Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00838/04.0BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/05/2009
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Drº José Luís Paulo Escudeiro
Descritores:PATRIMÓNIO CULTURAL
PROTECÇÃO PATRIMÓNIO CULTURAL
IMÓVEL
CLASSIFICAÇÃO EDIFÍCIO
PDM
PROCEDIMENTO CLASSIFICAÇÃO
Sumário:I- Nos termos da Lei n.º 13/85, de 06.JUL (Lei do Património Cultural Português) a protecção do património cultural imóvel assenta na classificação (art. 7.º, n.º 1) está é precedida de um processo próprio (art. 9.º e 26.º, n.º 1) no qual os proprietários sã ouvidos (art. 11.º e 26.º) e a classificação terá de ser fundamentada segundo critérios estritos e precedida do parecer governamental (art. 10.º, 2 e 3 e 26.º) e seguida de um plano de salvaguarda (art. 21.º, n.º 5).
II- O PDM não pode servir para classificar património cultural de forma expedita escapando ao processo de classificação, sob pena de violação da Lei n.º 13/85.*

* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:11/06/2008
Recorrente:Município de Espinho
Recorrido 1:A,... Lda.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Negar provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do TCAN:
I- RELATÓRIO
“MUNICÍPIO DE ESPINHO”, devidamente id. nos autos, inconformado com o acórdão do TAF de Viseu, datado de 28.FEV.08, que, em ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL, oportunamente, contra si instaurada por “Â, LDª”, igualmente devidamente id. nos autos, julgou parcialmente procedente a acção, recorreu para o TCAN, formulando as seguintes conclusões:
1. Do pedido de anulação apresentado pela Autora no processo, apenas teve provimento a invocada violação na aplicação dos artºs 34º e 35º do Regulamento do PDM, e a ocorrência de erro nos pressupostos e na classificação do edifício como elemento arquitectónico a salvaguardar.
2. Foi esta arguição impugnatória a única que abriu caminho à decisão que veio a ser tomada, decretando a anulação do despacho em crise.
3. Porém, a decisão em causa não fez o correcto enquadramento das normas do PDM de Espinho invocadas.
4. As regras do Regulamento do PDM de Espinho aplicadas à apreciação da pretensão da Autora são os artºs 34º e 35º fazem parte da Secção V – Conjunto ou elemento arquitectónico a salvaguardar, incluída esta no Capítulo II – Regulamentação das áreas de ocupação urbanística, isto do Regulamento do PDM do Município de Espinho já identificado.
5. Tais normas também têm correspondência na Planta de Ordenamento do PDM.
6. As estipulações da indicada Secção V do Capítulo II do Regulamento do PDM estão em consonância com a definição dos conteúdos material e documental do Plano Director Municipal (artºs 85º e 86º do Decreto-Lei nº 380/99, de 22-IX, alterado pelo Decreto-Lei nº 310/2003, de 10-XII).
7. Assim a classificação feita através do PDM, pelas normas indicadas, não constitui uma classificação de património, tal como a mesma é feita pela Lei do Património Cultural, mas um zonamento que atribui ao Município um instrumento de gestão urbanística, a aplicar em consonância com as demais normas atinentes.
8. Tais normas não têm aplicação imediata ou directa na apreciação das pretensões dos particulares: prevêem o procedimento especial a que ficam sujeitas as operações urbanísticas que recaiam sobre imóveis incluídos naquelas zonas, designadamente as que se destinam a imóveis já construídos e que antes de uma licença ou autorização de construção necessitam de uma licença ou autorização de demolição, como é o caso de imóvel em apreço no processo em discussão nestes autos.
9. De acordo com o artº 103º do Decreto-Lei nº 380/99, de 22-IX, alterado pelo Decreto-Lei nº310/2003, de 10-XII (vigente à data do acto impugnado) são nulos os actos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável.
10. As normas referidas dos artºs 34º e 35º do Regulamento do PDM de Espinho estão vigentes e não foram por qualquer forma consideradas inválidas, tendo sido expressamente ratificadas, com a ratificação do Plano Director Municipal de Espinho, por Resolução do Conselho de Ministros nº 36/94, publicada in D.R., Iª série-B, nº 117/94, de 20 de Maio de 1994.
11. O PDM de Espinho, sendo um Regulamento, tem a sua lei habilitante em acto legislativo de valor idêntico ao da Lei do Património Cultural.
12. Não podem as normas em causa ser consideradas derrogadas pela Lei do Património Cultural, aliás anterior aos referidos Decreto-Lei nº 380/99, de 22-IX, alterado pelo Decreto-Lei nº 310/2003, de 10-XII, e como tal não podem ser desconsideradas.
13. A pretensão da Autora não foi indeferida por mera ou automática aplicação de uma classificação ou de normas restritivas dela decorrentes, mas sim de uma apreciação feita por uma comissão prevista no regulamento do PDM.
14. Nos termos do artº 63º, nº 1, do Decreto-Lei nº 445/91, de 20-XI, com posteriores alterações, aplicável à pretensão, constituíam motivo de indeferimento, além das normas vinculativas decorrentes das suas alíneas a), e) e g), outros fundamentos ao abrigo de direitos discricionários, englobáveis nas alíneas d) e g) (esta na medida em que o parecer fosse também dado ao abrigo de poderes discricionários de apreciação).
15. Não estava vedado à Câmara Municipal de Espinho indeferir a pretensão, dentro do sub-procedimento previsto no artº 35º, nº 1 do Regulamento do PDM, e através de uma apreciação por fundamentos discricionários que, aliás, não foram postos em causa pela Autora.
16. A pretensão da Autora era, desde logo, de demolição de um edifício existente, que só podia ser deferida se fosse aprovado um projecto de construção, pelo que a apreciação da pretensão começou por ser uma análise da requerida demolição.
17. Por último, a interpretação dada às normas do Regulamento do PDM ora em causa resultou numa prática de gestão urbanística extensiva a outras pretensões que foram apreciadas pelo mesmo critério, devendo ser mantido em razão do princípio da igualdade.
18. Não estando declaradas inválidas as regras do artºs 34º e 35º do Regulamento do PDM de Espinho, são as mesmas vinculativas da actuação da Câmara Municipal sob pena dos seus actos serem sancionados pela nulidade decorrente de violação de regras de um plano de ordenamento territorial vigente e inatacado.
