Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00741/05.6BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/03/2019
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM; RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR ACTO ILÍCITO; LEGES ARTIS; ORTOPEDIA
Sumário:
I-A alteração do julgamento relativo à matéria de facto só pode ter lugar nas circunstâncias previstas no artº 662º do NCPC, isto é, quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, o que não é o caso;
I.1-são inteligíveis os concretos elementos que, em razão das regras da experiência e/ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu à convicção do Tribunal, no sentido da inexistência de elementos factuais dos quais fosse possível extrair a ideia da violação das leges artis por parte dos profissionais que, de um modo ou outro, atenderam a paciente, ora Recorrente, nos serviços do Hospital;
I.2-em sede de erro de julgamento de direito dir-se-á que o regime jurídico aplicável aos factos em juízo é o da responsabilidade civil extracontratual do Estado e dos seus agentes - DL 48051, de 21 de novembro de 1967-;
I.3-regime que é muito claro, ao remeter para o artigo 4º/1 a aferição da culpa dos titulares dos órgãos ou agentes à luz do artigo 487º do Código Civil, o qual dispõe que o ónus de provar tais requisitos cumulativos conformadores de responsabilidade civil extracontratual por danos deve ser feito pelo lesado desses mesmos danos, ou seja, pela aqui Recorrente;
I.4-Esta não conseguiu fazer prova dos mesmos, nem quanto à parte demandada Hospitais da Universidade de Coimbra, nem quanto aos restantes Intervenientes médicos;
I.5-falhou a prova da ilicitude, da alegada culpa e também não resistiu o requisito do nexo causal entre facto e dano;
I.6-a prova da ilicitude e culpa da conduta não tem de ser repartida ou invertida em desfavor dos demandados pelo facto de serem médicos com a especialidade de Ortopedia; essa solução violaria o disposto no falado regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e dos seus agentes. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:INT
Recorrido 1:HUC
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
INT instaurou contra os HUC (HUC), ambos melhor identificados nos autos, acção administrativa comum, peticionando o pagamento da soma de €631.463,85 (seiscentos e trinta e um mil quatrocentos e sessenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito.
Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada improcedente a acção e absolvidos do pedido a Entidade Demandada e os Intervenientes.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
I. A Autora não se conforma com a sentença que absolveu o Réu HUC e demais Intervenientes do pedido contra eles formulado.
II. Verificou-se um erro na apreciação da prova, que influencia o julgamento.
III. O ponto 57 dos factos dados como provados deve passar a ter a seguinte redação: “O eletromiograma deve ser feito decorridos vinte dias sobre os sinais de lesão”, estando assim consentâneo com o depoimento da Testemunha Dr. LN.
IV. Os factos não provados em A e J foram erradamente julgados.
V. O Tribunal, sem o justificar, desvalorizou as declarações da Autora.
VI. O princípio de livre apreciação da prova não significa que o julgador possa, no momento valorativo da mesma, tomar uma decisão consoante o seu livre arbítrio, sem que aquela corresponda materialmente a um suporte probatório.
VII. Deverá ser aditado aos factos provados um ponto com a seguinte redacção: “Em 29 de Janeiro de 2001 a Autora sofreu uma dor intensa” o qual está de acordo com as declarações da Autora e o depoimento da Testemunha prestado me sede de audiência de julgamento.
VIII. Deverá ser aditado aos factos provados um ponto com a seguinte redacção: “No dia seguinte à intervenção cirúrgica de 30 de Janeiro de 2001 a Autora voltou a queixar-se ao Dr. CM que estava com dores muito fortes e que não conseguia mexer os dedos”, tal como resultou das declarações da Autora em sede de audiência de discussão e julgamento e não ter o Tribunal justificado a sua não valorização.
IX. O momento da lesão do nervo radial há de situar-se na segunda cirurgia, em 30 de Janeiro de 2001, uma vez que previamente a esta, a Autora não apresentava qualquer défice neurológico.
X. A causa concreta do ato que provocou a lesão não tenha foi concretamente apurado, podendo ter sido causada por variados motivos, desde o excessivo aperto de um garrote, à manipulação durante o ato cirúrgico, à atividade dos afastadores e, ainda, por algum dos topos ósseos durante as manobras de redução e estabilização.
XI. Procedimento diferente deveria ter sido adoptado pelos agentes intervenientes na intervenção cirúrgica e, em particular, pelo médico interveniente, o Interveniente Dr. CM. Nomeadamente, durante a intervenção cirúrgica, maior cuidado na manipulação do nervo radial por qualquer dos intervenientes na mesma e, no pós-operatório, deveria o Dr. CM ordenado a realização do eletromiograma decorridos 20 dias sobre os sinais de lesão, mesmo que tal implicasse a prévia retirada do gesso ou tala.
XII. A situação concreta da Autora, designadamente, uma fratura e refratura em tão breve espaço de tempo, a sua idade e antecedentes médicos, determinariam a um bonus pater familiae cuidados adicionais para além daqueles que seriam pelo seguimento estrito das leges artis e, designadamente, um acompanhamento mais próximo e preventivo de eventuais danos ou seu agravamento. O que não aconteceu!
XIII. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (n.º 2 do art. 487º do CC)
XIV. Não obstante o ónus de prova, quanto à culpa, recair sobre o lesado, este ónus deverá ser mitigado pela exigência do esforço probatório do presumível lesante em demonstrar que agiu em conformidade com a sua leges artis, pois é quem está em melhores condições para o fazer (v. Ac. STJ, de 29.10.2015, Proc. N.º 2198/05.2TB FIG.C1.S1, in dgsi.pt).
XV. Sendo como é entendida a culpa, enquanto juízo normativo de censura ético-jurídica, referida, não a uma deficiente formação de vontade, mas sim a uma deficiente conduta, há que apurar onde esteve, ou não esteve, a deficiente conduta profissional dos médicos.
XVI. As leges artis são essencialmente técnico-científicas e correspondem às condutas que um médico comum, em situação equiparável, tendo em conta o estado da ciência e a doença em causa, teria assumido
XVII. O médico deve agir – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 2001, CJ, 2001, Tomo III, pág. 166 e seguintes - segundo as exigências da legis artis e os conhecimentos científicos então existentes, actuando de acordo com um dever objectivo de cuidado, assim, como certos deveres específicos, como seja o dever de utilizar a técnica adequada ou ainda o dever de informação sobre tudo o que interessa à saúde do doente (Ac. STA, de 22.01.2004, Proc. N.º 01665/02, in www.dgsi.pt).
XVIII. Se se tratar de médico especialista (v.g. um médico obstetra), sobre o qual recai um específico dever do emprego da técnica adequada, se torna compreensível a inversão do ónus da prova, por se tratar de uma obrigação de resultado – devendo o mesmo ser civilmente responsabilizado pela simples constatação de que a finalidade proposta não foi alcançada (prova do incumprimento), o que tem por base uma presunção da censurabilidade ético-jurídica da sua conduta.
XIX. Estando em causa a actuação de médicos especialistas - v.g. ortopedistas - sobre os mesmos recaía o dever de emprego de técnica adequada, o que in casu não se verificou, resultando daqui a responsabilidade do médico em indemnizar os prejuízos causados ao doente ou paciente.
XX. Segundo a doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa, consagrada no art. 563.º do CC, o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar (de todo) indiferente para a verificação desse dano.
XXI. Se depois de uma intervenção cirúrgica simples as condições da Autora são piores do que as anteriores, como ficou provado na sentença, só pode entender-se que houve uma intervenção ou terapia inadequada ou negligente execução profissional, cabendo ao médico o ónus da prova de que a execução operatória foi diligente.
XXII. Se a lesão do nervo radial pode ser causada por variados motivos, desde o excessivo aperto de um garrote, à manipulação durante o ato cirúrgico, à atividade dos afastadores e, ainda, por algum dos topos ósseos durante as manobras de redução e estabilização e se ficou demonstrado que tal lesão decorreu durante a segunda cirurgia, conclui-se, então, que qualquer interveniente na mesma poderá ter causado a lesão, violando as regras que deveriam observar nas cirurgias, manipulando com o cuidado devido o nervo radial, isto caso fosse necessária essa manipulação, o que se desconhece e os RR não alegaram sequer.
XXIII. os RR não alegaram/provaram também quaisquer factos demonstrativos de que cumpriram, e designadamente que em momento prévio a qualquer uma das cirurgias tenham advertido a Autora para os riscos inerentes às mesmas.
XXIV. E, designadamente, de que das referidas cirurgias pudesse resultar a neuropraxia, a qual corresponde a uma limitação da passagem do influxo porquanto o nervo foi estirado ou foi comprimido por edemas circunda (ponto 39 e 40 dos factos provados).
XXV. Donde resultaria que ainda que a sentença não decidisse, como não decidiu, que na segunda cirurgia não foram desrespeitadas as leges artis sempre teria que entender haverem sido preteridos os deveres de informação.
XXVI. Aos RR não basta para cumprir o ónus que lhe cabe a prova de que o tipo de intervenção efectuada importa um determinado risco, é necessário fazer a prova de que a sua conduta profissional, o seu rigoroso cumprimento das “leges artis”, foi de molde a poder colocar-se o concreto resultado dentro da margem de risco considerada e não dentro da percentagem em que normalmente a intervenção teria êxito – o que não se verificou!
XXVII. Em momento algum, os RR alegaram e a sentença referiu que os RR tenham cumprido com o dever de prestar toda a informação sobre a natureza, características, técnicas a usar no exercício do acto médico, alterativas e riscos.
XXVIII. A intervenção sem consentimento (ou o consentimento sem informação adequada) traduz-se tecnicamente numa ofensa corporal.
XXIX. O direito ao consentimento livre e esclarecido é um postulado axiológico e normativo reconhecido por muitas ordens jurídicas e indubitavelmente consagrado no Direito português.
XXX. A declaração de Lisboa sobre os Direitos do Doente da Associação Médica Mundial proclama: "O Doente tem o direito de aceitar ou recusar tratamento após ter recebido informação adequada" (alínea c).”
XXXI. Na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia consagra-se expressamente o direito ao consentimento informado (art. 3º).
XXXII. No direito interno português, o art. 25º da Constituição da República consagra o direito à integridade pessoal, afirmando que “a integridade moral e física das pessoas é inviolável” e o art. 26º, n. 1, estabelece o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e o n.º 3 garante a “dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização de tecnologias e na experimentação científica.” O direito à integridade moral e física e o livre desenvolvimento da personalidade são expressões concretizadas desse axioma fundamental que é a Dignidade Humana (art. 1º CRP).
XXXIII. A Lei de Bases da Saúde confere aos utentes o direito a “ser informados sobre a sua situação, as alternativas possíveis do tratamento e a evolução provável do seu estado.” (Base XIV, n. 1, al. e) da Lei n. 48/90, de 24 de Agosto).
XXXIV. O dever de esclarecer também está previsto no Código Deontológico da Ordem dos Médicos (cfr. art. 38.º - dever de esclarecimento e recusa de tratamento). Este dever assume a natureza de um verdadeiro dever profissional sendo portanto sindicável independentemente da existência de um contrato com o paciente.
XXXV. A medicina é uma actividade de risco. O dano iatrogénico (complicação ou doença causada por medicamento ou tratamento médico) sucede com frequência e este é independente de negligência do médico ou da instituição hospitalar. Por outro lado, afirmado que está o primado da dignidade humana, a impor um princípio da autodeterminação e do respeito pela integridade física e moral do paciente, só o consentimento devidamente esclarecido permite transferir para o paciente os referidos riscos que de outro modo deverão ser suportados pelo médico. Só a pessoa pode decidir o que é melhor para si, para a sua saúde e para o seu corpo.
XXXVI. A doutrina e jurisprudência vêm defendendo a obrigação de se comunicar os riscos “significativos”, isto é, aqueles que o médico sabe ou devia saber que são importantes e pertinentes, para uma pessoa normal colocada nas mesmas circunstâncias do paciente, chamado a consentir com conhecimento de causa no tratamento proposto.
XXXVII. Segundo o critério do Risco Significativo em função da Gravidade, a gravidade de um risco, mesmo não frequente, conduz à obrigação da sua comunicação.
XXXVIII. Havendo violação do dever de esclarecimento (e vimos que não foi alegado e provado que os médicos intervenientes informaram a Autora dos riscos da segunda intervenção cirúrgica), o consentimento é ineficaz, e assim toda a intervenção médica é tida como ilícita.
XXXIX. A doutrina portuguesa dominante concorda que o ónus da prova da existência de esclarecimento recai sobre o médico ou sobre a instituição de saúde.
XL. O consentimento funciona como uma causa de exclusão da ilicitude, pelo que “a prova dos factos impeditivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”, isto é, o ónus da prova do consentimento, como causa de exclusão da ilicitude, cabe ao médico (art. 342º, n.º 2 do CC).
XLI. O Tribunal a quo justificou não ter havido violação das leges artis com o facto de não se ter apurado como a lesão do nervo radial foi feita nem quem foi o seu agente.
XLII. O agente perpetuador do facto não foi identificado, mas terá sido um (ou mais que um) entre o Interveniente Dr. CM, o médico ortopedista Dr. MC, enfermeiros ou outro profissional médico.
XLIII. Todos eles funcionários/colaboradores do Réu HUC, já que nunca foi alegado que alguém estranho ao Hospital tenha estado presente e intervindo na intervenção cirúrgica.
XLIV. O DL 48051, de 21 de Novembro de 1967, não exige a concreta identificação do agente, mas que esse agente esteja inserido na estrutura do ente público e tenha praticado o facto suscetível de causar o dano em nome e em representação do ente público.
XLV. Constando do relatório pericial que a equipa cirúrgica não se terá apercebido da ocorrência do evento danoso durante o acto cirúrgico, é de concluir que o agente agiu com “culpa leve”, devendo o Réu HUC ser condenado no pagamento da indemnização devida à Autora.
XLVI. O Interveniente Dr. CM ao não ordenar a realização do electromiograma decorridos que estavam 20 dias após os sinais de lesão, contribuiu para o agravamento dos danos da Autora.
XLVII. Ficaram provados os danos não patrimoniais alegados pela Autora (ponto 78 a 100) e aqueles que agora se aditam, os quais merecem a tutela do Direito.
XLVIII. A quantificação do valor indemnizatório dos danos feita pela Autora no seu petitório mostra-se adequada e proporcional ao dano em si, pecando, aliás, por defeito.
XLIX. Deverá, assim, o Réu HUC ser condenado ao pagamento à Autora da quantia indemnizatória a título de danos não patrimoniais:
- € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de danos sofridos durante os tratamentos a que foi sujeita na sequência da lesão que lhe foi provocada na segunda operação;
- € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de dano estético;
- € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) a título de dano de afirmação pessoal;
L. No valor global de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).
LI. Deverá, ainda, o Réu HUC ser condenado ao pagamento à Autora da quantia indemnizatória, a título de danos patrimoniais, no valor global de € 481.463,85 (quatrocentos e oitenta e um mil, quatrocentos e sessenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos).
LII. Montantes os quais se mostram adequados e proporcionais à alteração que a vida profissional da Autora sofreu com a lesão do nervo radial que resultou da intervenção cirúrgica, sendo sempre devidos, mesmo que título de equidade.
Assim se fazendo JUSTIÇA!
*
FMFM e AACL, Intervenientes nos autos, juntaram contra-alegações, concluindo:
1) A sentença recorrida não apresenta qualquer erro de julgamento de matéria de facto provada e não provada;
2) Rejeita-se qualquer alteração ao ponto 57 dos factos provados, que deve manter a redacção que lhe foi conferida pelo Tribunal a quo;
3) O que se extrai do depoimento da testemunha Dr. LN deve ser interpretado conjuntamente com o depoimento do Interveniente Dr. CM mas também com o depoimento da testemunha Dr. JQ, bem como o processo clínico junto aos autos;
4) Donde se infere que é possível situar o momento ideal para se realizar um electromiograma num paciente em situações similares à da Recorrente, num lapso de três meses após a lesão.
5) Rejeita-se que os Factos dados como Não provados em A e J foram erradamente julgados, pois tal qualificação deriva da aplicação do regime jurídico do ónus da prova (artigo 342.º do Código Civil), segundo o qual a Autora tem a obrigação de provar os factos por si alegados.
6) O Julgador aprecia livremente as provas produzidas na instrução, incluindo os registos clínicos e os depoimentos de várias testemunhas, que não corroboram a alegação da Autora.
7) Não deve ser dado como provado o ponto F da factualidade não provada, pois, a Autora não conseguiu apresentar prova suficiente da concreta intensidade de dor que sentira naquele momento, sendo insuficiente a prestação do seu depoimento sem que exista qualquer corroboração no processo clinico.
8) O regime jurídico aplicável aos facto em juízo é o da responsabilidade civil extracontratual do Estado e a dos seus agentes, (Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967).
9) Assim, devem ser tiradas as devidas ilações em termos de ónus da prova, de forma concordante com tal Regime. Regime que é muito claro, ao remeter para o artigo 4.º, n.º 1 a aferição da culpa dos titulares dos órgãos ou agentes à luz do artigo 487.º do Código Civil. O qual dispõe que o ónus de provar tais requisitos cumulativos conformadores de responsabilidade civil extracontratual por danos deve ser feito pelo lesado desses mesmos danos, ou seja, pela ora Recorrente.
10) A Recorrente não conseguiu fazer prova dos mesmos, nem quanto à parte demandada HUC, nem quanto aos restantes Intervenientes médicos.
