decidir o objecto da segunda acção.
xv) Por outro lado, é preciso atender-se aos termos dessa definição (estatuída na sentença). Ela tem autoridade – valendo como lei – para qualquer processo futuro, mas só em exacta correspondência com o seu conteúdo. Daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu (cfr., a propósito, e para maior desenvolvimento, os Profs. Manuel de Andrade, in “Ob. Cit., pág. 285”; Castro Mendes, in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo em Processo Civil, 1968” e Miguel Teixeira de Sousa, in “Sobre o Problema dos Limites Objectivos do Caso Julgado, em Rev. Dir. Est. Sociais, XXIV, 1997, págs. 309 a 316”), não tendo no caso sido dirimida a questão da omissão da notificação para o procedimento.
xvi) A situação jurídica definida e, por isso abrangida pela autoridade do caso julgado, é a de que os recorrentes são os beneficiários económicos das contas bancárias abertas no Banque (...) em nome da M., S.A. e S., S.A, e tal situação jurídica material não é colocada em causa na presente impugnação, acrescendo que a questão de direito, ora em causa não é a mesma do processo n.º 344/12.9BECBR, inexistindo relação de prejudicialidade.
xvii) A decisão proferida no processo n.º 344/12.9BECBR, não é colocada em causa, nem tão pouco apreciada e decidida de modo diverso nestes autos.
xviii)Caso a AT pretenda valer-se dos elementos cobertos pelo segredo bancário que foram recolhidos em sede de inquérito criminal, sempre deverá observar o procedimento prescrito no art. 63.º-B da LGT, ou seja, deverá dar início a um procedimento inspectivo, proferir decisão (da competência exclusiva do Director-Geral da ATA) fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam, notificar essa decisão ao visado, a fim de permitir-lhe dela interpor recurso, que, em caso de procedência, determina a impossibilidade de utilização dos elementos de prova obtidos para qualquer efeito em desfavor do contribuinte, tudo nos termos já referidos.
xix) A não ser assim (a menos que os elementos bancários sejam obtidos com o consentimento – que deverá ser expresso – do interessado ou que seja este a fornecer esses elementos), não estaria assegurado o direito do interessado impugnar a decisão administrativa de derrogação do segredo bancário, com manifesto prejuízo dos seus direitos, constitucionalmente protegidos, de acesso aos tribunais para tutela da reserva da sua vida privada (art. 20.º, n.º 1, e 26.º, n.ºs 1 e 2, da CRP).
xx) Entendem os recorrentes que a utilização dos documentos bancários através dos quais foi efectuada a quantificação que está na base das liquidações de IRS em questão, por parte da AT é ilegal na medida em que não foi seguido o procedimento imposto pelo art.º 63º-B da LGT, pois foi no âmbito das diligências levadas a cabo pela AT, em sede do Processo de Inquérito n.º (…)/08.2IDAVR e da análise aos extractos bancários e talões de depósitos que se constataram ao longo dos anos de 2005 a 2009, os créditos nas contas bancárias.
xxi) Os procedimentos de acesso à documentação bancária são diversos conforme se trate de processo-crime ou de procedimento tributário, diversidade essa decorrente dos interesses em jogo, pelo que temos de concluir que essa diversidade se reflecte igualmente na utilização dos dados obtidos num e noutro dos processos.
xxii) Mostram-se violados os artigos 580º, 581º, 619º e 621º do CPC; artigo 63º-B da LGT.
Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser provido e, consequentemente, decretar-se a procedência da impugnação, com todas as legais consequências.»
*
A recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se do seguinte modo:
«I – OBJETO
Em 24.06.2021, M. (NIF nº (...)) e marido J. (NIF n.º (...)) e domicílio fiscal na Avenida (…) vieram, ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, 282º nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), deduzir recurso jurisdicional contra a decisão proferida pela Meritíssima Juiz de Direito do TAF de Coimbra, em 09.06.20211, que julgou improcedente a Impugnação Judicial por si apresentada contra a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e «mantém-se na ordem jurídica a impugnada decisão de não autorização da revisão das liquidações adicionais de IRS n.os 2018 5005443359, 2018 5005443360, 2018 5005443361 e 2018 5005443362, referentes aos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008, respetivamente, nos valores de €694.958,51, €895.350,50, €591.059,01 e €550.356,68, e correspondentes liquidações de juros compensatórios n.os 2018 00000164934, 2018 00000164935, 2018 00000164936 e 2018 00000164937, nos valores de €841.336,63, €954.570,30, €573.323,80 e €480.717,42.”, no montante global de €4.683.525,89.
1 Cf. fls. 3.702 e ss.
Para esse efeito, alegou, em síntese que, as liquidações impugnadas e a decisão a quo que negou provimento à sua impugnação, enferma de erro de julgamento, porquanto as informações bancárias que permitiram a fixação dos acréscimos patrimoniais não justificados subjacentes às liquidações foram obtidas sem cumprimento do procedimento previsto no artigo 63.º-B, n.os 3 e 4 da Lei Geral Tributária (LGT) o que não contraria o que foi anteriormente decidido no processo n.º 344/12.9BECBR.
Foi a AT notificada para, querendo, contra-alegar, o que apesar dessa faculdade, não o fez (cf. fls. 3.899).
Cumpre, por ora, ao MP emitir parecer, ao abrigo do artigo 282º, nº 3 do CPPT.
É o que faremos de imediato.

II – DO RECURSO PROPRIAMENTE DITO
a) – Erro de julgamento
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos recorrentes, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cf. artigos 608º, nº 2, 635º, nºs 4 e 5 do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT).
Para este efeito, os recorrentes terminaram o seu recurso, com as seguintes conclusões:
“i) Deve ser dado como provado que resulta do teor do Doc. 1 junto à presente petição, que não foi alegada a causa de pedir da ilegalidade das liquidações por OMISSÃO DO PROCEDIMENTO IMPOSTO PELO ART.º 63º-B, N.ºS 3 E 4 DA LGT, sendo que é face ao teor da petição inicial que se terá que aferir se a questão em causa foi ou não foi alegada ou se essa questão fez ou não parte do objecto do processo.
ii) Como se pode constatar pelo teor da PI do processo n.º 344/12.9BECBR, a questão da omissão do procedimento imposto pelo artigo 63º-B, n.ºs 3 e 4 da LGT, não constituiu causa de pedir daquela, nem tão pouco o TCAN a julgou, como resulta cristalino do referido a págs. 23 do acórdão, mas apenas e tão só a questão da legalidade da prova constante dos documentos de fls. 75, 77, 89 e 90 que estiveram na base dos factos supra referidos, na sequência de anterior decisão do TCAN de 21.3.2013 que no seu dispositivo consagrou: (...) Julgar procedente o recurso jurisdicional interposto pelos Recorrentes e, em consequência, anular a sentença recorrida ordenando a baixa dos autos à 1.ª instância a fim de aí serem realizadas as diligências de prova necessárias ao apuramento da identidade dos beneficiários económicos das constas existentes no «Banque (...)» em nome da M. S.A. (sublinhado nosso).» (contas nºs (…)) seguindo posteriormente os autos a sua normal tramitação»), tendo sido considerado ocorrer caso julgado quanto a esta concreta situação, ou seja, de que os ora recorrentes são os beneficiários económicos das contas bancárias abertas no Banque (...) em nome da M., S.A. e S., S.A., com base naqueles documentos, e não quanto à causa de pedir referida supra, que nunca chegou a ser alegada e consequentemente apreciada.
iii) Nos termos do art.º 260º do CPC: “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”.
iv) Não tendo existido qualquer ampliação das causas de pedir e não sendo esta uma situação de conhecimento oficioso, também o Tribunal não a poderia ter conhecido.
v) Donde a excepção do caso julgado, in casu, apenas se coloca em relação ao juízo probatório efectuado sobre os documentos de fls. 75, 77, 89 e 90, não sendo mais possível sindicar o juízo que sobre os mesmos foram feitos e que se traduziu no facto dado como provado de que os ora recorrentes são os beneficiários económicos das contas bancárias abertas no Banque (...) em nome da M., S.A. e S., S.A. (na sequência do alegado nos artigos 15º e 16º daquela PI: “ Os documentos em que se estriba a AT são totalmente inócuos, sem qualquer valor probatório e descontextualizados para a prova de que os recorrentes eram os beneficiários económicos daquela sociedade, sendo que não o eram, como expressamente se invoca, permitindo-se juntar aos autos elementos dos quais ou constam assinaturas que são totalmente desconhecidas ou não consta assinatura alguma, não se sabendo se os mesmos são verdadeiros, razão pela qual se impugnam para todos os devidos e legais efeitos, não se aceitando todos e cada um dos factos que os mesmos pretendem provar (art.º 544º do CPC) ou como consta a fls. 30 do acórdão, “destarte, constata-se a existência de obstáculo legal ao conhecimento da questão da legalidade (sublinhado nosso) da prova obtida mediante os documentos de fls. 75, 77, 89 e 90 dos autos por se ter formado caso julgado...”, mas já não relativamente aos demais documentos através dos quais foi efectuada a quantificação que está na base das liquidações de IRS em questão e, obviamente, também não e concretamente em relação à questão da omissão do PROCEDIMENTO IMPOSTO PELO ART.º 63º-B, N.ºS 3 E 4 DA LGT, porquanto tal questão nunca foi alegada e julgada anteriormente pelo Tribunal nos termos que na presente impugnação foram exarados.
vi) A questão colocada, e ainda assim não conhecida na sequência dos recursos referidos na sentença recorrida, nos termos em que o foi, traduziu-se somente na alegação da ilegalidade da obtenção dos documentos de fls. 75, 77, 89 e 90 daqueles autos e nos quais assentava a afirmação da AT de que ora recorrentes eram os beneficiários económicos e não quanto à omissão procedimental depois alegada no presente processo; e mesmo que o tivesse sido, em sede recursiva, sempre seria uma questão nova e por isso, insusceptível de ser conhecida.
vii) Em parte alguma o tribunal julgou tal questão, porquanto a mesma não lhe foi colocada para julgamento, pelo que não se pode impor uma proibição sobre uma questão que não foi anteriormente apreciada.
viii) Não se vislumbra como é que o conhecimento da causa de pedir em causa (OMISSÃO DO PROCEDIMENTO IMPOSTO PELO ART.º 63º-B, N.ºS 3 E 4 DA LGT), nos termos recortados na PI, contraria o que foi anteriormente decidido no processo n.º344/12.9BECBR.
ix) A Senhora Juíza a quo tomou a decisão administrativa como um acto autónomo com vocação para conhecer de todas as questões que possam sobrevir no procedimento de liquidação até ao momento da decisão administrativa e não apenas como um acto autónomo para aferir dos pressupostos do recurso ao método de avaliação do art..º 89.-A e dos elementos em que a avaliação se estribou, que hajam sido alegados e conhecidos, ou seja, a senhora juíza entendeu essa autonomia em termos correspondentes aos que estão consagrados no art.º 134.º do CPPT, como se a decisão administrativa decidisse de vez a questão tributária autonomizada para todos os impostos que relevem esse valor.
x) Nos tempos anteriores à LGT, os tribunais tendiam a ver o acto autónomo como um acto que conhecia de todas as questões tributárias que se suscitassem até esse momento da decisão. Mas agora a autonomia para efeitos contenciosos é aferida apenas em termos do recorte das questões que o legislador quis sujeitar à autonomia contenciosa, por o princípio da impugnação unitária ter uma vocação universal.
xi) A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido; a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 498º do CPC.
xii) Importa jamais olvidar que o caso julgado tem como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, pois como estatui o artº 673º do CPC, «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga», tratando-se de um corolário do conhecido princípio dos praxistas enunciado na fórmula latina «tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat».
xiii) Mesmo para quem entenda que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade, como parece ser o caso da maioria jurisprudencial, será sempre em função do teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado e, consequentemente, a autoridade deste.
xiv) A autoridade do caso julgado não vale fora dos limites definidos pelos sujeitos, pelo pedido e pela causa de pedir, sendo certo que, conforme resulta do disposto no artigo 619º do CPC, é apenas dentro desses limites que a decisão adquire a força de caso julgado, sendo que tal autoridade visa que a relação ou situação jurídica já definida por decisão transitada em julgado seja novamente apreciada para o efeito de decidir o objecto da segunda acção.
xv) Por outro lado, é preciso atender-se aos termos dessa definição (estatuída na sentença). Ela tem autoridade – valendo como lei – para qualquer processo futuro, mas só em exacta correspondência com o seu conteúdo. Daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu (cfr., a propósito, e para maior desenvolvimento, os Profs. Manuel de Andrade, in “Ob. Cit., pág. 285”; Castro Mendes, in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo em Processo Civil, 1968” e Miguel Teixeira de Sousa, in “Sobre o Problema dos Limites Objectivos do Caso Julgado, em Rev. Dir. Est. Sociais, XXIV, 1997, págs. 309 a 316”), não tendo no caso sido dirimida a questão da omissão da notificação para o procedimento.
xvi) A situação jurídica definida e, por isso abrangida pela autoridade do caso julgado, é a de que os recorrentes são os beneficiários económicos das contas bancárias abertas no Banque (...) em nome da M., S.A. e S., S.A, e tal situação jurídica material não é colocada em causa na presente impugnação, acrescendo que a questão de direito, ora em causa não é a mesma do processo n.º 344/12.9BECBR, inexistindo relação de prejudicialidade.
xvii) A decisão proferida no processo n.º 344/12.9BECBR, não é colocada em causa, nem tão pouco apreciada e decidida de modo diverso nestes autos.
xviii) Caso a AT pretenda valer-se dos elementos cobertos pelo segredo bancário que foram recolhidos em sede de inquérito criminal, sempre deverá observar o procedimento prescrito no art. 63.º-B da LGT, ou seja, deverá dar início a um procedimento inspectivo, proferir decisão (da competência exclusiva do Director-Geral da ATA) fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam, notificar essa decisão ao visado, a fim de permitir-lhe dela interpor recurso, que, em caso de procedência, determina a impossibilidade de utilização dos elementos de prova obtidos para qualquer efeito em desfavor do contribuinte, tudo nos termos já referidos.
xix) A não ser assim (a menos que os elementos bancários sejam obtidos com o consentimento – que deverá ser expresso – do interessado ou que seja este a fornecer esses elementos), não estaria assegurado o direito do interessado impugnar a decisão administrativa de derrogação do segredo bancário, com manifesto prejuízo dos seus direitos, constitucionalmente protegidos, de acesso aos tribunais para tutela da reserva da sua vida privada (art. 20.º, n.º 1, e 26.º, n.ºs 1 e 2, da CRP).
xx) Entendem os recorrentes que a utilização dos documentos bancários através dos quais foi efectuada a quantificação que está na base das liquidações de IRS em questão, por parte da AT é ilegal na medida em que não foi seguido o procedimento imposto pelo art.º 63º-B da LGT, pois foi no âmbito das diligências levadas a cabo pela AT, em sede do Processo de Inquérito n.º (…)/08.2IDAVR e da análise aos extractos bancários e talões de depósitos que se constataram ao longo dos anos de 2005 a 2009, os créditos nas contas bancárias.
xxi) Os procedimentos de acesso à documentação bancária são diversos conforme se trate de processo-crime ou de procedimento tributário, diversidade essa decorrente dos interesses em jogo, pelo que temos de concluir que essa diversidade se reflecte igualmente na utilização dos dados obtidos num e noutro dos processo.
xxii) Mostram-se violados os artigos 580º, 581º, 619º e 621º do CPC; artigo 63º-B da LGT.”
A questão suscitada consiste, em aferir do invocado erro de julgamento, por a decisão a quo ter decidido, em resumo, que a decisão de fixação da matéria tributável de IRS nos exercícios em causa e com ela a matéria que lhe serviu de base, não poderá, à face da lei, ser conhecida pelo tribunal tributário no âmbito do presente processo, na medida em que a mesma se encontra definitivamente fixada face ao trânsito em julgado do Acórdão proferido, em 26.05.2018, pelo TCA Norte no processo n.º 344/12.9BECBR, referente ao recurso daquela decisão.
Mas sem razão.
Consigna-se, desde já, que sobre esta matéria seguimos a jurisprudência fixada pela decisão da 1ª instância ora posta em crise, a qual – com a devida vénia – fazemos nossa para todos os efeitos legais e passamos a transcrever, na parte que nos interessa:
(...)
Entendem agora os Recorrentes, nas conclusões i) a xxi), que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao sustentar o juízo probatório em documentos obtidos em sede de inquérito criminal, contendo informações bancárias dos Recorrentes, sendo que as mesmas não foram obtidas através do procedimento previsto no art.º 63.º B da LGT e que não tiveram qualquer intervenção do processo penal, não podendo exercer os seus direitos de controlo e defesa, o que configura violação do direito de acesso ao direito (tutela jurisdicional efetiva) e do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrados nos artigos 20.º, n.º 1 e 2, e 26.º, n.º 1 2 ambos da CRP.
Mas não tem razão, uma vez que a sentença recorrida moveu-se e atuou dentro dos termos do acórdão deste TCAN, o qual transitou em julgado.
(...)
Donde, a questão que agora os ora Recorrentes pretendem ver apreciada - o juízo probatório em documentos obtidos em sede de inquérito criminal, contendo informações bancárias – contende com a autoridade do caso julgado, proferido pelo TCAN de 21.03.2013, transitada em julgado que apreciou, o valor probatório atribuído aos documentos impugnados pelos Recorrente ordenando a baixa dos autos à 1.ª instância para, proceder a realização de diligências de prova.
Destarte, constata-se a existência de obstáculo legal ao conhecimento da questão da legalidade da prova obtida mediante os documentos de fls. 75, 77, 77, 89 e 90 dos autos por se ter formado caso julgado o que conduz à irrecorribilidade da decisão nesse segmento.
Assim, da leitura do visado Acórdão verifica-se que foi considerado, desde logo, que a primeira questão suscitada pelos Recorrentes nas alegações de recurso da sentença e no despacho interlocutório não poderia ser conhecida, «por se ter formado caso julgado».
Ou seja, considerou-se que a «sentença recorrida moveu-se e atuou dentro dos termos do acórdão deste TCAN [de 21.03.2013], o qual transitou em julgado» e em que se tinha determinado a remessa dos autos à 1.ª Instância «para aí serem realizadas as diligências instrutórias necessárias à prova do facto impugnado que sejam sugeridas pelas partes ou oficiosamente determinadas pelo Tribunal», não estando em causa a obtenção de informações que devessem ser obtidas através do procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT, mas antes o dever de acatamento pelos Tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos Tribunais superiores, o que, julgou o TCAN no Acórdão de 26.05.2018, havia sido respeitado pelo Tribunal de 1.ª instância ao ter proferido o despacho interlocutório recorrido e ao ter proferido a recorrida decisão de mérito na sequência dos documentos obtidos em cumprimento daquele despacho interlocutório.
Nenhuma outra interpretação é possível perante o que se pode ler no visado Acórdão do TCAN de 26.05.2018, tal como impressivamente ali se concluiu pela «existência de obstáculo legal ao conhecimento da questão da legalidade da prova obtida mediante os documentos de fls. 75, 77, 77, 89 e 90 dos autos por se ter formado caso julgado», sendo que a “questão da legalidade da prova obtida mediante os documentos de fls. 75, 77, 89 e 90 dos autos” mais não é que a questão suscitada pelos então Recorrentes da obtenção de tais documentos sem que tivesse sido observado o procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT.
E uma vez que, por seu turno, transitou em julgado o aludido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 26.05.2018, o qual julgou, bem ou mal, é agora indiferente, que se verificava caso julgado quanto à questão da legalidade da prova obtida pelo Tribunal de 1.ª instância que lhe havia permitido concluir que os ora Recorrentes eram os beneficiários económicos das contas bancárias em causa, também não podia a Administração Fiscal pronunciar-se sobre tal questão, mormente em sede de procedimento de revisão, como lhe foi suscitado pelos ora Impugnantes que o fizesse.
(...)
Ora, tal como decorre do já por nós exposto, outra decisão não poderia a Autoridade Tributária ter tomado, mormente face ao teor do Acórdão proferido em 26.05.2018 pelo Tribunal Central Administrativo Norte.
Nesse conspecto concluiu não existir qualquer “erro imputável aos serviços”, na precisa medida em que as liquidações cuja revisão oficiosa havia sido peticionado decorriam do cumprimento do julgado no processo n.º 344/12.9BECBR, que correu termos no presente Tribunal, que assentou em documentos aí obtidos no cumprimento de Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 21.03.2013, Tribunal superior este que, por seu turno, no âmbito de recurso de nova decisão de 1.ª instância, teve oportunidade de expender, em Acórdão de 26.05.2018, que «a sentença recorrida moveu-se e atuou dentro dos termos do acórdão deste TCAN, o qual transitou em julgado».
Assim, no tocante à questão jurídica (verificação ou não da exceção dilatória de caso julgado) suscitada nas conclusões das alegações da recorrente, discorre a Meritíssima Juiz de Direito a quo na douta decisão recorrida, com proficiência, fazendo uma exegese rigorosa dos preceitos legais, norteada pela mais avalizada jurisprudência dos nossos tribunais.
Na verdade, a Meritíssima Juiz de Direito a quo inventariou e analisou as disposições que convocou para a solução do caso vertente, fazendo-o com cristalina clareza, acerto e proficiência, razão pela qual merece a nossa total adesão.
Acresce que, as considerações interpretativas aí vertidas são quanto a nós, inteiramente válidas, pertinentes e resultam da mais sã e fidedigna hermenêutica jurídica, sendo, ademais, as que decorrem dos ensinamentos dos mais insignes autores.
Uma vez que as questões suscitadas no presente recurso se encontram analisadas nesta decisão do tribunal a quo, a cuja fundamentação integralmente aderimos por não vislumbrarmos razão válida para dela divergir, temos de concluir, como ali, que as liquidações em crise não enfermam das ilegalidades que lhe vêm apontadas, devendo ser mantida a decisão a quo que assim também considerou.
III – CONCLUSÃO
Em conclusão, somos do parecer que não deve ser concedido provimento ao recurso, com custas processuais pelos recorrentes.
É este, em suma, s.m.o. o sentido do nosso parecer.»
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Sem vistos dos Exmos. Juízes adjuntos, por assim ter sido acordado, foi o processo à Conferência para julgamento.
*
2.DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO QUESTÕES: A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações:
[i] Saber se há errado julgamento de facto porquanto deveria constar como provado o que resulta do teor do doc. 1 junto com a p.i., de que não foi alegada a causa de pedir da ilegalidade das liquidações por omissão do procedimento imposto pelo art. 63.º B, n.ºs 3 e 4 da LGT.
[ii] Após, saber se a sentença incorreu em erro de julgamento de direito ao sancionar que a decisão no procedimento de revisão oficiosa não padece de ilegalidade, na parte que considerou que a AT limitou-se a cumprir o julgado no processo n.º 344/12 e que nele havia sido já suscitada a questão da omissão do procedimento imposto pelo art. 63.º-B, n.ºs 3 e 4 da LGT.
*