19. O douto acórdão fez uma errada interpretação dos artºs 34º e 35º do Regulamento do PDM, e dos artºs 85º e 86º do Decreto-Lei nº 380/99, de 22-IX, alterado pelo Decreto-Lei nº310/2003, de 10-XII, tendo desconsiderado indevidamente o disposto no artº 103º do mesmo Decreto-Lei nº 380/99, de 22-IX.
20. O acórdão fez ainda uma errada aplicação do disposto no artº 63º, nº 1, do Decreto-Lei nº 445/91, de 20-XI, com posteriores alterações, nomeadamente das normas vinculativas das suas alíneas a), e) e g), bem como do direito discricionário de apreciação que decorria, para a entidade impugnada, das alíneas d) e g) da mesma norma.
21. Deverá, assim, pelo provimento do presente recurso, ser anulado o acórdão em apreço, revogando-se a anulação do despacho impugnado e julgando-se improcedente o pedido de condenação da entidade demandada a apreciar o pedido formulado pela Autora, como é de Justiça.
A Recorrida contra-alegou, tendo apresentado, por seu lado, as seguintes conclusões de recurso:
1 - O R. no presente recurso alega em divergência com a posição por si assumida na acção.
2 - O PDM de Espinho é inidóneo para classificar o prédio da A. como elemento arquitectónico a preservar, em violação da Lei do Património Cultural, Lei n.º 13/85, de 06/07 (cfr. Ac. STA de 04/07/2006, Proc. n.º 01403/02).
3 - Assim, tal classificação não constitui fundamento válido para o indeferimento do pedido de licenciamento da A..
4 - Por isso, o douto Acórdão recorrido, que anulou o acto recorrido que indeferira o pedido de licenciamento da A. com tal ilegal fundamento e condenou o R. a reapreciar o pedido da A., é perfeitamente legal e não merece qualquer censura.
TERMOS EM QUE,
E com o douto suprimento, o douto acórdão recorrido deve ser mantido, por legal, e o recurso dele interposto improceder, como é de inteira JUSTIÇA.
O Mº Pº emitiu pronúncia nesta instância no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, o processo é submetido à Secção do Contencioso Administrativo para julgamento do recurso.
II- QUESTÕES A DECIDIR NO RECURSO
O erro de julgamento de direito do acórdão recorrido, com violação do disposto nos artºs 34º e 35º do Regulamento do PDM, 85º, 86º e 103º do DL 380/99, de 22.SET, alterado pelo DL 310/2003, de 10.DEZ, e 63º, nº 1-a), d), e) e g) do DL 445/91, de 20.NOV.
III- FUNDAMENTAÇÃO
III-1. Matéria de facto
O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:
1 - A Autora por requerimento de 28/05/90 solicitou ao Presidente da Câmara Municipal de Espinho informação sobre a viabilidade de construção, em termos de cércea e mancha de implantação, no prédio, que assinalou em planta topográfica, sito no gaveto das ruas 19 e 26, da cidade de Espinho, prédio esse que pretendia adquirir – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial.
2 - Informando esse pedido, o arquitecto urbanista do R. prestou o parecer n.º 2896, no qual apresenta uma solução urbanística não só para o terreno em causa mas também para o terreno contíguo a poente, de modo a abranger toda a frente da rua 19 entre as ruas 26 e 24 – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial.
3 - Previa esse parecer urbanístico a cércea de rés-do-chão e 3 andares para toda a frente da rua 19 e em ala contínua, e de rés-do-chão e andar para as ruas 26 e 24 perpendiculares a ela, com a mancha de implantação e os alinhamentos indicados no esquema anexo a tal parecer - cfr. doc. 2 junto com a petição inicial.
4 - A Câmara Municipal na sua reunião ordinária de 18/09/1990 em referência ao pedido de informação sobre a viabilidade de construção no local, aprovou os pareceres prestados pelos Arqt.º Urbanista e Departamento Técnico sobre o assunto, o que comunicou à A. pelo ofício n.º 7278 de 20/09/90 – cfr. doc. 3 junto com a petição inicial.
5 - A A. adquiriu o prédio pelo preço de 45.000.000$00, nos termos da escritura de compra e venda de 31/01/1991, lavrada no Cartório Notarial de Espinho – cfr. doc. 4 junto com a petição inicial.
6 - Em 10/11/1993 pelo requerimento registado sob o n.º 1037/93, a A. apresentou nos serviços municipais do R. um pedido de licenciamento de construção de um edifício para habitação e comércio, de rés-do-chão e 3 andares na ala voltada para a rua 19, e de rés-do-chão e um andar na ala voltada à rua 26, cujo projecto de arquitectura se conformava com o citado estudo aprovado na referida deliberação camarária de 18/09/90, nomeadamente em termos de cércea, mancha de implantação e alinhamentos – cfr. doc. 5 junto com a petição inicial.
7 - Este pedido de licenciamento tramitou nos serviços municipais como Processo de Construção n.º 1037/93 – cfr. processo administrativo.
8 - A Câmara Municipal de Espinho na sua reunião de 28/01/94 de acordo com os pareceres do Arquitecto Urbanista e do Departamento de Planeamento Urbanístico deferiu o projecto de arquitectura, do que notificou a A. pelo ofício 1053 de 08/02/94 – cfr. doc. 6 junto com a petição inicial.
9 – Em 25/01/99 por requerimento registado na Câmara Municipal de Espinho sob o n.º 118/99, a Autora apresenta pedido de licenciamento para o identificado terreno – cfr. doc. 7 junto com a petição inicial.
10 – Em 11/05/2000 a Autora apresenta requerimento onde expõe a situação e solicita ao Presidente da Câmara que se digne mandar verificar a tramitação do seu processo n.º 118/99, com vista ao seu futuro deferimento e posterior licenciamento – cfr. doc. 9 junto com a petição inicial.
11 – Em 13/12/2000 a Autora apresenta novo requerimento solicitando que se digne providenciar para que o projecto acima referido seja deferido, dada a urgência que a mesma tem na resolução deste assunto, de suma importância par a actividade da empresa que representa – cfr. doc. 10 junto com a petição inicial.