11) O momento em que os ora Apresentantes contactaram com a Recorrente e praticaram actos médicos na sua pessoa, cinge-se à intervenção cirúrgica do dia 30 de Janeiro de 2001, na sequência do diagnóstico de refractura.
12) Tal cirurgia consistia na colheita de enxerto cortiço-esponjoso do ilíaco esquerdo, extracção da placa de osteossíntese, osteossíntese com placa DCP de dez orifícios, aplicação de enxertos, sutura e, por fim, a aplicação de tala gessada posterior.
13) Ficou provado que no Bloco Operatório actuavam duas equipas médicas, cada uma com o seu acto cirúrgico distinto.
14) Os ora Apresentantes constituíam a equipa que colheu o enxerto do osso ilíaco, sendo o Dr. FFM o cirurgião principal, e o Dr. AL, o ajudante.
15) Após a extracção, foi atribuída aos dois a função de ajudar a equipa dos também Intervenientes Dr. CM e do Dr. MC.
16) Mas como nunca tiverem nenhuma intervenção directa no braço da Autora, pode concluir-se, sufragando a sentença, que “não realizaram qualquer acto cirúrgico na zona onde emergem as lesões que fundamentam o pedido indemnizatório formulado nos presentes autos”.
17) Por isso, nenhum dos danos invocados lhes pode ser imputado, desde já porque, além de não ter ficado provada a ilicitude deste acto médico e a alegada culpa, a verdade é que não resultou qualquer complicação da colheita do enxerto do ilíaco para a saúde da Recorrente.
18) A Recorrente também não conseguiu provar o requisito do nexo de causalidade adequada entre facto e dano, no que aos ora Apresentantes diz respeito, pelo que nenhuma responsabilidade lhes pode ser assacada aqui, ou em qualquer outra instância.
19) Todos os médicos intervenientes agiram sem culpa, com diligência e no profundo respeito pelas leges artis.
20) A prova da ilicitude e culpa da conduta não tem de ser repartida ou invertida em desfavor dos demandados pelo facto de serem médicos com a especialidade médica de Ortopedia: esta solução viola o disposto no regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e a dos seus agentes, (Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967).
21) O artigo XXII das Conclusões de Recurso reproduz um excerto da sentença que não dá como concretizados esses factos, mas sim aponta exemplos de escola de hipotéticas complicações médicas passíveis de levar, em teoria, a um dano desta natureza no bloco operatório! O que é manifestamente diferente de concluir, por si só e sem provas, que todos os presentes no Bloco Operatório no dia 30 de Janeiro de 2001 são responsáveis pelo mesmo pela circunstância de estarem lá presentes.
22) In absentiam, não pode presumir-se, simplesmente, que a responsabilidade impende sob o médico (ou os médicos) presente no Bloco Operatório, pois ficou provado que todos actuaram sem culpa e com a diligência requerida, mesmo ante o aparecimento de complicações.
23) Diga-se, desde já, que a própria Recorrente ao abandonar voluntariamente e sem o aval dos seus médicos, as sessões de fisioterapia que lhe foram prescritas para a recuperação funcional da mão, também contribuiu para a gravidade das lesões que articulou no petitório.
24) A recusa em ser uma colaborar com os seus médicos foi um factor concomitante para a produção dos danos invocados, o que prejudicou o conhecimento, por parte do Tribunal, da extensão do nexo de causalidade entre facto e dano.
25) Desde já, é falso que assim tenha sido os ora Apresentantes (e, pelo que se pôde apurar das práticas hospitalares do réu HUC, todos os Intervenientes) sempre esclareceram e responderam devidamente a todas as dúvidas da Recorrente, tal como fazem com todos os utentes.
26) Não se reconhece qualquer ineficácia ou vicio ao consentimento prestado, posto que foram cumpridos os deveres de informação a que se encontram adstritos.
27) Dispondo o artigo 5.º do Código de Processo Civil (doravante, CPC), no n.º 1 que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas”, o que daqui se extrai é que o Julgador não pode conhecer oficiosamente factos essenciais que não tenham sido alegados no petitório.
28) Caso tivesse sido alegado, os Réus teriam tido oportunidade para contraditar e o tribunal a quo para se pronunciar. Se a Autora não o fez, não se perspectiva como pode agora, passados quase vinte anos da prática dos factos, o Tribunal ad quem apreciar tal situação.
29) Mais se refira, na mera hipótese de se considerar como apreciável nesta sede esta causa de pedir, sempre se dirá que o pedido de indemnização por danos decorrentes de suposta falta de dever de informação e consequente ineficácia de consentimento informado, não aparenta ter qualquer nexo de causalidade adequada com os danos invocados.
30) Pelo que, não reflectindo o quantum esta realidade, não se compreende exactamente o que pretendeu aqui a Recorrente enxertar na acção.
TERMOS EM QUE:
Deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida, quanto aos Apresentantes e restantes Réus.
ASSIM FARÃO JUSTIÇA!
*
O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
*
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. A Autora nasceu em 4 de Junho de 1951;
2. É farmacêutica e especialista em análises químico-biológicas (análises clínicas);
3. A Autora foi proprietária e diretora técnica, até ao ano de 2015, da Farmácia Progresso sita no L…;
4. A Autora foi proprietária, até ao ano de 1996, de um laboratório de análises clínicas em Montemor-o-Velho;
5. No dia 28 de Dezembro de 2000 a Autora foi transportada ao serviço de urgência dos HUC e apresentava as seguintes lesões do ponto de vista ortotraumatológico: fratura da diáfise do rádio direito, traumatismo da face com ferimento dorsal a nível do nariz;
6. A fratura da diáfise do rádio do braço direito que a Autora apresentava quando foi internada nos HUC não tinha quaisquer complicações;
7. No serviço de urgência bloco operatório procedeu-se à redução da fratura e osteossíntese com placa DCP de 6 furos e sutura do ferimento a nível do dorso do nariz, não tendo sido aplicada nem tala, nem gesso à Autora;
8. A intervenção referida em 6 foi realizada pelo médico ortopedista JMSGF e AJSP, na qualidade de ajudante;
9. A Autora ficou internada no Sector Ortopedia 1 Mulheres, onde prosseguiu tratamento pós-operatório;
10. O Dr. AL era responsável, ao tempo, do Serviço de Ortopedia 1 Mulheres, onde a Autora esteve internada, medicada e tratada;
11. O Dr. AL desempenhava funções de responsável administrativo, que não de responsável clínico, no serviço de Ortopedia 1;
12. Após a intervenção cirúrgica a que foi sujeita a Autora apresentava mobilidade dos dedos e da mão direita, sem qualquer limitação;
13. A partir da cirurgia de 28 de Dezembro de 2000 os Drs. JF e AP não voltaram a ter contacto com a Autora;
14. A placa colocada em 28 de Dezembro de 2000 permitia uma osteossíntese estável, sem necessidade de qualquer contenção externa;
15. A Autora teve alta no dia 29 de Dezembro de 2000 com a seguinte orientação: voltar a este serviço em 03/01/2001 para remoção dos pontos da sutura a nível do dorso do nariz; ser observada em consulta externa deste serviço;
16. Os problemas com a colocação da placa DCP e/ou dos parafusos dão lugar a uma desmontagem de osteossíntese;
17. Em 29 de Janeiro de 2001 foi reinternada no Serviço de Ortopedia, com diagnóstico de refractura do rádio direito, nos termos da inscrição no Diário Clínico referente ao internamento desse dia que constitui fls. 21 e 22 do processo clínico e aqui se dá por reproduzida;
18. O traço de fratura rádio direito apresentava um prolongamento do traçado, em relação à anterior fratura, acima e abaixo da placa que lhe foi aplicada no dia 28 de Dezembro de 2001;
19. O diagnóstico de refractura é diferente do diagnóstico de desmontagem do material de osteossíntese;
20. Depois de solicitados exames vários, nomeadamente, “ECG, Rx braço e análises” foi a Autora tratada com “tala antálgica”, sendo-lhe prescrita, como orientação terapêutica a prosseguir, “m. elevado, gelo” e orientada para a Ortopedia dos H.U.C., internamento a 29/01, ao cuidado do Dr. CM;
21. Na véspera da cirurgia de 30 de Janeiro de 2001, a Autora foi preparada pela enfermeira na zona de extração da peça a enxertar (face interna do ilíaco esquerdo) e, conforme prossegue a descrição de enfermagem desse dia, apresentava-se “consciente, colaborante e autónoma” e, inclusive, tinha medicação domiciliária de que ela própria se auto-responsabilizou;
22. Após realização de exames laboratoriais (análise de rotina), ECG e estudo radiológico, foi submetida a intervenção cirúrgica em 30 de Janeiro de 2001, tendo-se procedido a colheita de enxerto cortiço-esponjoso do ilíaco esquerdo, extração da placa de osteossíntese, osteossíntese c/placa DCP de 10 orifícios, aplicação de enxerto, suturas e tala gessada posterior, e pedido Rx e hemograma, tudo nos termos constantes de fls. 22 e 25 do Processo Clínico, que aqui se dá por reproduzido;
23. Aquando do exame da paciente prévio à intervenção cirúrgica a que foi submetida em 30 de Janeiro de 2001, foram designadas duas equipas a operar simultaneamente: a que trabalharia na zona afetada, constituída pelo Dr. CM, tendo como ajudante o Dr. MC e a que procederia à recolha do enxerto, constituída pelo Dr. FFM, tendo como ajudante o Dr. AL;
24. Como a equipa liderada pelo Dr. FFM efetuou a colheita do enxerto antes daquela a que pertencia o Dr. CM terminar o seu trabalho, aquele passou a colaborar com esta, passando o Dr. AL a 2º ajudante e o Dr. FFM a 3º ajudante, sendo que estes dois últimos não tiveram intervenção direta no ato cirúrgico que incidiu sobre o braço direito da Autora;
25. A intervenção cirúrgica descrita foi chefiada pelo Dr. CM, que lhe pediu para fazer o gesto de boleia e mexer os dedos após a operação;
26. Logo após a operação a Autora deu-se conta que não mexia os dedos e alertou de imediato o Dr. CM para esse facto;
27. A Autora não conseguia fazer o gesto de boleia;
28. O nervo radial foi manipulado (tocado) no decurso da operação, uma vez que este se atravessa na zona da lesão, onde se teve de executar trabalhos de reconstrução do osso fraturado;
29. Na cirurgia é natural acontecer, sendo muitas vezes inevitável, que o nervo seja tocado para o afastar e possibilitar a intervenção e correção da lesão, que seja excessivamente apertado pelos garrotes ou pelos afastadores ou por algum dos topos ósseos durante as manobras de redução e estabilização;
30. E nestas circunstâncias, também são normais as consequências de limitação da extensão dos dedos da mão no pós-operatório;
31. A lesão nervosa do nervo radial tem efeitos motores imediatos;
32. A lesão do nervo radial não é detetável à vista desarmada no decurso da cirurgia, não havendo sinais de que este tivesse qualquer lesão durante a cirurgia;
33. O processo de inflamação, que levou à falência do mesmo, é um processo longo, que só é detetável pelos sinais reflexos que deixa – redução da mobilidade dos dedos;
34. Logo após a segunda operação, ao pedir que a Autora fizesse a extensão dos dedos e polegar, o Dr. CM detetou a existência de sofrimento do nervo radial;
35. Situação que é possível acontecer no pós-operatório, quando o nervo é manipulado;
36. Nestas circunstâncias, controla-se a evolução da situação recorrendo a exames complementares (electromiograma), e pede-se a colaboração da medicina física de reabilitação no sentido de não deixar atrofiar a musculatura e de fazer a estimulação elétrica do nervo;
37. Em muitos casos, o nervo recupera, noutros casos a recuperação não se verifica, sendo impossível determinar as razões;
38. As lesões iatrogénicas do nervo radial são lesões descritas como mais frequentes após cirurgia de fratura ou de desmontagem, mas não são frequentes embora sejam lesões referidas;
39. De entre as lesões nervosas existem três tipos: neuropraxia que corresponde a uma limitação da passagem do influxo porque o nervo foi estirado ou foi comprimido pelos edemas circundantes; axonotmese que corresponde a uma lesão intermédia na parte interior do nervo; neurotmese que corresponde à secção total do nervo sendo inexistentes os influxos nervosos;
40. A lesão da Autora, no pós-operatório, era compatível com uma neuropraxia que podia ser recuperável ou reversível com a realização de fisioterapia, cujo sucesso depende também da colaboração da doente;
41. A axonotmese recupera com fisioterapia e a neurotmese recupera apenas com intervenção cirúrgica;
42. A Autora teve alta em 2 de Fevereiro de 2001 com a seguinte orientação terapêutica a prosseguir: retirar pontos de sutura decorridos 15 dias do pós-operatório, ser observada em consulta externa deste Serviço;
43. Quinze dias depois foram-lhe retirados os pontos de sutura e a tala gessada e foi ainda imobilizado o braço, com tala articulada com elásticos;
44. A tala articulada é uma tala de posição que permite a mobilização ativa e passiva dos dedos e os movimentos de extensão evitando, assim, a atrofia dos dedos e a rigidez articular dos membros e o encurtamento dos músculos e tendões promovendo a estimulação do próprio nervo de forma a viabilizar uma recuperação mais rápida;
45. A Autora utilizou durante pouco tempo a tala articulada com elásticos, o que pode agravar a lesão;
46. O relatório hospitalar de 28 de Março de 2001 referia o seguinte: “os exames radiológicos realizados apresentavam fratura alinhada com calo ósseo em formação. O exame clínico apresentava diminuição das mobilidades, principalmente a extensão dos 4.º, 5.º dedos e polegar. Prescrito programa de fisioterapia”;
47. Tal relatório omite o exame realizado pelo Dr. N...;
48. Admitida à consulta de medicina física e de reabilitação do Dr. LAR em 29 de Março de 2001, este realizou exame clínico-funcional da Autora, e ponderados os elementos constantes do referenciado processo clínico, bem como o relato da doente, constatou a existência de “mão pendente” à direita, ou seja, défice da força; muscular ativa da extensão do punho, bem como défices de extensão ativa (voluntária) dos dedos, muito especialmente do 1º dedo; uma área de hipostesia (diminuição de sensibilidade) na zona dorsal da base desse mesmo dedo, tendo, desde logo, concluído que este mesmo quadro clínico-funcional de paralisia parcial da mão era compatível com lesão do nervo radial;
49. O referenciado exame revelou, ainda, a existência de limitações (rigidez) nas articulações do punho, da mão e dos dedos, nomeadamente limitação na extensão completa passiva do 1º dedo; limitação nos movimentos passivos completos do punho (rigidez do punho), com compromisso dos movimentos de flexão e extensão; e limitação na realização completa do movimento passivo de pronação (rotação interna do antebraço e mão);
50. Tais limitações foram resultado de um compromisso articular, direta e necessariamente decorrente do período de imobilização (58 dias) a que a Autora esteve sujeita por via da aplicação de aparelho de gesso e tala articulada, a qual lhe tinha sido retirado no dia anterior ao da primeira consulta de medicina física e de reabilitação;
51. Qualquer que fosse o grau de gravidade da lesão do nervo radial, face aos sinais clínicos que seguramente a indiciavam e até decisão terapêutica definitiva por parte do serviço de ortopedia, sempre resultaria necessário e útil intervir com as medidas prescritas, ou seja, mobilização articular ativa assistida e passiva do punho e dedos da mão direita; alongamento dos músculos flexores dos dedos com particular atenção ao polegar; e colocação de tala de postura para mão radial (punho em posição de função – extensão de + - 30º e dedos sustidos por meios elásticos em extensão);
52. Tendo em vista, essencialmente, prevenir as complicações resultantes da indiciada lesão nervosa, nomeadamente de natureza articular (contracturas/rigidez) ou músculo-tendinosas (atrofias e encurtamentos dos flexores) era necessário despertar e fortalecer a contração voluntária dos músculos enfraquecidos ou paralisados e garantir a recuperação e manutenção das amplitudes articulares;
53. Observada em consulta a 23 de Maio de 2001, embora apresentasse boa recuperação articular e melhoria da força de extensão do punho, a Autora mantinha fraca recuperação motora de extensão dos dedos, pelo que o Dr. LAR lhe deu instruções para se apresentar no serviço de ortopedia e prescreveu a realização de mais quinze sessões de fisioterapia, a realizar duas vezes por semana, as quais não foram realizadas pela Autora;
54. A Autora, por via da mobilização articular e dos alongamentos dos flexores a que foi sujeita, recuperou da rigidez articular dos dedos e do punho e acautelou a instalação de novas limitações articulares; evitou o encurtamento dos flexores dos dedos, salvo, em ligeiro grau, no que diz respeito ao flexor do primeiro dedo; fortaleceu a extensão do punho; obteve ganhos significativos na pronação; e aumentou a funcionalidade de preensão com uso de tala;
55. A Autora foi submetida a um exame consistindo num eletromiograma, que foi realizado nos HUC pelo Dr. N... em 4 de Abril de 2001;
56. O eletromiograma referido em 55 referia lesão em continuidade, o que significa que o nervo não estava seccionado nem morto;
57. O eletromiograma deve ser feito cerca de dois ou três meses após os primeiros sinais de lesão, mas nunca antes de decorridos vinte dias;