3. FUNDAMENTOS DE FACTO

Em sede de probatório, a 1.ª Instância fixou os seguintes factos:
«1. Em 13.07.2018 foram emitidas em nome dos ora Impugnantes as liquidações adicionais de IRS n.os 2018 5005443359, 2018 5005443360, 2018 5005443361 e 2018 5005443362, referentes aos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008, respectivamente, nos valores de €694.958,51, €895.350,50, €591.059,01 e €550.356,68, e correspondentes liquidações de juros compensatórios n.os 2018 00000164934, 2018 00000164935, 2018 00000164936 e 2018 00000164937, nos valores de €841.336,63, €954.570,30, €573.323,80 e €480.717,42, com acerto/compensação realizado em 20.07.2018, de que resultaram os correspondentes saldos a pagar até 29.08.2018, de €1.477.128,86, €1.616.524,43, €693.971,39 e €895.901,21, por anteriores estornos decorrentes das liquidações de IRS n.os 2014 5005257465, 2014 5005257470, 2014 5005257472 e 2014 5005257479;
Cfr. documentos de demonstração de liquidação de IRS, de juros e de acerto de contas, a fls. 440-443 e 1659-1666 do processo electrónico - SITAF.
2. Em 02.08.2018 os ora Impugnantes apresentaram junto do Centro de Arbitragem Administrativa pedido de pronúncia arbitral de anulação das liquidações adicionais de IRS e de juros compensatórios identificadas no ponto anterior, o qual deu origem ao processo arbitral n.º (…)/2018-T;
Cfr. visado pedido e requerimento de constituição de Tribunal Arbitral junto do CAAD, constantes de fls. 1716 e ss. do processo electrónico - SITAF - fls. 1 e ss. da certidão do processo arbitral n.º (…)/2018-T emitida em 04.12.2020 (fls. 1705 do processo electrónico - SITAF). Facto instrumental que resultou da instrução da causa – cfr. artigo 5.º, n.º 2, al. a), do NCPC, aplicável ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT.
3. Em 31.08.2018 os ora Impugnantes enviaram à Direcção de Finanças de Coimbra, por correio postal registado, «pedido de revisão, nos termos do art.º 78.º da LGT, relativamente às liquidações adicionais de IRS e JC de 2005 a 2008, no montante global de 4.683.525,89», melhor identificadas em 1., sendo que o teor dos artigos 12.º a 58.º do visado pedido corresponde, ipsis verbis, ao teor dos artigos 16.º a 63.º da petição inicial que deu origem aos presentes autos, mais ali se podendo ler, o seguinte:
«59º
Sem prescindir,
As liquidações em causa e bem assim os juros decorrentes deveriam ter sido apuradas tendo por os depósitos no Luxemburgo, num total de 4.936.273.84€.
60º
O certo é que também contemplam valores decorrentes de outros incrementos patrimoniais, referentes aos mesmos exercícios, que já deram lugar a anteriores liquidações (Doc. 4).
61º
Com efeito, foram emitidas pela Direcção de Finanças de Aveiro as Ordens de Serviço internas com os n.ºs OI201401971/1972/1973/1974/1975, para liquidação de IRS de 2005 a 2009.
62º
Sendo que na sequência de recurso judicial apresentado pelos ora requerentes, os valores inicialmente foram modificados, assumindo os quantitativos finais constantes do Doc. 5.
63º
A AT confrontou o total dos depósitos, em contas nacionais e no Luxemburgo, que existiam entre 2005 e 2008 com os rendimentos e determinou uma diferença, designadamente:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

64º
No entanto, a correção em sede de IRS (incrementos patrimoniais por métodos indiretos) assentou apenas nos depósitos no Luxemburgo, num total de 4.936.273.84€.
65º
Não obstante, o que se vislumbra nas demonstrações de liquidação de IRS é que foi colocado no rendimento global o valor total dos depósitos, quando parte deles já havia sido considerado para efeitos de liquidação anterior (vide Doc. 4).
66º
Acresce que em relação aos juros, o que a AT fez foi calcular os juros considerando como base a diferença entre os depósitos e os rendimentos, à taxa de 4% ao ano.
67º
Acontece que, os juros incidem sobre o IRS devido, pelo que o exercício a fazer é verificar a demonstração de acerto de contas para determinar o valor do IRS devido e o valor que já tinha sido pago nas declarações submetidas inicialmente, de modo a que sobre a diferença (a liquidação adicional) incidia o juro.
68º
Os valores de IRS e de juros estão na tabela em baixo:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

69º
Sendo assim, a liquidação deve passar para um total de 2.641.136.09€, conforme detalhe seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