12 – A Autora é notificada através do ofício n.º 8370 de 02/12/2003, de que foi solicitado por terceiro um pedido de informação prévia para o mesmo prédio e da deliberação tomada pela Câmara sobre esse pedido e parecer da Comissão Técnica de Avaliação do Património “ No Plano Director Municipal o edifício em causa encontra-se classificado como “Elemento a Salvaguardar”, pelo que qualquer intervenção sobre este prédio deverá tomar em consideração a salvaguarda e a requalificação da construção existente” – cfr. doc. 11 junto com a petição inicial.
13 – Em requerimento apresentado em 10/02/2004 a Autora requereu à Câmara Municipal de Espinho que fosse proferida decisão sobre o seu processo de construção – cfr. doc. 12 junto com a petição inicial.
14 – Por despacho de 19/03/2004 do Vereador Rolando Sousa, notificado à Autora mediante o ofício n.º 2109, de 26/03/2004, o pedido é indeferido com base numa acta da Comissão Técnica de Avaliação do Património de 17/03/99 – cfr. doc. 13 junto com a petição inicial.
15 – Da acta de 17/03/99, consta o seguinte:
“ Aos 17 dias do mês de Março do ano de mil novecentos e noventa e nove, reuniram-se nesta Câmara Municipal, de acordo com a deliberação havida em reunião ordinária do executivo a dia 19 de Julho do ano de 1994, uma comissão constituída pela Senhora Arquitecta I…, Chefe de Divisão de Estudos e Projectos, em representação do Departamento de Planeamento Urbanístico da Câmara Municipal de Espinho, o Senhor Arquitecto V…, em representação da Ordem dos Arquitectos Portugueses e o Senhor Arquitecto M… da Comissão de Coordenação da Região Norte.
Da análise dos antecedentes para o local e após visita ao local, entende-se:
1. - Qualquer definição urbanística para o local aonde se situa a presente pretensão, foi ultrapassada e anulada pela entrada em vigor do Plano Director Municipal, aprovado e publicado em 17 de Junho de 1994.
2 - O Plano Director Municipal define o edifício existente como “Elemento Arquitectónico a Salvaguardar” inserido no “Conjunto Arquitectónico a Salvaguardar”.
3 - Acresce que este edifício forma conjunto com o edifício do gaveto Nascente - Palacete Rosa Pena, o qual se encontra igualmente salvaguardado.
4 - Entretanto foi licenciado um projecto para o terreno vizinho a Poente, com base na deliberação de Câmara de 8 de Julho de 1997, a qual preconizava manter o estudo urbanístico de Setembro de 1990, (anterior ao P.D. M.) e ainda sob parecer do Sr. Arqto. Urbanista datado de Outubro de 1997, permitindo a construção de um prédio de Rés-do-Chão +3 Andares e balanços sobre a Rua 19, com formação de empena cega sobre o terreno agora em apreciação, a fim de formar conjunto - salvaguardados aspectos de continuidade.
Pelo que é nosso parecer:
Pese o facto do licenciamento havido para o prédio vizinho, cremos ser de preservar, tanto o edifício existente no terreno em causa, como também o do gaveto Nascente, dada a imagem conjunta de elementos marcantes de uma época e da história da Cidade, o que se sobreeleva seguramente aos efeitos causados pela existência de uma empena cega vizinha, decorrente da aprovação antecedente” – cfr. doc. 13 junto com a petição inicial.
16 - Pelo registo n.° 0024 de 09/01/97 a Sociedade Turística …, Lda requereu a aprovação do projecto de arquitectura para o seu prédio sito no gaveto das ruas 19 e 24 a confrontar a nascente com a A. – cfr. doc. 15, fls. 1.30, junto com a petição inicial.
17 - Na Memória Descritiva e Justificativa consta o seguinte:
“ A presente memória descritiva refere-se à construção de um edifício que a Sociedade Turística …, Lda, pretende construir no terreno que possui no gaveto das Ruas 19 e 24, em Espinho. A pretendida construção dará continuidade à requerida por Â…, Lda, no gaveto das ruas 26 e 19. Assim dará origem a uma fachada ampla continua, em que os níveis superiores e da galeria serão respeitados.
A construção é constituída por cave, rés do chão, três andares e aproveitamento do desvão da cobertura … “ - doc. 15, fls. 3.30, junto com a petição inicial.
18 - A Comissão Técnica de Avaliação do Património, na sua reunião de 19/03/97, deu parecer desfavorável à pretensão, invocando nomeadamente que o terreno se situava em área definida como conjunto arquitectónico a salvaguardar (n. 1), que o projecto se baseava no estudo urbanístico aprovado em 18/09/90 compreendendo toda a frente da rua 19, no quarteirão que forma gaveto com a Av. Vila Real e a Rua 26 (n. 2) e que tal estudo estava ultrapassado por classificação ulterior da área como conjunto arquitectónico a salvaguardar (n.3) – cfr. doc. 15, fls. 6,30 e segs. junto com a petição inicial.
19 - Presente tal parecer da Comissão Técnica do Património à reunião de Câmara de 08/04/97, esta deliberou que o Departamento de Planeamento Urbanístico informasse quais as implicações do parecer com o projecto, já aprovado pela Câmara, para o terreno onde se encontra o edifício da Academia de Música, isto é, para o terreno da A. – cfr. doc. 15, fls. 12.30, junto com a petição inicial.
20 - A Câmara, na sua reunião de 08/07/97, deliberou por unanimidade manter a solução preconizada no parecer 2896 prestado pelo Arquitecto Urbanista e aprovado pela Câmara na sua reunião de 18/09/1990, o que comunicou à requerente Sociedade Turística …, Lda. pelo ofício 6050 de 01/08/97 – cfr. doc. 15, fls. 13.30 a 17.30 junto com a petição inicial.
21 - O Arquitecto Urbanista aprecia o projecto e a sua inserção urbanística no parecer n.° 3372 de Outubro de 1997 (doc. 15, fls. 18.30 a 20.30), concluindo que o projecto deve ser rectificado para cumprir o estudo aprovado para o local pela deliberação de 18/09/90, o que a Câmara determina por deliberação de 28/10/97 - cfr. doc. 15, fls. 21.30, junto com a petição inicial.
22 – O projecto apresentado pela Sociedade Turística …, Lda. é aprovado em 07/05/98 e concedida a licença de construção é emitido o respectivo alvará em 08/07/98 com validade até 09/01/2000 - cfr. doc. 15, fls. 28.30, 29.30 e 30.30, junto com a petição inicial.