58. Enquanto a Autora tinha o gesso e a tala articulada era impossível realizar o eletromiograma;
59. No dia 6 de Junho de 2001 a Autora realizou um segundo eletromiograma cujo diagnóstico foi de que se mantinham os sinais de lesão do nervo radial direito, sensitivo-motora, sem evolução significativa em relação ao exame realizado no dia 4 de Abril de 2001;
60. Em 18 de Junho de 2001 foi internada no Serviço de Ortopedia, com o seguinte diagnóstico: Lesão do nervo radial à direita;
61. Após realização de exames laboratoriais (análise de rotina), ECG e estudo radiológico foi submetida a intervenção cirúrgica em 19 de Junho de 2001, tendo-se procedido a neurolise (libertação do nervo); extracção de placa DCP e parafusos; visualização do radial e transferência tendinosa do cubital para extensores e flexor curto do 4.º para extensor do polegar e imobilização com tala gessada;
62. Aquando desta última intervenção, realizada pelo Dr. JQ, o nervo radial da Autora estava já necrosado, foi efetuada transferência tendinosa do cubital para extensores e flexores do 4 dedo para extensor do polegar;
63. Desde 30 de Janeiro de 2001 que a Autora inicia um quadro de sofrimento do nervo radial motor, quadro esse comprovado por sucessivos EMG (eletromiograma), e que leva à intervenção de 19.06.2001;
64. A Autora teve alta da enfermaria em 21 de Junho de 2001 com a seguinte orientação terapêutica a prosseguir: Manter imobilização; Retirar pontos de sutura decorridos 15 dias do pós-operatório; Iniciar programa de fisioterapia; Ser observada em consulta externa deste Serviço em 03.07.2001, cuja observação não consta do processo clínico;
65. Após ter tido alta da enfermaria em 21 de Junho de 2001, foram-lhe retirados os pontos passados quinze dias;
66. Após alta da enfermaria em 21 de Junho de 2001, iniciou programa de fisioterapia (terapia ocupacional), que lhe fora aconselhado, que se prolongou até 21 de Agosto de 2001;
67. Tendo sido - após a última cirurgia e após período de imobilização apropriado - reenviada pelo médico ortopedista ao serviço de Medicina Física e de Reabilitação para realizar de novos tratamentos de reabilitação foi observada pela Dra. Celeste Gonçalves em 30/07/2001, e foram-lhe prescritos tratamentos para recuperação das mobilidades e para efetuar reeducação neuro-motora;
68. Neste tipo de lesões do nervo radial, na maior parte das vezes a recuperação é espontânea, ao fim de algum tempo – meses – sendo ajudada com adequada terapêutica de fisioterapia que lhe foi prescrita e administrada;
69. A fisioterapia é essencial para evitar a atrofia dos músculos e tendões e era essencial à recuperação da Autora;
70. A recuperação motora que motivou a intervenção cirúrgica descrita no ponto 61 dependia da realização de tratamentos de fisioterapia;
71. A Autora reiniciou os tratamentos de fisioterapia no dia 7 de Agosto de 2001 tendo-os realizado até ao dia 21 de Agosto de 2001 e, a partir dessa data, pese embora tivesse previstas vinte sessões, abandonou os tratamentos não mais compareceu no Serviço de Medicina Física e Reabilitação dos HUC;
72. A interrupção do tratamento pode agravar as sequelas e limitações articulares, designadamente pelo aumento da rigidez dos membros e debilidade dos movimentos;
73. A Autora foi casada com o Prof. Dr. CS (Chefe de Serviço de Gastroenterologia dos HUC) que, pessoalmente, acompanhou todo o processo de intervenções e tratamentos da Autora;
74. Por essa circunstância, a Autora teve, para além dos cuidados e atenções normais nos H.U.C. em situações similares, a atenção habitual do corpo médico e de enfermagem ministrada a uma doente que é ex-esposa de um colega que pessoalmente a acompanha devido ao bom relacionamento entre ambos;
75. Já antes de Janeiro de 2001 está relatado na sua história clínica que a Autora tinha antecedentes pessoais devido a “doença nervosa medicada” com prescrição médica específica de tratamento psiquiátrico, nomeadamente devido a ansiedade e depressão;
76. A Autora foi submetida a exame médico-legal no Instituto de Medicina Legal de Coimbra, que elaborou o relatório junto com a petição inicial sob documento nº 9 e cujo teor aqui se reproduz;
77. Posteriormente, em 13 de Setembro de 2004, Autora foi sujeita a exame complementar psiquiátrico no Instituto de Medicina Legal de Coimbra, que elaborou o relatório junto com a petição inicial sob documento n.º 11 e cujo teor aqui se reproduz;
78. A Autora ficou com braço direito desfigurado e viu afetada de maneira grave a sua capacidade de trabalho e a possibilidade de utilizar o corpo;
79. Estabilizadas as lesões, a Autora ficou definitivamente afetada com as seguintes sequelas: a mão direita ligeiramente atrófica com desvio radial, dedos em ligeira flexão, o polegar limitado na extensão, limitação das mobilidades do punho em todos os movimentos e falta de força na mão e antebraço. Por outro lado, os exames radiográficos evidenciam pseudartrose do rádio e subluxação da articulação radiocubital distal sendo também visível osteopenia ao mesmo nível e sinais de artrose rádio cárpica; flexão, o polegar limitado na extensão, limitação das mobilidades do punho em todos os movimentos e falta de força na mão e antebraço. Por outro lado, os exames radiográficos evidenciam pseudartrose do rádio e subluxação da articulação radiocubital distal sendo também visível osteopenia ao mesmo nível e sinais de artrose rádio cárpica;
80. Entretanto, a Autora começou a apresentar sintomas de ansiedade e depressão, tendo sido examinada por médica especialista em psiquiatria que emitiu o relatório que foi junto sob documento nº 10, com a petição inicial;
81. Em consequência das sequelas de que ficou portadora, a Autora não consegue desempenhar a sua profissão de analista, pois é dextra;
82. E não consegue pipetar;
83. Nem manipular produtos químicos ou reagentes e os aparelhos de análise;
84. Não pode escrever;
85. A Autora, durante um período de tempo que não se conseguiu determinar, não pôde conduzir tendo sido, nessas ocasiões, transportada pelo filho ou por táxi;
86. Quanto à sua atividade profissional de farmacêutica, a Autora não pode exercer quaisquer atividades de natureza laboratorial de preparação e manipulação de produtos;
87. Não pode igualmente aviar os clientes, por não poder efetuar as operações manuais atinentes a tal atendimento, mormente cortar as etiquetas das embalagens e colá-las no receituário;
88. Está afetada de uma incapacidade permanente global fixável em 70%;
89. Os tratamentos, intervenções, internamentos a que foi sujeita, provocaram-lhe dores, sofrimento, incómodos e fobias;
90. E angústia e ansiedade na perspetiva de uma total recuperação, que nunca aconteceu;
91. Sendo o quantum doloris durante esse período classificado de importante dentro do escalonamento seguinte: 1.Muito ligeiro; 2. Ligeiro; 3. Moderado; 4. Médio; 5. Considerável; 6. Importante; 7. Muito Importante;
92. A Autora ficou esteticamente afetada de forma grave e irremediável pois a mão e o braço ficaram deformados, inertes e com um aspeto feio;
93. A Autora, com cerca de 50 anos, não sofria de qualquer defeito ou mazela;
94. Tal dano estético dificulta-lhe o seu convívio social e afetivo, o contacto com público e com os clientes, tudo lhe causa tristeza e angústia;
95. Sendo tal dano estético classificado de importante, de acordo com a escala referida supra;
96. As sequelas referidas impedem a Autora de executar diversas atividades da vida diária, tais como: comer de faca e garfo, escrever, conduzir, apertar fechos, colocar bijutaria;
97. E dificultam enormemente outras tarefas como seja, tomar banho, vestir-se, pentear-se, maquilhar-se;
98. Bem como realizar algumas tarefas inerentes ao trabalho doméstico, tais como cozinhar e passar a ferro;
99. A impossibilidade de conduzir impediu-a de se deslocar quando queria e necessitava, colocando-a na dependência de familiares e amigos;
100. O que lhe causou um dano de afirmação pessoal considerável, na mesma escala supra referida;
101. A Autora era titular de um seguro de acidentes pessoais e, no cumprimento do acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Outubro de 2009, junto com a réplica, e cujos termos e fundamentos aqui se dão por integralmente reproduzidos, a APCS pagou à Autora a quantia de 119.711,50 €, acrescida de juros de mora;
102. À data dos factos em discussão nos autos vigoravam os contratos de seguro de responsabilidade civil profissional – médicos celebrados entre a APCS, S.A. e os intervenientes JMF, AJSP, LJLAR e JMCM, titulados, respetivamente, pelas apólices nº 9xxx0, 9xxx3, 9xxx7 e 9xxx4, juntas com a contestação da APCS e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
X
Em sede de factualidade não provada o Tribunal exarou: Com interesse para a decisão do mérito da causa não se deram como provados os seguintes factos:
A. A intervenção cirúrgica do dia 28 de Dezembro de 2000 foi chefiada pelo Dr. AL;
B. Deveria ter sido acautelada a cirurgia de 28 de Dezembro de 2000 com a aplicação de gesso ou pelo menos uma tala, acautelando-se desta forma a possibilidade de deslocamento do material aplicado, que veio a verificar-se;
C. A Autora foi de novo assistida nos HUC onde se constatou a refratura do rádio em consequência de se terem desapertado os parafusos do DCP;
D. A intervenção cirúrgica de 30 de Janeiro de 2001, referida em 7, foi efetuada pela equipa constituída por Dr. JMCM, Dr. ACL e Dr. JMF;
E. Ou intervieram nela o Dr. CM tendo como 1º ajudante o Dr. FM, 2º Ajudante o Dr. AL e 3º Ajudante o Dr. MC;
F. Em 29 de Janeiro de 2001 a Autora sofreu uma dor intensa;
G. A 25 de Janeiro de 2001 a Autora é observada no Serviço de Urgência dos HUC pelo Dr. JP que, verificando a desmontagem da placa DCP, que se verificou no período em que a Autora esteve em casa, aplica tala antálgica e remete a doente ao serviço de Ortopedia 1 no dia 29 de Janeiro de 2001, ao cuidado do Dr. CM;
H. Quando a Autora deu entrada no Serviço de Urgência dos H.U.C., novamente, no dia 25 de Janeiro de 2001, foi-lhe diagnosticada “Refractura do rádio Dto” decorrente de uma nova lesão – novo acidente – revelado no RX efetuado na urgência desse dia;
I. Essa “refractura” consistiu em duas fraturas novas, sendo uma no sentido oblíquo/longitudinal e outra no sentido transversal na região do 1º parafuso proximal da placa DCP e que tudo levou à parcial desmontagem (desafixação) proximal do material de osteossíntese;
J. No dia seguinte à intervenção cirúrgica de 30 de Janeiro de 2001 a Autora voltou a queixar-se ao Dr. CM que estava com dores muito fortes e que não conseguia mexer os dedos;
K. Tendo este insistido com ela para mexer os dedos e fazer o gesto de pedir boleia, o que, mais uma vez, não conseguiu;
L. Antes da segunda intervenção, os médicos intervenientes na cirurgia disseram à Autora que a intervenção que iam efetuar era igual à que haviam realizado anteriormente;
M. Só depois da operação é que lhe explicaram que tinham feito um enxerto com material ósseo retirado do ilíaco;
N. Quinze dias após alta da cirurgia de 30 de Janeiro de 2001 a Autora, quando foi retirar os pontos, mais uma vez voltou a queixar-se de fortes dores e de que não conseguia mexer os dedos, mas não foi dada nenhuma resposta às suas queixas apenas tendo-lhe sido dito para ir retirar o gesso no dia 28 de Março de 2001;
O. Nesta data, dia 28 de Março de 2001, a Autora dirigiu-se ao Serviço para retirar o gesso, e depois da enfermeira o ter cortado, o Dr. CM, exclamou “não pode ser, você não abre a mão, temos aqui um problema, e um problema dos grandes”;
P. No eletromiograma realizado no dia 4 de Abril de 2001, que foi realizado nos HUC pelo Dr. N..., foi detetada a “falência” do nervo radial, estando nesta data o nervo “morto” o que ocorrera necessariamente por causa da intervenção cirúrgica realizada em 28 de Janeiro de 2001 na qual o nervo foi seccionado pela equipa cirúrgica ou foi excessivamente apertado pelo material de osteossíntese aplicado por aquela equipa, e em consequência de tal excessivo aperto o nervo deixou de funcionar e deteriorou-se;
Q. O relatório do exame referido em 55 nunca foi enviado ao Dr. LAR;
R. O Dr. CM não viu o exame eletromiograma realizado no dia 4 de Abril de 2001, que foi realizado nos HUC pelo Dr. N..., ou não o interpretou corretamente e prescreveu à Autora fisioterapia, tratamento incompatível com a lesão do nervo radial;
S. A Autora apresentava total imobilidade da mão e dos dedos;
T. A sua mão “virava ao contrário”;
U. A mão virava-se ao contrário, apresentava nódoas negras e arroxeadas, edemas e frialdade, ou seja, estava cianosada;
V. Em 17 de Junho de 2001, a Autora encontrou um médico conhecido a quem referiu as suas queixas e que ao ver a mão da Autora lhe disse que a situação era gravíssima e para estar no Hospital no dia seguinte;
W. Onde aquele médico falou com o Dr. CM que reconheceu que a situação da Autora se revestia de extrema gravidade, tendo nesta data examinado o eletromiograma realizado pelo Dr. N..., e verificado a falência do nervo que se verificava já à data da realização do exame;
X. O Dr. CM afirmou, quando confrontado com o médico amigo da Autora, que “as coisas tinham corrido mal” e “não se tinham apercebido dos problemas com o nervo radial”;
Y. O Dr. CM pediu então ao Dr. JQ para que este intervencionasse a Autora, mas este recusou-se inicialmente, afirmando que a situação da Autora era um “molho de brócolos”, que não tinha nada a ver com o caso e que já havia pouco a fazer, e só depois de muita insistência por parte do Dr. CM, aceitou operar a Autora;
Z. Operação que já nada pode resolver quanto à perda da funcionalidade da mão e do membro superior direito, perda funcional essa consequência direta e necessária da lesão definitiva do radial;
AA. A Autora apresenta como sequela uma “mão bota” radial;
BB. O braço e a mão da A. apresenta o aspeto e a configuração das fotografias que se juntam sob os documentos nºs 5 a 8;
CC. A Autora efetuou tratamentos de fisioterapia ocupacional durante quatro meses, sem que, entretanto, tivesse notado quaisquer melhorias;
DD. O programa de fisioterapia (terapia ocupacional), que lhe fora aconselhado, que se prolongou até 21 de Agosto de 2001, não teve quaisquer resultados no que concerne à melhoria da mobilidade da mão e dos dedos;
EE. Durante os 4 meses de tratamento de reabilitação dirigido pelo Dr. LA, este submeteu a Autora a tratamentos incompatíveis com a lesão do nervo radial, sem que igualmente tivesse detetado a gravidade da lesão, apesar das inúmeras queixas da Autora que sofria dores atrozes com os tratamentos;
FF. À data do acidente auferia o vencimento de 1.745,80€, em catorze meses por ano;
GG. Por força das lesões sofridas e tratamentos a que foi sujeita, esteve de baixa médica de 2 de Fevereiro de 2001 a 17 de Outubro de 2003;
HH. Durante este período, recebeu do Centro Regional de Segurança Social a título de subsídio de doença a quantia de 39.476,10€;
II. Durante este período de baixa, a Autora não pôde desempenhar as funções de diretora técnica tendo para tal sido obrigada a nomear uma colaboradora, a quem teve de pagar um acréscimo de vencimento de 113,00 € por mês, durante catorze meses por ano, pelo exercício de tal atividade;
JJ. Por força das limitações descritas, que a impossibilitam de exercer cabalmente as suas funções de farmacêutica e de diretora técnica, a Autora foi obrigada a contratar um farmacêutico para a ajudar e assessorar, a quem paga o salário de 1.500,00€ por mês, em catorze meses por ano;
KK. Foi o quadro psicológico da Autora – com acompanhamento médico psiquiátrico regular devido a “Doença “nervosa” medicada” – com ansiedade de que decorria o incumprimento sucessivo das prescrições efetuadas (nomeadamente da área da Medicina Física e reabilitação) que terá levado à não recuperação funcional previsível;
LL. E levou o serviço de Ortopedia (Dr. CM) a ponderar a execução da intervenção cirúrgica de 19/06/01 para reabilitação da funcionalidade da mão, com intervenção da subespecialidade Ortopédica de cirurgia da mão;
MM. A Autora não pode conduzir;
NN. A Autora está afetada de uma incapacidade permanente, parcial, global fixável em 57.5%, resultante da junção dos dois coeficientes.
E no que à motivação da factualidade tida por assente respeita consignou:
Os factos descritos nos pontos 1, 2, 5, 7, 9, 12, 17, 22, 25, 55, 60, 61, 64, 65, 76, 77, 101 e 102 correspondem à matéria de facto assente, a fls. 375 a 408 do processo físico, a qual foi devidamente notificada às partes e sobre a qual não recaiu qualquer reclamação. Foram ainda tidos em consideração factos instrumentais e concretizadores adquiridos durante a instrução que se mostraram relevantes para a decisão do mérito da causa.
No que respeita aos factos dados como provados nos pontos 6, 8, 10, 11, 13, 14, 15 e 16 o Tribunal alicerçou a sua convicção no depoimento de parte de AACL, médico e responsável administrativo do Serviço de Ortopedia 1 – Mulheres dos HUC nos anos de 2000 e de 2001. Para além deste depoimento, o Tribunal teve ainda em consideração o depoimento de parte de JMSGF e AJSP, médicos ortopedistas, que intervencionaram a Autora no dia 28 de Dezembro de 2000 e os documentos constantes de fls. 26 a 29 dos autos em processo físico e de fls. 16, 18, 19, 20, 21, 42, 71, 72, 73, 74, 89 e 90 do processo clínico.