70º
Sendo que, considerando-se apenas, como é de direito, os depósitos do Luxemburgo, deve reduzir-se, consequentemente, quer o IRS quer os juros (uma vez que estes incidem sobre o imposto).
Termos em que e nos mais de direito, por erro imputável aos serviços:
a) Devem as liquidações em causa serem anuladas na totalidade;
b) Subsidiariamente, devem as liquidações serem anuladas parcialmente.»
Cfr. visado pedido e respectivo envelope de envio com aposição de etiqueta de registo postal a fls. 3 e ss. e 121 do processo administrativo tributário (PAT) apensado em 23.12.2020, em confronto com a p.i. de impugnação judicial que deu origem aos presentes autos, presente a fls. 4 e ss. do processo electrónico - SITAF.
4. Em 05.04.2019 os ora Impugnantes apresentaram no processo arbitral aludido em 2. requerimento em que declararam «desistir do pedido de pronúncia arbitral, com as legais consequências»;
Cfr. visado requerimento e comprovativo de entrada, constantes de fls. 2706-2708 do processo electrónico - SITAF - fls. 984-986 da certidão do processo arbitral n.º (…)/2018-T emitida em 04.12.2020 (fls. 1705 do processo electrónico - SITAF). Facto instrumental que resultou da instrução da causa – cfr. artigo 5.º, n.º 2, al. a), do NCPC, aplicável ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT.
5. Em 08.04.2019 foi proferida decisão arbitral no processo arbitral aludido em 2., decidindo-se «a) Homologar a desistência do pedido e declarar extintos os direitos de anulação que os Requerentes pretendiam exercer em relação aos actos de liquidação adicional nº 2018 5005443359, 2018 5005443360, 2018 5005443361 e 2018 5005443362 e absolver a Autoridade Tributária do pedido; b) Notificar pessoalmente os Requerentes da decisão homologatória, com a cominação de, nada dizendo, o acto ser havido como ratificados e a nulidade suprida»;
Cfr. visada decisão constante de fls. 2722 e ss. do processo electrónico - SITAF - fls. 1000 e ss. da certidão do processo arbitral n.º (…)/2018-T emitida em 04.12.2020 (fls. 1705 do processo electrónico - SITAF). Facto instrumental que resultou da instrução da causa – cfr. artigo 5.º, n.º 2, al. a), do NCPC, aplicável ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT.
6. Em 10.04.2019 foram recepcionados no domicílio fiscal/residência indicada pelos ora Impugnantes ofícios de notificação pessoal da decisão referida no ponto anterior, mais sendo notificado em 08.04.2019 o mandatário constituído pelos mesmos da visada decisão, por notificação electrónica Via CTT, que requereu a reforma da decisão quanto ao valor fixado para a causa, a qual foi deferida/realizada por decisão de 16.04.2019, notificada ao mandatário constituído pelos mesmos da visada decisão, por notificação electrónica Via CTT efectivada em 17.04.2019;
Cfr. ofícios de notificação da decisão arbitral dirigidos aos ora Impugnantes, respectivos talões de aceitação de correio postal registado e avisos de recepção; requerimento de reforma da decisão quanto ao valor da causa, decisão de reforma, ofícios de notificação da decisão e da reforma da decisão e comprovativos de notificação com prova de abertura emitidos pelo Via CTT, presentes a fls. 2728 e ss. do processo electrónico - SITAF - fls. 1004-1045 e 1073-1080. da certidão do processo arbitral n.º (…)/2018-T emitida em 04.12.2020 (fls. 1705 do processo electrónico - SITAF). Facto instrumental que resultou da instrução da causa – cfr. artigo 5.º, n.º 2, al. a), do NCPC, aplicável ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT.
7. Em 11.06.2019 a Chefe da Divisão de Administração I da Direcção de Serviços do IRS da Administração Tributária e Aduaneira apôs despacho de concordância sobre projecto de decisão de indeferimento do pedido de revisão referido em 3., no qual se pode ler o seguinte:
«Através do ofício nº 6864 de 2018/09/11, a DF de Coimbra remeteu à Direção de Serviços do IRS, um pedido de revisão do ato tributário, dirigido ao Diretor Geral, e apresentado ao abrigo do artigo 78º nº 1 da LGT, pelo sujeito passivo M. e marido, NIF (...).
Assim, tendo em vista a obtenção de autorização do Diretor Geral da Administração Tributária e Aduaneira para a revisão da matéria tributável, relativa às liquidações adicionais do IRS dos anos 2005 a 2008, vêm alegar sucintamente o seguinte:
• Existiu ilegalidade das informações bancárias obtidas porque não foi seguido o procedimento imposto pelo artº 63º-B, nºs. 3 e 4 da LGT;
As liquidações em causa e bem assim os juros decorrentes deveriam ter sido apuradas tendo por referência os depósitos no Luxemburgo, num total de € 4.936.273,84, mas contemplam valores decorrentes de outros incrementas patrimoniais, referentes aos mesmos exercícios, que já deram lugar a anteriores liquidações;
• O que se vislumbra nas demonstrações de liquidação de IRS é que foi colocado no rendimento global o valor total dos depósitos, quando parte deles já havia sido considerado para efeitos de liquidação anterior;
• As liquidações devem passar para um total de € 2.641.136,09, e deve-se reduzir, consequentemente, quer o IRS, quer os juros;
Pedido de Revisão nos termos do nº 1 do artº 78º da LGT
1-Dispõe o n.º 1 do art.º 78º da LGT que, a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em «erro imputável aos serviços».
2-0s requerentes vêm apresentar o seu pedido de revisão com fundamento em «erro imputável aos serviços», nos termos da 2ª parte do nº 1 do artº 78º da LGT, pelo que cabe analisar se estão reunidos os pressupostos legais para beneficiar do citado preceito legal, ou seja, se se verifica uma situação de «erro imputável aos serviços».
3-Assim, no que toca à alegação que existiu ilegalidade das informações bancárias obtidas porque não foi seguido o procedimento imposto pelo artº 63º-B, nºs 3 e 4 da LGT, as liquidações postas em crise são relativas ao IRS dos anos de 2005 a 2008 e provêm da execução do Acórdão de 2018/05/26 proferido no TCA Norte, proc. nº 344/12.9 BEBCB (Recurso Jurisdicional), que negou provimento ao recurso interposto pelo requerente, mantendo a sentença recorrida (sentença de 2017/12/11, do TAF de Coimbra).
4-A questão em causa já tinha sido suscitada pelos requerentes no âmbito do recurso apresentado para o TCA Norte anteriormente referido, tendo o acórdão proferido decidido que “a questão que agora os ora recorrentes pretendem ver apreciada - o juízo probatório em documentos obtidos em sede de inquérito criminal, contendo informações bancárias - contende com a autoridade do caso julgado, proferido pelo TCAN de 21.03.2013, transitada em julgado que apreciou, o valor probatório atribuído aos documentos impugnados pelos recorrentes ordenando a baixa dos autos à 1ª instância para, proceder a realização de diligências de prova. Destarte, constata-se a existência de obstáculo legal ao conhecimento da questão da ilegalidade da prova obtida mediante os documentos de fls. 75, 77, 89 e 90 dos autos por se ter formado caso julgado o que conduz à irrecorribilidade da decisão nesse segmento.”
5-Nestes termos, na situação em apreço estamos perante uma situação de exceção de caso julgado (cfr. artºs 580° n.º 1, e 582° do CPC), o que impede que a questão seja novamente apreciada.
6-Pelo exposto, cumprindo as liquidações em causa a decisão do referido Acórdão, o qual transitou em1 julgado, as mesmas são válidas, dotadas de definitividade e executoriedade, não se verificando, portanto, qualquer erro que possa ser imputável aos serviços, nomeadamente a ilegalidade suscitada pelos requerentes.
7-Quanto à alegação que as liquidações em causa e bem assim os juros decorrentes deveriam ter sido apuradas tendo por referência os depósitos no Luxemburgo, e que foi colocado no rendimento lobal o valor total os depósitos, quando parte deles já havia sido considerado para efeitos de liquidação anterior, não lhe assiste razão, como seguidamente iremos demonstrar.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

8-Nos termos expostos, os valores sujeitos a tributação são os corretos, concretamente, para a categoria G, o valor dos depósitos em numerário e cheques (bancos nacionais), acrescido dos depósitos em numerário (banco Luxemburgo), deduzidos dos rendimentos brutos/líquidos declarados, conforme decidido no Acórdão de 2018/05/26 proferido no TCA Norte, proc. nº 344/12.9 BEBCB (Recurso Jurisdicional), que negou provimento ao recurso interposto pelo requerente, mantendo a sentença recorrida (sentença de 2017/12/11, do TAF de Coimbra) e da sentença proferida pelo TAF do Porto de 9/03/2012, e para a categoria A, os valores declarados pelos requerentes, não se verificando a tributação de qualquer valor em duplicado, uma vez que se procedeu ao estorno das liquidações anteriores.
9-Quanto aos juros compensatórios, também foram corretamente apurados, conforme seguidamente se demonstra:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

10-Efetivamente, o valor base sobre o qual incidiram os juros compensatórios é relativo apenas a rendimentos da categoria G, enquanto os valores que foram pagos pelos requerentes são referentes a rendimentos da categoria A e E (valores pagos nas 1ªs. liquidações).
11-Assim, não tem qualquer fundamento que o valor em dívida seja € 2.641.136,09, porquanto, os requerentes não pagaram os valores de IRS que constam no quadro constante no artº 68º da petição e que se referem aos valores a pagar relativos às 2ª liquidações emitidas [encontram em cobrança coerciva] (liquidação nº 2014 5005257465 / - IRS do ano 2005, liquidação nº 2014 5005257470 - IRS do ano 2006, liquidação nº 2014 5005257472 - IRS do ano 2007, e liquidação nº 2014 5005257479 - IRS do ano 2008), tendo estas liquidações sido objeto de estorno para as liquidações subsequentes e que se encontram em vigor (liquidação nº 2018 5005443359 - IRS do ano 2005, liquidação nº 2018 5005443360 - IRS do ano 2006, liquidação nº 2018 500544361 - IRS do ano 2007, e liquidação nº 2018 5005443362 - IRS do ano 2008).
CONCLUSÃO
12-Nestes termos, atendendo ao anteriormente exposto, sou de parecer que não deverá ser autorizada a revisão do ato tributário pelo Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do nº 1 do artº 78º da LGT, com fundamento em “erro imputável aos serviços”, notificando-se os requerentes para o direito de audição, nos termos do art.º 60º n.º 1 al. b) da LGT.»;
Cfr. visada informação/despacho a fls. 128-129 do PAT apensado em 23.12.2020.
8. Em 24.06.2019 os ora Impugnantes exerceram o seu direito de audição prévia face ao projecto de decisão referido no ponto anterior, cingido «ao ponto 4 da informação»;
Cfr. visada resposta presente a fls. 133 e ss. do PAT apensado em 23.12.2020.
9. Em 06.12.2019 foi proferido despacho de indeferimento do pedido de revisão aludido em 3., pela Subdirectora-Geral dos Impostos, com os fundamentos expostos em informação complementar da Divisão de Administração da Direcção de Serviços do IRS da Administração Tributária e Aduaneira com o seguinte teor:
«1-Em cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 60º da Lei Geral Tributária, foi a mandatária da requerente notificada para se pronunciar sobre o teor do projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão do ato tributário referente à matéria tributável do IRS respeitante aos anos de 2005 a 2008.
2-Tendo-se pronunciado, nos termos do citado preceito legal, através da exposição anexa aos autos que aqui se dá por integralmente reproduzida, alegando em síntese:
Vem discordar do ponto 4 da informação do projeto de decisão, alegando que a exceção do caso julgado, in casu, apenas se coloca em relação ao juízo probatório em documentos obtidos em sede de inquérito criminal, contendo informações bancárias, mas não em relação à questão da omissão do procedimento imposto pelo artº 63º-B, nºs. 3 e 4 da LGT, porquanto tal questão nunca foi alegada e julgada pelo Tribunal;
3-Analisando as alegações da requerente, não lhe assiste razão, porquanto, as liquidações postas em crise provêm da execução do Acórdão de 2018/05/26 proferido no TCA Norte, proc. nº 344/12.9 BEBCB (Recurso Jurisdicional), transitado em julgado, que negou provimento ao recurso interposto pelo requerente, mantendo a sentença recorrida (sentença de 2017/12/11, do TAF de Coimbra).
4-Reitera-se ainda o ponto 4 da informação do projeto de decisão, que a questão em causa já tinha sido suscitada pelos requerentes no âmbito do recurso apresentado para o TCA Norte anteriormente referido, tendo o acórdão proferido decidido que “a questão que agora os ora recorrentes pretendem ver apreciada - o juízo probatório em documentos obtidos em sede de inquérito criminal, contendo informações bancárias - contende com a autoridade do caso julgado, proferido pelo TCAN de 21.03.2013, transitada em julgado que apreciou, o valor probatório atribuído aos documentos impugnados pelos recorrentes ordenando a baixa dos autos à 1ª instância para, proceder a realização de diligências de prova. Destarte, constata-se a existência de obstáculo legal ao conhecimento da questão da ilegalidade da prova obtida mediante os documentos de fls. 75, 77, 89 e 90 dos autos por se ter formado caso julgado o que conduz à irrecorribilidade da decisão nesse segmento.”
5-E, conclui o referido Acórdão (no seu ponto 4.3-1),que “ Na análise do caso julgado há assim que ter em conta duas vertentes que não se confundem: (i) uma, que se reporta à exceção dilatória do caso julgado, cuja verificação pressupõe o cotejo de duas decisões - estando uma delas já transitada em julgado - e uma tríplice identidade entre ambas: de sujeitos, de causa de pedir e de pedido; (ii) e, a outra respeitante à força e autoridade do caso julgado, decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão, que se prende com a sua força vinculativa (cfr. Ac. do STJ241/07.o0TTLSB.L 1S1, de 20.6.12”.
6-Assim sendo, cumprindo as liquidações em causa a decisão do referido Acórdão, o qual transitou em julgado, as mesmas são válidas, dotadas de definitividade e executoriedade, não se verificando, portanto, qualquer erro que possa ser imputável aos serviços, nomeadamente a ilegalidade suscitada pelos requerentes.
CONCLUSÃO
7-Nestes termos, atendendo ao anteriormente exposto, somos de parecer que deverá manter-se o indeferimento do pedido, conforme proposto na Informação-IRS nº 736/2019, não devendo ser autorizada pelo Diretor-Geral da Administração Tributária e Aduaneira a revisão das liquidações do IRS em causa relativas aos anos de 2005 a 2008, nos termos do nº 1 do artº 78º da LGT, com fundamento em «erro imputável aos serviços»;
Cfr. visada informação/despacho a fls. 264-265 do PAT apensado em 23.12.2020.
10. Em 13.12.2019 foi enviada por correio postal registado notificação dirigida ao mandatário constituído pelos ora Impugnantes, tendente à notificação da decisão referida no ponto anterior;
Cfr. ofício e etiqueta de registo postal a fls. 267 do PAT apensado em 23.12.2020.
11. Em 23.12.2019 deu entrada no presente Tribunal, via SITAF, a petição inicial que deu origem aos presentes autos, sendo a mesma de conteúdo essencialmente idêntico à referente ao pedido de pronúncia arbitral aludido em 2., correspondendo os artigos 5.º a 63.º da presente p.i. aos artigos 1.º a 58.º do pedido de pronúncia arbitral, os artigos 82.º a 98.º, 101.º a 121.º, 125.º a 134.º e 136.º da presente p.i. aos artigos 59.º a 108.º do pedido de pronúncia arbitral e os artigos 137.º a 164.º da presente p.i. aos artigos 111.º a 119.º e 127.º a 147.º do pedido de pronúncia arbitral, acrescentando-se aqui o vício de falta de notificação das liquidações;
Cfr. comprovativo de entrega de peça processual e visada p.i., a fls. 1 e ss. do processo electrónico - SITAF, confrontada com o pedido de pronúncia arbitral presente a fls. 1718 e ss. do processo electrónico - SITAF - fls. 3 e ss. da certidão do processo arbitral n.º(…)/2018-T emitida em 04.12.2020 (fls. 1705 do processo electrónico - SITAF).
12. Em 27.11.2020 deram entrada no processo arbitral identificado em 2., dois requerimentos dos ora Impugnantes, subscritos pelo mandatário constituído pelos mesmos, invocando a falta de notificação pessoal da decisão arbitral, aludida em 5., o não cumprimento do disposto no artigo 233.º do Código de Processo Civil e a violação dos seus direitos de pronúncia, requerendo a repetição da notificação para os efeitos do n.º 3 do artigo 291.º do CPC; em 02.12.2020, deu entrada no mesmo processo um requerimento dos ora Impugnantes, subscrito pelo mandatário constituído pelos mesmos, em que «prescindem da apreciação dos requerimentos remetidos a 27.11.2020», e em 08.12.2020 um novo requerimento a pedir que se desse sem efeito o requerimento remetido em 02.12.2020 «face a motivos supervenientes»;
Cfr. visados requerimentos presentes a fls. 2789 e ss. e 3529 e ss. do processo electrónico - SITAF - fls. 1066-1072 da certidão do processo arbitral n.º (…)/2018-T emitida em 04.12.2020 (fls. 1705 do processo electrónico - SITAF) e fls. 1089-1090 da certidão do processo arbitral n.º (…)/2018-T emitida em 19.04.2021 (fls. 2420 do processo electrónico - SITAF). Factos instrumentais que resultaram da instrução da causa – cfr. artigo 5.º, n.º 2, al. a), do NCPC, aplicável ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT.
13. Em 01.02.2021 foi proferida decisão no processo arbitral aludido em 2., decidindo-se «indeferir a reforma da decisão arbitral e determinar a notificação pessoal dos Requerentes da decisão homologatória da desistência do pedido, de 8 de Abril de 2019 e da presente decisão de indeferimento da reforma da decisão»;
Cfr. visada decisão constante de fls. 3581 e ss. do processo electrónico - SITAF - fls. 1141 e ss. da certidão do processo arbitral n.º (…)/2018-T emitida em 19.04.2021 (fls. 2420 do processo electrónico - SITAF). Factos instrumentais que resultaram da instrução da causa – cfr. artigo 5.º, n.º 2, al. a), do NCPC, aplicável ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT.
14. Na sequência da decisão referida no ponto anterior os ora Impugnantes apresentaram em 05.02.2021 dois requerimentos, um declarando não ratificar o requerimento de desistência do pedido apresentado pelo seu mandatário em 05.04.2019 e outro em que declararam «desistir da instância nos termos da al. d) do art.º 277.º do CPC»;
Cfr. visados requerimentos constantes de fls. 3586 e ss. do processo electrónico - SITAF - fls. 1146 e ss. da certidão do processo arbitral n.º(…)/2018-T emitida em 19.04.2021 (fls. 2420 do processo electrónico - SITAF). Factos instrumentais que resultaram da instrução da causa – cfr. artigo 5.º, n.º 2, al. a), do NCPC, aplicável ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT.
15. A Autoridade Tributária e Aduaneira opôs-se à aludida desistência da instância e deduziu impugnação da decisão aludida em 13., a qual foi rejeitada por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13.05.2021, por inimpugnabilidade da decisão impugnada;
Cfr. visados requerimentos constantes de fls. 3609-3610 e 3621-3622 do processo electrónico - SITAF - fls. 1169-1170 e 1181-1182 da certidão do processo arbitral n.º (…)/2018-T emitida em 19.04.2021 (fls. 2420 do processo electrónico - SITAF) e Acórdão junto pelos Impugnantes, presentes a fls. 3677 e ss. do processo electrónico - SITAF. Factos instrumentais que resultaram da instrução da causa – cfr. artigo 5.º, n.º 2, al. a), do NCPC, aplicável ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT.
Mais se provou:
16. Em 26.05.2018 foi proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Norte, entretanto transitado em julgado, no âmbito dos recursos interpostos pelos ora Impugnantes de despacho interlocutório e de sentença proferidos no processo n.º 344/12.9BECBR, que aqui correu termos, o qual possui, entre o mais, o seguinte teor:
«Os Recorrentes, M. e J., contribuintes fiscais n.º (...) e (...), recorrem da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Coimbra que julgou improcedente o recurso interposto ao abrigo do artigo 146º-B do CPPT ex vi art.º 89.ºA da LGT, da decisão do Diretor de Finanças do Coimbra de aplicação da avaliação indireta da matéria coletável, tendo por fundamento a correção dos rendimentos declarados nas declarações de IRS relativa aos exercícios dos anos de 2005 a 2008, que determinou a fixação do rendimento coletável em sede da categoria G do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares respeitante aqueles anos, por avaliação indireta, em valores que totalizam €4 936 273, 84.
1.1. Do Recurso da Sentença
Os Recorrentes não se conformaram com a sentença recorrida e interpuseram recurso jurisdicional, apresentando alegações formularam as conclusões que se reproduzem: “(...)
i) Na senda de Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa” (Lições), 2º edição, pág. S69, «há-de caber, em princípio, à Administração o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos».
ii) Entendeu a sentença recorrida que o montante de 4.936.273.84€, resultante dos depósitos efectuados entre 2005 a 2008 em conta bancária da empresa M., deve constituir rendimento dos recorrentes porquanto são estes os beneficiários económicos da conta bancária, fundamentando tal conclusão nas únicas informações que são aquelas que constam dos autos, do processo instrutor e da certidão, remetida pelo Ministério Público, do processo de inquérito n.º (…)/08.2IDAVR, todos contendo fotocópias simples de documentos particulares.
iii) Os documentos do processo instrutor foram legalmente impugnados, sendo que a prova das assinaturas ficou a pertencer a cargo da AT, nos termos definidos pelo n.º 2 do artigo 374.º do Código Civil.
iv) E impugnados que foram nunca poderiam constituir alicerce probatório do que quer que fosse, pois constata-se que se tratam de documentos referentes a informações bancárias dos recorrentes e extraídos de um processo crime, sem que a AT tivesse seguido o procedimento imposto pelo art.º 63º-B da LGT.
v) E o mesmo se diga da junção da certidão remetida pelo MP, que foi objecto de recurso interlocutório, não deixando de ser chocante como é que o Tribunal atende ao conteúdo da mesma, sendo conhecedor da jurisprudência do Pleno da SCT do STA.
vi) O Tribunal ao valorar tais documentos branqueou a actividade procedimental ilegal da AT, o que merece o veemente repúdio dos ora recorrentes.
vii) Os recorrentes não tiveram qualquer intervenção no processo penal onde foi obtida toda a informação sobre as contas bancárias e nessa medida não puderam exercer os seus direitos de controlo e de defesa e atacar a legalidade e legitimidade do acesso à informação bancária, o que configura violação do direito de acesso ao direito (tutela jurisdicional efectiva) e do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrados nos artigos 20.º n.º 1 e 2, e 26.º, n.º 1 e 2, ambos da CRP.
viii) Pese embora a AT, nos casos referidos no n.º 1 do art. 63.0-B da LGT e no âmbito de um procedimento de inspecção, possa aceder directamente à informação e documentação bancária coberta pelo dever de sigilo sem dependência do consentimento do titular dos interesses protegidos e sem necessidade de audiência prévia deste, faculdade que o legislador entendeu pertinente à descoberta da verdade (e, assim, um instrumento em ordem a permitir à AT cumprir a sua obrigação funcional de prosseguir os valores da distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever fundamental de pagar os impostos que informam a constituição fiscal), não poderá fazê-lo à margem do procedimento que o legislador estabeleceu no mesmo artigo, designadamente no que respeita à fundamentação da decisão de quebrar o segredo bancário e sua notificação, ao recurso dessa decisão, seu efeito e destino dos elementos de prova assim colhidos no caso de deferimento desse recurso (cfr. n.0s 3, 5 e 6, respectivamente).
ix) A diversidade dos bens jurídicos que autorizam o afastamento da regra da reserva da informação em sede de processo criminal e em sede tributária – que determina a diversidade dos procedimentos e da competência para a derrogação do sigilo – não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito.
x) A AT pode utilizar essa informação bancária, mas não poderá fazê-lo em prejuízo dos direitos do interessado, o que significa, para além do mais, que não fica dispensada de respeitar o procedimento previsto no art. 63.0-B da LGT, maxime dando início a um procedimento inspectivo, comunicando ao interessado a decisão fundamentada de quebra do sigilo e permitindo-lhe assim sindicar judicialmente essa decisão administrativa.
xi) Prevendo-se um procedimento administrativo sujeito ao princípio da legalidade e ao cumprimento de formalidades prévias, o que no caso a AT não fez, parece aos recorrentes que o Tribunal não pode ele próprio contribuir e incorrer na prática de uma ilegalidade ao valorar documentação/elementos extraídos do processo-crime, pois isso representa uma violação da lei, verificado que está que a AT não desencadeou o mecanismo do art.º63º-B da LGT.
xii) Se a lei não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito, sem que cumpra o procedimento do art. 63º-B da LGT, também não pode o Tribunal dar esse salto e permitir ou melhor permitir-se valorar aquela informação sem o cumprimento prévio daquele formalismo.
xiii) Estamos assim perante provas ilícitas que são aquelas provas obtidas apenas por meio de violação do direito material, independentemente de a constatação da ilicitude ter ocorrido dentro ou fora da órbita processual.
xiv) A prova inadmissível é aquela que, por alguma razão, não pode ser aceite no processo. Tal prova não se vincula ao subjetivismo do magistrado, pelo contrário, sua condição é determinada por diversos elementos que independem da participação do juiz. Por não permitir a livre apreciação, a prova inadmissível é considerada por alguns espécie ou subespécie da prova ilegal.
xv) As provas ilícitas estão previstas no mandamento constitucional insculpido no art. 32º, nº 8: “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.
xvi) Tal comando encontra-se inserido na parte que trata das garantias de processo criminal, não fazendo qualquer menção ao processo civil. A ausência de uma norma que vede a utilização das provas ilícitas no processo civil provoca grandes discussões acerca da sua inadmissibilidade nesse campo processual. Para muitos, essa carência normativa pode ser resolvida por meio da analogia, tendo em vista que o motivo basilar da vedação no processo criminal – qual seja a proteção aos direitos fundamentais tidos como invioláveis – é perfeitamente aplicável ao processo civil. Nesse mesmo sentido, posiciona-se o Tribunal da Relação de Lisboa no processo nº 618/11.6TMLSB-A.L1-6 86 e o Tribunal da Relação de Guimarães no processo nº 435234/09.8YIPRT-A.G187
xvii) Certo é que a ausência de dispositivo no âmbito do processo civil não pode servir de fundamento para a admissibilidade de todo e qualquer meio de prova. O facto de inexistir a proibição expressa não implica a inexistência da própria ilicitude, pelo contrário, deve subsistir o conceito de ilicitude da prova mesmo diante da falta de regulação que proíba seu ingresso no processo. No entanto, há de se considerar que a lacuna torna-se um permissivo processual no sentido de possibilitar que a decisão sobre a admissibilidade ou não das provas ilícitas no processo civil seja averiguada à luz do caso concreto, respeitando os preceitos legais das normas processuais. Ressalta-se que os tribunais portugueses têm aplicado a analogia e, por tal razão, a presente pesquisa ultrapassa a barreira da discussão sobre a incidência do art.º 32º, nº 8 da CRP no processo civil e se propõe a analisar o imperativismo do próprio dispositivo.
xviii) Assim, face ao exposto, entendem os recorrentes que prova documental em causa é ilegal nos presentes autos, razão pela qual não poderia sustentar o consequente juízo probatório.
xix) Sendo ilegal também não pode sustentar a perícia efectuada, não estando aqui em causa a perícia efectuada com base em meras fotocópias, mas sim com base em documentos cuja ilegalidade a precede. Ora, se estão subtraídos à apreciação do julgador, também não podem sustentar as conclusões da perícia.
xx) Deste modo, o julgado viola ostensivamente as disposições combinadas dos arts. 63º-B da LGT e 115, n.º 1 do CPPT.
xxi) Consequentemente devem dar-se por não provados os factos cujo juízo probatório teve por base tais documentos, nomeadamente os constantes dos pontos 6 a 11 e 12 e 13, estes últimos por impossibilidade superveniente de valoração probatória.
xxii) Subsidiariamente,
O grau de “provável” que um juízo técnico pericial atribua não é uma certeza científica ou próximo dela e nem sequer significa que seja muito provável, sendo todavia mais do que uma possibilidade; é uma plausibilidade, uma presumível realidade. A realidade do facto objeto de prova é mais provável do que o contrário; a perícia conduz a uma conclusão tecnicamente relevante de marcado pendor favorável à existência do facto. A probabilidade do facto não se confunde com a mera verosimilitude.
xxiii) É verosímil o que corresponde à normalidade de um certo tipo de condutas ou de acontecimentos. É verosímil o que corresponde ao id quodplerumque actidit. Como sintetiza Luís Filipe Pires de Sousa, além do mais, citando Michele Taruffo, “... a verosimilitude ou a inverosimilitude de um enunciado são irrelevantes do ponto de vista da verdade ou falsidade do mesmo. Só as provas podem demonstrar que o que parece verosímil é também verdadeiro, ou então falso, e o que parece inverosímil é também falso, ou então é verdadeiro.” O que é verosímil pode significar que entra numa área de operatividade de uma determinada máxima de experiência, mas não é, em si, um facto provado. O verosímil não se confunde com o provável. A probabilidade não é uma crença ou uma opinião.
xxiv) A noção de probabilidade respeita à existência de razões válidas para julgar um enunciado como verdadeiro ou como falso. Enquanto a probabilidade fornece informações sobre a verdade ou falsidade de um enunciado, a verosimilitude reporta-se apenas à eventual normalidade do que o enunciado descreve. Um enunciado é provável se se dispõe de informações que justiçam considerá-lo como verdadeiro.
xxv) Pelo que, é errada a asserção da sentença quando refere que “a conclusão de “podem ser” é ainda uma conclusão de probabilidade positiva, encontrando-se acima do resultado inconclusivo, pelo que da prova pericial realizada resulta suficientemente indiciado que as assinaturas apostas no aludido documento e impugnadas pelos Recorrentes efetivamente lhes pertencem sendo eles os efetivos beneficiários económicos da conta aberta no referido banco luxemburguês em nome de “S., S.A.”
xxvi) Como errada continua quando refere que tal “convicção é confirmada pelos demais documentos juntos aos autos, designadamente aqueles que já constavam do relatório final do procedimento inspetivo da AT e que no âmbito desse procedimento foram apreendidos diretamente na residência dos Recorrentes. Na verdade, resulta da experiência comum que ninguém possui na sua habitação documentos com a sua assinatura sem saber se esta foi ou não por si aposta. Também é totalmente contra o senso comum que quem está identificado como beneficiário económico de uma conta bancária e possui, no seu domicílio, os respetivos extratos bancários e anotações feitas pelo contabilista das suas empresas a respeito dos movimentos dessas contas, não seja, de facto, o respetivo beneficiário económico”, aqui pelas razões supra referidas, mas também pelas seguintes: Os recorrentes possuíam na sua residência um documento que os identifica como beneficiários económicos, datada de 19.12.2001 (sendo que a busca é de 30.3.2009); Os recorrentes não tinham na sua residência quaisquer extractos bancários; Os recorrentes não tinham anotações feitas pelo contabilista das suas empresas a respeito dos movimentos dessas contas.
xxvii) E assim o que é contrário ao senso comum e diga-se mesmo ao princípio da separação de poderes, é o Tribunal dizer o que a AT não diz, sendo que os tribunais fiscais apenas têm competência para aferir se o acto tributário, tal qual se encontra recortado pelos seus fundamentos de facto e de direito alegados pela administração, padece ou não de ilegalidade (cf. quanto à função do dever de fundamentação administrativa concernente com o controlo contencioso dos actos administrativos, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 594/2008, em www.tribunalconstitucional.pt).
xxviii) Subsidiariamente,
A AT não prova que os recorrentes fossem os beneficiários económicos da sociedade «M., SA» nos anos de 2005 a 2008, apenas tendo sido dado como provado que: do anexo n.º 4 ao relatório de inspeção referido em 7. consta fotocópia simples de uma “Declaration D’Ayant Droit Economique, Personne Morale” , relativa à conta n.º “ (...) M., S.A.”, passada em 19-12-2001 pelo Banque (...), na qual estão identificados os aqui Recorrentes J. e de M..
xxix) Normas jurídicas violadas: 32º, n.º 8 da CRP, 63º-B e 74º, n.º 1 da LGT; 374º, n.º 2 do CÇ 115º, n.º 1 do CPPT.
Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a sentença recorrida, com todas as legais consequências. .(...)”
A Recorrida contra-alegou tendo produzido as seguintes conclusões:
“(...) a) A sentença sob recurso foi proferida em 1ª instância depois de, e em cumprimento do acórdão do TCA Norte de 21/03/2013, “serem realizadas as diligências de prova necessárias ao apuramento da identidade dos beneficiários económicos das contas existentes no “Banque (...)” em nome de M., S.A.” (contas nºs (...) seguindo posteriormente os autos a sua normal tramitação.”
b) A AT, ora Recorrida, pugna pela manutenção na ordem jurídica da sentença sob recurso por entender que a mesma fez uma correcta aplicação da lei aos factos.
c) Quanto à alegada ilegalidade da prova documental produzida nos autos, no que respeita ao acesso a informação bancária em nome dos Recorrentes, não é aplicável o regime jurídico da derrogação administrativa do dever de sigilo fiscal, previsto no art. 63º-B da LGT, uma vez que a informação em causa foi obtida por determinação judicial, no âmbito dos presentes autos, e não em sede administrativa.
d) Mais, importa atentar que as diligências praticadas pelo Tribunal “a quo” se destinaram a dar cumprimento ao aludido acórdão do TCA Norte, o qual não foi objecto de qualquer reacção recursiva por parte dos ora Recorrentes, não podendo o mesmo, nesta sede, vir de algum modo a ser atacado.
e) Por outro lado, os Recorrentes não suscitam qualquer questão que ponha em causa a necessidade, a adequação ou a proporcionalidade das diligências empreendidas pelo Tribunal “a quo” com vista ao cumprimento do acórdão do TCA Norte.
f) Assim sendo, não tem qualquer sustentação legal a pretendida ilegalidade da prova documental produzida a instâncias do Tribunal “a quo”, inexistindo qualquer violação ao disposto no art. 63º-B da LGT e 115º, nº 1 do CPPT.
g) Quanto ao juízo probatório assente na perícia efectuada às assinaturas apostas nos documentos em causa, também a ilegalidade invocada pelos Recorrentes carece de qualquer sustentação, quer quanto aos factos quer quanto ao direito.
h) Na verdade, o resultado da apreciação pericial realizada nos autos foi conjugada com os demais documentos juntos aos autos, tendo o Tribunal considerado, para a formação da convicção quanto aos factos a que os Recorrentes se opõem, o seguinte: “Na verdade, resulta da experiência comum que ninguém possui na sua habitação documentos com a sua assinatura sem saber se esta foi ou não por si aposta. Também é totalmente contra o senso comum que quem está identificado como beneficiário económico de uma conta bancária e possui, no seu domicílio, os respectivos extractos bancários e anotações feitas pelo contabilista das sua empresas a respeito dos movimentos dessas contas, não seja, de facto, o respectivo beneficiário económico” (Cfm. fls. 29 da sentença).
i) Assim sendo, também não tem qualquer sustentação legal a pretendida ilegalidade do juízo probatório assente na perícia realizada nas assinaturas apostas nos documentos controvertidos.
j) A sentença sob recurso concluiu, em face da prova produzida, que os Recorrentes são os beneficiários económicos das aludidas contas bancárias, mais considerando que “não resulta dos autos qualquer indício, ainda que ténue, de que o beneficiário económico daquelas contas seria outrem que não os Recorrentes nem estes alegaram qualquer facto donde possa resultar a dúvida fundada de que, afinal, os beneficiários económicos das contas bancárias aqui em causa era, de facto, outra pessoa que não eles (Cfm. fls. 30 da sentença.)
k) Os Autores, ora Recorrentes, não recorreram daquela decisão do TCA Norte, donde resulta que se conformaram com a mesma, não podendo agora, em resultado das diligências efectivamente praticadas, pôr em causa a legalidade daquela decisão.
l) Também não atacaram a necessidade, adequação ou proporcionalidade das diligências praticadas pelo Tribunal “a quo” com vista ao cumprimento do acórdão do TCA Norte.
m) Mais, a convicção do Tribunal quanto aos factos, devidamente suportada no probatório, não se afigura susceptível de recurso uma vez que os elementos de prova são suficientes para sustentar a convicção do Tribunal quanto aos factos que considerou provados bem como quanto à motivação que lhe está subjacente, inexistindo aspectos que sejam susceptíveis de impor decisão diversa da recorrida.
n) Conforme jurisprudência, “não basta contrapor a convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto, sendo necessária uma efectiva demonstração, através da argumentação deduzida e da análise das provas convocadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente à matéria impugnada é impossível ou desprovida de razoabilidade” (Cfm. acórdão da Relação de Lisboa de 15-09-2015, proferido no processo nº 61/14.5).
o) Ou seja, é necessário que “dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa” (Cf. Acórdão do ATA de 06-07-2006, no processo nº 220/06), o que, não sendo o caso dos presentes autos, impede a abertura da via recursiva.
p) Nos termos supra expostos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, com as devidas consequências legais.
Nos termos supra expostos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, com as devidas consequências legais. (...)”
1.2. Do Recurso de Despacho Interlocutório
Em 17.06.2015 (a fls. 767) foi proferido despacho na qual ordenava a notificação da
Administração Fiscal e o Ministério Público para a junção aos autos de documentos.
Os Recorrentes não se conformaram com o despacho e dele interpuseram recurso jurisdicional, apresentando alegações nas quais formularam as conclusões que se reproduzem:
I - Pese embora a AT, nos casos referidos no n.º 1 do art. 63.º-B da LGT e no âmbito de um procedimento de inspecção, possa aceder directamente à informação e documentação bancária coberta pelo dever de sigilo sem dependência do consentimento do titular dos interesses protegidos e sem necessidade de audiência prévia deste, faculdade que o legislador entendeu pertinente à descoberta da verdade (e, assim, um instrumento em ordem a permitir à AT cumprir a sua obrigação funcional de prosseguir os valores da distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever fundamental de pagar os impostos que informam a constituição fiscal), não poderá fazê-lo à margem do procedimento que o legislador estabeleceu no mesmo artigo, designadamente no que respeita à fundamentação da decisão de quebrar o segredo bancário e sua notificação, ao recurso dessa decisão, seu efeito e destino dos elementos de prova assim colhidos no caso de deferimento desse recurso (cfr. n.ºs 3, 5 e 6, respectivamente).
II - A diversidade dos bens jurídicos que autorizam o afastamento da regra da reserva da informação em sede de processo criminal e em sede tributária - que determina a diversidade dos procedimentos e da competência para a derrogação do sigilo - não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito.
III - A AT pode utilizar essa informação bancária, mas não poderá fazê-lo em prejuízo dos direitos do interessado, o que significa, para além do mais, que não fica dispensada de respeitar o procedimento previsto no art. 63.º-B da LGT, maxime dando início a um procedimento inspectivo, comunicando ao interessado a decisão fundamentada de quebra do sigilo e permitindo-lhe assim sindicar judicialmente essa decisão administrativa.
IV - Se a lei não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito, sem que cumpra o procedimento do art.º 63º-B da LGT, também não pode o Tribunal dar esse salto e atropelar a lei.
V - Não pode agora o Tribunal ordenar a junção de tais elementos pois representaria, salvo o devido respeito, um branqueamento avalizado de uma ilegalidade/omissão procedimental da AT que está a montante e que o Tribunal em circunstância alguma deve confortar ou amparar.
VI - A AT juntou ao seu relatório os documentos que possuía e foi com base nos mesmos que também construiu o seu discurso fundamentador, para além do que foi face ao seu teor que os ora recorrentes alicerçaram e gizaram a sua defesa.
VII - Se quanto a estes os ora recorrentes não invocaram a ilegalidade da sua junção, alegando as razões constantes do supra transcrito acórdão, já quanto aqueles que o Tribunal ordenou agora a sua junção não deixam de o fazer expressamente para todos os devidos e legais efeitos, opondo-se à sua junção pelo facto do Tribunal não poder actuar em desrespeito pelo que na lei se dispõe, ou seja, porque não se mostrar cumprido o mecanismo do art.º 63º-B da LGT.
VIII - O processo criminal não prosseguiu para julgamento, conforme resulta do ponto 1. do requerimento da AT de 1.7.2015 e, por isso, não foi facultada aos interessados a possibilidade de aí sindicar os elementos de prova recolhidos no inquérito, como também, e decisivamente, porque os elementos bancários foram obtidos mediante as regras processuais penais aplicáveis no âmbito do inquérito criminal - justificadas pelos fins próprios deste processo - e não para fins tributários e ao abrigo das regras tributárias.
IX - A AT juntou ao seu relatório os documentos que possuía e foi com base nos mesmos que também construiu o seu discurso fundamentador.
X - O “conjunto (física e) juridicamente unitário, documentador do modo como se foi formando e se manifestou ou executou a vontade jurídica da Administração Pública” foi aquele que foi organizado e junto aos autos aquando da contestação, não podendo agora o Tribunal completar o que estava completo.
XI - Ao pretender completar/complementar o Processo Administrativo, o que se entende não poder fazer, o Tribunal esvazia o direito de audiência prévia legalmente reconhecido aos interessados, dado que ele se destina essencialmente a propiciar aos administrados a oportunidade para criticar o juízo de mérito feito pelo órgão competente sobre a apreciação das provas e da sua admissibilidade relativas aos factos tributários considerados.
XII - O Tribunal tem que conhecer da (i)legalidade da actuação da Administração tal como ela ocorreu e com os meios de prova transmitidos e dados a conhecer. Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente, revogados os despachos recorridos, ordenando-se o desentranhamento dos documentos juntos pela AT e pelo MP em cumprimento daqueles, assim se fazendo justiça.
A Recorrida não contra-alegou.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Com dispensa dos vistos legais cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
As questões suscitadas pelos Recorrentes delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (nos termos dos artigos 608.º, nº 2, 635º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT) são as de saber:
1.1. NO RECURSO DA SENTENÇA RECORRIDA:
(i) Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao sustentar o juízo probatório em documentos obtidos em sede de inquérito criminal, contendo informações bancárias, dos Recorrentes, sendo que as mesmas não foram obtidas através do procedimento previsto no art.º 63.º B da LGT e os Recorrentes não tiveram qualquer intervenção do processo penal, não podendo exercer os seus direitos de controlo e defesa, o que configura violação do direito de acesso ao direito (tutela jurisdicional efetiva) e do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrados nos artigos 20.º, n.º 1 e 2, e 26.º, n.º 1 2 ambos da CRP.
Subsidiariamente:
(ii) Erro de julgamento ao considerar que da prova pericial, que concluiu que “podem ser” dos Recorrentes as assinaturas é uma conclusão de probabilidade positiva, e da mesma resulta suficientemente indiciado que as assinaturas apostas nos aludidos documentos, efetivamente lhe pertencem sendo eles os efetivos beneficiários da conta aberta no banco luxemburguês em nome de Steven, S.A.
Subsidiariamente:
(iii) A Administração Fiscal não prova que os Recorrentes fossem os beneficiários económicos da sociedade “M., SA” nos anos de 2005 a 2008, apenas tendo sido dado como provado que: do anexo n.º 4 ao relatório de inspeção referido em 7. consta fotocópia simples de uma “Declaration D’Ayant Droit Economique, Personne Morale”, relativa à conta n.º “ (...) M., S.A.”, passada em 19-12-2001 pelo Banque (...), na qual estão identificados os Recorrentes J. e de M..
B. NO RECURSO INTERLOCUTÓRIO:
Se o Tribunal incorreu em erro, ao ordenar a junção aos autos de documentos obtidos em sede de inquérito criminal, contendo informações bancárias dos Recorrentes, sendo que as mesmas não foram obtidas através do procedimento previsto no art.º 63.º B da LGT e os Recorrentes não tiveram qualquer intervenção do processo penal, não podendo exercer os seus direitos de controlo e defesa, o que configura violação do direito de acesso ao direito (tutela jurisdicional efetiva) e do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrados nos artigos 20.º, n.º 1 e 2, e 26.º , n.º 1 2 ambos da CRP.
3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(...)”1. Nos anos de 2005 a 2008 os aqui Recorrentes eram administradores das empresas “D., S.A.” e “D., S. A.”- (cf. relatório de inspeção, de fls. 44 a 48 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
2. Em data concretamente não determinada, foram realizadas ações inspetivas às empresas das quais os aqui Recorrentes eram administradores nos anos de 2005 a 2008, em cuja sequência foi aberto o processo de inquérito que correu termos nos Serviços do Ministério Público junto do Departamento de Investigação e Ação Penal de Coimbra sob o número de processo (…)/08.2IDAVR, designadamente porque ali se concluiu pela existência de fortes indícios da prática de crimes de natureza fiscal (cf. relatório de inspeção, de fls. 44 a 48 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
3. Em 30-03-2009, foi dado cumprimento a “Mandado de Busca e Apreensão” emitido no âmbito do processo de inquérito referido em 1., tendo sido apreendidos diversos documentos na sede daquelas empresas e na residência dos recorrentes, incluindo documentos bancários de contas particulares (cf. relatório de inspeção, de fls. 44 a 48 do processo físico e respetivos anexos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
4. Ainda no âmbito do referido processo de inquérito, havendo indícios de que as importâncias obtidas com as alegadas práticas fraudulentas praticadas pelos Recorrentes eram depositadas em contas sedeadas no território nacional e no “Banque (...)”, com sede no Luxemburgo, através de carta rogatória foram solicitadas informações a este Banco (cf. relatório de inspeção, de fls. 44 a 48 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
5. Em 06-02-2012, foram emitidas pela Direção de Finanças de Aveiro as ordens de serviço internas com os números OI201200582, OI201200583, OI201200584 e OI201200585, na sequência das quais foi iniciada uma ação inspetiva aos recorrentes, que incidiu sobre os exercícios de 2005 a 2008 (cf. relatório de inspeção, de fls. 44 a 48 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
6. Em 09-04-2012, foi elaborado projeto de relatório da ação inspetiva referida em 4., no qual foi proposta a correção da matéria coletável declarada pelos Recorrentes, através de métodos indiretos e ao abrigo do disposto no artigo 89.º-A, n.º 5, al. a) da LGT, para os seguintes montantes: “Ano de 2005: 1.636.762,98€; -- Ano de 2006: 1.727.614,99€; -- Ano de 2007: 533.411,33€; -- Ano de 2008: 1.038.484,54€”- (cf. projeto de relatório de fls. 44 a 48do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
7. Em 04-05-2012, foi elaborado relatório final na ação inspetiva referida em 5., de fls. 96 a 102 do processo físico que se dá por integralmente reproduzida e do qual se destaca o seguinte:
“(...) analisados os referidos documentos [enviados pelas autoridades judiciais luxemburguesas], verificamos que os mesmos evidenciam a existência de outros rendimentos não tributados em sede de IRS, razão pela qual se procedeu à abertura do presente procedimento inspetivo interno.
(...)
Através da análise aos documentos enviados pelo banco de Luxemburgo, verificamos tratar-se de documentos que refletem por anos, os movimentos das diversas contas, relacionadas com as empresas «M., SA» e «S., SA».
Esses documentos para além de fornecerem a evolução mensal de cada conta, indicam a variação da fortuna, por anos, que resulta da soma dos depósitos em numerário (fluxos de caixa) e dos resultados brutos (carteira de títulos), diminuída dos levantamentos.
Conta bancária de «M., SA»
Relativamente aos movimentos das diversas contas, em nome de M. SA (anexo 1), verifica-se a existência de depósitos (fluxos de caixa), nos anos de 2005 a 2008, no montante total de €4.936.273,84, distribuído pelas contas identificadas no quadro seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Através dos elementos rececionados, verificamos que a empresa M. é uma sociedade anónima criada nas Ilhas Virgens da Islândia em 25-09-01, sendo os beneficiários económicos dos depósitos efetuados naquelas contas, os sujeitos passivos “J.” e “M.”, conforme consta do anexo 2.
(...)
Por outro lado, no âmbito das buscas, foi apreendido, na sede da empresa “D.” (...), uma folha A4, com um esquema, onde consta a inscrição manual «feito Dr. P.» (técnico de contas das várias empresas do casal), em que se verifica a relação entre as empresas pertencentes ao casal de administradores dos I.. (...) e «M.», conforme se verifica através do anexo 3.
Ressalta desse esquema, que, para além da Holding Operativa (ou seja «S., S. A.»), onde o casal aplica os seus capitais, confirma-se a existência de uma outra empresa, denominada «M., S. A.» em cuja conta bancária são efetuadas também aplicações financeiras, por parte do casal.
A sociedade «S. S.A», sedeada em 16, (…) Luxembourg, tem como únicos beneficiários económicos da conta nº (…) “J.” e “M.”, a partir de 28/02/2005, conforme se verifica através do anexo 4.
Pelo que foi possível constatar, a conta (...), permite aos sujeitos passivos acederem ao crédito. No entanto, a avaliar pela variação dos saldos mensais, tal conta, não tem sido muito utilizada. Isto é, inicia em 01-01-2005, com um saldo devedor de €1.684.449,23 e data de 31 de dezembro de 2008, apresenta um saldo da mesma natureza, de €2.051.908,57, conforme se verifica através anexo 5.
Assim, o saldo negativo da conta (...) da «S..» é garantido pela conta (...), em nome da «M., SA». Isto mesmo é constatado através da correspondência trocada, entre o Banco (…) e o sujeito passivo «R.», onde se verifica a transferência de dinheiro entre aquelas contas (anexo 6).
Foi ainda apreendido (...) um dossier do Banco (...), onde consta um resumo dos montantes em carteira, em 14 de maio de 2007, no valor de €7.364.888.33, do qual se extraiu o anexo 7.
(...) Através do saldo a 31 de dezembro de 2006, no montante de €4.596.361,81, indicado nesse dossier, foi possível fazer associação deste documento com a conta (...), em nome da «M., SA», em anexo 1.
(...)
Dispõe a alínea d) do nº 1 do artigo 9º do CIRS que constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, os acréscimos patrimoniais não justificados, determinados nos termos dos artigos 87º, 88º ou 89º-A da Lei Geral Tributária.
A alínea f) do artigo 87º da LGT estipula que a avaliação indireta pode efetuar-se no caso de existência de uma divergência não justificada, de pelo menos 1/3 entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciado pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.
Assim, a avaliação indireta assentou nos extratos bancários e outros elementos recolhidos no âmbito do processo de inquérito (carta rogatória solicitada a Luxemburgo), nos termos do nº 11 do art. 89º-A da LGT, que refere que «(...) a avaliação indireta no caso da alínea f) do artigo 87º da LGT, deve ser feita num âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, podendo no seu decurso o contribuinte regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respetivos períodos (...)».
(...)
Ora, se por um lado, se verifica que:
- Os valores dos depósitos efetuados em contas bancárias sedeadas no território nacional, titulados pelos sujeitos passivos, ascendem a €2.111.271,40, respeitando o montante de €193.880,60 (2005); €501.086,60 (2006); €963.320,00 (2007); €359.872,26 (2008) e €93.561,94 (2009);
- Os montantes apreendidos na residência dos sujeitos passivos em 2009 ascendem a €255.500,84;
- Os depósitos efetuados em contas bancárias sedeadas no Luxemburgo, cujos beneficiários são os sujeitos passivos, ascendem a €4.936.273,84, correspondendo o montante de €1.636.762,98 (2005), €1.727.614,99 (2006), €533.411,33 (2007) e €1.038.484,54 (2008).
Por outro lado, verifica-se que:
- Os rendimentos declarados pelo sujeito passivo e cônjuge, não comportam, em cada ano, o referido acréscimo patrimonial, porquanto cingiram-se apenas ao total de €627.341,79, cabendo: €97.250,74 (2005), €100.567,20 (2006) – Rendimentos Globais Brutos – alínea d) do n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT – redação anterior à Lei n.º 94/2009, de 1 de setembro) e €93.034,04 (2007), e €93.613,64 (2008) e €242.876,17 (2009) (Rendimentos Globais Líquidos – atual redação da alínea d) do n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT), conforme se resume no quadro seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Questionados os sujeitos passivos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, sobre a origem daqueles rendimentos, não foi prestado, até à data, qualquer esclarecimento e/ou justificação, pelo que os valores em causa, passam a constituir rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos, integrando o seu património. Assim, face às divergências não justificadas quando comparadas com os rendimentos declarados, estão reunidos os pressupostos para o recurso à avaliação indireta, previstos na alínea f) do artigo 87º da LGT, de molde a ser determinado o rendimento tributável dos sujeitos passivos, para os anos de 2005 a 2009.
Estes incrementos patrimoniais não justificados e determinados nos termos do artº 87º e 89º-A da LGT, constituem rendimentos da Categoria G, de acordo com o descrito na alínea d) do nº 1 do artigo 9º do CIRS.
(...)
Ora, no caso em apreço, não restam dúvidas que a titularidade dos bens (dinheiro proveniente de depósitos), correu nos períodos de tributação (2005 a 2008), em que os mesmos constam como depositados nos extratos bancários.
(...)
Reunidos que estão os pressupostos para a aplicação dos métodos indiretos, propomos os seguintes incrementos patrimoniais a tributar, no âmbito do presente procedimento inspetivo interno, correspondente aos depósitos efetuados nas contas bancárias de Luxemburgo, conforme quadro seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(...)».
8. Do anexo n.º 4 ao relatório de inspeção referido em 7. consta fotocópia simples de uma “Declaration D’Ayant Droit Economique, Personne Morale”, relativa conta n.º “(...) M. S. A”, passada em 19-12- 2001 pelo Banque (...), na qual estão identificados os aqui Recorrentes J. e de M. (cf. fls. 75 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
9. Do mesmo anexo n.º 4 consta ainda fotocópia simples de uma “Declaration of the Economic Beneficiary”, relativa { conta n.º “(...) S., S. A.”, passada em 28-02¬2005 pelo Banque (...), onde constam os nomes de J. e de M., bem como quatro assinaturas, encontrando-se duas abaixo da menção “The Client A”, duas abaixo da menção “The economic beneficiary A”, uma abaixo da menção “The economic beneficiary B” e outra aposta no carimbo com a menção “CONTRÔLE SIGNATURE”(cf. fls. 77 e 78 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
10. O anexo n.º 6 do relatório de inspeção referido em 7. consiste numa comunicação dirigida “A l’attention de Madame R., Fax: 00 351 (…)”, remetida por M. e K., na qual pode ler-se “Nous profitons de la presente, pour vous faire parvenir une instruction de transfert de Midwest vers S., afin de couvrir le débit de €10.808,44 due aux intérêts du prêt déj| débiter. Je vous demande de bien vouloir la signer et nous la renvoyer par fax au nº +352 (…). (...)” (cf. comunicação de fls. 89 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
11. Do anexo n.º 6, referido no ponto anterior consta ainda uma comunicação, dirigida ao Banque (…), ostentando a data de 02-07-2007, na qual pode ler-se, designadamente, o seguinte (cf. comunicação de fls. 90 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
“Concerne: Compte nº (...)
Messieurs,
Je vous prie de bien vouloir débiter le compte nº (...) de la somme de EUR 20.000,-(vingt mille euros) et créditer le compte (...) «S. S.A.» également ouvert en vos livres”.
12. No âmbito dos presentes autos, foi realizado exame pericial pelo Núcleo de Ciências Forenses, de fls. 1131 a 1149 que se dá por integralmente reproduzido, tendo por objeto “averiguar se a escrita não original de cinco assinaturas, que constam na reprodução de um formulário bancário, é do punho de J. ou de M.”, em que o documento contestado é indicado como DC1 e é constituído por “reprodução de formulário bancário intitulado «Declaration of the Economic Beneficiary» do «Banque (...)», com data de 28/02/2005, constituída por duas folhas A4 juntas a fls. 120 a 121 dos Autos (com cópia adicional a fls. 45 e 46). Nela consta a reprodução das assinaturas contestadas apostas nos campos «The Client A» (DC1.1 e DC1.2) e «The economic beneficiary A B» (DC1.3, DC1.4 e DC1.5” (cf. relatório pericial junto a fls. 2522 a 2625, cujo teor se dá por integralmente reproduzido), no qual se concluiu que «a rúbrica contestada DC1.3, reproduzida na segunda folha de DC1, [cfr. fls. 1153] pode ser do punho de J.» e que «a escrita da rubrica contestada DC1.4, reproduzida na segunda folha de DC1. pode ser do punho de M.».
13. A escala de probabilidades em que se basearam as conclusões referidas em 18. foi a seguinte (cf. relatório pericial junto a fls.1131 a 1149 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
*
A convicção do tribunal baseou-se no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes. .(...)”

3.1. Nas conclusões de recurso o 1.º vício imputado à sentença é o erro de julgamento de facto, pelo que goza de prioridade o seu conhecimento.

Entendem os recorrentes que no julgamento de facto deveria constar nos factos provados que: No processo n.º 344/12.9 BECBR não foi alegada a causa de pedir da ilegalidade das liquidações por omissão do procedimento imposto pelo art. 63.º B, n.ºs 3 e 4 da LGT.
Como é bom de ver a situação que os recorrentes pretendem ver nos factos provados não constituem factos, antes ilações de facto a retirar da globalidade do julgamento da matéria de facto, que deverá conter estritamente factos.
Na verdade, incluir no julgamento de facto tal asserção é decidir a questão sem necessidade de qualquer exercício de hermenêutica ou juízo de valoração e/ou ponderação em face do acervo factual e do respetivo direito aplicável. Seria resolver desde logo a questão controvertida.
Razão pela qual se indefere por manifesta falta de razão a questão colocada pelos recorrentes de erro de julgamento de facto.
*
4. APRECIAÇÃO JURÍDICA DO RECURSO

Os recorrentes insurgem-se com a decisão do tribunal recorrido enfatizando que da P.I. do processo 344/12 se pode constatar que a questão da omissão do procedimento imposto pelo art. 63.º-B, n.ºs 3 e 4 da LGT não constituiu causa de pedir nem tão pouco o TCAN a julgou, como resulta de página 23 do respetivo acórdão, mas que apenas se pronunciou sobre a legalidade da prova resultante dos documentos de fls. 75, 77, 89 e 90, e que estiveram na base dos factos, na sequência do anterior acórdão de 21-03-2013 que anulou a sentença e mandou baixar para se realizarem diligências de prova necessárias ao apuramento da identidade dos beneficiários das contas existentes no “Banque (…)”.
O desacordo está em perceber qual foi a questão ou questões suscitadas pelos recorrentes na ação 344/12 [recurso da decisão do Diretor de Finanças de Coimbra de aplicar a avaliação indireta da matéria coletável, tendo por fundamento a correção dos rendimentos declarados de IRS dos anos de 2005 a 2008 e que determinou a fixação do rendimento coletável, categoria G] que factos estribaram a pretensão dos recorrentes nesse recurso do art. 89.º-A da LGT.
Compulsada a petição do processo 344/12 verifica-se que os recorrentes sustentam o seu recurso, do art. 89.º-A, n.º 7, da LGT, em várias causas que, na sua perspetiva, invalidam a avaliação indireta a saber:
Até ao art. 8.º da p.i. tecem considerações genéricas sobre a tributação dos rendimentos, enquanto acréscimos patrimoniais não justificados.
A partir do art. 9.º até ao art. 16.º, argumentam que a atuação da administração tem de se suportar na prova de que se verificam os pressupostos da sua atuação e que ela tem de estar fundamentada;
A partir do art. 17.º até ao 35.º, vem invocar a inexistência de pressupostos para avaliação indireta, como a inadmissibilidade da aferição do acréscimo patrimonial por referência conjunta ao “agregado familiar”, concluindo que a AT agiu sem fundamento na lei; a partir do artigo 33.º suscita a inconstitucionalidade do tratamento em conjunto dos rendimentos para efeitos de aferição dos pressupostos de aplicação dos métodos indiretos;
A partir do artigo 36.º até ao 51.ºda p.i. invoca o erro quanto aos pressupostos de direito, que a discrepância entre os rendimentos omitidos e os declarados é apurada a partir dos rendimentos líquidos “declarados” e não dos rendimentos declarados (brutos), por a AT se ter abonado numa interpretação/aplicação erradas do disposto no art. 89.ºA, n.º5 da LGT;
A partir dos artigos 52.º até ao 76.º, suscita a subordinação da lei fiscal a princípios constitucionais como o Estado de Direito, legalidade, igualdade e proporcionalidade e os princípios consagrados na LGT como a prossecução do interesse público, legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e inquisitório;
A partir do artigo 77.º a 87.º vem suscitar o direito de audição (art. 100.º do CPA), ainda que a questão seja meramente de direito;
A partir dos artigos 89.º até final (98.º) vem novamente enfatizar a questão da fundamentação para o que faz referência ao que foi afirmado pela AF, a título de exemplo:
Já no requerimento do pedido de revisão, de 3-09-2018, ao abrigo do art. do art. 78.º da L.G.T., invocam perante a AT, entre outros, a que alude o acervo factual da sentença no ponto 3, que a avaliação indireta assentou nos extratos bancários e outros elementos recolhidos no âmbito do processo de inquérito (carta rogatória solicitada a Luxemburgo) nos termos do n.º11 do art. 89.º-A da LGT não observando o procedimento ali previsto. [artigos 8.º a 13.º do respetivo requerimento]
Contra a fixação do conjunto do rendimento líquido foi apresentado recurso judicial nos termos do art. 146.º-B do CPPT e art. 89.º-A da LGT., o qual foi julgado improcedente por acórdão transitado do TCAN de 26-05-2018. Entendem os requerentes que as liquidações em causa são ilegais, desde logo, se verifica existir ilegalidade das informações bancárias obtidas por não ter seguido o procedimento imposto pelo art. 63.º-B n.ºs 3 e 4 da LGT.
O acesso pela AT à documentação bancária dos requerentes, com base na qual foi apurado o rendimento e, consequentemente o imposto e juros, não respeitou o procedimento daquelas normas legais, mas foi obtida no âmbito do processo de inquérito n.º (…)/08.2IDAVR, sendo que aqueles não tiveram qualquer intervenção no processo penal onde foi obtida toda a informação sobre as contas bancárias, não sendo os mesmos sujeitos processuais. Inquérito que se encontra suspenso nos termos do art. 47.º do RGIT (…)nessa medida não puderam exercer os seus direitos de controlo de defesa e atacar a legalidade e legitimidade do acesso à informação bancária, o que configura violação da tutela jurisdicional efetiva e do direito à reserva da intimidade da vida privada (arts. 20.º, n.ºs 1 e 2, e 26.º, n.ºs 1 e 2 da CRP).
No 1.º recurso interposto da sentença proferida no processo 344/12 para este tribunal, em que ambas as partes recorreram na parte em que decaíram, o acórdão [cfr. página 752 a 808 do sitaf] salientou o objeto dos recursos, textualmente:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Este acórdão na consideração de que o tribunal recorrido havia andado mal ao relevar a argumentação dos recorrentes/contribuintes e ao acolher de forma decisiva na sentença a falta de fundamentação da decisão com recurso a métodos indiretos revogou a sentença, nesta parte, passou a conhecer do recurso dos recorrentes M. e marido, J., para afinal concluir que: se impunha que a AT tivesse feito prova da autenticidade das assinaturas apostas nos documentos enviados pelo Banco ou prova da informação neles referida de que os beneficiários económicos das respetivas contas bancárias são os recorrentes, não o tendo feito, exigia-se que o tribunal: atenta a importância do apuramento desse facto ordenasse oficiosamente a realização de diligências instrutórias possíveis e adequadas ao apuramento da verdade aparentemente revelada pelos documentos, nomeadamente recorrendo ao exame de letra e assinatura do documento ou comprovação da identificação dos beneficiários económicos através de outros documentos, ou mesmo de obtenção dessa informação junto da instituição bancária em referência (…) donde forçoso é concluir que assiste razão aos recorrentes quanto ao erro de julgamento de facto impondo-se, em conformidade, a anulação, nesta parte, da sentença e a remessa dos autos à 1.ª instância para ai serem realizadas as diligencias instrutórias necessárias à prova do facto impugnado.
Realizadas as diligências instrutórias e cumprindo-se o processado, veio a ser proferida sentença em 11-12-2017 [cfr. com páginas 2036-2066 do sitaf] que concluiu do modo seguinte: «Ora, da análise de todos os elementos probatórios à disposição deste Tribunal resulta a convicção de que os Recorrentes são, efetivamente, os beneficiários económicos das contas bancárias abertas no Banque (...) em nome de M., S. A. e de S., S. A.. De resto, não resulta dos autos qualquer indício, ainda que ténue, de que o beneficiário económico daquelas contas seria outrem que não os Recorrentes nem estes alegaram qualquer facto donde possa resultar a dúvida fundada de que, afinal, os beneficiários económicos das contas bancárias aqui em causa era, de facto, outra pessoa que não eles.
Resolvida esta questão (única que importava apreciar) em desfavor dos Recorrentes, impõe-se concluir pela improcedência deste recurso.»

Desta decisão foi interposto recurso no qual veio a ser proferido acórdão deste tribunal em 26-05-2018 e a que alude o ponto 16 do acervo factual da sentença ora recorrida.
O acórdão iniciou o conhecimento do recurso da sentença [posto que também houve recurso de despacho interlocutório] e textualmente discorreu do modo seguinte:

«A primeira questão equacionada no recurso pelos Recorrentes, nas conclusões i) a xxi), prende-se em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao sustentar o juízo probatório em documentos obtidos em sede de inquérito criminal, contendo informações bancárias dos Recorrentes, sendo que as mesmas não foram obtidas através do procedimento previsto no art.º 63.º B da LGT e os Recorrentes não tiveram qualquer intervenção do processo penal, não podendo exercer os seus direitos de controlo e defesa, o que configura violação do acesso ao direito (tutela jurisdicional efetiva) e do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrados nos artigos 20.º, n.º 1 e 2, e 26.º, n.º 1 e 2 ambos da CRP.
Vejamos:
Analisada a petição inicial, bem como a sentença proferida em 16.08.2018 [lapso de escrita no acórdão, pois o ano é 2012] e o Acórdão deste TCAN de 21.03.2013, as questões equacionadas pelos Recorrentes na petição inicial foram: a falta de pressupostos para o recurso à avaliação indireta, inadmissibilidade da aferição do acréscimo patrimonial ser realizado por referência conjunta ao agregado familiar, erro nos pressupostos de direito, erro na base de cálculo da matéria tributável por ter sido efetuada por recurso aos rendimentos brutos em vez dos rendimentos líquidos, a omissão do dever de investigação, preterição de audiência de interessados e falta de fundamentação.
(…) No acórdão deste TCAN n.º 344/12.9BECBR de 21.03.2013, proferido neste processo foi considerado que o ato se encontrava formalmente fundamentado (…)
No que concerne ao recurso dos, ora Recorrentes, o acórdão de 21.03.2013 após se desembaraçar e interpretar as questões equacionadas pelos Recorrente refere que: “(...)Delimitado, assim, o parâmetro de apreciação da questão colocada a este Tribunal, e esquecendo a incorrecção da terminologia utilizada – (…) - importa agora passar directamente ao ponto crucial da questão da impugnação do julgamento de facto realizado.
Assim, e no que tange ao anexo 3, documento do qual consta a menção «Feito Dr. P.», é manifesta a improcedência da pretensão dos Recorrentes.
(…) Entendem agora os Recorrentes, nas conclusões i) a xxi), que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao sustentar o juízo probatório em documentos obtidos em sede de inquérito criminal, contendo informações bancárias dos Recorrentes, sendo que as mesmas não foram obtidas através do procedimento previsto no art.º 63.º B da LGT e que não tiveram qualquer intervenção do processo penal, não podendo exercer os seus direitos de controlo e defesa, o que configura violação do direito de acesso ao direito (tutela jurisdicional efetiva) e do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrados nos artigos 20.º, n.º 1 e 2, e 26.º, n.º 1 2 ambos da CRP. Mas não tem razão, uma vez que a sentença recorrida moveu-se e atuou dentro dos termos do acórdão deste TCAN, o qual transitou em julgado.
A figura jurídico-processual do caso julgado, como decorre do disposto nos artigos 580.º, 581.º, 619.º, 620.º, 621.º e 625.º do Código de Processo Civil, pressupõe a existência de uma decisão que resolveu uma questão que se entronca na relação material controvertida ou que versa sobre a relação processual, e visa evitar que essa mesma questão venha a ser definida, mais tarde, em termos diferentes, pelo mesmo ou por outro tribunal. (sublinhado nosso)
(…)
E como refere o acórdão do STJ de 20.6.2012 citando Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, páginas 60 e 61“[...]Enquanto que a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a excepção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”.
Quanto ao âmbito objectivo do caso julgado – seus limites objectivos – e que respeita à determinação do quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal, tem vindo a ser sustentado maioritariamente, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (R.L.J. 110º/232), que a força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, tudo isto “ (...) em nome da economia processual, do prestígio das instituições judiciárias e da estabilidade e certeza das relações jurídicas” (Acórdão do S.T.J. de 10/7/97 in C.J. S.T.J., V, II, 165).(…)”
Donde, a questão que agora os ora Recorrentes pretendem ver apreciada - o juízo probatório em documentos obtidos em sede de inquérito criminal, contendo informações bancárias – contende com a autoridade do caso julgado, proferido pelo TCAN de 21.03.2013, transitada em julgado que apreciou, o valor probatório atribuído aos documentos impugnados pelos Recorrente ordenando a baixa dos autos à 1.ª instância para, proceder a realização de diligências de prova. (sublinhado nosso)
Destarte, constata-se a existência de obstáculo legal ao conhecimento da questão da legalidade da prova obtida mediante os documentos de fls. 75, 77, 77, 89 e 90 dos autos por se ter formado caso julgado o que conduz à irrecorribilidade da decisão nesse segmento.
Nesta conformidade, e após ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 655.º do CPC, não se conhece do recurso, na parte sustentado nas conclusões i) a xxi).»

Do enxerto que se acaba de citar que menciona o caso julgado, vem toda a confusão por parte da AT [neste processo e no âmbito da decisão do pedido de revisão] quer da própria sentença recorrida que seguiu o trilho do raciocínio daquela.

Com efeito, a sentença neste particular discreteando sobre a questão colocada no presente processo refere que:(…) Sendo que o acto ora impugnado é a decisão de indeferimento do pedido de revisão das visadas liquidações adicionais de IRS e de correspondentes juros compensatórios (objecto imediato da impugnação), proferida por Subdirectora-Geral dos Impostos em 06.12.2019, que comportou a apreciação da legalidade dos visados actos de liquidação (objecto mediato da impugnação) nos conspectos então expostos pelos requerentes, ora Impugnantes - cfr. artigo 97.º, n.º 1, al. d) do CPPT.
Na verdade, ainda que os Impugnantes invoquem vários vícios, quer prévios aos actos de liquidação, quer posteriores, imputando-lhes ainda, directamente, outros vícios, repetindo em esmagadora maioria o conteúdo do seu pedido de pronúncia arbitral (cfr. facto provado sob o ponto 11.), certo é que o presente Tribunal nunca poderia conhecer da quase totalidade dos vícios aqui invocados, porquanto a presente Impugnação Judicial não foi apresentada nos termos e prazo previstos nos artigos 97.º, n.º 1, al. a) e 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT, ou seja directamente contra os visados actos de liquidação adicional de IRS e correspondentes juros compensatórios, mas antes no seguimento de indeferimento de pedido de revisão desses mesmos actos, e apenas foram invocados dois fundamentos no pedido de revisão, mormente o recurso a documentação bancária sem que tivesse sido observado o procedimento previsto no artigo 63.º-B, n.os 3 e 4 da LGT e, subsidiariamente, o excesso de quantificação por se considerar que não foram contabilizados apenas os depósitos no Luxemburgo (cfr. facto provado sob o ponto 3.). (…) Pelo que os únicos vícios invocados nos presentes autos eventualmente passíveis de aqui serem conhecidos reconduzem-se aos que foram suscitados e analisados no referido procedimento de revisão tributária, Sublinhado nosso.
sob pena de, caso assim não se entendesse, o Tribunal vir a conhecer de vícios geradores de mera anulabilidade suscitados para além do prazo de impugnação contenciosa dos actos de liquidação (cfr. art.º 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT).
o Representante da Fazenda Pública defendeu-se por excepção, tal como referimos no Relatório e Saneamento da presente Sentença, ao ter defendido que a questão da omissão do procedimento previsto no artigo 63.º-B, n.os 3 e 4 da LGT não pode ser conhecida nos presentes autos, por ter sido apreciada em decisão judicial, transitada em julgado, no recurso da decisão de fixação da matéria tributável de IRS subjacente aos actos de liquidação impugnados (cfr. artigo 2.º a 4.º da contestação).
Não obstante, como decorre do que dissemos já, a questão decidenda não é saber se o Tribunal pode conhecer ou não da invocada omissão do procedimento previsto no artigo 63.º-B, n.os 3 e 4 da LGT, mas antes determinar se a decisão proferida no procedimento de revisão oficiosa, na parte em que se debruçou sobre tal fundamento, deve ou não manter-se. A acolher-se a posição do Representante da Fazenda Pública o Tribunal não conheceria o objecto imediato da impugnação judicial, sendo evidente que aquele desconsiderou por completo o procedimento de revisão oficiosa e a decisão aí proferida, contestando a presente Impugnação Judicial como se a mesma tivesse sido deduzida directamente contra os actos de liquidação.
Razão pela qual, considerando o modo como foi formulada, julga-se improcedente a excepção invocada pelo Representante da Fazenda Pública na sua contestação.

Para depois, em explicitação do seu raciocínio, citando enxertos dos acórdãos de 2013 e 2018 concluir que: «Ou seja, considerou-se que a «sentença recorrida moveu-se e atuou dentro dos termos do acórdão deste TCAN [de 21.03.2013], o qual transitou em julgado» e em que se tinha determinado a remessa dos autos à 1.ª Instância «para aí serem realizadas as diligências instrutórias necessárias à prova do facto impugnado que sejam sugeridas pelas partes ou oficiosamente determinadas pelo Tribunal», não estando em causa a obtenção de informações que devessem ser obtidas através do procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT, mas antes o dever de acatamento pelos Tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos Tribunais superiores, o que, julgou o TCAN no Acórdão de 26.05.2018, havia sido respeitado pelo Tribunal de 1.ª instância ao ter proferido o despacho interlocutório recorrido e ao ter proferido a recorrida decisão de mérito na sequência dos documentos obtidos em cumprimento daquele despacho interlocutório.
Nenhuma outra interpretação é possível perante o que se pode ler no visado Acórdão do TCAN de 26.05.2018, tal como impressivamente ali se concluiu pela «existência de obstáculo legal ao conhecimento da questão da legalidade da prova obtida mediante os documentos de fls. 75, 77, 77, 89 e 90 dos autos por se ter formado caso julgado», sendo que a “questão da legalidade da prova obtida mediante os documentos de fls. 75, 77, 89 e 90 dos autos” mais não é que a questão suscitada pelos então Recorrentes da obtenção de tais documentos sem que tivesse sido observado o procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT.
E uma vez que, por seu turno, transitou em julgado o aludido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 26.05.2018, o qual julgou, bem ou mal, é agora indiferente, que se verificava caso julgado quanto à questão da legalidade da prova obtida pelo Tribunal de 1.ª instância que lhe havia permitido concluir que os ora Recorrentes eram os beneficiários económicos das contas bancárias em causa, também não podia a Administração Fiscal pronunciar-se sobre tal questão, mormente em sede de procedimento de revisão, como lhe foi suscitado pelos ora Impugnantes que o fizesse. (sublinhado nosso)
De facto, tal como decorre da matéria de facto dada como provada, os ora Impugnantes apresentaram em 31.08.2018 «pedido de revisão, nos termos do art.º 78.º da LGT, relativamente às liquidações adicionais de IRS e JC de 2005 a 2008, no montante global de 4.683.525,89€», melhor identificadas no ponto 1. dos factos provados, alegando o que ora alegam nos artigos 16.º a 63.º da sua p.i., ou seja, a ilegalidade das informações bancárias utilizadas pelo Tribunal de 1.ª instância em sentença de 11.12.2017 por não ter sido seguido o procedimento imposto pelo artigo 63.º-B da LGT; e ainda excesso de quantificação, por considerarem que as liquidações de IRS e de correspondentes juros «deveriam ter sido apuradas tendo por os depósitos no Luxemburgo, num total de 4.936.273.84€» (cfr. facto provado sob o ponto 3.). Tendo sido proferida decisão de indeferimento de tal pedido de revisão, por se considerar, quanto à primeira questão, a existência de caso julgado e, quanto à segunda questão, não se verificar tal excesso de quantificação (cfr. factos provados sob os pontos 7. e 9.).

Todavia, não podemos deixar de discordar da fundamentação aduzida na sentença.