23 – O Plano Director Municipal de Espinho foi ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 36/94, publicada no Diário da República, n.º 117, I Série – B, de 20 de Maio de 1994.
24 – Na Planta de Ordenamento do PDM de Espinho o prédio da Autora está assinalado em “Elemento Arquitectónico a Salvaguardar” num “Conjunto Arquitectónico a Salvaguardar” – cfr. Planta de fls. 116 e processo administrativo.
25 - A pretensão da Autora implica a demolição do edifício existente – Admissão e processo administrativo.
26 – No terreno propriedade da Sociedade T..., Lda, onde foi aprovado e licenciada a construção não existia qualquer edifício – Admissão e processo administrativo.
III-2. Matéria de direito
Como supra se deixou dito, constitui objecto do presente recurso jurisdicional, indagar do invocado erro de julgamento do acórdão recorrido com violação do disposto nos artºs 34º e 35º do Regulamento do PDM, 85º, 86º e 103º do DL 380/99, de 22.SET, alterado pelo DL 310/2003, de 10.DEZ, e 63º, nº 1-a), d), e) e g) do DL 445/91, de 20.NOV.
Sustenta o Recorrente que as regras do Regulamento do PDM de Espinho aplicadas à apreciação da pretensão da Autora são os artºs 34º e 35º e fazem parte da Secção V – Conjunto ou elemento arquitectónico a salvaguardar, incluída esta no Capítulo II – Regulamentação das áreas de ocupação urbanística, isto do Regulamento do PDM do Município de Espinho já identificado.
As estipulações da indicada Secção V do Capítulo II do Regulamento do PDM estão em consonância com a definição dos conteúdos material e documental do Plano Director Municipal (artºs 85º e 86º do Decreto-Lei nº 380/99, de 22-IX, alterado pelo Decreto-Lei nº 310/2003, de 10-XII).
Assim a classificação feita através do PDM, pelas normas indicadas, não constitui uma classificação de património, tal como a mesma é feita pela Lei do Património Cultural, mas um zonamento que atribui ao Município um instrumento de gestão urbanística, a aplicar em consonância com as demais normas atinentes.
Tais normas não têm aplicação imediata ou directa na apreciação das pretensões dos particulares: prevêem o procedimento especial a que ficam sujeitas as operações urbanísticas que recaiam sobre imóveis incluídos naquelas zonas, designadamente as que se destinam a imóveis já construídos e que antes de uma licença ou autorização de construção necessitam de uma licença ou autorização de demolição, como é o caso de imóvel em apreço no processo em discussão nestes autos.
Ora, de acordo com o artº 103º do Decreto-Lei nº 380/99, de 22-IX, alterado pelo Decreto-Lei nº310/2003, de 10-XII (vigente à data do acto impugnado) são nulos os actos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável.
Por outro lado, as normas referidas dos artºs 34º e 35º do Regulamento do PDM de Espinho estão vigentes e não foram por qualquer forma consideradas inválidas, tendo sido expressamente ratificadas, com a ratificação do Plano Director Municipal de Espinho, por Resolução do Conselho de Ministros nº 36/94, publicada in D.R., Iª série-B, nº 117/94, de 20 de Maio de 1994.
Aliás, sendo o PDM de Espinho um Regulamento, tem a sua lei habilitante em acto legislativo de valor idêntico ao da Lei do Património Cultural, pelo que não podem aquelas normas ser consideradas derrogadas pela Lei do Património Cultural, anterior aos referidos Decreto-Lei nº 380/99, de 22-IX, alterado pelo Decreto-Lei nº 310/2003, de 10-XII.
Por outro lado, ainda, a pretensão da Autora não foi indeferida por mera ou automática aplicação de uma classificação ou de normas restritivas dela decorrentes, mas sim de uma apreciação feita por uma comissão prevista no regulamento do PDM, sendo que, nos termos do artº 63º, nº 1, do Decreto-Lei nº 445/91, de 20-XI, aplicável à pretensão, constituíam motivo de indeferimento, além das normas vinculativas decorrentes das suas alíneas a), e) e g), outros fundamentos ao abrigo de direitos discricionários, englobáveis nas alíneas d) e g), pelo que não estava vedado à Câmara Municipal de Espinho indeferir a pretensão, dentro do sub-procedimento previsto no artº 35º, nº 1 do Regulamento do PDM, e através de uma apreciação por fundamentos discricionários que, aliás, não foram postos em causa pela Autora.
Deste modo, não estando declaradas inválidas as regras do artºs 34º e 35º do Regulamento do PDM de Espinho, são as mesmas vinculativas da actuação da Câmara Municipal sob pena dos seus actos serem sancionados pela nulidade decorrente de violação de regras de um plano de ordenamento territorial vigente e inatacado.
A este propósito, sustentou-se na decisão objecto de impugnação o seguinte:
“(…)
O art. 34.º do Regulamento do PDM de Espinho, estabelece que estão incluídas nesta secção as áreas ou elementos delimitados na planta de ordenamento (escala 1:500) designadas «conjuntos arquitectónicos a salvaguardar».
Por sua vez, o art. 35.º dispõe que nesta área, com a observância do disposto nas secções do presente Regulamento, na perspectiva de salvaguardar a importância do elemento ou conjunto arquitectónico, qualquer construção, reconstrução, recuperação, ampliação, instalações, alteração de uso, destaque de parcelas, loteamento e ou obra de urbanização apenas será admitida após apreciação de uma comissão técnica a nomear pela Câmara Municipal para o efeito.
Alega o R. que independentemente do parecer negativo da comissão técnica, logo só pela aprovação do PDM a pretensão da autora de licenciamento de uma nova construção ficou inviabilizada pelo simples facto de o PDM ter elevado o edifício existente no prédio da autora a elemento arquitectónico a salvaguardar, por força do art. 34.º do PDM e respectiva planta.
Nos termos da Lei n.º 13/85, de 06/07 (Lei do Património Cultural Português) a protecção do património cultural imóvel assenta na classificação (art. 7.º, n.º 1) está é precedida de um processo próprio (art. 9.º e 26.º, n.º 1) no qual os proprietários são ouvidos (art. 11.º e 26.º) e a classificação terá de ser fundamentada segundo critérios estritos e precedida do parecer governamental (art. 10.º, 2 e 3 e 26.º) e seguida de um plano de salvaguarda (art. 21.º, n.º 5) .