Os factos dados como provados relacionados com intervenção cirúrgica de 30 de Janeiro de 2001, com o tipo e características da fratura, com as circunstâncias que antecederam a sua realização, com a composição da respetiva equipa médica e com as funções exercidas no ato cirúrgico por cada uma das equipas, elencados nos pontos 18, 19, 20, 21, 23 e 24 do probatório, resultaram do depoimento da Autora, do depoimento dos intervenientes AACL, JMCM e FMFM, médicos ortopedistas que intervencionara a Autora no dia 30 de Janeiro de 2001, dos documentos de fls. 5, 20, 21, 22, 26, 43, 68, 91, 93 do processo clínico e dos documentos de fls. 30 e 31 do processo físico. No que respeita aos factos referentes ao pós-operatório imediato da referida cirurgia, elencados nos pontos 26, 27 e 34 do probatório, o Tribunal apoiou-se no depoimento da Autora e do interveniente JMCM. Para prova do ponto 63 o Tribunal teve em consideração o depoimento do interveniente JMCM que foi perentório em afirmar que os primeiros sinais de lesão nervosa se manifestaram no pós-operatório imediato, o que se apresentou congruente com as conclusões do relatório pericial. Neste sentido, para prova daqueles factos, o Tribunal não teve em consideração, por contraditórios, os elementos constantes de fls. 68 e 75 do processo clínico, o depoimento da testemunha Marta da Silva Apóstolo, enfermeira que preencheu o relatório de enfermagem a fls. 75 do processo clínico, e o depoimento da testemunha JCNC, enfermeiro da Entidade Demandada.
Para prova dos factos referentes à lesão do nervo radial, às suas causas, consequências e tratamentos, elencados nos pontos 28 a 33, 35 a 41, 44, 68, 69, 70 e 72, do probatório o Tribunal alicerçou-se no depoimento do interveniente JMCM, médico ortopedista, do interveniente LJLAR, médico fisiatra que em 29 de Março de 2001 prescreveu tratamentos de fisioterapia à Autora nos serviços de medicina física de reabilitação dos HUC, da testemunha JCMQ, médico ortopedista que intervencionou a Autora no dia 19 de Junho de 2001, da testemunha FMPF, médico ortopedista e professor universitário, da testemunha FAAS, médico ortopedista, da testemunha JMPC, médico ortopedista, da testemunha FJMJ, médico ortopedista e professor universitário, da testemunha MCSG, médica fisiatra, da testemunha JJCPP, médico ortopedista, da testemunha AFGZ, médico fisiatra, da testemunha MRSRA, médico fisiatra, e da testemunha MMSCSPO, médica. As testemunhas prestaram um depoimento claro e isento de contradições, mesmo aquelas que são funcionários da Entidade Demandada, tendo concluído unanimemente no sentido de que a fisioterapia e os tratamentos que em concreto foram prescritos à Autora não só eram adequados como necessários à sua recuperação funcional. As conclusões vertidas nos referidos pontos do probatório foram ainda corroboradas pelo teor do relatório pericial a fls. 748 a 754 do processo físico, conclusões que o Tribunal, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 389.º do Código Civil, não viu razões para divergir. No que concerne especificamente ao diagnóstico das limitações da Autora, à necessidade da realização de tratamentos de medicina física de reabilitação, aos tratamentos prescritos no serviço de medicina física de reabilitação da Entidade Demandada e a sua adequação ao caso da Autora, elencados nos pontos 48 a 52 e 69 e 70 do probatório, o Tribunal teve ainda em consideração, para além do depoimento das testemunhas acima elencadas, o depoimento das testemunhas EGP e MLGM, terapeutas ocupacionais da Entidade Demandada, que acompanharam a Autora na realização dos tratamentos de fisioterapia, bem como no depoimento da testemunha MRSRA, médico fisiatra, e ainda nos elementos de fls. 9 e 14 do processo clínico. As conclusões vertidas nos referidos pontos do probatório resultaram também confirmadas pelo teor do relatório pericial a fls. 748 a 754 do processo físico. Por fim, no que concerne aos factos referentes à alta da cirurgia de 30 de Janeiro de 2001, à retirada dos pontos e ao relatório elaborado na data da retirada da tala articulada, elencados nos pontos 42, 43, 46 e 47 do probatório, o Tribunal apoiou-se sobre os elementos transcritos a fls. 5, 20, 21, 22 e 26 do processo clínico e a fls. 37 do processo físico. No que respeita especificamente aos pontos 44 e 45 do probatório, o Tribunal apoiou-se no depoimento dos LJLAR e JMCM, bem como no depoimento da testemunha JCMQ e nas conclusões da observação clínica de fls. 22 do processo clínico, em especial à referência da descida da tala articulada.
Os factos relacionados com a evolução do tratamento das primeiras sessões de fisioterapia, referidos nos pontos 53 e 54 do probatório, resultaram do depoimento do interveniente LJLAR, o qual se apresentou coerente com o documento de fls. 9 do processo clínico, e no depoimento das testemunhas EGP e MLGM, terapeutas ocupacionais da Entidade Demandada.
No que respeita à situação do nervo radial da Autora no momento da realização do eletromiograma, em 4 de Abril de 2001 e em 6 de Junho de 2001, elencados nos pontos 56 e 59 do probatório, teve-se em consideração o depoimento da testemunha LJMPN, médico neurologista, que realizou os referidos exames, bem como o depoimento dos intervenientes AACL, JMCM e FMFM, que participaram na cirurgia de 30 de Janeiro de 2001, que negaram a existência de qualquer secção do nervo radial da Autora, nos documento de fls. 40, 41, 68 e 95 do processo clínico e no relatório pericial a fls. 748 a 754 do processo físico. No que respeita ao momento em que deve ser realizado o eletromiograma, o Tribunal fundou a sua convicção, para prova dos factos elencados nos pontos 57 e 58 do probatório, no depoimento das testemunhas LJMPN, médico neurologista que realizou o referido exame, bem como no depoimento da testemunha JCMQ, médico ortopedista que intervencionou a Autora no dia 19 de Junho de 2001. As referidas testemunhas foram coerentes também com o depoimento do interveniente JMCM.
A prova dos factos relacionados com a cirurgia de 19 de Junho de 2001 e o respetivo pós-operatório, com o reencaminhamento da Autora ao serviço de medicina física de reabilitação, com a realização, abandono e com as consequências do abandono das sessões de fisioterapia, listados nos pontos 62, 66, 67, 71 e 72 do probatório, resultaram do depoimento do interveniente LJLAR, do depoimento das testemunhas EGP e MLGM, terapeutas ocupacionais que preencheram os relatórios de assiduidade da Autora, e MCSG, médica fisiatra, que acompanhou a Autora nos tratamentos de fisioterapia após as intervenções cirúrgicas de 30 de Janeiro de 2001 e de 19 de Junho de 2001 e ainda nos documentos de fls. 7, 13, 23, 24 do processo clínico e de fls. 39 dos autos em processo físico. Apesar de funcionários da Entidade Demandada os seus depoimentos foram coerentes com os elementos constantes do processo clínico, bem como com o relatório pericial a fls. 748 a 754 do processo físico.
O facto relacionado com a situação psicológica da Autora antes de Janeiro de 2001, elencado no ponto 75 do probatório, resultou do documento de fls. 22 do processo clínico e das declarações da filha da Autora, SCMS. No que concerne aos factos atinentes à sua relação com a testemunha CMRS, médico aposentado e professor universitário, ao grau de envolvimento deste nos procedimentos médicos a que foi sujeita a Autora, elencados nos pontos 73 e 74 do probatório, o Tribunal teve em atenção o depoimento da testemunha CMRS e dos intervenientes JMCM e LJLAR. No que toca às sequelas físicas e psicológicas decorrentes da lesão do nervo radial, elencados nos pontos 78 a 100 do probatório, o Tribunal alicerçou a sua convicção no depoimento da Autora, conjugado com o depoimento da testemunha, CMRS, médico aposentado e ex-marido da Autora, da testemunha CFMRS, filho da Autora, da testemunha SCMS, filha da Autora, da testemunha VMPCES, médico gastroenterologista e amigo da Autora, da testemunha MCFS e da testemunha DGOF, que trabalhavam na farmácia da Autora, no L…, da testemunha OASC, fisioterapeuta que prestou serviços de fisioterapia à Autora nos anos de 2010 a 2012, da testemunha MMMMLC, notária reformada e amiga da Autora, da testemunha MNBFMS, farmacêutica analista, que trabalhou com a Autora no laboratório até ao ano de 1996, e da testemunha MMSCSPO, médica. As testemunhas foram unânimes na descrição da personalidade da Autora antes e depois do ano de 2000/2001 e das sequelas físicas e psicológicas com que ficou após as sucessivas intervenções cirúrgicas a que foi sujeita no final do ano de 2000 e no ano de 2001. O Tribunal teve ainda em consideração os documentos de fls. 42 a 58 dos autos em processo físico que corroboraram o depoimento das demais testemunhas. No que respeita especificamente aos pontos 79, 80, 88, 91, 94, 95 e 100 do probatório, o Tribunal teve ainda em conta o relatório pericial a fls. 640 a 681 do processo físico, de cujas conclusões não viu razões para divergir, os quais corroboraram o teor dos relatórios juntos com a petição inicial. Por fim, no que respeita aos factos elencados nos pontos 3 e 4 o Tribunal estribou-se no depoimento da Autora e das testemunhas MNBFMS, farmacêutica analista, que trabalhou com a Autora no laboratório até ao ano de 1996, da testemunha MCFS e da testemunha DGOF, que trabalhavam na farmácia da Autora, no L….
X
Em relação aos factos não provados o Tribunal esclareceu que baseou a sua convicção no confronto dos depoimentos das testemunhas com os demais elementos documentais juntos aos autos e com as regras da repartição do ónus da prova. No que respeita às letras A e B dos factos não provados o Tribunal alicerçou a sua convicção nos documentos constantes de fls. 26 a 29 dos autos em processo físico e de fls. 16, 18, 19, 20, 21, 42, 71, 72, 73, 74, 89, 90 do processo clínico, no depoimento do interveniente AACL, médico e responsável administrativo do Serviço de Ortopedia 1 – Mulheres dos HUC no ano de 2000 e de 2001, no depoimento dos intervenientes JMSGF e AJSP, médicos ortopedistas, que intervencionaram a Autora no dia 28 de Dezembro de 2000, no depoimento dos intervenientes JMCM, e no depoimento das testemunhas ALASFA, JNASFA, FJMJ, médicos ortopedistas. Em relação ao facto elencado na letra F não resultou provado o alegado pela Autora, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova.
Os factos não provados que se encontram listados nas letras C, D, E, I, L e M relacionados com os esclarecimentos prestados à Autora antes da cirurgia de dia 30 de Janeiro de 2001, com o diagnóstico, com os motivos da sua realização e com a composição da respetiva equipa médica resultaram do confronto entre o depoimento da Autora, dos intervenientes AACL, JMCM e FMFM, médicos ortopedistas que intervencionara a Autora no dia 30 de Janeiro de 2001, com os documentos de fls. 5, 17, 22, 25, 43, 67, 91, 93 do processo clínico e os documentos de fls. 30 e 31 do processo físico. É de ressaltar que, conforme resulta do documento de fls. 79 do processo físico, a zona do ilíaco da Autora foi preparado, na véspera da cirurgia de 30 de Janeiro de 2001, para a operação do dia seguinte o que permite concluir, conforme resultou também do depoimento da Autora e de JMCM, médico que a intervencionou, que lhe foi transmitido que também iria ser intervencionada naquela zona. Os factos dados como não provados nas letras J, K, N e O resultaram do confronto do depoimento da Autora, do interveniente JMCM e do registo constante de fls. 22 do processo clínico. Os factos não provados elencados nas letras G e H do probatório não resultaram provados por incongruentes com os elementos constantes de fls. 43 e 67 do processo clínico.
No que respeita aos factos relacionados com o eletromiograma realizado no dia 4 de Abril de 2001, elencados nas letras P e Q, o Tribunal teve em conta os documentos de fls. 40 e 41 do processo clínico e o depoimento da testemunha LJMPN, médico neurologista que realizou o referido exame à Autora, que referiu não ter resultado do referido exame que tivesse existido a secção do nervo radial ou que este estivesse clinicamente morto. Por outro lado, do depoimento dos intervenientes AACL, JMCM e FMFM, médicos ortopedistas que intervencionara a Autora no dia 30 de Janeiro de 2001, não resultou que tivesse existido uma qualquer secção do nervo radial no ato cirúrgico. No que concerne às letras R, CC, DD e EE o Tribunal considerou o depoimento dos intervenientes JMCM e LJLAR, da testemunha JCMQ, médico ortopedista que intervencionou a Autora no dia 19 de Junho de 2001, da testemunha FMPF, médico ortopedista e professor universitário, da testemunha FAAS, da testemunha JMPC, médico ortopedista, da testemunha FJMJ, médico ortopedista e professor universitário, da testemunha MCSG, médica fisiatra, da testemunha JJCPP, médico ortopedista, e da testemunha AFGA, médico fisiatra. As testemunhas prestaram um depoimento claro e isento de contradições, que mereceu a confiança do Tribunal. O depoimento dos referidos intervenientes e das testemunhas foi, de resto, contraditório com o depoimento da filha da Autora, SCMS, e CMRS, bem como com as conclusões do relatório pericial a fls. 640 a 681 do processo físico, pelo que, quanto àqueles factos o Tribunal não relevou o depoimento destas testemunhas.
No que respeita às sequelas na mão direita da Autora, elencadas nas letras S a U, AA e BB dos factos não provados, não resultou da instrução do processo, mormente do depoimento das testemunhas arroladas pela Autora e dos intervenientes, bem como dos relatórios periciais juntos com a petição inicial e a fls. 640 a 681 do processo físico que a Autora manifestasse as referidas sequelas. Por outro lado, de acordo com os documentos de fls. 9 e 22 do processo clínico não resulta que a Autora tivesse a mão direita totalmente imobilizada, conforme resultou ainda do depoimento dos intervenientes JMCM, que intervencionou a Autora no dia 30 de Janeiro de 2001 e LJLAR, médico fisiatra que em Março de 2001 prescreveu tratamentos de fisioterapia à Autora nos serviços de medicina física de reabilitação dos HUC, e do depoimento de EGP e MLGM, terapeutas ocupacionais que acompanharam a Autora nos referidos tratamentos, e ainda de MCSG, médica fisiatra, que teve intervenção na prescrição de tratamentos de fisioterapia à Autora em Junho de 2001.
No que concerne aos factos não provados elencados nas letras V, W, X, Y e Z também não resultou do depoimento do interveniente JMCM e da testemunha JCMQ, médico ortopedista que intervencionou a Autora em 19 de Junho de 2001, o alegado. No que respeita ao facto não provado indicado na letra Z, o Tribunal teve em consideração os documentos de fls. 40 e 41 do processo clínico, o depoimento da testemunha LJMPN, médico neurologista, e o depoimento da testemunha JCMQ.
Os factos não provados relacionados com a quantificação dos danos e com os períodos de baixa médica da Autora, elencados nas letras FF a JJ, resultaram de não terem sidos juntos aos autos quaisquer documentos que pudessem fazer prova do alegado, designadamente declarações de rendimentos ou contratos de trabalho que evidenciassem o montante alegado pela Autora. Por outro lado, também não foi junto aos autos qualquer comprovativo de baixa médica da Autora no período indicado ou referido durante a instrução qualquer facto, por parte da Autora ou das testemunhas, que pudesse sustentar o alegado, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 342.º do Código Civil, se deu como não provado o alegado.
Os factos não provados relacionados com a ligação entre o quadro psicológico e a falta de recuperação funcional da Autora, elencados na letra KK e LL, não resultaram do depoimento dos intervenientes, das testemunhas e dos demais elementos documentais juntos aos autos. No que respeita à incapacidade da Autora, elencada na letra NN, não resultou do relatório pericial a fls. 640 a 681 do processo físico e dos relatórios juntos com a petição inicial o grau de incapacidade alegado. Também não resultou provado o facto elencado no ponto MM, uma vez que do depoimento da testemunha SCMS resultou que a Autora presentemente conduz um carro adaptado.
Por fim, não se levaram em consideração juízos conclusivos ou de direito vertidos nos articulados.
E concluiu: não resultaram provados ou não provados outros factos com interesse para a decisão do mérito da causa.
X
Está posta em causa a sentença que ostenta este discurso fundamentador:
No caso dos presentes autos importa verificar se, em função da factualidade apurada, se encontram preenchidos os pressupostos para condenar a Entidade Demandada e os intervenientes no pagamento da quantia peticionada pela Autora, de €631.463,85 (seiscentos e trinta e um mil quatrocentos e sessenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos).
Cumpre apreciar,
De acordo com o artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa, “O Estado e as demais entidades públicas, são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias”. Do presente artigo decorre que o Estado e as demais entidades públicas, os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, deverão ser responsabilizados sempre que se verifique, no âmbito do desenvolvimento das suas atribuições, uma violação, por ação ou por omissão, de normas jurídicas ou regras técnicas da qual resultem danos para os particulares. Ora, no domínio da assistência médica e hospitalar em estabelecimento público de saúde ou equivalente a jurisprudência do STA tem rejeitado as teses contratualistas da responsabilidade. Assim, partindo do pressuposto de que a assistência médica e hospitalar é uma prestação de serviço público, embora carecida de atos de vontade do doente, como sejam a solicitação ou o consentimento, conclui-se que o seu quadro normativo haverá de ser constituído pelo diploma que regula a matéria de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas.