Com efeito, a questão da ilegalidade da decisão de aplicação dos métodos indiretos assente no facto de não ter sido cumprido o procedimento do n.º 11, do art.89.º-A e 63.º-B, nºs 3 e 4 da LGT, não foi, claramente, causa de pedir no processo 344/12 nem foi objeto de apreciação na sentença, muito menos foi objeto de reapreciação por parte deste TCAN no citado acórdão de 26-05-2018.

O que efetivamente aconteceu é que os aqui recorrentes no recurso da sentença de 11-12-2017 invocaram como argumento essa ilegalidade para abalar a decisão do tribunal a quo, mal grado, tal facto não foi sequer cogitado no processo e na decisão recorrida pelo que nunca o tribunal de recurso poderia pronunciar-se já que não se trata de questão do conhecimento oficioso.

Com efeito, a questão que ali se discutiu foi se os recorrentes eram beneficiários económicos da «M.», S.A. nos exercícios de 2005 a 2008, tendo por base os citados documentos, a sentença de 11-12-2017 sancionou que, em face da prova produzida, eles eram os beneficiários de tais contas bancárias abertas no Banque (…) e S., para o que foi decisivo, as diligências instrutórias empreendidas pelo tribunal, maxime a perícia à letra e assinatura nos documentos impugnados.

A questão da obtenção dos documentos fora do âmbito do procedimento dos artigos 63.º-B e 89.º-A não foi aflorada, mas ainda assim não pode proceder a pretensão dos recorrentes.

A problemática jurídica que aqui se coloca é, pois, outra, pressuposto que o tribunal de recurso é livre na identificação das normas na qualificação das relações jurídicas e delas extrair os efeitos adequados. Recurso no Novo Código Processo Civil, Conselheiro Abrantes Geraldes, 2.ª Edição, Almedina, pág. 91.


É consabido que procedimento administrativo de liquidação tributária tem a sua tramitação própria, fazendo uso das palavras do acórdão STA de 24-08-2008 Proferido no recurso n.º 0342/08 da 2.ª secção
, a que deve obedecer, mormente para permitir o respeito dos direitos processuais de todos os intervenientes, mas ainda para salvaguarda do direito à segurança e certeza jurídica, valor de ordem pública, no qual estão interessadas, não só as partes, mas o Estado também. É sabido que a liquidação, em sentido estrito, é a última fase do processo administrativo de liquidação tributária. O procedimento administrativo de liquidação tributária, porém, é constituído por uma série de atos (um complexo de atos), combinados entre si, destinados a obter um resultado jurídico final, ou seja, o montante do imposto que o contribuinte tem de entregar nos cofres do Estado. Portanto, a liquidação, hoc sensu, é a fase que se traduz na aplicação da taxa do imposto à matéria coletável já determinada. (…) sendo da essência deste procedimento tributário que se pratiquem ao logo dele atos preparatórios, lógica e cronologicamente interligados e dirigidos à concretização do ato final de liquidação. Em princípio, tais atos preparatórios, porque não são a decisão final, não podem ser autonomamente impugnáveis; poderão ser postos em causa, sim, mas aquando da eventual impugnação que seja feita do ato definitivo (final), de que são antecedente lógico e cronológico. Dado que o ato administrativo é uma estatuição de autoridade com efeitos externos, compreende-se que não sejam recorríveis os atos internos (como os pareceres, as comunicações internas dos serviços) e os atos preparatórios, pois nestes casos não existem efeitos externos ou existem apenas efeitos prodrómicos de um ato procedimental que só se torna decisório através do ato conclusivo do procedimento (…).

Em regra, o ato de determinação da matéria coletável não é suscetível de impugnação judicial autónoma, só podendo esse ato ser atacado na impugnação que venha a ser proposta do sequente ato de liquidação, processo onde poderá ser invocada qualquer ilegalidade ocorrida na fase de determinação da matéria coletável. Ac. do STA, Contencioso Tributário, Ac. de 28-04-2021 no recurso n.º 0512/16, disponível em www.dgsi.pt


Embora a regra do contencioso tributário seja a do princípio da impugnação unitária, por vezes, a lei prevê a impugnabilidade contenciosa imediata de atos anteriores ao ato final do procedimento, que têm especial relevo para condicionar a decisão final, sendo estas ressalvadas no n.º1, do art. 54.º do CPPT, ao admitir a existência de «disposição expressa em sentido diferente».

Tal é o caso do procedimento no âmbito das manifestações fortuna em que avaliação da matéria coletável pelo método indireto é suscetível de recurso, o n.º7 do art. 89.º-A da LGT, estatui que, da decisão de avaliação da matéria coletável pelo método indireto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento constante do artigo 91.º e seguintes [ou seja exclui-se aqui a possibilidade de haver o pedido de revisão da matéria coletável, compreendendo-se, tal exclusão já que há a possibilidade de recurso a interpor diretamente para o tribunal] Neste sentido veja-se além do acórdão citado, a LGT anotada de Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa em anotação ao artigo 86.º da LGT, bem como o artigo publicado da Conselheira Susana Tavares da Silva, “A impugnação judicial no âmbito das manifestações de fortuna” e-book, CEJ, de junho de 2015.


Não obstante o seu carácter preparatório, permite-se, no entanto, que tais atos de determinação da matéria coletável possam ser autonomamente impugnáveis, sempre que entre eles e o ato final haja uma relação de evidente prejudicialidade.

É na inevitável relação de prejudicialidade entre o ato preparatório (ato prejudicial) e o ato de liquidação (ato prejudicado) que reside a explicação para que tal ato, embora preparatório, se autonomize e destaque (ato destacável) e seja, por si só, e autonomamente impugnável. Cita-se o acórdão de 2008.


Por sua vez, o n.º 8 do art. 89.º-A, manda aplicar a este recurso, com as necessárias adaptações, a tramitação prevista no art. 146.º-B do CPPT, devendo nesse recurso justificar sumariamente as razões da sua discordância em requerimento apresentado no tribunal tributário de 1.ª instância da área do seu domicílio fiscal, devendo a petição ser acompanhada dos respetivos elementos de prova.

Por conseguinte, a decisão de avaliação da matéria coletável constitui ato, que embora preparatório da liquidação (ou subprocedimento), assume a natureza prejudicial ou ato destacável na medida em que define uma situação jurídica, inserindo-se nas relações intersubjetivas e condicionando a decisão final (liquidação)

Mas caso não haja recurso, porque o sujeito dele não fez uso para impugnar a avaliação da matéria coletável, a decisão de determinação da matéria coletável torna-se caso decidido ou resolvido, de efeitos similares aos do caso julgado judiciário Acórdão citado.
consolidando-se a decisão na ordem jurídica, pese embora as ilegalidades de que porventura venha a sofrer a decisão final subsequente, a liquidação.

No caso os recorrentes recorreram para o tribunal da fixação da matéria coletável no âmbito dos arts. 63.º-B, n. º5, e 87.º al. f) a 89.º-A, da LGT.

Neste recurso, como vimos, os recorrentes alegaram várias ilegalidades cometidas no procedimento de fixação da matéria coletável, mas não imputaram, especificamente, o vício de falta de procedimento imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 63.º-B.

Pois bem, será que não o tendo feito no recurso, ou seja, na impugnação da fixação da matéria coletável ainda podem, posteriormente, arguir esse vício procedimental?

O que vimos de expor aponta, no nosso entender, existir uma preclusão do direito a arguir outros vícios procedimentais preexistentes quando se lançou mão do meio de defesa dos arts. 63.-B e 89.º-A da LGT.

Quer isto dizer que se a lei coloca à disposição do contribuinte um meio de defesa ele deve concentrar toda a sua defesa no recurso da decisão de fixação da matéria coletável, pois, este recurso é o meio previsto na lei para impugnar o procedimento de fixação da matéria coletável.

Significa, então, que todos os vícios ou ilegalidades que tal procedimento contenha devem ser aqui invocados, sob pena de não poder fazer mais tarde quando for liquidado o imposto (ato subsequente ao procedimento de determinação ou fixação da matéria coletável).

Aliás, a sua razão de ser radica, desde logo, no facto de este ato ter repercussão substantiva no ato final [liquidação], fixada a matéria coletável, enquanto objeto de ato expresso e autónomo, o ato subsequente e final irá refletir aquele, sendo ele o âmago de todo o procedimento que terminará com a liquidação do imposto, o que salienta a existência de uma relação de prejudicialidade. No direito tributário tem, pois, as características da antecedência logico-jurídica, da autonomia e da necessidade, a questão condicionante é prejudicial relativamente ao próprio ato tributário


Como refere Alberto Xavier Conceito e Natureza do Ato Tributário, páginas 243 e seguintes. “No Direito Fiscal o problema da prejudicialidade coloca-se quando a decisão relativa ao an e ao quantum da prestação de imposto, isto é, aquela que é o conteúdo do ato tributário, depende logicamente da resolução de outra questão que a condiciona.”
, a lei fixou entre os dois atos (ato preparatório e ato final) um regime de prejudicialidade, cujas notas essenciais são as seguintes: sendo o ato autonomamente impugnável, quer o contribuinte, quer a Fazenda Pública têm legitimidade para interpor recurso do ato de determinação da matéria coletável; em relação à determinação da matéria coletável ocorre preclusão processual uma vez que a matéria não pode voltar a ser apreciada no procedimento administrativo de liquidação; e, se o ato não for oportunamente impugnado, o valor tributável torna-se definitivo, com força de caso decidido ou caso resolvido. O mesmo autor fala nestes casos, página 246, “em prejudicialidade em sentido técnico, desde que a questão condicionante tenha natureza substantiva e seja autónoma, no sentido de dever ser objeto de um ato jurídico expresso e autónomo também. (…) incluem no conceito de questões prejudiciais aquelas que fazem parte do juízo lógico reativo à questão de fundo, como seus antecedentes necessários, excluindo-se assim do seu âmbito todas as que revestem natureza meramente processual e às quais melhor cabe a designação de questões prévias.


De facto, a lei aponta claramente nesse sentido quando estatui no n. º10, do art. 89.º-A da LGT, que: A decisão de avaliação da matéria coletável com recurso ao método indireto constante deste artigo, após tornar-se definitiva, deve ser comunicada pelo diretor de finanças ao Ministério Público (…).

Quer isto dizer que se não houver recurso da decisão de determinação da matéria coletável ou havendo recurso desta decisão não se acionarem todos os fundamentos de ilegalidade deste ato, preclude-se a possibilidade de no ato final [liquidação] vir arguir vícios daquele ato.

A decisão torna-se definitiva, inatacável ou resolvida.

Como se viu os recorrentes usaram da prorrogativa de recorrer da decisão da autoridade tributária, na qual invocaram os vícios já identificados, mas nunca este vício de omissão do procedimento imposto pelo art. 63.º-B, n.ºs 3 e 4 da LGT.

Não o tendo feito naquele recurso precludiu-se, de forma inelutável, o direito de o invocar fora dele.
Ainda que se verifique a omissão do procedimento, não o tendo feito naquele recurso fica impedido de o fazer agora, no ato final de liquidação.

A esta realidade ou ficção jurídica mais não é do que aquilo que vem sendo dito pela jurisprudência e pela doutrina, ao acentuar, nos vários ramos do direito [quer do direito público quer do direito privado] a preclusão, A propósito também o mesmo autor na obra citada, pág.586 e segts, a preclusão dos poderes de reexame do ato tributário em processo ulterior é um efeito de natureza substancial, quando ambas as preclusões têm caráter processual destinando-se a garantir o efeito preclusivo em que a abstração se traduz, este sim de natureza material ou substantiva, falando-se com mais propriedade de preclusão interna e preclusão externa, nesta quando a lei organiza meios processuais, de caráter jurisdicional, facultando ao contribuinte tentar restabelecer a situação jurídica de direito material, traduzindo-se em meios de impugnação.
no direito processual, reconduz-se à perda de um determinado direito e intervenção no processo, por essa intervenção não ter sido objetivada ou operada oportunamente no prazo ou no âmbito da providência respetiva, a inatividade objetivada na não concentração da defesa dos seus direitos em determinado prazo ou em determinada providência processual. Neste sentido o acórdão do STA de 11-09-2019, no recurso n.º 0571/15.7 disponível no site da dgsi.

Assim, temos de concluir pela improcedência do recurso com a sobredita fundamentação e, nesta medida, confirmar a sentença recorrida.
*
5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, ainda que com fundamentação diversa.
Custas a cargo dos recorridos.

Notifique e dê conhecimento ao processo de inquérito 93/08.2IDAVR.

Porto, 13 de janeiro de 2022

Cristina da Nova
Paula Teixeira (em substituição)
Celeste Oliveira

____________________________________________________
i)
Sublinhado nosso.

ii) Recurso no Novo Código Processo Civil, Conselheiro Abrantes Geraldes, 2.ª Edição, Almedina, pág. 91.

iii) Proferido no recurso n.º 0342/08 da 2.ª secção

iv) Ac. do STA, Contencioso Tributário, Ac. de 28-04-2021 no recurso n.º 0512/16, disponível em www.dgsi.pt

v) Neste sentido veja-se além do acórdão citado, a LGT anotada de Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa em anotação ao artigo 86.º da LGT, bem como o artigo publicado da Conselheira Susana Tavares da Silva, “A impugnação judicial no âmbito das manifestações de fortuna” e-book, CEJ, de junho de 2015.

vi) Cita-se o acórdão de 2008.

vii) Acórdão citado.

viii) No direito tributário tem, pois, as características da antecedência logico-jurídica, da autonomia e da necessidade, a questão condicionante é prejudicial relativamente ao próprio ato tributário

ix) Conceito e Natureza do Ato Tributário, páginas 243 e seguintes. “No Direito Fiscal o problema da prejudicialidade coloca-se quando a decisão relativa ao an e ao quantum da prestação de imposto, isto é, aquela que é o conteúdo do ato tributário, depende logicamente da resolução de outra questão que a condiciona.”

x) O mesmo autor fala nestes casos, página 246, “em prejudicialidade em sentido técnico, desde que a questão condicionante tenha natureza substantiva e seja autónoma, no sentido de dever ser objeto de um ato jurídico expresso e autónomo também. (…) incluem no conceito de questões prejudiciais aquelas que fazem parte do juízo lógico reativo à questão de fundo, como seus antecedentes necessários, excluindo-se assim do seu âmbito todas as que revestem natureza meramente processual e às quais melhor cabe a designação de questões prévias.

xi) A propósito também o mesmo autor na obra citada, pág.586 e segts, a preclusão dos poderes de reexame do ato tributário em processo ulterior é um efeito de natureza substancial, quando ambas as preclusões têm caráter processual destinando-se a garantir o efeito preclusivo em que a abstração se traduz, este sim de natureza material ou substantiva, falando-se com mais propriedade de preclusão interna e preclusão externa, nesta quando a lei organiza meios processuais, de caráter jurisdicional, facultando ao contribuinte tentar restabelecer a situação jurídica de direito material, traduzindo-se em meios de impugnação.

xii) Neste sentido o acórdão do STA de 11-09-2019, no recurso n.º 0571/15.7 disponível no site da dgsi.