Ora, o prédio da A. não foi objecto de classificação, não estando sequer em vias de classificação, nunca tendo o edifício da A. obtido essa classificação de valor concelhio. O PDM não pode servir para classificar património cultural de forma expedita escapando ao processo de classificação, sob pena de violação da Lei n.º 13/85
Logo, não pode a entidade demandada atribuir ao PDM os poderes de classificação de património e por essa razão não se pode defender que o edifício da Autora seja “elemento arquitectónico a salvaguardar” inserido em ”conjunto arquitectónico a salvaguardar”.
Efectivamente, os artigos 5.º n.º 1, alínea a) do DL 69/90 e 26.º da Lei n.º 13/85, no seu conjunto, contém uma habilitação legal para que assembleias municipais salvaguardem e valorizem o património cultural e que a inclusão da propriedade da Autora, na zona em questão não produziu o efeito de consumar, por essa via, a sua classificação como bem do património cultural e não existe a categoria de bens a salvaguardar, mas sim unicamente a dos bens classificados ou em vias de classificação e que é ilegal a criação de nova categoria de bem a salvaguardar.
Como defende a jurisprudência, numa situação similar, a letra deste artigo do PDM no seu contexto significativo, inculca a ideia que a autarquia não quis apenas reservar o imóvel para classificação, quis mais do que isso, uma vez que não se limitou a manifestar esse propósito, mas submeteu o imóvel, de imediato e sem limite temporal aos princípios da legislação geral em vigor, nomeadamente no que respeita à definição das zonas de protecção isto é criou mesmo uma nova categoria de protecção que ao arrepio do disposto na Lei do Património Cultural (art. 7.º da Lei 13/85, de 6/7) não assenta na classificação dos imóveis. O plano municipal que tem a natureza de regulamento administrativo (art. 4.º do DL. n.º 69/90), contrariando a habilitação legal e o princípio da prevalência da lei (art. 112.º n.º 7 da CRP) independentemente do procedimento adequado e de acto de classificação, sujeitou o imóvel em causa ao conjunto de restrições de utilidade pública típicas da propriedade privada de bens culturais que a Lei do Património Cultural reserva para os imóveis classificados ou em vias de classificação – cfr. arts. 16.º, 17.º, 22.º, 23.º da Lei n.º 13/85 e Fernando Alves Correia, in “propriedade de bens culturais – restrições de utilidade pública expropriações e servidões administrativas”, in Direito do Património Cultural, p. 400 e segs. – cfr. Ac do STA de 04/07/06.
Logo, não pode a entidade demandada indeferir um pedido de licenciamento de uma obra com base no pressuposto de que esse imóvel está considerado como elemento arquitectónico a salvaguardar inserido em conjunto arquitectónico a salvaguardar e que por isso não pode ser demolido, apenas pode ser restaurado e conservado. Deve, isso sim, verificar a envolvente e todos os demais condicionantes existentes na zona, designadamente as cérceas e o número de pisos e alinhamentos. Assim sendo também irrelevante e em desconformidade com a lei, o parecer da Comissão Técnica que vá nesse sentido.
Pelo que, se verifica cometida violação de lei que conduz à anulação do acto impugnado.
Ademais, na revisão do PDM em curso, não há qualquer referência ao edifício da Autora como património arquitectónico, seja como elemento isolado seja como conjunto.
(…).”
Vejamos se assiste razão à Recorrente em confronto com a tese expendida no acórdão impugnado.
A questão fulcral que se coloca no presente recurso jurisdicional radica, pois, em saber se a pretensão da A., ora Recorrida, quanto à obtenção de licenciamento de uma nova construção no seu prédio pode ser inviabilizada pelo facto do Regulamento do PDM local ter incluído o edifício existente no seu prédio como elemento arquitectónico a salvaguardar, tal como decorre do artº 34º desse Regulamento e da planta a ele anexa, quando é certo que, de acordo com a tramitação definida pela Lei 13/85, de 06.JUL (Lei do Património Cultural Português), esse prédio da A. jamais foi objecto de classificação como património cultural nem está em vias de o ser.
Com relação à invocada violação de lei, por infracção ao disposto nos artºs 34.º e 35.º do PDM, por erro nos pressupostos decorrente da classificação de “elemento arquitectónico a salvaguardar inserido em “conjunto arquitectónico a salvaguardar”, em caso similar ao dos autos, sumariou-se no Ac. do Pleno do STA , de 04.JUL.06, in Rec. nº 01403/02, o seguinte:
“I– Nos termos da Lei nº 13/85 de 6 de Julho, a protecção do património cultural imóvel assenta na classificação, de acordo com as categorias de bens classificados e em vias de classificação, não existindo a categoria de bens a proteger.
II – Por contrariar a referida Lei do Património Cultural, deve rejeitar-se a aplicação da norma do art. 53º/2 do PDM que, independentemente de procedimento adequado e de acto de classificação, inclui certos imóveis na categoria de bens a proteger e os sujeita ao conjunto de restrições de utilidade pública típicas da propriedade privada de bens culturais que aquela lei reserva aos imóveis classificados ou em vias de classificação.
III – (…)”.
E, em desenvolvimento das teses sumariadas, pode ler-se, ao longo do citado acórdão, designadamente, o seguinte:
“(…)
2.2.1. No recurso contencioso, com fundamento em violação do PDM de Guimarães, desrespeito do princípio da proporcionalidade e falta de fundamentação, vem impugnado o despacho ministerial que declarou a utilidade pública urgente da expropriação de uma parcela de terreno a destacar dum prédio misto do recorrente, por ter sido considerada necessária à execução da obra de construção de determinado lanço de estrada.