No plano legislativo, a responsabilidade civil extracontratual do Estado encontra atualmente consagração na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que veio positivar no sistema jurídico português o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, revogando o regime contido no Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, e os artigos 96.º e 97.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redação da Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro. No entanto, atendendo a que Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, apenas se aplica a factos geradores de responsabilidade civil ocorridos depois de 30 de Janeiro de 2008, e que os fatos em que Autora sustenta o pedido formulado nos presentes autos foram praticados em finais de 2000 e no ano de 2001, então o regime jurídico aplicável será o que decorre do disposto no Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967 e nas disposições do Código Civil que lhe sejam subsidiariamente aplicáveis.
Nas ações de responsabilidade civil regidas pelo disposto no Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, a Entidade Demandada será responsável pelo pagamento da peticionada indemnização desde que seja demonstrado que os seus órgãos ou agentes praticaram, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, atos de gestão ilícitos e culposos ou que omitiram ilícita e culposamente atos que deviam ter praticado e que foi essa conduta ou essa omissão a causa dos danos peticionados pelo autor (cf. artigo 2.º, n.º 1 e artigos 483.º e seguintes do Código Civil, bem como, a título exemplificativo, os Acórdãos do STA de 16 de Março de 1995, processo n.º 36993, de 21 de Março de 1996, processo n.º 35909, de 30 de Outubro de 1996, processo n.º 35412, de 13 de Outubro de 1998, processo n.º 43138, de 27 de Junho de 2001, processo n.º 46977, de 26 de Setembro de 2002, processo n.º 487/02, de 6 de Novembro de 2002, processo n.º 1331/02, de 18 de Dezembro de 2002, processo n.º 1683/02, de 10 de Março de 2004, processo n.º 1393/03 e de 7 de Abril de 2005, processo n.º 856/04). Nestes termos, a Entidade Demandada, e respetivos médicos, serão responsabilizados pelo pagamento da indemnização pedida pela Autora se da factualidade apurada for possível concluir que se encontram preenchidos os factos constitutivos do direito reclamado. Ou seja, para que a Entidade Demandada e os intervenientes possam ser responsabilizados caberá à Autora demonstrar e provar que, no caso concreto, os médicos violaram culposa e ilicitamente os seus deveres ou as regras que deveriam observar nas cirurgias e tratamentos que lhe foram ministrados e que foram esses atos os causadores dos danos verificados. Com efeito, tal como no regime civilístico, o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas no domínio dos atos de gestão pública pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
Vejamos,
Ilicitude
Nos termos do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, “1 – O Estado e as demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destas ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”. Por seu turno, o artigo 6.º deste diploma legal prevê que: “Para efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as regras legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.” Daqui resulta que a ilicitude se reconduz à reprovação da conduta do agente por confronto com o plano geral e abstrato da lei e abrange todas as violações do bloco de legalidade, que podem compreender normas legais, normas regulamentares ou técnicas, desde que da conduta do agente resulte uma ofensa a direitos ou interesses legalmente protegidos. Neste sentido, tem-se entendido que o “(…) conceito de ilicitude consagrado neste preceito é, pois, mais amplo que o consagrado na lei civil (vd. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10º ed., vol. II, p. 1125; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.05.1987, in Ac. Dout. 310, p. 1243 e segs.). A propósito do requisito da ilicitude refere aquele Professor na citada obra: «É necessário, em primeiro lugar, que tenha sido praticado um facto ilícito. Este facto tanto pode ter consistido num acto jurídico, nomeadamente um acto administrativo, como num facto material, simples conduta despida do carácter de acto jurídico. O acto jurídico provém por via de regra de um órgão que exprime a vontade imputável à pessoa colectiva de que é elemento essencial. O facto material é normalmente obra dos agentes que executam ordens ou fazem trabalhos ao serviço da Administração. O artigo 6º do Decreto-lei n.º 48 051 contém, para os efeitos de que trata o diploma, uma noção de ilicitude. Quanto aos actos jurídicos, incluindo portanto os actos administrativos, consideram-se ilícitos “os que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis”: quer dizer, a ilicitude coincide com a ilegalidade do acto e apura-se nos termos gerais em que se analisam os respectivos vícios. Quanto aos factos materiais, por isso mesmo que correspondem tantas vezes ao desempenho de funções técnicas, que escapam às malhas da ilegalidade estrita e se exercem de acordo com as regras de certa ciência ou arte, dispõe a lei que serão ilícitos, não apenas quando infrinjam as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis, mas ainda quando violem as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração» (…)”, (cf. Acórdão do TCA-N de 19 de Fevereiro de 2016, processo n.º 473/07).
No caso dos presentes autos, estando em causa o apuramento da ilicitude de atos médicos, impõem-se averiguar se foram alegados e provados os factos integradores da ilicitude e da culpa, aqui consubstanciados na violação das leges artis, por parte dos médicos que intervieram nos atos cirúrgicos e nos tratamentos a que foi submetida a Autora. Importa depois verificar se tais atos, ou eventuais omissões, foram também os diretos causadores dos danos peticionados pela Autora. Por isso, é determinante apurar se as leges artis que se impunham seguir no caso concreto foram efetivamente violadas pelos médicos demandados nos presentes autos, ou seja, se foi ou não cumprida a praxis que era exigível adotar nos referidos atos cirúrgicos. Neste labor, tem-se entendido que “As leges artis são regras a seguir pelo corpo médico no exercício da medicina. Umas são normas escritas, contidas em lei do Estado (Vide, por ex.o, o art. 13º do DL nº 282/77, de 5/07 (Estatuto do Médico)) e/ou em instrumentos de auto-regulação (vejam-se as prescrições do Código Deontológico da Ordem dos Médicos e as que estão vertidas em guias de boas práticas ou protocolos de actuação). Outras, na sua maioria, são regras não escritas, são métodos e procedimentos, comprovados pela ciência médica, que dão corpo a standards contextualizados de actuação, aplicáveis aos diferentes casos clínicos, por serem considerados pela comunidade científica, como os mais adequados e eficazes. (Cfr., a propósito, Sónia Fidalgo, “Responsabilidade Penal Por Negligência No Exercício da Medicina Em Equipa”, p. 74 e segs.)”,(cf. Acórdão do STA de 13 de Março de 2012, processo n.º 0477/11). Para o efeito, para se concluir pela violação das leges artis importa verificar se os profissionais que as deviam ter seguido se desviaram do padrão de atuação que os vinculava no caso concreto e se, reconstituindo o caso clínico em abstrato, a atuação concreta se adequava ou não aos ditames das referidas leges artis. No entanto, importa ter presente que no âmbito do regime legal aplicável, “Os titulares do órgão e os agentes administrativos do Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pela prática de actos ilícitos que ofendam os direitos destes ou as disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosamente. “, (cf. artigo 3.º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967). Portanto, os réus médicos só serão, no caso concreto, diretamente responsáveis perante a Autora se e na medida em que se tiver provado que a sua conduta, para além de violadora das leges artis, é também dolosa. Na verdade, apenas no caso de os médicos, na qualidade de funcionários da Entidade Demandada, terem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosamente, é que podem responder civilmente perante terceiros, sendo a sua culpa apreciada nos termos do artigo 487.º do Código Civil, tal como se prevê nos artigos 3.º, n.º 1, e 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967. A imputação este título resulta de, em ambos os casos, se estar perante atos pessoais por praticados fora do exercício de funções ou por, mesmo que praticados durante tal exercício e por ocasião dele, não sejam, todavia, praticados por causa desse exercício (cf. artigo 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967). Portanto, só nos casos de atuações funcionais dolosas é que podem os titulares do órgão ou os agentes serem solidariamente responsáveis com a pessoa coletiva.
No caso dos presentes autos a Autora imputa os danos resultantes da lesão do nervo radial direito a um conjunto de intervenções cirúrgicas que tiveram início no dia 28 de Dezembro de 2000. Conforme resulta do probatório, a primeira intervenção a que foi sujeita a Autora, no dia 28 de Dezembro de 2000, resultou de lhe ter sido diagnosticado uma fratura da diáfise do rádio direito ocorrida na sequência de uma queda. Para tratamento da referida fratura, a Autora foi intervencionada no serviço de urgência, pelos médicos JMSGF e AJSP, tendo-lhe sido aplicada na zona de fratura uma placa DCP com seis parafusos. Após ter ficado internada no Serviço de Ortopedia 1 – Mulheres, a Autora teve alta no dia 29 de Dezembro de 2000, sem que lhe tivesse sido aplicado um qualquer mecanismo de contenção externa do braço, designadamente uma tala ou gesso. Ora, conforme resultou do probatório após a realização da referida cirurgia a Autora apresentava plena mobilidade dos dedos da mão direita sem qualquer limitação o que permite concluir, tendo em conta que os efeitos motores da lesão nervosa se manifestam de imediato, que não ocorreu qualquer lesão no decurso daquela cirurgia. De facto, a existir lesão do nervo radial seria necessário que a Autora evidenciasse défices de mobilização dos dedos das mãos no momento imediato após a realização da primeira cirurgia, o que não aconteceu no caso concreto. Portanto, imputando a Autora a responsabilidade dos danos invocados à existência de uma lesão do nervo radial, então nesta data, de facto, não resultaram provados quaisquer indícios da existência de qualquer défice de mobilidade que pudesse indiciar a lesão do referido nervo. Esta mesma conclusão é confirmada pelo relatório de enfermaria da cirurgia realizada no dia 28 de Dezembro de 2000, onde se refere que a Autora não apresentava sinais de compromisso neurovascular após a cirurgia realizada no serviço de urgência e pelo relatório pericial junto aos autos. Assim, inexiste neste procedimento qualquer indício de má prática médica que permita fundamentar a ilicitude da atuação dos referidos intervenientes.
Por seu turno, no que concerne à terapêutica utilizada após a cirurgia de 28 de Dezembro de 2000, de aplicação de uma placa DCP com seis parafusos, resultou provado nos autos, designadamente através do depoimento das testemunhas e dos demais intervenientes, em particular de médicos ortopedistas, que aquela é a metodologia mais comum e mais adequada no tratamento da fratura diagnosticada à Autora naquela ocasião. De facto, conforme resultou também do relatório pericial “Na grande maioria dos casos após a osteossíntese da fratura do radio não se torna necessário proceder a qualquer contensão rígida externa nomeadamente gessada. Só em situações de osteossíntese precária ou quando a cominução da fratura é muito grande poderá justificar ao recurso a uma imobilização após cirurgia”. Assim, resultando provado que o caso da Autora não evidenciava complicações e que a osteossíntese era estável, então pode concluir-se que não foram violadas as leges artis sobre este específico aspeto. Por outro lado, conforme resultou ainda provado nos autos a Autora deu novamente entrada no serviço de urgência no dia 29 de Janeiro de 2001 com um diagnóstico de refratura do rádio direito com prolongamento do traçado em relação à anterior fratura acima e abaixo da placa que lhe tinha sido aplicada no dia 28 de Dezembro de 2000. A referida refratura, conforme resultou provado nos autos, teve origem em causas desconhecidas, uma vez que não se logrou alcançar a sua causa efetiva. Por outro lado, do depoimento do médico que intervencionou a Autora no dia 30 de Janeiro de 2001, o interveniente JMCM, a placa e os parafusos encontravam-se estáveis no momento em que removeu aquele material do braço direito da Autora. Portanto, não se pode retirar da conduta dos intervenientes, os médicos ortopedistas JMSGF e AJSP, uma qualquer atitude, dolosa ou negligente, suscetível de integrar o conceito de ilicitude por contrária às leges artis aplicáveis ao caso concreto.
Conforme já se referiu, a Autora foi submetida a uma nova intervenção cirúrgica no dia 30 de Janeiro de 2001, na sequência de diagnóstico de refratura da diáfise do rádio direito. Esta intervenção cirúrgica destinava-se à colheita de enxerto cortiço-esponjoso do ilíaco esquerdo, extração da placa de osteossíntese, osteossíntese com placa DCP de dez orifícios, aplicação de enxerto, suturas e, por fim, aplicação de tala gessada posterior. De acordo com o probatório, a intervenção cirúrgica foi composta por dois atos cirúrgicos distintos e por duas equipas médicas distintas: uma dedicada à zona da refratura e à aplicação do material de osteossíntese e outra equipa dedicada à colheita do enxerto do ilíaco. A primeira equipa era composta pelos médicos JMCM, que assumiu a qualidade de cirurgião principal, e pelo médico ortopedista MC, que assumiu a qualidade de primeiro ajudante. Por seu turno, a equipa dedicada à colheita do enxerto do ilíaco era composta pelo médico FMFM, que assumiu a qualidade de cirurgião principal, e de AACL, na qualidade de ajudante, sendo que estes, após a extração do referido enxerto, desempenharam funções de ajudantes na intervenção realizada pelos médicos JMCM e MC, sem, contudo, terem qualquer intervenção direta na zona do braço da Autora. Pode concluir-se, então, que os médicos FMFM e AACL, no âmbito da intervenção cirúrgica realizada no dia 30 de Janeiro de 2001, não realizaram qualquer ato cirúrgico na zona de onde emergem as lesões que fundamentam o pedido indemnizatório formulado nos presentes autos. De facto, dos autos apenas resultou que a intervenção na zona do braço e, portanto, na zona onde se localiza o nervo radial foi efetuada pelos médicos ortopedistas JMCM e MC. Assim, inexistindo qualquer atuação dos intervenientes FMFM e AACL suscetível de originar a lesão no nervo radial, impõem-se concluir que nenhum comportamento ilícito e censurável lhes pode ser imputado.
No momento imediato após a cirurgia realizada no dia 30 de Janeiro de 2001, apesar dos registos de enfermagem referirem que a Autora mobiliza voluntariamente os membros, a verdade é que foi detetado no pós-operatório imediato pelo médico JMCM que a Autora não fazia uma completa extensão dos dedos da mão direita, do indicador e do polegar, e ainda que não conseguia fazer o gesto de pedir boleia. Estes indícios, conforme resultou do probatório, demonstravam a existência de uma lesão do nervo radial, pelo que o momento da lesão há de situar-se na segunda cirurgia. Esta conclusão encontra-se também plasmada no próprio relatório pericial onde se refere que “Quando existe uma lesão neurológica ela habitualmente manifesta-se de imediato, podem agravar-se ou até evoluir satisfatoriamente com o evoluir do tempo. (…) A lesão do nervo radial, que não está na referida descrição operatória, poderá ter ocorrido durante a 2.ª cirurgia, uma vez que previamente a esta, a doente não apresentava qualquer défice neurológico. Poderá ter sido causada por um afastador ou por algum dos topos ósseos durante as manobras de redução e estabilização. Como não há qualquer referência na descrição operatória a qualquer evento surgido, é de suportar que a equipa cirúrgica não se terá apercebido da sua ocorrência durante o ato cirúrgico”. Com efeito, crê-se que o momento inicial da lesão se situa no momento da segunda cirurgia, pese embora a causa concreta do ato que a provocou não tenha sido concretamente apurado. Assim, não se pode concluir que foi efetivamente a atuação do interveniente JMCM que causou a lesão do nervo radial, uma vez que nesta cirurgia participaram não só o referido interveniente, como também o médico ortopedista MC e outros profissionais médicos tais como enfermeiros. Por outro lado, não se olvida, conforme resultou do probatório, que a lesão do nervo radial pode ser causada por variados motivos, desde o excessivo aperto de um garrote, à manipulação durante o ato cirúrgico, à atividade dos afastadores e, ainda, por algum dos topos ósseos durante as manobras de redução e estabilização. Assim, não se considera provado que foi a atuação do médico JMCM que, durante o ato cirúrgico, tivesse efetivamente provocado a lesão do nervo radial, pelo que, neste específico aspeto, não se pode imputar ao referido interveniente a prática de um ato ilícito e culposo.
No que respeita ao pós-operatório, apesar de verificado o défice de mobilidade da mão direita da Autora, foi-lhe aplicada uma tala gessada, uma vez que era necessário, antes de mais tratamentos, assegurar a estabilização da fratura que tinha motivado o internamento e as intervenções cirúrgicas da Autora em 29 e 30 de Janeiro de 2001. Assim, quinze dias após ter tido alta no dia 2 de Fevereiro de 2001, foram retirados os pontos de sutura e imobilizado o braço, com tala articulada com elásticos. No dia 28 de Março de 2001 a Autora foi às instalações da Entidade Demandada tendo, nessa ocasião, o interveniente JMCM voltado a constatar um défice na extensão do indicador e do polegar o que motivou a prescrição de programa de fisioterapia e o pedido de realização de um eletromiograma. Nesta sequência, no dia 29 de Março de 2001, a Autora teve a primeira consulta nos serviços de medicina física de reabilitação da Entidade Demandada, tendo sido, nessa ocasião diagnosticado à Autora pelo interveniente LJLAR mão pendente à direita, ou seja, défice da força, muscular ativa da extensão do punho, bem como défices de extensão ativa (voluntária) dos dedos, muito especialmente do 1º dedo; uma área de hipoestesia (diminuição de sensibilidade) na zona dorsal da base desse mesmo dedo, tendo, desde logo, concluído que este mesmo quadro clínico-funcional de paralisia parcial da mão era compatível com lesão do nervo radial. O interveniente LJLAR constatou, ainda, a existência de limitações (rigidez) nas articulações do punho, da mão e dos dedos, nomeadamente limitação na extensão completa passiva do 1º dedo, limitação nos movimentos passivos completos do punho (rigidez do punho), com compromisso dos movimentos de flexão e extensão e limitação na realização completa do movimento passivo de pronação (rotação interna do antebraço e mão) resultado de um compromisso articular, direta e necessariamente decorrente do período de imobilização (58 dias) a que a Autora esteve sujeita por via da aplicação de aparelho de gesso. Nesta sequência, foram prescritos à Autora um conjunto de tratamentos de fisioterapia, conforme resultou do probatório, que eram necessários e adequados ao tratamento das lesões evidenciadas pela Autora, conforme, de resto, resultou claro da resposta aos quesitos 6, 16, 17 e 18 do relatório pericial. Por outro lado, no âmbito da realização destes tratamentos não resultou provado que tivesse sido desrespeitado o limite da dor da Autora. Daqui resulta, desde logo, que em relação ao encaminhamento efetuado pelo interveniente JMCM para os serviços de medicina física e de reabilitação da Entidade Demandada e ao diagnóstico e tratamentos que foram prescritos pelo interveniente LJLAR não foram desrespeitas as leges artis, pelo que, quanto a este aspeto, nenhuma atuação ilícita lhes poderá ser imputada.
Importa ainda destacar que, conforme resultou do probatório, em 4 de Abril de 2001, a Autora foi submetida a um eletromiograma que detetou lesão grave em continuidade do nervo radial. Deste diagnóstico resultou que, conforme decorreu do probatório, o nervo não se encontrava seccionado ou morto, conforme teria sido alegado pela Autora. O referido exame foi pedido em 28 de Março de 2001, quando a Autora foi retirar a tala articulada, pelo interveniente JMCM, sendo que ficou provado nos autos que o eletromiograma não podia ser realizado enquanto a Autora estivesse com a tala articulada e que, normalmente, deveria ser realizado cerca de dois a três meses após os primeiros sinais de lesão, como ocorreu no caso concreto. Daqui resulta que não foram desrespeitadas as leges artis ao ter sido pedido e realizado no mês de Abril de 2001, cerca de dois meses após os primeiros sinais de lesão, o referido exame. Pelo que, quanto a este aspeto em especial, inexiste também qualquer conduta ilícita, por violadora das leges artis, suscetível de ser imputada ao interveniente JMCM.
No dia 23 de Maio de 2001, após a realização de trinta e quatro sessões de fisioterapia, o interveniente LJLAR, apesar de verificar melhorias ao nível das articulações e da força do punho, reencaminhou a Autora para os serviços de ortopedia, dado não ter verificado melhorias ao nível da extensão dos dedos. Ora, conforme resultou do probatório a Autora interrompeu os tratamentos de medicina física de reabilitação para ser novamente operada em 19 de Junho de 2001 pelo médico ortopedista JCMQ, com o diagnóstico de lesão do nervo radial à direita. A intervenção do dia 19 de Junho de 2001 foi antecedida de novo eletromiograma que confirmou o resultado do anterior, ou seja, não foram detetadas quaisquer melhorias nesta data. Por isso, na intervenção de 19 de Junho de 2001 procedeu-se a neurolise (libertação do nervo), extração de placa DCP e parafusos, visualização do radial e transferência tendinosa do cubital para extensores e flexor curto do 4.º para extensor do polegar e imobilização com tala gessada. Nesta ocasião, conforme resultou do probatório, o nervo radial apresentava sinais de necrose, conforme decorre do relatório pericial: “A necrose é consequência do défice de vascularização da estrutura neural, que nesta situação se manteve durante bastante tempo como depois constatou macroscopicamente quando a doente foi reoperada pelo Dr. Q…”. Conforme resultou provado, o sucesso da referida cirurgia, ou seja, a recuperação da Autora dependia da continuação dos tratamentos de fisioterapia que lhe foram prescritos novamente pelo interveniente JMCM. Nesta sequência, a Autora voltou a realizar tratamentos de fisioterapia, nos serviços de medicina física e de reabilitação da Entidade Demandada, os quais, como resultou provado eram compatíveis com a lesão do nervo radial. Portanto, neste aspeto em concreto, inexiste também qualquer conduta violadora das leges artis por parte do interveniente JMCM, uma vez que os referidos procedimentos revelaram-se absolutamente necessários para que a Autora recuperasse a atividade motora. No entanto, resultou também provado, que a Autora interrompeu os tratamentos de fisioterapia e deixou de comparecer nos serviços de medicina física de reabilitação o que comprometeu a sua eventual recuperação. Daqui resulta que a Autora acabou por contribuir para o dano que veio a sofrer na sequência do abandono dos tratamentos de fisioterapia. Aqui chegados, forçoso se torna concluir que não há factos suscetíveis de fundamentarem qualquer censura quanto ao modo de proceder em concreto dos médicos da Entidade Demandada. Depois, não é indiferente a Autora não ter comparecido aos tratamentos de fisioterapia prescritos pelo interveniente JMCM, que abandonou ao fim de dez sessões, o que condicionou objetivamente a possibilidade dos serviços da Entidade Demandada lhe prestarem o melhor acompanhamento possível. Por fim, tendo em conta que nos encontramos perante atos praticados no exercício de funções, importa destacar que não resultou provado que as atuações dos médicos fossem suscetíveis de serem qualificadas como dolosas.
Inexistindo qualquer comportamento ilícito suscetível de ser imputado aos intervenientes é necessário ainda apurar se existem factos suscetíveis de responsabilizar a Entidade Demandada pelos danos invocados pela Autora. Na verdade, para que a Entidade Demandada possa ser responsabilizada é necessário que a conduta dos seus agentes, desde os médicos até aos outros intervenientes nos tratamentos médicos e hospitalares ou do serviço na sua globalidade, tenha sido pelo menos censurável, por descuidada ou imperita. Por isso, impõem-se verificar se, em abstrato, a lesão do nervo radial pode ser enquadrada no conceito amplo de funcionamento anormal do serviço ou se, antes pelo contrário, deve ser enquadrado como um risco normal ou típico de cirurgia a que a Autora foi submetida. Ora, o funcionamento anormal do serviço começou por ser uma construção jurisprudencial definida como “(...) o facto ilícito gerador dos danos pode resultar de um conjunto ainda que imperfeitamente definido, de factores, próprios da deficiente organização ou falta de controlo, de vigilância ou fiscalização exigíveis em determinadas funções, ou de outras falhas que se reportam ao serviço como um todo” (cf. Acórdão do STA de 20 de Novembro de 2002, processo n.º 0903/02). Daqui resulta que a ilicitude pode corresponder, em determinados casos, a uma falta coletiva, que corresponde à falta do serviço no seu todo, ou a uma falta anónima, correspondente à falta de um elemento não identificável. Não obstante ser considerada como uma terceira modalidade da ilicitude, a falta de serviço existe quando se verifique a violação ou omissão do cumprimento de disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou do incumprimento de regras de ordem técnica ou de deveres gerais de cuidado. Portanto, para se aferir do funcionamento anormal do serviço deve olhar-se designadamente às normas técnicas, ao padrão do serviço, aos concretos funcionários existentes e aos meios materiais e técnicos disponíveis para que possa concluir pela ilicitude efetiva. O objetivo deste modo de apuramento da ilicitude foi de diretamente imputar à Administração uma conduta lesiva, sem necessidade de imputar um determinado comportamento a um agente em concreto. Portanto, mesmo inexistindo facto ilícito imputado a um sujeito concreto e determinado considera-se existir funcionamento anormal do serviço sempre que seja possível aferir do conjunto do comportamento do serviço no seu globo uma atuação suscetível de preencher o conceito de facto ilícito.
A questão que ora se coloca é a de saber se o facto correspondente à segunda cirurgia é ilícito, ou seja, se o procedimento seguido pela equipa médica no âmbito da referida cirurgia corresponde, ou não, às boas práticas médicas. Conforme resultou do probatório as lesões do nervo radial podem ocorrer durante o ato cirúrgico, uma vez que este se atravessa na zona da lesão, onde se têm de executar trabalhos de reconstrução do osso fraturado. Pelo que na cirurgia é natural acontecer, sendo muitas vezes inevitável, que o nervo seja tocado para o afastar e possibilitar a intervenção e correção da lesão, sendo que, nestas circunstâncias, também são normais as consequências de limitação da extensão dos dedos da mão no pós-operatório. Por outro lado, instrumentos cirúrgicos como os afastadores ou o garrote podem também comprometer o referido nervo. Com efeito, no caso dos autos a lesão da Autora era compatível, no pós-operatório da cirurgia de 31 de Janeiro de 2001, com uma neuropraxia que se define como a uma limitação da passagem do influxo nervoso porque o nervo foi estirado ou por ter sido comprimido pelos edemas circundantes. Esta conclusão é atestada pelo próprio relatório pericial que concluiu “(…) Constatando-se ter havido uma lesão do nervo radial após esta 2.ª cirurgia é lícito aguardar a evolução, pensando tratar-se de uma neuropraxis, o que sucede na grande maioria dos casos. Esse período pode mediar entre 3 a 6 meses (…)”. De facto, de acordo com o relatório pericial “Habitualmente as lesões iatrogénicas do nervo radial estão descritas como mais frequentes após cirurgia de fractura ou de desmontagem mas não são frequentes embora sejam complicações referidas”. Por outro lado, apesar das lesões iatrogénicas do nervo radial se encontrarem descritas como mais frequentes após cirurgia de fratura ou de desmontagem, a verdade é que não se provou que no decurso da segunda cirurgia o nervo tivesse sido seccionado. Na verdade, conforme resultou também do relatório pericial o corte do nervo não é considerado um resultado habitual da cirurgia de fratura ou de desmontagem: “A secção completa do nervo radial durante o ato cirúrgico (neurotmesis) é uma complicação referida como muito rara na literatura. Na descrição operatória de 19.06.2001 é referido que se procedeu a visualização do nervo radial e à sua neurólise (pág. 44). Não há qualquer referência à secção do nervo”. Assim, só no caso em que se tivesse provado o corte do nervo é que se podia concluir que a referida cirurgia apresentou um resultado não previsível. Não se olvida, porém, que a evolução da Autora foi manifestamente desfavorável a partir da lesão que ocorreu no dia 30 de Janeiro de 2001, todavia não resultou provado que o procedimento seguido ulteriormente pela equipa médica da Entidade Demandada e que teve por objetivo a recuperação funcional da mão e punho Autora se tivesse desviado das regras técnicas aplicáveis à recuperação da lesão do nervo radial. Pode então concluir-se que no caso dos autos nos encontramos perante uma lesão iatrogénica do nervo radial que se apresenta como um resultado descrito na literatura como frequente nas cirurgias de fratura ou desmontagem. Nestas circunstâncias, os factos provados não constituem base probatória e não têm, em si mesmos, poder persuasivo bastante, para firmar um juízo de certeza quanto à violação das regras da arte e dever geral de cuidado. Assim, tendo presente o disposto nos artigos 2.º, 3.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, só devem ser considerados como ilícitos os atos que violem os direitos subjetivos ou as estatuições destinadas a proteger interesses de terceiros, do que decorre que “a ilicitude não se basta com a genérica antijuridicidade, uma vez que pressupõe a violação de uma posição jurídica substantiva (direito subjectivo ou interesse legalmente protegido) do particular” (cfr. MARGARIDA CORTEZ, Seminário Permanente de Direito Constitucional e Administrativo, vol. I, pág. 72 apud Acórdão do TCA-N de 19 de Fevereiro de 2016, processo n.º 473/07). Na verdade, detetada a lesão foram envidados todos os meios para que a Autora recuperasse da lesão e foi dado célere encaminhamento do caso da Autora para outros serviços da Entidade Demandada. Face ao exposto, não se verifica o pressuposto da ilicitude em relação à atuação da Entidade Demandada.
Por fim, no que concerne ao nexo causal conclui-se que este sempre seria indemonstrável, mesmo o nexo de causalidade natural, entre os procedimentos dos serviços e dos profissionais da Entidade Demandada acima descritos e os danos resultantes da perda de mobilidade da mão e braço direito. Vejamos,
Nexo de causalidade
Nos termos do artigo 563.º do Código Civil, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. A este propósito refere o Acórdão do STJ de 17 de Junho de 2003, processo n.º 3A1564: “No ensinamento dos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, a obrigação de reparar um dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo; o facto, lícito ou ilícito, causador da obrigação de indemnizar deve ser a causa do dano, tomada esta expressão agora no sentido preciso de dano real e não de mero dano de cálculo. A disposição deste artigo, pondo a solução do problema na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, mostra que se aceitou a doutrina mais generalizada entre os autores - a doutrina da causalidade adequada -, que Galvão Telles formulou nos seguintes termos: «Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar» (Manual de Direito das Obrigações, n.º 229). Considera-se, assim, que foi, consagrada no regime jurídico nacional, a teoria da causalidade adequada na vertente negativa conforme nos indica o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2005, no processo n.º 839/05: “O art.º 563 do CC consagrou, quanto ao nexo de causalidade, a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus-Lehman, nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. Para a verificação do nexo, não é necessária uma causalidade directa (do tipo causa-efeito), bastando-se a nossa lei com uma causalidade indirecta (o autor da lesão é responsável por todos os danos ulteriores que eram de esperar segundo o curso normal das coisas, ou foram especialmente favorecidos pela conduta do agente quer na sua própria verificação quer na sua actuação concreta em relação ao dano de que se trata)”. Portanto, o facto será causa adequada do dano quando se mostre idóneo e capaz, tendo em conta as circunstâncias conhecidas do agente, de produzir um determinado prejuízo. Esta teoria baseia-se numa vertente naturalística, na medida em que se impõe ao julgador apreciar os factos deram origem ao dano, e numa vertente jurídica, que consiste em averiguar se o facto em concreto é idóneo a subsumir-se na previsão normativa que impõe o dever de indemnizar. Assim, não basta que o facto praticado pelo agente tenha sido, em concreto, condição de produção do dano (conditio sine qua non), pois o dano, em abstrato deve também ser uma causa normal ou típica do facto (artigo 563.º do Código Civil). Nesta medida, deve averiguar-se se, de acordo com um juízo de probabilidade, a prática do facto lesivo era idóneo a originar aqueles danos, de forma a poder afirmar-se que o dano seria um efeito provável da sua atuação. Para se proceder a esse juízo de prognose deve atentar-se não só nas circunstâncias que o agente efetivamente conhecia mas também naquelas que ele poderia ter conhecimento. Estes juízos de probabilidade deverão ser fundados nos conhecimentos médios, na experiência comum e nas circunstâncias do caso pelo que cabe ao julgador, colocado no momento da prática do facto lesivo, decidir, através de um juízo de prognose, se os prejuízos que se verificaram eram prováveis e naturais consequências daquele ou se, pelo contrário, foram o resultado de uma evolução extraordinária, imprevisível e portanto improvável do facto alegadamente lesivo.
No caso concreto, verifica-se que a lesão do nervo radial ocorreu em 30 de Janeiro de 2001 no momento da segunda cirurgia. De facto, conforme resultou do relatório pericial, as lesões do nervo radial podem ocorrer e são riscos documentados das cirurgias de fratura e desmontagem. No caso dos autos, conforme acima referimos, as prescrições efetuadas pelo médico JMCM foram as adequados às leges artis. No entanto, resultou também provado que para a recuperação da parte motora do membro que ficou afetado com a lesão é essencial a realização de sessões de fisioterapia, as quais, no caso concreto, demorariam meses até que se verificassem eventuais resultados. Ora, conforme resultou documentado nos autos, após a cirurgia de 19 de Junho de 2001, realizada para recuperar os movimentos da mão, a Autora abandonou, ao fim de dez sessões de fisioterapia, os tratamentos que lhe foram prescritos pelos serviços de medicina física de reabilitação da Entidade Demandada. Conforme resultou do probatório, a realização das referidas sessões de fisioterapia eram essenciais à recuperação funcional da mão e do punho da Autora. Assim, este facto impede desde logo o Tribunal de concluir, com certeza, que as sequelas que evidencia presentemente seriam as mesmas caso tivesse seguido os tratamentos de fisioterapia que lhe foram prescritos. Só no caso de ter completado o programa de fisioterapia é que o Tribunal podia concluir com algum grau de certeza que as lesões seriam causa direta da lesão do nervo radial. Esta conclusão é ainda reforçada pelo facto de ter resultado provado que o abandono dos tratamentos pode levar não só à paragem do processo evolutivo do doente, como também ao retrocesso e ao agravamento das lesões. Conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 2866/07.4TBMAI.P1, de 16 de Dezembro de 2009: “(…) Todavia, uma coisa é constatação da violação objectiva de um dever de cuidado outra bem diferente a imputação objectiva do dano à violação desse dever[6]. Para que o lesante se constitua no dever de reparar o dano, não é suficiente comprovação do elemento caracterizador do ilícito negligente, que o especializa e que lhe confere autonomia - a violação do cuidado objectivamente devido no caso concreto: é ainda necessário que aquele resultado possa imputar-se objectivamente à conduta. De harmonia com o princípio que a responsabilidade civil só intervém relativamente a comportamentos humanos e se exige, para a constituição do dever de indemnizar, um resultado, há sempre que verificar não apenas se esse resultado se produziu, como também se ele pode ser atribuído – imputado - à conduta. É a exigência de um relacionamento ou de uma conexão dessa conduta com o evento a que se procura dar resposta com a causalidade. Uma orientação que tem merecido um apoio generalizado é a da causalidade adequada ou da causalidade jurídica sob a forma de adequação, que, simplificadamente, pode formular-se assim: um facto é causa de um resultado, sempre que, em termos de normalidade social, seja adequado a produzir esse resultado (artº 563 do Código Civil)[7]. A finalidade evidente da teoria da causalidade adequada é a limitar a imputação do resultado às condutas das quais deriva um perigo idóneo de produção do resultado. Há, porém, domínios em que as soluções que resultam da aplicação da teoria da causa adequada não são inteiramente satisfatórias, o que sucede, sobretudo, em actividades que, comportando em si mesmas riscos consideráveis são, todavia, legalmente permitidas. Está nessas condições, por exemplo, a circulação rodoviária em que, na generalidade dos casos, a conduta se revela adequada à produção do resultado, sem que, sob pena de paralisação ou de retrocesso da vida social, seja possível proibi-la. A teoria da adequação depara-se, pois, com várias dificuldades. Uma delas resulta do facto de o critério de adequação dever ser geral e abstracto, enquanto, depois de o resultado verificado, dificilmente se poder negar a sua previsibilidade e normalidade. O que conduz à conclusão de que o nexo de adequação se tem de aferir segundo um juízo ex ante e não ex post, portanto segundo um juízo de prognose póstuma: o juiz deve deslocar-se mentalmente para o passado, para o momento em que a conduta foi praticada e ponderar, enquanto observador objectivo, se, dadas as regras gerais de experiência e o normal acontecer dos factos – o id quod plerumque accidit – a acção praticada teria como consequência a produção do evento[8]. Caso conclua que a produção do evento era imprevisível ou que, sendo previsível, era improvável ou de verificação rara, a imputação objectiva não deverá ter lugar. A adequação deve, naturalmente, referir-se a todo o processo causal e não só ao resultado, sob pena de um alargamento excessivo da imputação. É neste contexto que se situam os problemas da intervenção de terceiros ou da interrupção do nexo de causalidade, que têm em vista aqueles casos em que o resultado se verifica em consequência de uma co-actuação do lesado ou de terceiro. (…) Sempre que o agente tenha criado um risco não permitido ou aumentado o risco já existente e esse risco conduza à produção do resultado concreto, este deve ser-lhe objectivamente imputado; inversamente, a imputação deve ter-se por excluída, por exemplo, quando a conduta que produziu o evento não tenha ultrapassado o limite do risco juridicamente permitido”. Vertendo as conclusões do transcrito aresto ao caso concreto, verifica-se que entre a cirurgia de 30 de Janeiro de 2001 e as sequelas evidenciadas pela Autora irromperam um conjunto de eventos que podem ter influenciado o processo causal que culminou com as lesões descritas no probatório. Em primeiro lugar, conforme foi já referido, a interrupção e abandono das sessões de fisioterapia, que tinham apresentado resultados favoráveis à doente, podem ter determinado a regressão e o agravamento das sequelas decorrentes da lesão do nervo radial. Ou seja, entre o momento da lesão do radial, em 30 Janeiro de 2001 e o momento em que se estabilizaram as lesões, ocorreram factos, a realização de nova cirurgia e o abandono dos tratamentos de fisioterapia, que interromperam o processo causal e que podem ter determinado o agravamento das lesões da Autora. De facto, entre o diagnóstico da evolução da Autora nos serviços de medicina física de reabilitação, efetuado em 29 de Março de 2001 e em 23 de Maio de 2001, e as lesões evidenciadas no momento presente existe um notório agravamento da situação clínica da Autora. Assim, sempre seria impossível determinar se foi efetivamente a cirurgia a causa das lesões da Autora pelo que, nestes termos, não se considera preenchido também o pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano. De outro modo, apurado que a Autora teria uma neuropraxia após a cirurgia de 30 de Janeiro de 2001 o normal seria que recuperasse, pelo que o resultado das lesões era improvável ou de verificação rara o que, tal como referido no predito aresto, afasta o nexo de causalidade entre o facto e os dano.
Face ao exposto, não logrando a Autora provar, como lhe competia, ao abrigo do artigo 342.º do Código Civil, os pressupostos da ilicitude, culpa e do nexo de causalidade, fica prejudicada a apreciação do quantum dos danos, pelo que deve a presente ação improceder.
X
Na óptica da Recorrente a sentença padece quer de erro de julgamento de facto quer de direito.
Cremos que carece de razão.
Vejamos:
Do erro de julgamento de facto -
Conforme tem sido sistematicamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, no que respeita à modificação da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, o Tribunal de recurso só deve intervir quando a convicção desse julgador não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se, assim, a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, bem como à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto - acórdão do STA, de 19/10/2005, rec. 0394/05. Aí se refere, no que aqui releva, que “o art. 690º-A do CPC impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. Este artigo deve ser conjugado com o 655° do CPCivil que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”. Esta exigência decorre da circunstância de o tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos. (É pacífico o entendimento dos Tribunais da Relação, neste ponto. Só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação - cfr. António Santos Arantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II volume, 4ª edição, 2004, págs. 266 e 267 e o Acórdão da Relação do Porto de 2003/01/09 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 2001/03/27, em Coletânea de Jurisprudência, Ano XXVI-2001, Tomo II, págs. 86 a 88). Entendimento semelhante posto em causa no Tribunal Constitucional, por ofensa da garantia do duplo grau de jurisdição, foi considerado conforme à Constituição (...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13/10/2001, em Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)”. Alude-se ainda, a este respeito no Acórdão deste TCAN de 08/03/2007, proferido no âmbito do proc. 00110/06, que “decorre do regime legal vertido nos arts. 140º e 149º do CPTA que este Tribunal conhece de facto e de direito sendo que na apreciação do objeto de recurso jurisdicional que se prende com a impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal “a quo” se aplica ou deve reger-se, na ausência de regime legal especial, pelo regime que se mostra fixado em sede da legislação processual civil nesta sede. Ora com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12/12, e pelo DL n.º 180/96, de 25/09, foi instituído, de forma mais efetiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto. Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto, sendo certo que da situação elencada (impugnação jurisdicional da decisão de facto – artº 690º-A do CPC) se distinguem os poderes previstos no n.º 2 do artº 149º do CPTA que consagram solução diversa e de maior amplitude da que se mostra consagrada nos arts. 712º e 715º do CPC. Assim, pese embora tal regime e situações diversas temos, todavia, que referir que os poderes conferidos no artº 149º, n.º 2 do CPTA não afastam os poderes de modificação da decisão de facto por parte deste Tribunal ao abrigo do artº 712º do CPC por força da remissão operada pelos arts. 1º e 140º do CPTA porquanto o TCA mantém os poderes que assistem ao tribunal de apelação no âmbito da fixação da matéria de facto quando esta constitui objeto ou fundamento de recurso jurisdicional. Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efetuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artº 690º-A do CPC. E continua “É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no artº 712º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objeto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
A este propósito e tal como sustentado pelo Prof. Mário Aroso e pelo Cons. Fernandes Cadilha “(…) é entendimento pacífico que o tribunal de apelação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica (…). Por analogia de situação, o tribunal de recurso pode igualmente sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância pelo que respeita a saber se tais ilações alteram ou não os factos provados e se são ou não consequência lógica dos factos apurados. (…) ” (em ob. cit., pág. 743).” (…) “Retomando o que supra fomos referindo sobre a amplitude dos poderes de cognição do tribunal de recurso sobre a matéria de facto temos que os mesmos não implicam um novo julgamento de facto, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorretamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artº 690º-A n.ºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.
Como se consignou nos acórdãos deste TCAN de 06/05/2010, proc. 00205/07.3BEPNF e de 22/05/2015, proc. 1625/07BEBRG: “Os poderes de modificabilidade da decisão de facto que o artigo 712º do CPC atribui ao tribunal superior envolvem apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e excecionais erros de julgamento e não uma reapreciação sistemática e global de toda a matéria de facto.” “Para que seja alterada a matéria de facto dada como assente é necessário que, de acordo com critérios de razoabilidade, apreciando a prova produzida “salte à vista” do Tribunal de recurso um erro grosseiro da decisão recorrida, aparecendo a convicção formada em 1ª instância como manifestamente infundada”.
E como ressalta ainda do sumário do proc. nº 00242/05.2BEMDL, de 22/02/2013, acolhido por este TCAN em 22/05/2015 no âmbito do rec. nº 840/05.4BEVIS I.“Como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (art. 655º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio.
II. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal «a quo», aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal «ad quem».
Assim, das considerações doutrinais e jurisprudenciais exemplificativamente referidas e em função dos elementos disponíveis, não se vislumbra a existência de fundamento para alterar a matéria de facto.
Na verdade, imputando vários erros na apreciação da prova produzida em julgamento, requer a Apelante que:
-“III. O ponto 57 dos factos dados como provados deve passar a ter a seguinte redacção: “O electromiograma deve ser feito decorridos vinte dias sobre os sinais de lesão, estando assim consentâneo com o Depoimento da Testemunha Dr. LN.”.
Ora, o que se extrai do depoimento do Dr. N... não é a existência de uma regra taxativa, obrigatória e literal de realização de um electromiograma passados exactamente vinte dias sobre os sinais de lesão.
Como decorre da fundamentação da sentença, o ponto 57 foi dado como provado não apenas com recurso ao depoimento desta Testemunha, mas também, concomitantemente, com os depoimentos do Interveniente Dr. CM e da testemunha Dr. JQ - No que respeita ao momento em que deve ser realizado o eletromiograma, o Tribunal fundou a sua convicção, para prova dos factos elencados nos pontos 57 e 58 do probatório, no depoimento das testemunhas LJMPN, médico neurologista que realizou o referido exame, bem como no depoimento da testemunha JCMQ, médico ortopedista que intervencionou a Autora no dia 19 de Junho de 2001. As referidas testemunhas foram coerentes também com o depoimento do interveniente JMCM.
E o próprio médico que intervencionou a posteriori a Recorrente, sem conhecidas queixas desta sobre a sua idoneidade e competência profissionais, foi da opinião que um período mais prolongado para a realização do electromiograma, após a manifestação das lesões, é não só necessário como adequado do ponto de vista médico. Enquanto método complementar de diagnóstico, o timing da realização deste exame deve ser feito decorrido um lapso temporal mais alargado, para que não se manifestem falsos diagnósticos, o que levaria a mais danos.
Dentro dos conhecimentos técnicos de todos os médicos que observaram a Recorrente e, em especial, pelo Dr. CM, não restam dúvidas que foram praticados de forma diligente os actos de diagnóstico e intervenção cirúrgica na paciente, razão pela qual se não divisa o citado erro de julgamento e o pedido de correcção deste ponto 57.
Assim este ponto mantém a redacção que lhe foi atribuída pela sentença, ou seja “o electromiograma deve ser feito cerca de dois a três meses após os primeiros sinais de lesão, mas nunca antes de decorridos vinte dias.”
Entende também a Recorrente o seguinte:
-“IV. Os factos não provados em A e J foram erradamente julgados”, devendo ter sido dados como provados.
Ora, no que a o facto A diz respeito, o Tribunal alicerçou a sua convicção nos documentos constantes de fls. 26 a 29 dos autos em processo físico e de fls. 16, 18, 19, 20, 21, 42, 71, 72, 73, 74, 89, 90 do processo clínico, bem como no depoimento do Interveniente - e aqui Recorrido - Dr. AL. Mas também nos depoimentos dos Intervenientes JF e AJSP, ambos tendo intervencionado a Recorrente no dia 28 de dezembro de 2000. Foi carreado também para o processo o depoimento do Interveniente JCM, bem como o das Testemunhas (e médicos ortopedistas) ALASFA, JNASFA e FJMJ.
Não poderia, pois, ser o chefe da equipa cirúrgica o Dr. AL, pois tal contrariaria, não só os depoimentos arrolados e o processo clínico, mas também o ponto 8 dos Factos dados como Provados.
Ficou assim suficientemente provado que a intervenção realizada no dia 28 de dezembro de 2000 foi realizada pelos médicos ortopedistas Dr. JF e Dr. AP (este último na qualidade de ajudante) - No que respeita às letras A e B dos factos não provados o Tribunal alicerçou a sua convicção nos documentos constantes de fls. 26 a 29 dos autos em processo físico e de fls. 16, 18, 19, 20, 21, 42, 71, 72, 73, 74, 89, 90 do processo clínico, no depoimento do interveniente AACL, médico e responsável administrativo do Serviço de Ortopedia 1 – Mulheres dos HUC no ano de 2000 e de 2001, no depoimento dos intervenientes JMSGF e AJSP, médicos ortopedistas, que intervencionaram a Autora no dia 28 de Dezembro de 2000, no depoimento dos intervenientes JMCM, e no depoimento das testemunhas ALASFA, JNASFA, FJMJ, médicos ortopedistas.
No que ao ponto J dos factos dados como não provados concerne, não foi desvalorizado o depoimento da outrora Demandante, como esta afirma. Tratava-se de um facto por si alegado, pelo que, de acordo com as regras gerais, impendia sobre si o ónus da prova do mesmo (artigo 342º do Código Civil). Ora, confrontando com o depoimento do Interveniente Dr. CM e com o registo constante de fls. 22 do processo clínico - estando todos os meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador - a verdade é que o registo documental corrobora o depoimento deste Interveniente.
Assim, sem ter apresentado mais provas e indícios que atestassem a sua versão, a ora Recorrente não conseguiu demonstrar o alegado, pelo que nada de censurável existe no raciocínio que fundou a convicção do julgador - Os factos dados como não provados nas letras J, K, N e O resultaram do confronto do depoimento da Autora, do interveniente JMCM e do registo constante de fls. 22 do processo clínico.
E improcede também a conclusão VII do recurso, segundo a qual “Deverá ser aditado aos factos provados um ponto com a seguinte redacção “Em 29 de Janeiro de 2001, a Autora sofreu uma dor intensa”, ou seja, que deve ser dado como Provado o ponto F dos factos não provados.
É que, não encontrando suporte, nem sequer documental nos registos clínicos, a Autora não conseguiu fazer prova da intensidade da dor que afirmava sentir, e não seria seguramente o depoimento da sua Testemunha que poderia aferir, num sentido claro, se a dor era intensa ou não naquele dia. E, compreensivelmente, sem mais suporte, o Tribunal julgou, e bem, como não provado - Em relação ao facto elencado na letra F não resultou provado o alegado pela Autora, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova.
Deste modo, quanto ao suposto erro de julgamento da matéria de facto, temos que a Recorrente não logrou demonstrar a suposta fragilidade da decisão do Tribunal a quo, não se perspectivando na sua formação qualquer conduta omissiva de pronúncia sobre factos relevantes que deveria conhecer ou conheceu de determinada forma.
Quer a matéria de facto dada por assente, quer a matéria de facto tida com não provada resultaram da concatenação de todos os meios de prova e da produção de prova levada a julgamento, com respeito pelos princípios do ónus da prova, da imediação e da livre apreciação da prova, analisada e conjugada criticamente à luz das regras da experiência.
Basta atentar na motivação da factualidade apurada e não apurada para se concluir que a Senhora Juíza foi detalhada, pormenorizada e devidamente esclarecedora a este respeito. O que se passou foi que, não obstante a apresentação de prova documental, pericial e testemunhal, não decorreu dos depoimentos apresentados pela Recorrente, suficiente credibilidade e prova capaz de, per se, justificar dar como demonstrada a factualidade não provada nas alíneas A, J e F, bem como permitir mexer na redacção do ponto 57 do probatório.
Tal equivale a dizer que não se bulirá na factualidade da decisão, devidamente explanada e alicerçada nos meios de prova pormenorizadamente descritos.
Do erro de julgamento de direito - (Do pedido de condenação por danos decorrentes de prática de acto médico - responsabilidade civil extracontratual do Estado e dos seus agentes, (DL 48051, de 21 de novembro de 1967)
A presente acção declarativa foi proposta pela ora Recorrente contra o CHUC, EPE chamando a intervir todos os médicos que tiveram, a seu ver, responsabilidade na produção de determinado dano, com a condução e realização de actos médicos variados (essencialmente de diagnóstico e de intervenção cirúrgica).
Ora, quanto ao direito a aplicar, a jurisprudência do STA e a doutrina dominante convergem na determinação do regime jurídico in casu. Tratando-se de um estabelecimento público de saúde, a responsabilização dos HUC e dos seus órgãos, funcionários ou agentes (onde se incluem os prestadores de cuidados médicos ora Apresentantes) pela suposta prestação de actos, decorrentes da prestação de assistência hospitalar, e que provoquem danos na esfera patrimonial do utente, encontra-se positivada no Regime Jurídico da Responsabilidade Extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por factos ilícitos, praticados pelos seus órgãos ou agentes no exercício de actividades de gestão pública. E o regime vigente à data da ocorrência do caso sub judice era o do DL 48051, de 21de novembro de 1967. E, bem assim, as disposições do Código Civil que lhe sejam aplicáveis.
Dispõe o mesmo, no artigo 3º/1:
“Os titulares do órgão e os agentes administrativos do Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pela prática de actos ilícitos que ofendam os direitos destes ou as disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosamente.”
Dito isto, para que o Réu Hospital fosse responsabilizado havia que se verificar e provar a existência cumulativa dos seguintes requisitos: ter sido praticado ao abrigo da sua alçada, um facto voluntário, ilícito, e culposo por parte de algum dos seus agentes (in casu, dos médicos em questão), havendo danos resultantes dessa mesma conduta (o que só se afere por meio de um nexo de causalidade adequada).