O acórdão recorrido, com invocação do disposto no art. 57º LPTA, conheceu apenas do primeiro daqueles vícios e concedeu provimento ao recurso contencioso, sendo a decisão justificada com os seguintes argumentos essenciais:
(i) a situação em análise põe em confronto uma norma de génese municipal (do PDM de Guimarães) e um acto administrativo emitido pelo Governo (a declaração de utilidade pública);
(ii) à luz da planta de ordenamento do PDM de Guimarães, o prédio em causa está indicado na categoria de “imóvel a proteger”, categoria essa à qual se aplica o disposto nos nºs 2 e 3 do art. 53º do Regulamento do PDM;
(iii) a submissão a essa categoria impõe a preservação física do prédio o que é incompatível com a sua demolição, consequência do acto recorrido;
(iv) no caso concreto, havendo uma norma regulamentar a impor a preservação do prédio e um acto administrativo que implica a demolição desse mesmo prédio – o princípio da legalidade impõe a prevalência da norma sobre o acto, pelo que a declaração de utilidade pública é inválida por violação do PDM de Guimarães.
A recorrida particular B…, ora recorrente, discorda, em síntese, por várias ordens de razões.
Primeira, a norma do art. 52º do Regulamento do PDM de Guimarães é ilegal e inconstitucional, devendo ser rejeitada a respectiva aplicação, porque só o legislador pode circunscrever no ordenamento jurídico as categorias de bens que devam ser objecto de protecção legal enquanto parte do património cultural, estando vedado a qualquer norma regulamentar “emprestar” o regime legal de protecção de bens culturais a uma categoria de bens – bens a proteger – que a própria Lei 13/85 não previu no seu âmbito de aplicação.
Segunda, a interpretação de considerar que a inclusão do prédio numa zona de protecção como imóvel a proteger significa que, desse modo, se deu início ao respectivo procedimento, extravasa, por completo, o teor literal daquela norma.
Terceira, ainda que tal interpretação estivesse correcta, o simples desencadear de um procedimento de classificação era insuficiente para que o imóvel ficasse abrangido pelo regime de protecção dos bens culturais, porquanto, de acordo com o art. 18º, nº 1 da Lei 13/85 só se consideravam em vias de classificação os bens em relação aos quais houvesse despacho do IPPC a determinar a abertura do respectivo processo de instrução, o que não sucede in casu. Deste modo, à luz do disposto na Lei nº 13/85, o início do procedimento de classificação que se possa hipoteticamente vislumbrar no nº 2 do art. 52º do Regulamento do PDM de Guimarães não tem a virtualidade de qualificar os imóveis abrangidos por essa norma como bens em vias de classificação e dotá-los assim do respectivo regime de protecção legal.
Quarta, acresce ainda que o estatuto de imóvel classificado ou em vias de classificação, não é incompatível com a possibilidade da sua demolição, quer de acordo com o disposto no art. 14º da Lei nº 13/85, quer com o art. 49º da Lei 107/2001. Ora, se a própria lei prevê a possibilidade de demolição de imóveis classificados ou em vias de classificação, seria absolutamente contraditório e ilógico admitir-se que uma norma regulamentar tivesse o condão de, por si só, inviabilizar a demolição de determinados imóveis cuja denominação “a proteger”, é, além, do mais, legalmente inexistente.
Quinta, tal como o STA tem vindo a resolver a questão, o potencial conflito entre a localização dos traçados das vias nacionais – quer por via do acto que aprova a localização, quer por via do acto administrativo de expropriação – e as disposições de um PDM, resolve-se em primeira instância pela supremacia do Plano Rodoviário Nacional e das normas nacionais determinantes das competências dos organismos da Administração Central no quer se refere ao planeamento e localização das estradas nacionais, como sucede com a estrada nacional em causa nos presentes autos.
Vejamos.
2.2.2. A questão da legalidade do acto contenciosamente impugnado foi abordada pela Secção enquanto confronto entre uma norma regulamentar e um acto administrativo.
Ora, nessa linha, começaremos por apreciar da (i)legalidade das normas regulamentares que o acórdão recorrido considerou violadas.
Entende a recorrente que a decisão judicial enferma de erro de julgamento, pois deveria ter sido rejeitada a aplicação de tais normas, por desrespeitarem a Lei do Património Cultural.
Alegação esta que, a proceder, dispensará outras indagações, mormente as que se justificariam em face do disposto no art. 35º/2/c) do DL nº 380/99 de 22/9 que, para efeitos deste diploma, considera como planos sectoriais “as decisões sobre a localização e a realização de grandes empreendimentos públicos com incidência territorial”, norma que ao designar estas decisões, que são actos administrativos, como planos sectoriais, submetendo-as às regras das relações dos planos entre si e não ao regime de sujeição dos actos aos instrumentos de gestão territorial (cfr. arts.102º/1 e 103º do DL nº 380/99, Fernanda Paula Oliveira in “Direito do Ordenamento do Território”, cadernos CEDOUA, p. 81 e acórdão deste Pleno de 2006.07.02 – recº nº 47545) poderia levantar também, por outra razão, o problema da desaplicação do PDM, agora por força da supremacia hierárquica do plano sectorial.
Está assente que a parcela expropriada se insere, como “imóvel ou conjunto de imóvel a proteger” na área abrangida pela “Zona de protecção de imóvel ou conjunto classificado, em vias de classificação ou a proteger”, prevista na Secção II, nºs 2 e 3 do art. 53º do Regulamento do PDM de Guimarães.
E as normas que o acórdão recorrido considerou desrespeitadas pelo acto expropriativo têm o seguinte teor:
Artigo 52º
Designação
Estão incluídos nesta secção os imóveis e conjuntos classificados, ou em vias de classificação, os indicados na carta arqueológica do concelho e todos aqueles julgados de interesse por este Plano.
Artigo 53º
1 – Aos imóveis e conjuntos classificados e em vias de classificação aplica-se a respectiva legislação em vigor.
2 – Aos restantes imóveis e conjuntos a proteger, que vêm indicados na planta de ordenamento, aplicam-se os princípios da legislação geral em vigor, nomeadamente no que respeita à definição das zonas de protecção.
3 – A Câmara Municipal criará uma comissão específica para a gestão destes casos, constituída por técnicos dos vários sectores com eles relacionados, podendo alargar o seu âmbito de acção a imóveis ou conjuntos que posteriormente se venha a considerar de interesse preservar.
O acórdão impugnado considerou improcedente a arguição de ilegalidade destas normas, por falta de habilitação legal, entendendo que a mesma é conferida pelo DL nº 69/90 de 2 de Março e pela Lei 13/85 de 6 de Julho, justificando a decisão deste modo:
(…) Não é exacto que a salvaguarda do património cultural constitua um objectivo a que os PDM são alheios. Desde logo, o art. 5º, nº 1, al. a) indica como princípios e objectivos gerais dos planos municipais a salvaguarda e valorização do património cultural.
Depois, e ao contrário do que os recorridos supõem, o estabelecimento de determinada zona a preservar, podendo incluir uma antiga casa solarenga, de modo algum extravasa daquilo que são, para o art. 9º do mesmo diploma, os poderes dos planos municipais para reger em matéria de transformação do solo nas áreas abrangidas. Do que se trata é, justamente, de impedir determinada intervenção sobre o terreno pela qual se destrua uma construção que oferece interesse do ponto de vista municipal. Concomitantemente, o art. 10º, nº 1, manda que a planta de implantação indique as construções existentes a manter ou a reabilitar.
Por outro lado, e nos termos da Lei nº 13/85, de 6.7, em vigor ao tempo em que o PDM iniciou a sua vigência, as autarquias locais compartilham com o Estado e as regiões autónomas a maior quota-parte de responsabilidade no “levantamento, estudo, protecção, valorização e divulgação do património cultural”.
A classificação dos bens do património cultural pode ser desencadeada pelas autarquias locais – art. 9º, nº 1. O nº 2 deste artigo considera até que “cabe, em especial, às autarquias locais o dever de promover a classificação de bens culturais nas respectivas áreas”.
Quanto à decisão de classificação, o art. 12º confia a sua competência, por regra, ao Governo, com ressalva do disposto no art. 26º, que estabelece o seguinte:
Artigo 26º
1- As regiões autónomas e as assembleias municipais, por proposta da câmara, podem classificar ou desclassificar como de valor cultural, depois de ouvido o respectivo proprietário e em conclusão do processo adequado, os bens culturais imóveis que, não merecendo classificação de âmbito nacional, tenham, contudo, assinalável valor regional ou municipal.
2- A classificação de imóveis de valor local terá de ser fundamentada segundo critérios que estabeleçam de forma inequívoca a relevância cultural do imóvel em causa e de ser precedida de parecer dos serviços regionais do Ministério da Cultura.
3- As câmaras municipais são obrigadas a enviar ao Ministério da Cultura, para efeitos de registo e coordenação, cópia dos processos de classificação e desclassificação dos bens de interesse local e a dar conhecimento das decisões sobre eles tomadas.
4- Para efeitos de eventual recurso das decisões das câmaras municipais relativas às classificações ou desclassificações, bem como às intervenções nos bens de interesse local, podem os interessados solicitar o parecer dos serviços competentes do Ministério da Cultura sobre quaisquer aspectos genéricos ou pontuais da classificação ou intervenção em causa.
Ora, nada parece obstar a que, tendo em vista o conjunto de normas da Lei nº 13/85 e do DL nº 69/90, um PDM inclua a classificação de determinado bem como de valor local ou concelhio. Nesse sentido, existe jurisprudência deste S.T.A. a mostrar que essa conclusão é aceitável, como o Ac. de 25.5.04, procº. nº 1615/02, em que se decidiu que “não está inquinado de invalidade absoluta o acto de classificação de imóvel como de interesse concelhio contido em PDM regularmente aprovado pela Assembleia Municipal”, e se reconheceu expressamente que o art. 26º/1 daquela primeira Lei serve de norma habilitante para o exercício da competência para classificar, distinta da do Governo. Mas seguramente que a inclusão da propriedade do recorrente na zona em questão não produziu o efeito de consumar, por essa via, a sua classificação como bem do património cultural.
A recorrida B… alega, como se viu, que não existe a categoria dos bens a proteger, mas sim, unicamente, a dos bens classificados e em vias de classificação. Mas, não podendo ser intenção de um PDM estabelecer por aquela forma uma classificação definitiva do bem em causa (muito embora o procedimento de elaboração dos PDM também preveja garantias substanciais em matéria de audiência e participação dos interessados), deve entender-se que a inclusão do prédio numa zona de protecção como imóvel a proteger não corresponde à criação de uma categoria nova – que seria efectivamente ilegal – significando antes que desse modo se quis reservá-lo para classificação, dando início ao respectivo procedimento.
Deste modo, improcede a tese de que o art. 53º do PDM incorpora uma restrição sem base legal habilitante, pois a mesma é proporcionada, como vimos, pelas disposições do Dec-Lei nº 69/90 (hoje revogado pelo Dec-Lei nº 380/99, de 22.9) e da Lei nº 13/85. É certo que, como refere a mesma recorrida, esta lei deixou uma lacuna de regulamentação que nunca veio a ser preenchida. Mas a ausência de uma clara fixação de critérios de delimitação entre os bens susceptíveis de uma classificação pelo Governo e pelas autarquias não pode ter a virtude de suprimir por completo a competência que a lei lhes veio reconhecer neste campo, regressando ao exclusivo governamental de classificação que decorria de uma disciplina jurídica anterior alvo de uma revogação de sistema (art. 62º) e que, além do mais, mal se acomodaria aos novos princípios constitucionais em matéria e autonomia municipal. Existindo como existe a questionada base legal habilitante, improcede também a arguição de inconstitucionalidade material feita pela 2ª recorrida.
Atinge-se, deste modo, a conclusão de que o acto impugnado violou as prescrições resultantes dos arts. 52º e 53º do PDM de Guimarães.”
Esta decisão tem por base alguns fundamentos que, igualmente, subscrevemos.
Falamos de que (i) os artigos 5º/1/a) da Lei nº 69/90 e 26º da Lei nº 13/85, no seu conjunto, contêm uma habilitação legal para que as assembleias municipais salvaguardem e valorizem o património cultural, que (ii) a inclusão da propriedade do recorrente contencioso na zona em questão não produziu o efeito de consumar, por essa via, a sua classificação como bem do património cultural, que (iii) não existe a categoria de bens a proteger, mas sim, unicamente a dos bens classificados e em vias de classificação, que (iv) é ilegal a criação de uma nova categoria de bem a proteger e que (v) o PDM quis salvaguardar o imóvel.
Porém, salvo o devido respeito, não concordamos com a interpretação da Secção no sentido de que a inclusão do prédio na zona de imóvel a proteger não corresponde à criação de uma categoria nova, não prevista na lei, significando antes que desse modo se quis reservá-lo para classificação, dando início ao respectivo procedimento.