E o médico demandado apenas podia ser responsabilizado caso tivesse agido voluntariamente, no exercício das suas funções, perpetrando actos ilícitos (no que se afere como contrários às leges artis) com dolo (isto é, com intenção de, com a sua conduta, provocar danos na pessoa da Recorrente), e caso dessa conduta resultassem danos na esfera do paciente.
A natureza desta relação “entidade pública prestadora de cuidados de saúde-utente” não deve ser entendida como contratual, como quer fazer crer a Recorrente ao pugnar pela inversão do ónus da prova - vide, ainda que noutro contexto, o Acórdão do STA de 16/01/2014, Proc. 0445/13: I-A responsabilidade civil decorrente de factos ilícitos imputados a um Hospital integrado no Serviço Nacional de Saúde não tem natureza contratual, sendo-lhe aplicável o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos.
Enquanto cidadãos, quem acorre ao SNS sabe que tem um direito constitucionalmente consagrado de ser atendido e atribuído um médico, cuja vinculação ao Estado se faz na qualidade de seu agente. O utente não escolhe o médico que o irá operar ou diagnosticar. A entidade hospitalar escolherá um, de acordo com a formação, competências e horário de banco, de entre os seus profissionais. De igual modo, o utente não presta uma obrigação pecuniária directamente ao médico, mas ao Estado, através da entidade hospitalar de saúde pública que a acolhe.
Assim, a prestação do acto médico em tais circunstâncias deve, apenas, remeter para as disposições do direito civil que lhe são subsidiariamente aplicáveis, não se incluindo nas mesmas a inversão do ónus da prova dos requisitos de responsabilidade civil, nem tampouco a caracterização do acto como uma obrigação de resultado pelo simples facto de se tratar de médicos especialistas (no caso, em Ortopedia).
Assim, tinham de ser tiradas as devidas ilações em termos de ónus da prova, de forma concordante com tal regime. Regime que é muito claro, ao remeter para o artigo 4º/1 a aferição da culpa dos titulares dos órgãos ou agentes à luz do artigo 487º do Código Civil, que estatui que o ónus de provar tais requisitos cumulativos conformadores de responsabilidade civil extracontratual por danos deve ser feito pelo lesado desses mesmos danos, isto é, pela ora Recorrente.
É certo que a Apelante lançou mão do Acórdão do STJ de 29/10/2015, Proc. nº 2198/05.2TBFIG.C1.S1 para fundamentar uma tese de mitigação do ónus da prova, em prol de uma repartição (ou mesmo, inversão) do mesmo.
Contudo, este acórdão negou a revista a um recurso que promovia que tal ónus da prova não devia cair sobre o lesado, mas sim recair sobre o médico trabalhador num Hospital do Estado, pois é ele quem está em melhores condições para o fazer.
Foi negada tal pretensão, além do mais, com a seguinte argumentação:
“(…) 21.ª - Na relação médico/doente enquadrada no âmbito de uma prestação de cuidados de saúde em estabelecimento público, a actividade médica não pode deixar de ser entendida como uma obrigação de meios e não de resultados;
22.ª - É indubitável o enquadramento da responsabilidade pela prestação de cuidados de saúde em estabelecimentos públicos no domínio da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, incumbindo ao lesado o ónus de alegar e provar os factos integradores os pressupostos dessa responsabilidade, sobejamente firmada quer doutrinal quer jurisprudencialmente;
23.ª - No que tange à destrinça entre a obrigação de meios e a obrigação de resultado, cremos que tal se encontra igualmente firmado a nível jurisprudencial.
24.ª - Não vislumbramos que a admissão do recurso excepcional interposto pelo Recorrente se torne necessária para uma melhor aplicação do direito.”
Voltando ao caso concreto, todos os intervenientes, enquanto agentes do Hospital, estavam obrigados a prestar uma obrigação de meios. E decorre da factualidade dada como provada e não provada que o fizeram.
Não resulta deste acórdão do STJ que a prestação de cuidados médicos à Recorrente apenas se consideraria bem concretizada com o cumprimento integral da mesma. E, nessa medida, não podem os ora Apresentantes (nem tampouco todos os Intervenientes médicos, reitera-se) ser confrontados com uma interpretação dúbia que os onera, na qualidade de médicos especialistas (e por especialistas, leia-se, com a graduação de médicos com a especialidade de Ortopedia).
Em última análise, assistir-se-ia a uma repartição ou inversão do ónus da prova para todos os médicos no Sistema. Posto que escolher e terminar a Especialidade é mandatório para qualquer médico interno, em função da sua vinculação e carreira médica. Naturalmente que o profissional médico especialista adquire mais conhecimentos (é esse o objectivo da formação do médico…), mas este facto não pode violar o Regime Legal que os vincula, nem transformar a obrigação de meios a que estão adstritos os profissionais médicos, numa obrigação de resultado. Sem sequer ponderar a perigosidade das diferentes actuações médicas, apenas colocando de parte os actos do médico interno - lê-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.
Desatende-se pois este segmento do recurso.
No que concerne à ilicitude e culpa, e assumindo que a prestação de acto médico se enquadra na qualidade de uma obrigação de meios, desde já ficou provado que não houve qualquer erro de diagnóstico ou má prática negligente desde a entrada da aqui Recorrente no hospital. Tal é o que resulta do próprio processo clínico e da sentença recorrida.
Houve cumprimento das leges artis por parte dos médicos envolvidos no diagnóstico, cirurgias e todos os tratamentos aplicados à doente, resultando da instrução da prova que esta era a metodologia mais comum e adequada ao problema. Ademais, o Relatório Pericial, a propósito do facto de não ter sido aplicada tala gessada à Recorrente após a intervenção de 28 de dezembro de 2000, afirma que “Na grande maioria dos casos após a osteossíntese da fractura do rádio não se torna necessário proceder a qualquer contensão rígida externa nomeadamente gessada. Só em situações de osteossíntese precária ou quando a cominação da fractura é muito grande poderá justificar o recurso a uma imobilização após cirurgia”.
Não sendo esse o caso da utente, a medida foi aplicada adequadamente, conforme as leges artis. De igual modo, nem se vislumbra qualquer intenção em provocar danos por parte dos Intervenientes e também Recorridos Dr. JF e ASP.
No que toca aos ora Recorridos, AL e FFM, deve referir-se, desde já, o seguinte: O momento em que contactaram com a Recorrente e praticaram actos médicos na sua pessoa cinge-se à intervenção cirúrgica do dia 30 de janeiro de 2001, na sequência do diagnóstico de refractura. Tal cirurgia consistia na colheita de enxerto cortiço-esponjoso do ilíaco esquerdo, extracção da placa de osteossíntese, osteossíntese com placa DCP de dez orifícios, aplicação de enxertos, sutura e, por fim, a aplicação de tala gessada posterior.
Ficou provado que no Bloco Operatório actuavam duas equipas médicas, cada uma com o seu acto cirúrgico distinto. Os ora Apresentantes constituíam a equipa que colheu o enxerto do osso ilíaco, sendo o Dr. FFM o cirurgião principal, e o Dr. AL, o ajudante. Após a extracção, foi atribuída aos dois a função de ajudar a equipa dos também Intervenientes Dr. CM e do Dr. MC. Mas como nunca tiverem nenhuma intervenção directa no braço da Autora, conclui-se, sufragando a sentença, que “não realizaram qualquer acto cirúrgico na zona onde emergem as lesões que fundamentam o pedido indemnizatório formulado nos presentes autos”. Por isso, nenhum dos danos invocados lhes pode ser imputado, desde já porque, além de não ter ficado provada a ilicitude deste acto médico e a alegada culpa, a verdade é que não resultou qualquer complicação da colheita do enxerto do ilíaco para a saúde da Recorrente. Nem as alegadas, nem quaisquer outras.
Falha, portanto a prova do nexo de causalidade adequada entre facto e dano, no que tange aos ora Apresentantes, pelo que nenhuma responsabilidade lhes pode ser assacada.
Já no que à actuação dos outros Intervenientes respeita, destacando os restantes Intervenientes na primeira equipa cirúrgica, repete-se que não resultou qualquer má prática, violação das leges artis e culpa por parte dos médicos em questão. Todos, sem excepção, agiram diligentemente e com prudência, no cumprimento e respeito das leges artis a que estão vinculados.
Não se ignora o agravamento das queixas e a verificação de um dano após a segunda intervenção cirúrgica. Mas a verdade é que o Tribunal a quo não conseguiu apurar a causa concreta que o provocou, algo a que nem a prova pericial pôde dar resposta consistente.
Como já afirmado, trata-se de uma obrigação de meios e o ónus de alegar e provar que os danos (ou, neste caso, o dano da lesão do nervo radial) surgiram devido a má prática dos médicos, cabia à lesada. E esta não logrou tal desiderato.
De igual modo, o artigo XXII das Conclusões de Recurso reproduz um excerto da sentença que não dá como concretizados esses factos, mas sim aponta exemplos de escola de hipotéticas complicações médicas passíveis de levar, em teoria, a um dano desta natureza no bloco operatório, o que é manifestamente diferente de concluir, por si só e sem provas, que todos os presentes no Bloco Operatório no dia 30 de janeiro de 2001 são responsáveis, pela circunstância de estarem lá presentes.
Não obstante o Facto 40 da sentença recorrida dar como provado que a lesão do nervo radial, no pós-operatório, é apenas “compatível com uma neuropraxia”, não se olvide o seguinte: ficou por apurar qual o exacto acto, de entre os elencados exemplos, que provocou o dano.
Pese embora o desfecho lamentável para a Autora, (foi uma consequência cuja causa não pôde ser apurada), não pode presumir-se que a responsabilidade impende sob o médico (ou os médicos) presentes no Bloco Operatório, pois ficou provado que todos actuaram sem culpa e com a diligência requerida, mesmo ante o aparecimento de complicações. De salientar que a própria Recorrente ao abandonar voluntariamente e sem o aval dos seus médicos, as sessões de fisioterapia que lhe foram prescritas para a recuperação funcional da mão, também há de ter contribuído para a gravidade das lesões que articulou no petitório. Claramente, foi um factor concomitante para a produção dos danos invocados, o que prejudicou o conhecimento, por parte do Tribunal, da extensão do nexo de causalidade entre facto e dano.
Ficaram, pois, por provar, os requisitos cumulativos de ilicitude, culpa e nexo de causalidade entre facto e danos, pelo que não podem os ora Apresentantes, nem os restantes Recorridos ser condenados no pagamento da indemnização à Recorrente, nos termos do petitório.
Refira-se, ainda, quanto à invocação de que nenhum dos médicos que intervencionou a Recorrente a informou devidamente dos riscos que corria, pelo que o consentimento informado que assinou padece de ineficácia, que tal assim não sucedeu.
Os ora Apresentantes e demais Intervenientes invocam que sempre esclareceram e responderam devidamente a todas as dúvidas da Recorrente, à semelhança de qualquer utente. Portanto, não reconhecem qualquer ineficácia ou vício ao consentimento prestado, posto que foram cumpridos os deveres de informação a que se encontram adstritos.
Sucede que esta menção apenas é trazida em sede de Recurso, pois que não foi colocada na primeira instância.
Ora, dispõe o artigo 5º/1 do CPC, ex vi artº 1º do CPTA, que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas”. Tal significa que o Julgador não pode conhecer oficiosamente factos essenciais que não tenham sido alegados no petitório.
Como também é sabido, os recursos jurisdicionais visam decisões judiciais, e devem, assim, consubstanciar pedidos de revisão da sua legalidade, com base em erros ou vícios das mesmas, erros ou vícios estes que devem afrontar, dizendo do que discordam e porque discordam [artigos 676º/1 e 684º/3 do CPC; a propósito, Ac. do STA/Pleno de 03/04/2001, Proc. 39531; Ac. STA de 09/05/2001, Proc. 47228; Ac. STA de 14/12/2005, Proc. 0550/05; Ac. STA/Pleno de 16/02/2012, Proc. 0304/09).
Como se sumariou no Acórdão do STA, de 07/01/2009, Proc. 0812/08:
I-Os recursos jurisdicionais visam modificar as decisões recorridas e daí que o seu objecto sejam os vícios e os erros de julgamento que o recorrente lhes atribua.
II-Daí que se torne imprescindível que o recorrente na sua alegação de recurso desenvolva um ataque pertinente e eficaz aos elementos do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida.
Daqui se extrai que os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado - cfr. Acs. do STA, de 26/09/2012, Proc. 0708/12; de 13/11/2013, Proc. 01460/13; de 05/11/2014, Proc. 01508/12 e de 03/11/2016, Proc. 01407/15, entre tantos outros.
Ora, não tendo a referida questão sido submetida à apreciação do Tribunal a quo, configura questão nova e, na medida em que não participa do objecto da causa, não pode ser considerada pelo tribunal de recurso, nos termos supra referidos, impondo a rejeição, nesta parte, do presente recurso jurisdicional.
Ademais, a Recorrente assinou um termo de consentimento informado, no que sempre aquiesceu, pelo que nada indica que não tenha sido suficientemente informada dos riscos que corria. De todo o modo, este é um facto essencial que só agora, em sede de recurso vem articulado, pelo que, nos termos assinalados, não pode ser apreciado oficiosamente por este tribunal ad quem.
Em suma:
-a sentença recorrida não apresenta qualquer erro de julgamento de facto (quer atinente à matéria de facto provada como não provada);
-a matéria fáctica que resultou da prova testemunhal foi adquirida em virtude da convicção do Tribunal a quo, livre, mas abundantemente motivada e fundamentada;
-o Tribunal, como sempre deveria, socorreu-se do princípio da livre apreciação da prova produzida, para dar como assente ou, ao invés, como não provada essa materialidade controvertida, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 392° e 396° do Código Civil e 607°/5 do CPC de 2013;
-acresce, como já se disse, que, por força dos princípios da oralidade e da imediação, o julgador de 1ª instância dispõe de uma posição privilegiada para aquilatar da seriedade, credibilidade e fidedignidade dos depoimentos, juízo que o tribunal ad quem pode sindicar, sempre que ocorra manifesto erro na sua apreciação, que contamine e inquine a decisão final;
-a Recorrente apenas pretende alterar a factualidade adquirida pela julgador em ordem a legitimar as considerações de natureza fáctica e jurídica que aduz em abono da sua tese e, ademais, a alicerçar as ilações diversas que retira da factualidade apurada pelo tribunal recorrido;
-assim sendo, apenas diverge das que foram extraídas pelo tribunal, aquando da fixação da materialidade dada como assente ou não assente, por propender para uma versão mais consentânea com os seus interesses processuais;
-o tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo, os factos notórios ou de conhecimento geral (artigos 5°/2 e 3 e 412° do CPC 2013);
-em conclusão, a alteração do julgamento relativo à matéria de facto só pode ter lugar nas circunstâncias previstas no artº 662º do NCPC, ou seja, quando “os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que não é o caso;
-são inteligíveis os concretos elementos que, em razão das regras da experiência e/ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu à convicção do Tribunal, no sentido da inexistência de elementos factuais dos quais fosse possível extrair a ideia da violação das leges artis por parte dos profissionais que, de um modo ou outro, atenderam a paciente, ora Recorrente, nos serviços do Hospital;
-a argumentação aduzida na sentença resulta clara, coerente e perfeitamente perceptível, enunciando não só as provas recolhidas em sede de audiência de discussão e julgamento, como também procedendo à análise crítica das mesmas, em conjugação com as demais contidas nos autos, em função, naturalmente, da convicção formada pelo julgador, da mesma se tornando possível compreender quer o processo lógico e a linha de raciocínio que lhe serve de suporte, quer as razões que o levaram a decidir em determinado sentido;
-dito de outro modo, não se detetando que o tribunal tenha errado na apreciação da prova não se alterará o probatório;
-já em sede de erro de julgamento de direito dir-se-á que o regime jurídico aplicável aos factos em juízo é o da responsabilidade civil extracontratual do Estado e dos seus agentes, (DL 48051, de 21 de novembro de 1967);
-assim tinham de ser tiradas as devidas ilações em termos de ónus da prova, de forma concordante com tal Regime;
-Regime que é muito claro, ao remeter para o artigo 4º/1 a aferição da culpa dos titulares dos órgãos ou agentes à luz do artigo 487º do Código Civil, o qual dispõe que o ónus de provar tais requisitos cumulativos conformadores de responsabilidade civil extracontratual por danos deve ser feito pelo lesado desses mesmos danos, ou seja, pela ora Recorrente;
-Esta não conseguiu fazer prova dos mesmos, nem quanto à parte demandada HUC, nem quanto aos restantes Intervenientes médicos;
-falhou a prova da ilicitude, da alegada culpa e também não conseguiu provar o requisito do nexo de causalidade adequada entre facto e dano;
-a prova da ilicitude e culpa da conduta não tem de ser repartida ou invertida em desfavor dos demandados pelo facto de serem médicos com a especialidade de Ortopedia; esta solução violaria o disposto no regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e dos seus agentes - DL 48051, de 21 de novembro de 1967-;
-corrobora-se esta leitura, razão pela qual improcedem as conclusões da alegação.
A sentença proferida, que se norteou pela prova que conseguiu recolher e que se mostra devidamente alicerçada na doutrina e jurisprudência seguidas em situações similares, será mantida na ordem jurídica.
***
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 03/05/2019
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. Nuno Coutinho