Na verdade, antes de mais, o art. 53º/1/2 do PDM não alude a qualquer procedimento em curso, nem ao carácter provisório da protecção tendo em vista uma futura classificação. Note-se, aliás, que desde a data da publicação do PDM até à data da prática do acto impugnado decorreram mais de 7 anos sem que o imóvel tivesse sido alvo de classificação.
Depois, a abertura do procedimento, por si só, a exemplo do que se passa com os bens de valor nacional (cf. art. 18º /1 da Lei nº 13/85) incluiria o imóvel, na categoria dos bens em vias de classificação.
Ademais, a letra daquele artigo do PDM, no seu contexto significativo, inculca a ideia que a autarquia não quis apenas reservar o imóvel para classificação. Quis mais do que isso, uma vez que não se limitou a manifestar esse propósito, mas submeteu o imóvel, de imediato e sem limite temporal “aos princípios da legislação geral em vigor, nomeadamente no que respeita à definição das zonas de protecção”. Isto é, criou mesmo uma nova categoria de protecção que, ao arrepio do disposto na Lei do Património Cultural (art. 7º/1 da Lei nº 13/85 de 6 de Julho), não assenta na classificação dos imóveis. Ou dito de outro modo, o plano municipal, que tem a natureza de regulamento administrativo (art. 4º do DL nº 69/90), contrariando a habilitação legal e o princípio da prevalência da lei (art. 112º/7 da CRP), independentemente do procedimento adequado e de acto de classificação, sujeitou o imóvel em causa ao conjunto de restrições de utilidade pública típicas da propriedade privada de bens culturais que a Lei do Património Cultural reserva para os imóveis classificados ou em vias de classificação (cf. arts. 16º a 17º e 22º e 23º da Lei 13/85 e Fernando Alves Correia, “Propriedade de bens culturais – restrições de utilidade pública, expropriações e servidões administrativas” in Direito do Património Cultural, p. 400 e segs).
Assim, tem razão a recorrente enquanto alega que deveria ter sido recusada a aplicação da norma do art. 53º/2 do PDM de Guimarães e que, por consequência, o acto expropriativo não deveria ter sido julgado inválido com fundamento na violação de tais prescrições.
(…)”.
Tal construção jurídica, com a qual se concorda, mereceu acolhimento no acórdão impugnado, com o qual, por isso, não podemos deixar também de concordar.
Assim, não vislumbrando razões para discordar da tese constante do acórdão impugnado, no que respeita à questão da aplicação ao caso dos autos do enunciado pelos artºs 34º e 35º do Regulamento do PDM local e da planta a ele anexa, em confronto com o regime legal definido pela Lei 13/85, de 06.JUL (Lei do Património Cultural Português), somos de concluir pela inaplicabilidade daqueles normativos regulamentares por contrariarem esta Lei, segundo a qual a protecção do património cultural imóvel assenta na classificação, de acordo com as categorias de bens classificados e em vias de classificação, pressupondo a observância do respectivo procedimento administrativo, procedimento administrativo esse que não foi observado no âmbito da qualificação resultante dos normativos atrás citados do Regulamento do PDM local, sendo certo, ainda, que, de acordo com aquela Lei não existe a categoria de bens a salvaguardar, mas unicamente a dos bens classificados ou em vias de classificação, pelo que se configura como ilegal a criação da nova categoria de bens a salvaguardar, por parte deste Regulamento.
E não sendo de aplicar ao caso dos autos os artºs 34º e 35º do Regulamento do PDM local, pelos motivos que se deixam assinalados, não se mostram, em função disso, violados os artºs 85º, 86º e 103º do DL 380/99, de 22.SET, uma vez que a aplicação destes pressupõe a aplicação ao caso do PDM.
Finalmente, refere, ainda, o Recorrente que, a pretensão da A. não foi indeferida por mera ou automática aplicação de uma classificação ou de normas restritivas dela decorrentes, mas sim de uma apreciação feita por uma comissão prevista no Regulamento do PDM, sendo que, nos termos do artº 63º, nº 1, do Decreto-Lei nº 445/91, de 20-XI, aplicável à pretensão, constituíam motivo de indeferimento, além das normas vinculativas decorrentes das suas alíneas a), e) e g), outros fundamentos ao abrigo de direitos discricionários, englobáveis nas alíneas d) e g), pelo que não estava vedado à Câmara Municipal de Espinho indeferir a pretensão, dentro do sub-procedimento previsto no artº 35º, nº 1 do Regulamento do PDM, e através de uma apreciação por fundamentos discricionários que, aliás, não foram postos em causa pela Autora.
Efectivamente, o artº 35º, nº 1 do Regulamento do PDM, refere que “… qualquer construção, reconstrução, recuperação, ampliação, instalações, alteração de uso, destaque de parcelas, loteamento e ou obra de construção apenas será admitida após apreciação de uma comissão técnica …”.
Acontece que a exigência dessa apreciação por intermédio de uma comissão técnica que decorre daquele normativo legal do Regulamento do PDM é feita “na perspectiva de salvaguardar a importância do elemento ou conjunto arquitectónico”.
Ora, como no caso dos autos, está afastada a classificação do edifício existente no prédio da A. como elemento arquitectónico a salvaguardar, derivada da aplicação dos artºs 34º e 35º do Regulamento do PDM, torna-se irrelevante a apreciação efectuada por essa comissão técnica, uma vez que a mesma foi efectuada naquele pressuposto.
Deste modo, julga-se improcedente a invocação da violação do artº 63º do DL 445/91, de 20.NOV, uma vez que a decisão contida no acórdão recorrido não impõe ao R., ora Recorrente, o deferimento do pedido de licenciamento, nos termos requeridos pela A., ora Recorrida.
Termos em que improcedem as conclusões de recurso atinentes ao invocado erro de julgamento de direito.
E improcedendo as conclusões de recurso, impõe-se, em consequência, a manutenção do acórdão recorrido.
IV- DECISÃO
Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do TCAN em negar provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 Uc’s – Cfr. artºs 73º-A-1, 73º-D-3, 73º-E-a) do CCJ e 189º do CPTA.
Porto, 05 de Março de 2009
Ass. José Luís Paulo Escudeiro
Ass. Maria do Céu Dias Rosa das Neves
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho