Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00450/11.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/29/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:JUS AEDIFICANDI; REVISÃO DO PDM; REN; EXPRORIAÇÃO DO PLANO; ARTIGOS 18.º DO DL 48/98, DE 11/98, ARTIGO 143.º DO DL 380/99, DE 22/09 E ARTIGO 16.º DA LEI 67/2007, DE 31/12.
Sumário:1-O direito de construir não resulta sem mais do direito de propriedade, sendo apenas reconhecido ao proprietário o direito de usufruir da propriedade nos termos consentidos pela ordem jurídica globalmente considerada, onde se inserem as normas elaboradas para a proteção dos interesses de ordem pública como são aquelas que se destinam a regular o ordenamento do território e o licenciamento de operações urbanísticas.

2- De acordo com os artigos 18.º, n. º 2 da Lei 48/98, de 11.08 e 143.º, n.ºs 2 e 3 do DL 380/99, de 22.09, são pressupostos do direito à indemnização em virtude de revisão do Plano Diretor Municipal que limite ou exclua a capacidade construtiva de um prédio, a existência de um licenciamento prévio e que as restrições que resultem da revisão desse instrumento de gestão territorial ocorram dentro do período de cinco anos após a sua entrada em vigor.

3- Não tendo a autora demonstrado que por motivo das restrições singulares às possibilidades objetivas de aproveitamento do solo resultantes de revisão operada em 2009, ao PDM de (...), tivesse resultado a caducidade ou a alteração das condições de um licenciamento prévio, carece do direito de indemnização que reclama. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:H., LDA.
Recorrido 1:MUNICÍPIO (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte:

I – RELATÓRIO

1.1. “H., LDA.”, NIPC (…), com sede no lugar da (…), freguesia de (…), concelho de (…), instaurou a presente ação administrativa comum contra o MUNICÍPIO (...), NIPC (…), com sede no Largo (…), concelho (…), pedindo a condenação do Réu no pagamento à Autora da quantia de 390.468,00€, relativa a indemnização pela “expropriação do plano” do terreno identificado nos artigos 2º e 3º da petição inicial.
Alegou, para tanto e em síntese, que, em 2005, adquiriu o imóvel em causa nos autos com vista a proceder a uma operação de loteamento do terreno e criou legítimas expectativas quanto ao uso do imóvel em causa, tendo até tido o cuidado de se informar previamente sobre a sua viabilidade construtiva.
Em 20.05.2008, apresentou na Câmara Municipal de (...) um pedido de licenciamento de operação urbanística para edificação de duas construções de habitação coletiva, para o prédio em questão.
O referido Processo, em 31.10.2008, foi suspenso por decisão da Câmara Municipal, em virtude de ter sido iniciado o procedimento de revisão do Plano Diretor Municipal já que a zona onde se insere o imóvel da Autora ia ser abrangida por novas regras urbanísticas.
Em 2009, foi proferida decisão que indeferiu a pretensão de licenciamento da Autora, com fundamento em o imóvel, propriedade da Autora, integrar a REN, “mais concretamente “zona ameaçada pelas cheias”, conforme previsão do novo PDM, entretanto em vigor”.
Afirma que a revisão do PDM lhe subtraiu o direito de edificar num terreno que adquiriu em exclusivo para este fim, configurando tal revisão uma verdadeira expropriação do plano quanto ao prédio da Autora, vendo-se confrontada com uma situação anormalmente inesperada, que lhe causa um prejuízo especial, pelo qual deverá ser indemnizada.

1.2. Regularmente citado, o Réu contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Na defesa por exceção invocou a sua ilegitimidade passiva e quanto à defesa por impugnação, pugnou pela improcedência da ação por entender que não pode a Autora sustentar qualquer direito ou mesmo expectativa juridicamente tutelada de aprovação de qualquer operação urbanística para o prédio em causa. E ainda que a Autora não destacou qualquer sacrifício especial, singular, que tenha sofrido por comparação com outros também abrangidos pela inserção na REN.

1.3. Foi elaborado despacho saneador, que julgou improcedente a exceção da ilegitimidade passiva, e no qual se procedeu à seleção da matéria de facto assente e controvertida.

1.4. O Réu interpôs recurso do despacho saneador na parte em que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade passiva.

1.5. Em 27 de Novembro de 2013, foi realizada audiência final, com observância de todas as formalidades legais.

1.6. Em 19 de março de 2014, proferiu-se sentença, que julgou a ação improcedente, absolvendo o Réu do pedido e que consta do seguinte segmento decisório:
«Em face do explanado, julgo improcedente a presente acção e, em consequência, absolvo a entidade demandada do pedido.
*
Custas pela Autora.
*
Registe e notifique»
*
1.7. Inconformada com o decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apleação, em que formula as seguintes conclusões:
«1ª Com o presente recurso a Recorrente pretende ver discutida: 1) a resposta à matéria de facto dos artigos 1, 2, 3 e 4 da base instrutória; 2) a necessidade de uma ampliação da matéria de facto; 3) a interpretação do direito aplicável ao objecto do litígio.

A Recorrente não concorda com a resposta ao artigo 2 da base instrutória, pois entende que dos depoimentos das testemunhas e dos documentos juntos deveria o mesmo ter sido dado como provado.

A Recorrente discorda das respostas dadas aos artigos 1, 3 e 4 da base instrutória, pois considera que da prova pericial realizada e dos documentos juntos tais pontos deveriam ter tido uma resposta diferente, no caso totalmente positiva.

Um cheque é um meio de pagamento, uma ordem emitida a favor de um terceiro, traduzindo uma determinada intenção e vontade do seu emitente.

A não consideração do cheque como prova bastante para o pagamento da quantia nele aposta constitui interpretação que menoriza o papel do cheque no comércio jurídico, retirando-lhe o valor que o mesmo tem.

No tocante a este quesito não se detecta porque não valorou o Tribunal “a quo” os depoimentos das testemunhas H. e V., que se afirmaram credíveis, pormenorizados e conhecedores da realidade factual.

As passagens transcritas dos depoimentos destas duas testemunhas, conjugados com o doc. nº 11 junto com a p.i., impunham decisão diversa para o Tribunal, concretamente a prova do quesito 2.

A douta sentença recorrida não se pronuncia sobre a credibilidade dos depoimentos, apenas referindo que os mesmos foram insuficientes, o que constitui uma mera conclusão.

A douta sentença recorrida não explica porque chegou a esta conclusão negativa sobre o quesito 2; a convicção do julgador deve ser conhecida das partes, com a descrição do percurso cognitivo e avaliativo seguido, por forma a que se possa, afinal, compreender porque se valorou mais uma prova do que outra, ou porque não se considerou determinada prova.

10ª O Tribunal “a quo” refere, ainda, para sustentar o seu entendimento sobre a resposta negativa a este quesito 2, que não foi alegada dificuldade em chamar a depor o Arqº Teles, o que não é correcto, pois como referiu a testemunha V. a relação entre a Recorrente e o referido Arqº entrou em atrito.

11ª A circunstância de uma dada pessoa não ser arrolada como testemunha nunca poderá ser esgrimida como argumento contra uma das partes, até porque se o Tribunal a considerava relevante no uso dos seus poderes poderia tê-la convocado.

12ª Não havendo motivos para se desconsiderarem os depoimentos daquelas duas testemunhas, os mesmos, conjugados com o doc. nº 11 junto com a p.i., deveriam conduzir a decisão diversa, concretamente no sentido da prova do facto em causa, alteração este que expressamente se requer.

13ªNa apreciação deste quesito 2 escreve-se na douta sentença recorrida que a Recorrente não juntou documentos comprovativos do levantamento dos cheques em questão.

14ª Só com a notificação da douta sentença é que este aspecto se mostrou relevante, pelo que ao abrigo do disposto no artigo 651º/nº 1 2ª parte (a junção de documento torna-se necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª instância) a Recorrente pretende lhe seja admitida a junção de três documentos, concretamente os extractos das contas bancárias de onde foram sacados os cheques em questão.

15ª Os quesitos 1, 3 e 4 tiveram uma resposta positiva mas restritiva, a qual partiu do entendimento do Tribunal de que o terreno propriedade da Recorrente estava classificado na carta de condicionantes do PDM de (...) versão de 1994 como REN e área sujeita a cheias do rio Minho.

16ª Os três peritos são unânimes em considerar que na vigência do PDM de versão de 1994 o terreno da Recorrente estava inserido em “área de espaço urbanizável secundário de construção extensiva”.

17ª A única diferença entre a posição do Recorrido e dos peritos do Tribunal e a Recorrente e o perito por si indicado é que os primeiros sustentam que o terreno está condicionado pela carta de condicionantes em REN e a Recorrente alega que esta condicionante é falsa e inexistente.

18ª A contradição entre as duas conclusões a que chega o Tribunal “a quo” é insustentável do ponto de vista do planeamento urbanístico, pois as duas realidades não são conciliáveis, dado que se um terreno está classificado em REN, não pode estar classificado no PDM como espaço urbanizável.

19ªExistem documentos nos autos que permitiam concluir em sentido diverso ao provado, a saber:
o doc. nº 7 junto com p.i. tem um ofício do Recorrido em que este informa que o terreno em causa, de acordo com o PDM proposto e que viria a ser aprovado, encontra-se em zona urbanizável, nada referindo sobre qualquer condicionante;
o doc. nº 8 junto com a p.i., que consiste em parecer relativo a construção no mesmo lugar e freguesia do terreno da Recorrente, sustenta que o mesmo é urbanizável, nada referindo sobre qualquer condicionante.

20ª Após a notificação da douta sentença recorrida, a Recorrente logrou obter contacto junto do Arquitecto que coordenou a execução do PDM de (...) versão 1994 (Paulo de Queiroz Valença); não o fez antes porque não conhecia a pessoa em causa, senão teria a mesma sido arrolada como testemunha.

21ª Este técnico, depois de analisada a situação, emitiu declaração, suportada na carta de ordenamento e na carta de condicionantes do PDM de (...) versão de 1994, emitidas pela entidade competente (Direcção-Geral do Território), na qual conclui que o terreno propriedade da Recorrente “...não estava integrado em área que foi classificada como REN, e sim em área que foi classificada como espaço urbanizável secundário...”.

22ª As certidões juntas constituem cópia dos originais remetidos pelo Recorrido quando apresentou o PDM às entidades competentes para posterior aprovação e ratificação.

23ª A declaração e as cartas agora juntas pela Recorrente foram obtidas em data posterior à notificação da douta sentença, e mostram-se indispensáveis para esclarecer uma questão que se mostra altamente controversa e muito duvidosa, pelo que se requer a sua admissão excepcional ao abrigo do citado artigo 651º/nº 1 do CPC.

24ª Só com a sentença é que a Recorrente compreendeu que o desfecho da lide assentou essencialmente num entendimento que não é verdadeiro, pois apesar da resposta do Recorrido, pensava a Recorrente que em sede de prova pericial esta questão acabaria por ser decidida no sentido por si defendido, o que não veio a suceder.

25ª A resposta aos artigos 1, 3 e 4 deve ser dada apenas em face da posição assumida pelo perito da Recorrente, ou seja:
Artigo 1: o terreno propriedade da Recorrente tinha um valor de € 400.000,00 antes da aprovação do novo PDM;
Artigo 3: com o projecto aprovado e as infraestruturas executadas o terreno propriedade da Recorrente teria um valor de € 656.250,00;
Artigo 4: por força do novo PDM o terreno da Recorrente tem um valor de € 60.000,00.

26ª Para a eventualidade dos documentos novos não serem aceites, considera a Recorrente que a resposta aos artigos em causa da base instrutória é insuficiente, traduzindo nulidade prevista nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 615º do CPC.

27ª O Tribunal “a quo” sustenta o seu entendimento na prova pericial, concretamente na posição dos peritos do Recorrido e do Tribunal, que defenderam posição maioritária em face da posição assumida pelo perito da Recorrente, e ainda na circunstância do perito do Tribunal oferecer garantias de maior imparcialidade (cfr. pág. 12 da douta sentença).

28ª O argumento da maioria não pode prevalecer, pois não constitui critério com valor jurídico; a prova de um facto não se pode fazer em termos de “quantidade”, mas antes em função de um juízo crítico que se deve plasmar na decisão judicial.

29ª No mesmo sentido se dirá que para que o perito do Tribunal ofereça mais garantias de imparcialidade do que os demais, será necessário que o Tribunal “a quo” fundamente este entendimento.

30ª Em face da insuficiente fundamentação da resposta do Tribunal “a quo” aos artigos 1, 3 e 4 da base instrutória, deverá considerar-se que esta parte da decisão é nula, por violação das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, devendo em consequência suprir-se esta nulidade se os autos contiverem os elementos suficientes ou, em alternativa, ordenar-se a descida dos autos à 1ª instância para suprimento da invocada nulidade.

31ªCom vista à melhor decisão da causa, segundo as várias soluções de direito previstas, entende a Recorrente que se devem aditar alguns factos ao elenco dos provados, ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC, os quais decorrem de documentos, não contrariados nos autos; estes factos são:
a) Por ofício nº 506 de 22.02.2006 a CCDRN informou o Recorrido, relativamente a pedido de informação prévia apresentado pela Recorrente (facto provado 10), que a pretensão formulada não colidia com a REN nem domínio hídrico (este facto prova-se pelo doc. nº 3 junto com a contestação);
b) A zona onde se encontra o terreno propriedade da Recorrente encontra-se dotada de infra-estruturas de água, energia eléctrica e vias de acesso pavimentadas; existem nesta zona construções/edificações nos terrenos contíguos e próximos do da Recorrente, devidamente licenciadas (este facto prova-se pela alegação constante nos artigos 33, 34 e 62 da p.i., foram confirmados pelos peritos e também resultam das plantas juntas na contestação pelo próprio Recorrido).

32ªNo pressuposto de que o novo PDM de (...) é que introduziu uma condicionante que antes não existia, considera a Recorrente que a situação em causa configura uma expropriação do plano.

33ª O D.L. nº 380/99, de 22.09 restringe inexplicavelmente o âmbito da Lei nº 48/98, de 11.08, pelo que há que lançar mão da figura da responsabilidade pelos factos lícitos e ainda do artigo 16º da Lei nº 67/2007, de 31.08, que regula a chamada indemnização pelo sacrifício.

34ª A revisão do PDM subtraiu à Recorrente o direito de edificar num terreno que adquiriu em exclusivo para este fim e que o permitia.

35ª Mesmo com a revisão do novo PDM em curso (cfr. doc. nº 12 da p.i.), na fase de discussão pública a Recorrente alertou o Recorrido para os prejuízos que decorriam da aprovação do plano e da falta de fundamento em tal revisão.

36ª O artigo 18º da Lei nº 48/98, de 11.08 e o nº 2 do artigo 143º do D.L. nº 380/99, de 22.09 são fundamento legal suficiente para alicerçar o direito a uma indemnização para a Recorrente, configurando a revisão do PDM uma verdadeira expropriação do plano quanto ao prédio propriedade da Recorrente identificado nos autos, contanto que se defenda uma interpretação conforme à Constituição, devendo, no limite, chamar-se à colação a figura da responsabilidade pelos factos lícitos e ainda o artigo 16º da Lei nº 67/2007, de 31.08, que regula a chamada indemnização pelo sacrifício.

37ª Numa lógica de qualificação dos prejuízos sofridos pela Recorrente, e tendo presente a jurisprudência dominante, que defende apenas serem indemnizáveis os prejuízos anormais, é entendimento da Recorrente que se viu confrontada com uma situação anormalmente inesperada, que lhe causa um prejuízo especial.

38ª Antes da Recorrente duas outras entidades obtiveram pareceres favoráveis para construírem no prédio em causa, e existem outras construções em redor do seu prédio, devidamente licenciadas pelo Recorrido.

39ªOcorre aqui uma situação preexistente, consolidada, de uma potencialidade edificatória do prédio em causa que desde 1994 veio a ser reconhecida pelo Recorrido, e que motivou a que a Recorrente, conhecedora dos antecedentes que existiam nos serviços do Recorrido - duas pronúncias atestando que o prédio detinha capacidade construtiva -, avançasse para a aquisição referida.

40ª A perda de capacidade construtiva constitui uma verdadeira expropriação, porquanto o terreno passará apenas a ser utilizado para fins agrícolas.

41ª A situação a que a Recorrente se viu confinada é excepcional: os proprietários dos terrenos que se encontram em seu redor lograram edificar construções, enquanto que a Recorrente se viu impedida de o fazer, não obstante ter a expectativa de o fazer, expectativa esta que resultou de anteriores posições do Recorrido e dos instrumentos de planeamento urbanístico em vigor.

42ª O prédio da Recorrente está rodeado por construções, em zona dotada de todas as infra-estruturas de água, energia eléctrica e vias de acesso pavimentadas, donde resulta uma convicção maior de que o direito de construção estava consolidado.

43ª A douta sentença recorrida violou os artigos 18º da Lei nº 48/98, de 11.08, 143º/nº 2 do D.L. nº 380/99, de 22.09 e 16º da Lei nº 67/2007, de 31.12.

44ª A procedência da tese da Recorrente implica, necessariamente, a condenação do Recorrido no pagamento da indemnização peticionada.

TERMOS EM QUE o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue procedente o pedido formulado pela Recorrente, assim se fazendo JUSTIÇA.»
*
1.7. O Réu contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação, apresentando as seguintes conclusões:
«
I. A causa de pedir da presente acção, tal como a mesma foi configurada pela Recorrente, é o ressarcimento de prejuízos por esta alegadamente sofridos, causados por hipotéticos atos lícitos praticados pelo MUNICÍPIO (...), pressupostos da responsabilidade por facto lícito prevista no artº 16º da Lei nº 67/2007, intitulado “Indemnização pelo sacrifício”, solicitando que o Réu seja condenado a pagar uma indemnização por danos patrimoniais.

II. Para que a acção pudesse proceder, deveria a Recorrente ter provado, nos termos do artº 342º do CC, que os prejuízos por si sofridos tinham sido “especiais e anormais” e o nexo de causalidade entre a actuação, apesar de lícita, do Recorrido e os ditos prejuízos, prova essa que não foi feita.

III. Nos termos do disposto no artº 651º, nº 1 do CPC, “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”

IV. A necessidade de junção, em fase de recurso, de extratos bancários reportados aos anos de 2007 e 2008, não foi certamente despoletada pelo julgamento do tribunal a quo: a ora Recorrente sabia da necessidade de provar que havia encomendado e pago serviços de arquitectura a um terceiro.

V. Trata-se, portanto, da junção inadmissível em fase de recurso de documentos que a Recorrente tinha na sua posse e poderia ter juntado aos autos com os articulados da 1ª instância.

VI. A questão suscitada pela Recorrente da não inserção do seu prédio rústico em área REN no PDM de 1994 não foi objecto de pronúncia na decisão recorrida, tratando-se, pois, de uma questão nova fora do âmbito do recurso jurisdicional que visa apenas modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova -cfr. artigos 627.º, n.º 1 e 635.º, n.º 4 do CPC -, não sendo, assim, lícito suscitar questões que não foram objecto da decisão impugnada.

VII. A necessidade de provar o não enquadramento do terreno da Recorrente em área REN não foi certamente determinada pelo julgamento do tribunal a quo, pelo que a junção de declaração/parecer de técnico consubstancia uma junção de documento inadmissível na presente fase de recurso, porquanto a Recorrente poderia e, como tal, deveria ter providenciado e juntado o mesmo aos autos com os articulados da 1ª instância, em obediência ao princípio do ónus da prova dos fatos a que o mesmo respeitam.

VIII. Não existe qualquer fundamento, nem tal pretensão tem sustentação legal no previsto no artº 662º do CPC, até porque a Recorrente não reclamou contra a selecção da matéria de facto conforme previsto no artº 596º, nº 2 do CPC, devendo ser rejeitada a solicitada ampliação da matéria de facto.

IX. Os requisitos de que depende o direito à indemnização não estão preenchidos no caso presente, pois entre a aprovação do 1º PDM de (...) e a aprovação da sua revisão mediaram mais de catorze anos, logo, muito para além do prazo definido no nº 3 do artº 143º do Decreto-Lei n.º 380/99, não estando verificado o primeiro requisito para o direito a uma indemnização.

X. A Recorrente nunca teve um pedido de licenciamento aprovado, tendo sido sucessivamente indeferidos os seus pedidos de informação prévia e de licenciamento, pelo que também não estava verificado o segundo requisito para o direito a indemnização.

XI. Resulta do articulado do artº 143º do Decreto-Lei n.º 380/99 que só há direito a indemnização e só há equivalência a expropriação se existir possibilidade objectiva de aproveitamento do solo preexistente e juridicamente consolidada.

XII. A Recorrente não destacou qualquer sacrifício especial, singular, que tenha sofrido por comparação com outros também abrangidos pela inserção na REN.

XIII. Não pode a Recorrente sustentar qualquer direito ou, mesmo, expectativa juridicamente tutelada de aprovação de qualquer operação urbanística para o prédio em questão.

XIV. A douta sentença sub judice, tendo feito uma correcta apreciação da prova e uma exemplar aplicação do Direito aos factos provados, não desrespeitou qualquer preceito legal ou constitucional, não merecendo, pois, qualquer reparo.

TERMOS EM QUE, a douta sentença sob recurso, posta em crise pela Recorrente merece integral confirmação.».

1.8. O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do n.º1 do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer, pronunciando-se a favor da improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.

1.9. Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nestas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se ao seguinte:
b.1.- da admissibilidade legal da junção aos autos pelo apelante dos documentos n.ºs 1,2,3 e 4, juntos em anexo às suas alegações de recurso;
b.2- da nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação e por contradição entre a decisão e os fundamentos;
b.3.- do erro de julgamento quanto à matéria de facto vertida nos pontos 1,2,3 e 4 da base instrutória;
b.4.- do aditamento de matéria de facto ao elenco dos factos assentes;
b.5- do erro de julgamento quanto à decisão de mérito por ter julgado não provados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual pelo sacrifício, em violação dos artigos 18.º da Lei n.º 48/98 de 11/08, 143.º, n.º 2, do DL n.º 380/99, de 22/09, alterado pelo DL n.º 310/03 de 10/12 e, ainda. 16.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12 .
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. O Tribunal a quo deu como assentes, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:
«1- A Autora é uma sociedade comercial que tem por objecto social a construção civil e empreitadas de obras públicas e s compra e venda de imóveis. (matéria de facto assente A)
2- A Autora é dona e legítima possuidora do prédio rústico denominado “(...)”, com a área de 12.000 m2, composto por terreno de cultura, o qual confronta de Norte com estrada da Ladeira, de Sul e Nascente com caminho público e de Poente com M.. (matéria de facto assente B)
3- O prédio em causa situa-se em (...), freguesia de (...), concelho de (...), encontra-se inscrito na matriz predial sob o artigo 5911 e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 167, encontrando-se registado a favor da Autora. (matéria de facto assente C)
4- Na sequência de pedido de viabilidade de construção apresentado nos serviços do Réu por H., por referência ao prédio rústico situado no Lugar da (...), freguesia de (...), concelho de (...), os serviços do Réu emitiram parecer com o seguinte teor: “Pela carta de proposta do PDM de (...), o terreno do requerente encontra-se em “Espaço Urbanizável Secundário”, para construção extensiva sendo de cumprir na construção: “edifícios habitacionais unifamiliares ou mistos para pequeno comércio ou serviços, sendo nestes casos a percentagem da área bruta para comércio ou serviço inferior a 30% e localizadas sempre a nível do r/c. A percentagem de construção em contacto com o solo será sempre inferior a 40% da área total da parcela e a altura dos edifícios não será superior a r/c + 1”. (matéria de facto assente D)
5- Tendo sido exarado o despacho, datado de 09 de Março de 1994, com o seguinte teor “O terreno assinalado na carta anexa está enquadrado em espaço urbanizável secundário. A construção é possível nas condições referidas pelo Arq. Pedro Dinis.” (matéria de facto assente E)
6- Pela Resolução do Conselho de Ministros nº 110/94, publicada no Diário da República, 1ª série B, nº 254, de 3 de Novembro de 1994, foi ratificado o Plano Director Municipal de (...). (matéria de facto assente F)
7- Pela Resolução do Conselho de Ministros nº 148/96, publicada no Diário da República, 1ª série B, nº 211, de 11 de Setembro de 1996, foi aprovada a delimitação da Reserva Ecológica Nacional do concelho de (...). (matéria de facto assente G)
8- No âmbito do processo de licenciamento nº 149/03, em que foi Requerente Finiprogress – Construções, Lda., e por referência ao prédio rústico denominado “Moinhos”, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o nº 00748/040205, omisso na matriz, foi emitida pelos serviços do Réu informação com o seguinte teor: “Pretende o requerente a reconstrução e ampliação vertical de um edifício existente destinado a utilizar como comércio localizado no lugar de (...), freguesia de (...), numa parcela localizada na carte de ordenamento do PDM (...) em área de urbano de construção extensiva, sujeito a licenciamento administrativo.
O edifício existente, tem características arquitectónicas a respeitar, considerando-se que o projecto de arquitectura, para o uso pretendido, qualifica o existente na sua utilização e imagem, com a alteração proposta para a sua recuperação e ampliação, sendo de acordo com a envolvente edificada e alinhamentos pré-existentes.
[...]
Assim, considera-se que o projecto de arquitectura, tal como apresentado, está em condições de ser aprovado, não se verificando qualquer desrespeito á legislação vigente, nomeadamente o regulamento do PDM de (...), tendo o projecto obtido parecer favorável do S.N. de Bombeiros.
[...]”.(matéria de facto assente H)
9- Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 20 de Junho de 2005, a Autora adquiriu o imóvel referido em 3 pela quantia de 375.000,00€. (matéria de facto assente I)
10- Em 3 de Novembro de 2005, a Autora apresentou junto do Réu um pedido de informação prévia para apreciação da viabilidade de construção de uma urbanização em regime de condomínio fechado, que foi autuado sob o número 21/2005. (matéria de facto assente J)
11- Por despacho, datado de 15 de Março de 2006, do Vereador do Pelouro de Obras e Urbanismo, o referido pedido foi indeferido com base na informação elaborada pelos técnicos do Réu, com o seguinte teor: “[...] Conforme parecer emitido anteriormente sobre o processo e comunicado à requerente por Ofº 1829 qualquer viabilização de construção nesta parcela, está condicionada a parecer prévio e desafectação para a edificabilidade, do Ministério do Ambiente, atendendo á sua inclusão em área sujeita a cheias do rio Minho e Reserva Ecológica. Sobre este assunto, emitiu a CCDRN, parecer em como a proposta não colide com a área de domínio hídrico ou Reserva Ecológica nacional, remetendo à consideração da Câmara Municipal a utilização da área em apreciação.
Este parecer contraria a carta de condicionantes do PDM de (...), assim como o defendido pelo representante do Ministério do Ambiente, nas reuniões onde está em causa a revisão do PDM de (...), nas quais sempre defendeu a alteração e implementação da cota de cheias para a cota 15,0, contrariamente à cota 13,0, actualmente em vigor, sendo a cota da parcela, referenciada na carta topográfica à escala 1/10 000, de 11,1.
Pela apreciação da planta da proposta em anexo ao processo, pretende a requerente seja considerada a proposta em regime de condomínio fechado, submetendo-se a sua aceitação à consideração superior, devendo no entanto ser considerado no arruamento um perfil mínimo de 11,0 metros, sendo 8,0 de faixa de rodagem e 1,50 m de passeio em ambos os lados.
Mais se informa que no pedido de informação prévia, conforme instruído, não é possível emitir um parecer correcto, relativamente ao enquadramento urbanístico da pretenção, nomeadamente para apreciação da área a instalar o depósito de resíduos sólidos exigido em parecer da Divisão de Serviços Urbanos, devendo ser instruído com cotas de soleira das edificações e arruamento e perfis abrangendo a totalidade da parcela e envolvente próxima.
Mais se informa dever a requerente esclarecer devidamente as características das edificações, considerando a sua designação por lotes nas peças escritas, de forma a definir claramente a operação urbanística a apreciar. [...]”. (matéria de facto assente K)
12- Em 20 de Maio de 2008, a Autora apresentou um pedido de licenciamento de operação urbanística para edificação de duas construções de habitação coletiva, que foi autuado nos serviços camarários sob o n.º 88/2008. (matéria de facto assente L)
13- Por despacho do Vereador do Pelouro das Obras e Urbanismo, datado de 11 de Junho de 2008, exarado na informação datada de 09 de Junho de 2008, foi a Autora notificada para os seguintes fins:
informar da condicionante de autorização da CCDRN para permitir a edificabilidade num terreno classificado como reserva ecológica na carta de condicionantes e da remessa de cópia do processo à CCDRN,
a necessidade de instruir o processo com cortes;
a necessidade de retificar a área do terreno na descrição do registo predial;
informar da solicitação de pareceres dos serviços internos da Câmara quanto a infra-estruturas. (matéria de facto assente M)
14- Por despacho do Presidente da Câmara, datado de 11 de Agosto de 2008, foi declarado aberto um período de discussão pública da Proposta de Revisão do Plano Diretor Municipal de (...), pelo período de 15 de Setembro a 24 de Agosto. (matéria de facto assente N)
15- Em 22 de Setembro de 2008, foi deu entrada nos serviços do Réu o ofício com a referência n.º 520036, de 18 de Setembro de 2008, proveniente da CCDRN, com o seguinte teor “[...] Aguardando o envio dos documentos em falta, podemos, contudo, desde já informar que, a verificar-se – como é dito no citado ofício – que a realização do projecto envolve a utilização de solos delimitados como REN, o mesmo não é enquadrável nas “acções insusceptíveis de prejudicar o equilíbrio ecológico” a que alude o n.º 2 do artº 4º do regime da REN ainda vigente, nem é passível de poder vir a ser tido como compatível com os objectivos a que se refere o n.º 2 do artº 20 do Dec.-Lei n.º 166/08, de 22 de Agosto – pelo que se encontrará proibido”. (matéria de facto assente O)
16- Por ofício com a referência “DSOT/DOGET”, datado de 20 de Outubro de 2008, a CCDRN informou o Réu que indefere a pretensão em questão uma vez que esta colide com áreas que integram a Reserva Ecológica Nacional e (...), mais precisamente “Zonas Ameaçadas pelas cheias”. (matéria de facto assente P)
17- Em 31 de Outubro de 2008, foi proferida pelos serviços do Réu, uma informação, com o seguinte teor: “Pretende o requerente seja apreciado um processo para a edificação de uma parcela com duas edificações destinadas a habitação colectiva em regime de condomínio fechado, numa área definida no seus limites, de acordo com implantação anexa ao processo, enquadrada na Carta de Ordenamento do PDM (...) em área de Espaço urbanizável secundário de construção extensiva e na carta de condicionantes do PDM (...), como área de Reserva Ecológica Nacional de acordo com implantação anexa ao processo.
Estas são áreas de baixa densidade de ocupação ou ainda não ocupadas, que poderão transformar-se de uma forma mais imediata, ou somente a prazo, em espaços urbanos, mediante a sua infraestruturação de acordo com planos ou estudos.
A construção de edifícios está condicionada à existência ou previsão de armamentos e infraestruturas básicas ou à execução de loteamentos urbanos, devendo a edificação dar cumprimento ao disposto no artigo 23 do regulamento do PDM (...) e demais legislação em vigor.
Estando a parcela classificada na carta de condicionantes do PDM de (...) como Reserva Ecológica Nacional, deverá ser condicionada a autorização de desafectação para a edificabilidade, a emitir pelo Ministério do Ambiente, tendo sido remetida cópia do processo à CCDRN, dando cumprimento ao estabelecido no artigo 13 A do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 60/2007 de 4 de Setembro, sobre o qual foi emitido parecer de indeferimento, nos termos a comunicar ao requerente.
Conforme previsto no Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de Setembro, conjugado com o previsto na Lei n.º 60/2007, que procedeu à alteração ao DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro, o qual estabelece o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, ficam suspensos os pedidos de licenciamento requeridos para as áreas a abranger por novas regras urbanísticas, constantes do plano municipal ou especial de ordenamento do território ou sua revisão, a partir da data fixada para o início da discussão pública e até à data de entrada em vigor daquele instrumento. Cessando a suspensão do procedimento nos termos anteriores, a apreciação do processo será de acordo com as novas regras urbanísticas em vigor”. [realce original] (matéria de facto assente Q)
18- Pelo ofício com a referência “DSOT/DOGET ID 547515 – 21.11.2008”, dirigido a V., a CCDRN reiterou o indeferimento sobre a pretensão edificativa formulada pela Autora, emitido através do ofício n.º 533612, de 20/10/2008, com o argumento de que colidia com áreas que integram a Reserva Ecológica Nacional do MUNICÍPIO (...), mais precisamente o sistema “Zonas Ameaçadas pelas Cheias”. Mais referiu que anteriores pareceres em sentido diverso só se podem justificar com uma deficiente análise e interpretação das cartas aprovadas pela Resolução do Conselho de ministros n.º 148/96, de 13 de Setembro. (matéria de facto assente R)
19- Em 25 de Fevereiro de 2009, os serviços do Réu emitiram uma informação com o seguinte teor: “Pretende o requerente seja apreciado um processo para a edificação de uma parcela com duas edificações destinadas a habitação colectiva em regime de condomínio fechado, numa área definida nos seus limites, de acordo com implantação anexa ao processo, enquadrada na carta de Ordenamento do PDM de (...) em área de espaço urbanizável secundário de construção extensiva e na carte de Condicionantes do PDM (...), como áreas de baixa densidade de ocupação ou ainda não ocupadas, que poderão transformar-se de uma forma mais imediata, ou somente a prazo, em espaços urbanos, mediante a sua infraestruturação de acordo com planos ou estudos.
A construção de edifícios está condicionada à existência ou previsão de arruamentos e infraestruturas básicas ou à execução de loteamentos urbanos, devendo a edificação dar cumprimento ao disposto no artigo 23.º do regulamento do PDM (...) e demais legislação em vigor.
Conforme previsto no decreto-Lei n.º 316/2007 de 19 de Setembro, conjugado com o previsto na Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, que procedeu à alteração ao DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro, o qual estabelece o regime Jurídico da urbanização e da Edificação, ficam suspensos os procedimentos de licenciamento requeridos para as áreas a abranjer por novas regras urbanísticas, constantes do plano municipal ou especial de ordenamento do território ou sua revisão, a partir da data fixada para o início da discussão pública e até à data de entrada em vigor daquele instrumento.
Tendo cessado a suspensão do procedimento nos termos anteriores, a apreciação do processo será de acordo com as regras urbanísticas em vigor”
Estando a parcela classificada na carta de condicionantes do PDM de (...) como Reserva Ecológica Nacional, deve ser condicionada a autorização de desafectação para a edificabilidade, a emitir pelo Ministério do Ambiente, tendo sido remetida cópia do processo à CCDRN, dando cumprimento ao estabelecido no artigo 13º A do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 60/2007 de 4 de Setembro, sobre o qual foi emitido parecer de indeferimento por Ofº 533612 de 20.10.2008, comunicado pela CCDRN ao promotor, conforme cópia anexa ao processo.
Face ao exposto, nomeadamente que a operação urbanística colide com área que integram a Reserva Ecológica Nacional do MUNICÍPIO (...), mais precisamente, “Zonas ameaçadas pelas cheias”, conforme parecer emitido pela CCDRN, entende-se que o projecto apresentado não tem condições de merecer aprovação, considerando o disposto no nº1, do artigo 20º do Decreto-Lei nº 166/2008 de 22 de Agosto. [...]”.(matéria de facto assente S)
20- Sob a informação referida na alínea S), o Vereador do Pelouro das Obras e Urbanismo do Réu exarou um despacho, datado de 28 de Fevereiro de 2009, com o seguinte teor: “Concordo. Indeferida a pretensão do requerente de acordo com a informação do técnico responsável pelo Departamento baseado no parecer da CCDRN de indeferimento por ser zona com ameaça de cheia”. [...]”.(matéria de facto assente T)
21- O processo de revisão do PDM de (...) ficou concluído com a deliberação de aprovação da Assembleia Municipal ocorrida em 30 de Abril de 2009, tendo sido publicado no Diário da República 2.ª Série, de 20 de Maio de 2009, Aviso n.º 9853/2009. [...]”.(matéria de facto assente U)
22- De acordo com a nova Carta de Ordenamento, o terreno objeto do pedido de licenciamento integra-se na Reserva Ecológica Nacional, Zonas de Cheias do Rio Minho e Zonas Inundáveis. [...]”.(matéria de facto assente V)
23- Antes da aprovação do novo PDM, o imóvel, propriedade da Autora, tinha um valor de mercado de 180.000,00 euros.
24- Com o projecto aprovado, o imóvel passaria a valer 675.000,00 euros.
25- Por força do novo PDM, o terreno vale 144.000,00 euros.
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B) Factos não provados
Não resultaram provados os demais factos alegados pelas partes e levados à base instrutória (e, portanto, com interesse para a decisão da causa), designadamente o facto 2 (“A Autora despendeu a quantia de 15.468,00 euros com a elaboração do projecto de arquitectura”) e os factos 1, 3 e 4, na parte que não consta nos factos provados, isto é, os valores alegados pela Autora.
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C) Motivação da matéria de facto
A factualidade dada como provada e constante dos itens 1 a 22 constitui a matéria de facto dada como assente no despacho saneador, a qual corresponde a matéria constante de prova documental junta aos autos pela parte e não impugnada pela parte contrária.
No item 20, correspondente á matéria de facto assente T do despacho saneador, procedeu-se à correcção da data do despacho, por se tratar de mero lapso de escrita, resultante do contexto em que se insere.
Relativamente à factualidade dada como provada e constante dos itens 23 a 25 (base instrutória), o tribunal formou a sua convicção nos seguintes meios de prova, conjugados entre si e apreciados à luz das regras da experiência:
a) Relatório pericial constante de fls. 169 a 172; e
b) Esclarecimentos prestados pelos peritos em audiência de discussão e julgamento.
Questionados sobre a matéria controvertida, os senhores peritos, no relatório, não emitiram uma resposta única. Assim, cada questão obteve duas respostas, uma da autoria dos peritos nomeados pelo Tribunal e pelo Réu e outra da autoria do perito nomeado pela Autora.
Em sede de audiência final, para a qual foram convocados a fim de prestar esclarecimentos, os senhores peritos explicaram a razão das diferentes respostas dadas e mantiveram os seus entendimentos, não se logrando ir além daquilo que já resulta do relatório.
Em face do circunstancialismo ora descrito, o Tribunal formou a sua convicção com base no entendimento propugnado pelos peritos do Tribunal e do Réu, quer por uma questão de maioria quer por uma questão de garantias de maior imparcialidade oferecidas pelo perito do Tribunal. Acresce que o referido entendimento assenta em algo que resulta da factualidade apurada: mesmo antes da revisão do PDM, o prédio em causa estava condicionado pela “REN - zonas ameaçadas pelas cheias”.
O depoimento prestado pelas testemunhas não foi bastante para conduzir a um entendimento diferente quer pela sua ligação aos factos em causa (é o caso de H. e V.) quer por haver apenas um conhecimento dos mesmos (é o caso de J.).
A alternativa a não se atender à posição dos peritos do Tribunal e do Réu seria dar como não provada toda a factualidade vertida nos factos 1, 3 e 4.
A determinação da matéria de facto não provada baseou-se na circunstância de a prova produzida não ter logrado convencer o tribunal de que tais factos correspondessem à verdade e ainda na produção de prova em sentido contrário.
Os depoimentos das testemunhas V. e H. bem o teor do documento 11 junto com a petição inicial (declaração e cheques) não foram suficientes para dar como provado o facto 2 da base instrutória. As provas apresentadas não permitem concluir pelo pagamento do serviço em causa. Não se vislumbra e não foi alegada dificuldade em chamar a depor o arquitecto L. (autor do projecto de arquitectura) ou juntar documentos comprovativos do levantamento dos cheques em causa.»
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III.B.DE DIREITO.
b.1.Da admissibilidade legal da junção de documentos com as alegações de recurso
3.2. A apelante, com as conclusões de recurso (cfr. conclusão 14.ª e 21.ª a 24.ª), veio requerer a admissão da junção aos autos de 4 documentos, alegando, para tanto, em ordem a justificar a tempestividade da sua apresentação, só agora dispor dos mesmos.
Vejamos.
3.3.O princípio regra que vigora em sede de apresentação da prova documental encontra-se enunciado no n. º1 do art. 423º do CPC aplicável ex vi art. º 1.º do CPTA, nos termos do qual os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, com exceção do regime especifico que disciplina a obrigação da administração juntar aos autos o processo administrativo.
Abstraindo dos casos em que a junção de documentos é permitida em momento processual posterior e até ao encerramento da discussão em 1ª Instância e dos requisitos legais de que depende a admissibilidade legal dessa posterior junção, cumpre referir que, em sede de recurso, o art. 651º do CPC limita a junção de documentos com as alegações de recurso às situações excecionais previstas no art. 425º do mesmo Código e aos casos em que a junção se tenha “tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª Instância”.
Reza assim, o n.º1 do artigo 651.º, do novo CPC: « As partes apenas podem juntar documentos às alegacões nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.»
Por sua vez, o mencionado artigo 425.º estabelece que «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.»
As situações excecionais previstas no art. 425º reportam-se a documentos cuja junção aos autos não tenha sido possível até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, estando aqui abrangidos dois casos distintos, a saber:
a) casos de impossibilidade objetiva, isto é, situações em que o documento cuja junção aos autos se requer, se reporta a factos ocorridos historicamente após o encerramento da discussão em 1ª Instância e em que, por isso, o documento não podia naturalmente ser junto ao processo até esse encerramento, e
b) casos de impossibilidade subjetiva, que se referem a situações em que apesar do documento se reportar a factos ocorridos historicamente antes do encerramento da discussão em 1ª Instância, aquele não pôde ser junto ao processo até esse encerramento, tendo-o de ser na fase de recurso devido a razões alheias ao próprio requerente, apresentante do documento, quer porque este desconhecia, sem culpa, a existência do documento em causa, quer porque o documento apenas lhe foi emitido/disponibilizado já após esse encerramento por razões que lhe são estranhas.
Nos casos de impossibilidade objetiva a impossibilidade da junção do documento até ao encerramento da discussão em 1ª Instância decorre do próprio teor do documento, dado que este reporta-se a factos ocorridos historicamente após esse encerramento, pelo que a impossibilidade da junção até esse encerramento resulta justificada de per se, pelo próprio teor do documento.
Já nos casos de impossibilidade subjetiva, estando a admissibilidade legal da junção do documento em causa dependente da circunstância dessa junção não ter sido possível até ao encerramento da discussão em 1ª Instância por razões alheias ao próprio requerente, este terá de alegar e provar factos dos quais decorra que a junção do documento, após o encerramento da discussão em 1ª Instância, não lhe é imputável Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 229; Acs. STJ. de 13/02/2007, Proc. 06A4496 e RC. de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG-G1, in base de dados da DGSI..
3.4. Assentes nestas permissas, é apodítico que o requerimento de admissão dos documentos 1,2 e 3 não se subsume à previsão de qualquer um dos citados preceitos.
Os documentos n.º s 1, 2 e 3 que a apelante pretende juntar aos autos reportam-se a factos ocorridos antes do encerramento da discussão em 1ª Instância realizada no âmbito dos presentes autos, pelo que não existe qualquer impossibilidade objetiva ou subjetiva para a apelante não ter apresentado esses documentos até esse encerramento.
De resto, a apelante não alega como fundamento da junção dos identificados documentos na fase de recurso qualquer impossibilidade objetiva ou subjetiva de os ter junto até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, nomeadamente, o seu desconhecimento quanto à existência de tais documentos ou a indisponibilidade dos mesmos por forma a poder juntá-los até esse encerramento.
Com efeito, por um lado, a Recorrente não justificou cabalmente as razões por que lhe foi impossível a junção oportuna dos aludidos documentos, sendo certo que a presente AAC foi intentada em 2011 e dispôs seguramente de tempo suficiente para os obter, como deveria, até ao encerramento do julgamento em 1.ª instância.
3.5. No que concerne ao documento n.º 4, embora a apelante apenas o tenha obtido após a prolação da sentença recorrida, a verdade é que tal como diligenciou pela sua obtenção naquele momento, poderia tê-lo feito em momento adequado. E a necessidade da sua junção não resultou da decisão recorrida, uma vez que a questão de saber se o terreno integrava ou não a REN no dominio do PDM de (...), de 1994, e as posições obre essa questão, designadamente por parte do MUNICÍPIO (...), era conhecida da apelante quando intentou a presente ação.
Assim, não colhe, em relação a nenhum dos documentos, a argumentação de que a necessidade da sua junção se ficou a dever ao julgamento efectuado pelo tribunal a quo, porquanto a Recorrente estava bem ciente dos factos que lhe incumbia provar e da indispensabilidade da exibição dos documentos que os comprovassem.
Aqui chegados, resta concluir pela inadmissibilidade legal da junção aos autos dos documentos 1, 2, 3 e 4 apresentados pela apelante em anexo às suas alegações de recurso.

Nesta conformidade, não se admite a junção aos autos dos documentos apresentados pela apelante em anexo às alegações de recurso ordenando-se o respetivo desentranhamento dos autos e a restituição dos mesmos à apresentante.
*
b.2 Das Nulidades da Decisão Recorrida
4.Nas conclusões 26.ª a 30.ª, a apelante assaca vício de nulidade à sentença sob sindicância, por falta de fundamentação e por contradição entre os fundamentos e a respetiva decisão, (cfr. artigo 615.º, n.º 1, als. b) e c), do CPC.)
4.1. A M.ma Juíza de Direito a quo não se pronunciou sobre a verificação das alegadas nulidades, o que constitui mera irregularidade, sem qualquer repercussão na boa decisão da causa, nos termos do artigo 617.º n.º 5, 1.º segmento, do CPC.
4.2. As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade, a saber: a) por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. art.º 615.º do CPC.
Os vícios determinativos de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciados no 615.º do CPC. e reportam-se a vícios referentes à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença.
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer por essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”.
Diferentemente desses vícios são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com erros de julgamento quanto à matéria de facto que se julgou provada e/ou não provada na sentença recorrida, decorrentes de uma deficiente valoração da prova produzida, verificando-se na sentença, uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou erros de julgamento quanto à decisão de mérito nela proferida, quando o tribunal tenha incorrido em erro de julgamento na aplicação/subsunção do direito aos factos provados e não provados (error iuris), de modo que o decidido não corresponde à realidade normativa.
Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas (erro de direito em sede de julgamento da matéria de facto) ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto (erro no direito aplicado aos factos provados e não provados), sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença (vícios formais) ou à sombra do poder à luz do qual aquela é proferida, mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in iudicando, atacáveis em via de recurso.
Não estando a decisão quanto à matéria de facto fundamentada ou devidamente fundamentada, tal vício não determina a nulidade da sentença, mas apenas dá lugar à remessa dos autos à 1ª Instância para que esta fundamente ou fundamente devidamente esses factos que julgou provados ou não provados, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Ocorrendo contradição entre os factos julgados como provados e não provados na sentença recorrida e a fundamentação nela exarada pelo tribunal a quo para motivar/fundamentar o julgamento da matéria de facto que assim fez, mais uma vez, cumpre ao Tribunal de 2.ª Instância, fazendo uso dos enunciados poderes de substituição ou de cassação previstos no art.º 662º do CPC, verificar se o vício em que incorreu o tribunal a quo se verifica ao nível do julgamento da matéria de facto que realizou, ou seja, se são os factos que julgou como provados ou não provados que se mostram desconformes com a prova produzida, ou se esse vício se verifica antes ao nível da fundamentação que se encontra exarada na sentença para motivar esse julgamento da matéria de facto que realizou e, em função disso, suprir o enunciado vício da contradição, julgando os factos em apreço de acordo com a prova produzida e exarando as concretas razões que o levam a concluir no sentido da prova ou não prova dessa matéria fáctica (motivando esse seu julgamento da matéria de facto), ou caso o processo não contenha todos os elementos de prova que lhe permitam fazer esse julgamento de facto, anular a sentença recorrida, para que, quanto a essa concreta matéria de facto, seja renovada a produção da prova.
Resulta do que se vem dizendo, que uma coisa é o vício determinativo da nulidade da sentença por falta de fundamentação a que alude o art. 615º, n.º 1, al. b) do CPC, ou o vício da nulidade da sentença por os fundamentos estarem em oposição com a decisão nela proferida, vício este a que alude a al. c) daquele n.º 1 do art. 615, os quais ocorrem quando, respetivamente, em termos de subsunção jurídica, o tribunal não especifique aí os fundamentos de facto e/ou de direito em que estribou a decisão de mérito que profere ou quando o discurso lógico jurídico que vem enunciado em sede de subsunção jurídica, apontarem num determinado sentido da decisão de mérito a proferir e aquele, a final, vem a tomar uma decisão de mérito diferente, e outro, bem diverso, é o vício da falta/deficiente ou contradição da fundamentação quanto ao julgamento da matéria de facto.
Em sede de fundamentação da matéria de facto, estabelece o CPC que, na fundamentação, o juiz declara na sentença quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, procedendo livremente à apreciação dessas provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial ( nem aqueles que só possam ser provados por documento ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes).
Significa isto, que exceto os casos em que a prova de determinado facto esteja sujeita a regras de direito probatório material, em que a apreciação da prova tem de ser feita, por imperativo legal, de acordo com essas regras de direito probatório material, que fixam o meio probatório necessário à prova desse concreto facto não deixando qualquer margem de subjetivismo ao julgador nessa apreciação, a regra, é a de que a apreciação da prova é feita de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.
No entanto, porque a livre apreciação da prova não equivale a arbitrariedade e por força do princípio constitucional que impõe o dever de fundamentação nas decisões judiciais, o juiz tem o ónus de fundamentar os factos julgados como provados e não provados com a finalidade de facilitar o reexame pelo tribunal superior, reforçar o autocontrolo do julgador e por uma justiça transparente.
O dever de fundamentação em sede de matéria de facto implica para o tribunal a enunciação de “fundamentos suficientes, para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correção da sua decisão (…). A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (…) e proceder à sua valoração (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção. Se o facto for julgado não provado, a ordem preferível é a seguinte: primeiramente devem ser indicados os meios de prova que conduzem à demonstração do facto; depois devem ser expostos os meios que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade do facto ou que impedem uma convicção sobre a sua veracidade; finalmente, devem ser referidos os meios inconclusivos”. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 348.
Decorre do que se vem dizendo que a obrigação de fundamentação em sede de julgamento da matéria de facto, implica que o julgador exteriorize, indicando-os, quais os concretos meios de prova que considerou e quais as razões objetivas e racionais pelas quais tais meios probatórios obtiveram no seu espírito credibilidade, de molde a compreender-se o itinerário cognoscitivo seguido para a consideração de determinado facto como provado ou não provado.
Precise-se que o enunciado dever de fundamentação não impede que o tribunal motive em conjunto as respostas a mais de um facto, quando os factos objeto de motivação se apresentem entre si ligados e quando sobre eles tenha incidido fundamentalmente os mesmos meios de prova, caso em que essa motivação conjunta poderá até ser aconselhável.
Naturalmente, que o tribunal poderá julgar provada ou não provada determinada matéria de facto e ao fundamentar essa resposta apontar razões que o levam a retirar uma conclusão diversa daquela que retirou em sede de julgamento da matéria de facto, isto é, o tribunal deu determinado facto como provado e, em sede de motivação desse julgamento de facto que fez, apontar meios de prova e razões que o levavam antes a concluir pela não prova desse facto que julgou como provado; ou julgou como não provado determinado facto, quando os meios de prova e as razões que invoca em sede de motivação desse julgamento de facto que realizou, antes apontam no sentido de que o mesmo devia ter julgado como provado esse facto.
No entanto, quando essa contradição entre julgamento da matéria de facto e respetiva fundamentação se verifique, esse vício, tal como o vício da falta ou insuficiente fundamentação do julgamento da matéria de facto realizado, ocorre exclusivamente ao nível do julgamento da matéria de facto e, por conseguinte, reafirma-se, carece de ser solucionado pelo tribunal ad quem mediante recurso aos mecanismos previstos no art. 662.º do CPC.
Voltando ao caso dos autos, e ás concretas nulidades assacadas á decisão recorrida, antecipamos que à luz das considerações supra efetuadas as mesmas não se verificam.
A esse respeito, veja-se a apreciação efetuada pelo Ministério Público no douto parecer emitido, que acolhemos sem reservas.
Lê-se no mencionado parecer, o seguinte: «(…) Ab initio, diremos que, na nossa óptica não assiste razão à Recorrente, nesta sua arguição.
(…) Ora, da análise dos citados preceitos, verifica-se que existem causas de nulidade formais, v. g., a contemplada na al, a) do seu n.º 1 e, ainda, outras causas de cariz material, atinentes ao conteúdo da própria decisão, estas últimas especificadas nas alíneas b) a e), do mesmo n.º 1.
(…)Sucede que sobre a causa de nulidade prevista na citada al. b), incidiu, designadamente, o douto Acórdão deste TCA Norte, tirado em 18-06-2009, no Processo n.º 01411/08.9BEBRC-A, segundo o qual “A nulidade prevista no artigo 668.º n.º1 alínea b) do CPC, só se verifica quando haja uma completa ausência de fundamentação, e não quando esta seja meramente incompleta ou deficiente, uma vez que só no primeiro caso o destinatário da sentença recorrida ficará na ignorância das razões, de facto ou de direito, pelas quais foi tornada tal decisão, e o tribunal superior ficará impedido de sindicar a lógica que vivifica o silogismo judiciário que a ela presidiu” (disponível in www.dgsi.pt, tal como os demais que iremos citar, de futuro, sem expressa menção da sua proveniência).
Poderemos, outrossim, chamar à colação o douro Acórdão deste TCAN, datado de 18-02-2011, proferido no âmbito do Processo n.º 01503/10.4BEPRT, nos termos do qual “Uma decisão judicial apenas é nula quando lhe falta em absoluto qualquer fundamentação; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (art.os 666.º, n.º3, e 668.º, n.º1, al. B), do Código de Processo Civil)”.
E. no mesmo sentido, poderemos, ainda, citar, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos deste TCA Norte, prolatados em 03-02-2011, no âmbito do Processo n.º 01815/10.7BEPRT e em 25-02-2011, no Processo n.º 01838/09.9BEPRT, que veiculam o mesmo entendimento.

III. 3. Por sua vez, no que tange a mencionada al. c) do artigo 668.º, cuja causa de nulidade alegadamente se mostra verificada no caso vertente, existe abundante e uniforme jurisprudência que consagra uma interpretação declarativa restritiva.
(…) sobre a melhor interpretação a dar a este preceito legal, incidiu designadamente, o douto Ac. deste TCAN – 1.ª Secção – Contencioso Administrativo, de 11-11-2011, no Processo n.º 03097/10.4BEPRT, onde se doutrinou o seguinte:
“Caracterizando em que se traduz a nulidade da decisão por infracção ao disposto na al. c) do n.º1 do art. 668.º do CPC, temos que, como tem sido decidido e afirmado em vários arestos, a contradição que ali constitui causa de nulidade da sentença é unicamente a que se localiza no plano da sua expressão formal, redundando num vício insanável do chamado “silogismo judiciário”, ou seja, é uma contradição de ordem formal que se refere aos fundamentos estabelecidos e utilizados na sentença e não aos que resultam do processo.
“Esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 158.º e 659.º, nº 2 e 3 do CPC, do juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro lado, pelo facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico em que a decisão deverá ser consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor)”.

III. 4. Ora. revertendo ao caso vertente e socorrendo-nos, para tanto, dos ensinamentos da doutrina que dimana, v. g., dos mencionados doutos arestos deste TCA Norte, diremos que, uma vez analisada a douta sentença em crise, imperioso se torna concluir, salvo melhor opinião, que não ocorrem in casu as alegadas nulidades.
Assim, da simples leitura da fundamentação da decisão judicial em crise, extrai-se que a M.ma Juíza de Direito a quo a fundamentou, sucinta mas suficientemente, quer de facto, mediante a selecção dos factos que reputou relevantes para a solução a dar ao litígio, quer de direito, por recurso aos normativos legais aplicáveis, não se divisando, pois, qualquer deficiência geradora da alegada nulidade.
Do mesmo modo, neste enquadramento, importará, ainda, enfatizar que a Recorrente não logrou densificar e, de resto, não se vislumbra, a ocorrência de qualquer contradição entre a fundamentação da sentença em análise e a decisão propriamente dita, sendo certo que é esta antinomia que releva, em ordem à verificação da arguida nulidade.
A ser assim, o que a Recorrente assaca verdadeiramente à decisão recorrida é a verificação de erros de julgamento e já não qualquer falta de fundamentação e/ou contradição, que de todo inexistem.
Nesta conformidade, o presente recurso jurisdicional terá irremediavelmente de soçobrar, pelo menos quanto a esta parte

Pelo exposto, julgamos improcedentes os vícios de nulidade assacados pela apelante á decisão recorrida.
*
b.3. Do erro de julgamento quanto à matéria de facto
5.Analisadas as conclusões formuladas pela apelante, na motivação do recurso em apreço, resulta que a mesma veio imputar à decisão judicial em crise erros de julgamento, quanto à matéria de facto apurada pelo tribunal a quo.
A apelante impugna o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade julgada provada nos pontos 1.º, 3.º e 4.º da base instrutória e à nela julgada não provada relativamente ao ponto 2 da base instrutória.
5.1. Porém, antes de apreciarmos os concretos fundamentos em que a apelante sustenta o erro de julgamento de facto que assaca à decisão sob sindicância, impõe-se verificar se a mesma cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento de facto que se encontram elencados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, sem o que não é permitido ao tribunal ad quem entrar na reapreciação desse julgamento.
5.2. Ónus impugnatórios em geral.
Em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto, da conjugação dos arts. 637º, n.º 2, 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), 641º, n.º 2, al. b) e 662º do CPC resulta que o Tribunal de 2.ª Instância tem de efetuar um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada pelos recorrentes, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, considerando os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da 1ª Instância, formando a sua convicção autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e recorrendo a presunções judiciais ou naturais, embora esteja naturalmente limitado pelos princípios da imediação e da oralidade Acs. STJ de 17/12/2019, Proc. 603/17.4T8LSB,L1.S1; de14/01/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.S1; e RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BRGC.C1, in base de dados da DGSI. Cfr. Ac. do STJ, de 10.01.2007, no Proc. N.º 06P3518; Acórdãos do TCAN, de 23-10-2008, no Processo n.º 099/05.3BEVIS;de 11-10-2013, no Processo n.º 01170/07.2BEBRG e de 11-02-2011, Processo n.º 00218/08.8BEBRG;.
Não foi propósito do julgador permitir recursos genéricos, sequer transformar o recurso da matéria de facto na repetição do julgamento realizado na 1ª Instância e daí que tenha imposto ao recorrente o cumprimento de determinados ónus que enuncia no art. 640º do CPC.
Em função desses critérios, para além do recurso da matéria de facto se restringir à matéria de facto impugnada António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 153., estando subtraída ao campo de cognição do Tribunal ad quem a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação, tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo dos princípios da auto responsabilidade, cooperação, lealdade e boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu a 1ª Instância ao decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a concreta matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclama que tivesse sido proferida quanto à mesma, os concretos meios de prova que ancoram esse julgamento de facto diverso que propugna, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada como provada ou não provada pelo tribunal a quo (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC).
Acresce que caso os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 640º do CPC).
Precise-se que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações de recurso a missão essencial de delimitação do objeto do recurso (art. 635º, n.º 4 do CPC), fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem Acs. STJ. de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; de 27/10/2016, Proc. 110/08.6TTGDM.P2.S1; RG. de 2/11/2017, Proc. 212/16.5T8MNC.G1, in base de dados da DGSI., daqui deriva que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que impugna e a concreta decisão que, na sua perspetiva, deve ser dada quanto a essa facticidade cujo julgamento de facto impugna.
Já os demais ónus impugnatórios, porque estes não têm a função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.
Destarte, em síntese, de acordo com Abrantes Geraldes Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155., sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d)…; e) o recorrente deixará expressa, na motivação (segundo a generalidade dos tribunais superiores, incluindo o STJ e STA, nas conclusões), a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.
O cumprimento dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” Acs. do STJ de 26/09/2018, Proc. 141/17.5T8PTM.E1-S1; 05/09/2018, Proc. 15787/15.8T8PRT.P1-S2; 01/03/2018, Proc. 85/14.2TTMAI.P1.S1; de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; 06/06/2018, Proc. 1474/16.38CLD.C1.S1; 06/06/2018, Proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1; e de 16/05/2018, Proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, todos in base de dados da DGSI..
No entanto, na apreciação desse critério de rigor impõe-se operar a distinção entre: a) ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso em sede de impugnação da matéria de facto, onde os requisitos impostos ao recorrente se encontram ligados com o mérito ou demérito do recurso; e b) ónus secundários, que se prendem com os requisitos formais.
Quanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do objeto do recurso, que são os elencados no n.º 1 do art. 640º do CPC (indicação, nas conclusões, dos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgada e que, por isso, impugna; indicação, nas conclusões, da concreta decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida quanto a essa facticidade, e indicação, na fundamentação do recurso, dos concretos meios de prova que suportarão esse julgamento de facto que é defendido pelo apelante), tem-se entendido que esse critério de rigor se aplica de forma estrita, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de qualquer um desses ónus, se impõe a rejeição do recurso da matéria de facto na parte em que se verifica a omissão.
Por sua vez, no que tange aos ónus da impugnação secundários, que são os enunciados no n.º 2, al. a) do art. 640º, considera-se que não convém exponenciar esse critério de rigor ao ponto de se violar o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” Abrantes Geraldes, in ob. cit., págs. 160 e segs. 552/13.5TTVIS.C1.S1; e de 16/05/2018, Proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, todos in base de dados da DGSI., uma vez que se está na presença de meros requisitos de forma, destinados a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, pelo que o cumprimento desse ónus tem de ser “interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não se justificando a imediata e liminar rejeição do recurso quando, apesar da indicação do recorrente não for totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento” Ac. STJ. 29/10/2015, Proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, in base de dados da DGSI..
Assentes nestas premissas, importa verificar se a Apelante cumpriu com os identificados ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto em relação ao julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, que impugna.
5.3. Pontos 1.º, 3.º e 4.º da base instrutória que correspondem aos pontos 23, 24 e 25 dos factos julgados provados na sentença e ponto 2 da base instrutória dos factos nela julgados como não provados sob a alínea B) da sentença.
5.3.1. Analisadas as alegações de recurso apresentadas pela Apelante dir-se-á que a mesmo cumpriu com os ónus impugnatórios da matéria de facto quanto à facticidade julgada provada nos pontos 23.º, 24.º e 25.º ( que correspondem aos pontos 1.º, 3.º e 4.º da base instrutória) e bem assim quanto à nela julgada como não provada na alínea B da sentença, relativa ao ponto 2 da base instrutória, uma vez que indica, nas conclusões de recurso, as concretas decisões da matéria de facto que impugna e as decisões que, na sua perspetiva, devem recair sobre essa facticidade, além de que indica, na fundamentação do recurso, os concretos meios probatórios que fundamentarão esse julgamento de facto diverso que propugna, e indica os excertos da prova pessoal gravada em audiência final em que funda esse seu recurso.
Vejamos se lhe assiste razão.
5.3.2. Nos pontos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º da base instrutória perguntava-se o seguinte:
«1.º Antes da aprovação do novo PDM, o imóvel, propriedade da Autora, tinha um valor de mercado de 400.000,00€?
2.º A Autora despendeu a quanta de 15.468,00€ com a elaboração do projeto de arquitetura?
3.ºCom o projeto aprovado, o imóvel passaria a valer 1.000.000€?
4.ºPor força do novo PDM, o terreno vale 5.000,00€?»
5.3.3. Após o ajulgamento efetuado, o Tribunal a quo deu como provada, em relação aos factos vertidos nos pontos 1.º, 3.º e 4.º da base instrutória, a seguinte factualidade:
(i) ponto 23.º da sentença (ponto 1.º da b.i.): provado que «Antes da aprovação do novo PDM, o imóvel, propriedade da Autora, tinha um valor de mercado de 180.000,00 euros»;
(ii) ponto 24.º da sentença (ponto 3.º da b.i.): provado que «Com o projeto aprovado, o imóvel passaria a valer 675.000,00 euros»;
(iii) ponto 25.º da sentença (ponto 4.º da b.i): provado que «Por força do novo PDM, o terreno vale 144.000,00 euros»;
5.3.4.E deu como não provada, sob a alínea B da sentença, a matéria vertida no ponto 2 da base instrutória e os factos 1, 3 e 4 da base instrutória, na parte que não consta dos factos provados, ou seja, os valores alegados pela autora.
5.4. Antes de avançarmos mais, incumbe precisar que o direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não subsiste a se mas antes tem caráter instrumental face à decisão de mérito.
Significa isto que por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processuais, o tribunal ad quem deve abster-se de reapreciar a matéria de facto quando os factos concretos objeto da impugnação forem insuscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às várias soluções plausíveis de direito, nenhuma relevância jurídica assumirem, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.
O princípio da limitação dos atos consagrado no art.º 130º do CPC, deve ser observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto quando a análise da situação concreta evidenciar, ponderando todas as soluções plausíveis da questão de direito que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projeta na decisão de mérito a proferir.
5.4.1.No caso, independentemente da sorte que viesse a ter a impugnação da matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida, estando assente que a autora não era titular de nenhum direito subjetivado à edificabilidade do prédio em discussão nos autos e que entre a aprovação do PDM de (...), em 1994, e a sua revisão, operada no ano de 2009, decorreram mais de 5 anos, concretamente, 14 anos, não estão verificados os pressupostos do artigo 18.º da Lei n.º 48/98, de 11.08 e artigo 143.º do D.L. 380/99, de 22.09, alterado pelo D.L. 310/03, de 10.12, de que depende a procedência da sua pretensão.
Conforme se refere na decisão recorrida, que subscrevemos sem reservas e como melhor cuidaremos de explicitar a propósito do conhecimento do erro que a apelante assaca à decisão recorrida quanto à interpertação e aplicação do direito « para haver direito a indemnização, é necessário que as restrições singulars previstas nos artigos 18.º, n.º2 da Lei nº 48/98, de 11/8 (LBPOTU) e 143.º, n.º3 do DL 380/99, de 22/9 ( RGJIT) sejam resultante da revisão dos planos e tenham ocorrido dentro do período de cinco anos e que das mesmas resultem a caducidade ou alteração das condições de um licenciamento préio válido- neste sentido acórdão de 05.11.2013 ( proc. n.º 466713) do Supremo Tribunal Administrativo, que revogou o Ac. do TCA Sul de 18.10.2012 ( porc. 1597/06) ambos disponiveis para consulta em www.dgsi.pt)».
5.4.2.Em face do exposto, independentemente da decisão que viesse a recair sobre o julgamento dos erros assacados pela apelante quanto á matéria de facto julgada provada e não provada, a sorte da presente ação encontra-se traçada, em nada relevando a referida matéria, que nenhum interesse tem para o mérito da decisão a proferir nos autos, uma vez que saber quais os montantes dos prejuizos sofridos pela apelante alegadamente decorrentes da entrada em vigor das alterações introduzidas pela revisão ao PDM de (...), em 2009, não são idóneos a alterar os pressupostos de que depende a existência do direito indemnizatório peticionado pela autora, uma vez que não bolem com os mencionados requisitos da necessidade de a autora ser titular de um licenciamento que lhe conferisse um direito subjetivo a edificar sobre o referido terreno ou com a questão do prazo de cinco anos em que a revisão do PDM teria de ocorrer.
5.4.3. Como proficientemete se adverte no Ac. do TRC, de 18.02.14, proferido no processo n.º 527/11.9TFND.C1: «a) De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo os vários enquadramentos jurídicos possíveis do seu objecto».

Termos em que, por falta de utilidade para a decisão de mérito a proferir, abstemo-nos, por inútil, de reapreciar a impugnação do julgamento de facto quanto à referida facticidade julgada provada e não provada.
*
b.4.Do aditamento de matéria ao elenco dos factos assentes.
5. A apelante pretende ainda que nos termos do artigo 662.º do CPC seja aditada aos factos assentes, a seguinte matéria:
a) Por ofício n.º 506 de 22.02.2006 a CCDRN informou o recorrido, relativamente a pedido de informação prévia apresentado pela Recorrente (facto provado 10), que a pretensão formulada não colidia com a REN nem domínio hídrico.
b) A zona onde se encontra o terreno propriedade da Recorrente encontra-se dotada de infraestruturas de água, energia elétrica e vias de acesso pavimentadas; existem nesta zona construções/edificações nos terrenos contíguos e próximos do da Recorrente, devidamente licenciados.
5.1. Quanto á matéria da antedita al. a), a apelante alega que a mesma se encontra provada pelo doc. n.º 3 junto com a contestação, e que com a mesma pretende demonstrar que há, pelo menos, uma dúvida entre as entidades administrativas sobre a classificação do terreno.
No que tange à matéria da al. b), alega que esta matéria se encontra provada pela invocação constante dos artigos 33, 34 e 62 da p.i., pela prova pericial, para além de resultar das plantas juntas na contestação pelo próprio recorrido, e que a sua prova é importante para se aferir da existência ou não de prejuízos excecionais e anormais para a Recorrente.
5.2. No que concerne à matéria da al. a), a factualidade que a Autora pretende ver aditada já consta do ponto 11 dos factos assentes, quando aí se refere: « …Sobre este assunto, emitiu a CCDRN parecer em como a proposta não colide com a área de domínio hídrico ou Reserva Ecológica nacional, remetendo à consideração da Câmara municipal a utilização da área em apreciação».
Assim, indefere-se o requerido aditamento por redundante.
5.3. Quanto à matéria da al. b) que a apelante pretende ver aditada, damos aqui por transcritas as considerações que acima enunciamos sobre o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os atos processuais (cfr. art.º 130.º do CPC aplicável ex vi art.º 1.º e 42.º do CPTA).
Tratando-se, como se trata, de matéria que a aditar-se, apenas relevaria para apurar o quantum indemnizatório a atribuir à apelante, ainda que esta matéria fosse aditada aos factos assentes, a mesma nenhuma utilidade teria para o mérito da decisão a proferir, pelas razões acima elencadas, pelo que se indefere o requerido aditamento.
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b.5. Dos erros de julgamento de direito quanto à decisão de mérito por nela se ter julgado não provados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual pelo sacrifício, em violação dos artigos 18.º da Lei n.º 48/98 de 11/08, 143.º, n.º 2, do DL n.º 380/99, de 22/09, alterado pelo DL n.º 310/03 de 10/12 e, ainda 16.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12 .
6. A Autora moveu a presente ação administrativa comum contra o MUNICÍPIO (...) com o propósito de obter a sua condenação judicial a indemniza-la pelos danos patrimoniais especiais e anormais que invoca ter sofrido em consequência da revisão de 2009, do Plano Diretor Municipal relativo ao concelho de (...), que lhe retirou o direito de edificar no terreno que constitui o prédio rústico denominado “ (...)”, com 12.000 m2, composto por terreno de cultura (vide ponto 2 dos factos assentes), que adquiriu em exclusivo para este fim, configurando tal revisão uma verdadeira expropriação do plano, uma vez que, á luz desse PDM, na versão de 1994, tal direito era-lhe reconhecido.
A Autora alicerçou a presente ação na responsabilidade civil extracontratual emergente de factos lícitos, nomeadamente, decorrente dos artigos 18.º da Lei n.º 48/98 de 11/08, 143.º, n.º 2, do DL n.º 380/99, de 22/09, alterado pelo DL n.º 310/03 de 10/12 e, ainda, no art.º 16.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12.
6.1.A decisão sob sindicância e que a autora pretende ver revogada e substituída por outra, indeferiu a sua pretensão indemnizatória, com fundamento em não se verificarem os dois pressupostos legais previstos no artigo 18º, n.º2 da Lei nº 48/98 de 11.08 e no artigo 143º, nº 3 do DL nº 380/99 de 22.09, alterado pelo DL nº 310/03 de 10.12, considerando ainda não ser de aplicar ao caso o artigo 16.º da Lei n.º 67/2007, para além de julgar não se verificarem igualmente danos anormais e especiais na esfera jurídica da autora que fossem consequência da revisão de 2009, do PDM de (...), por parte do Municipio.
Adianta-se que a sentença recorrida não nos merece qualquer reparo, tendo o tribunal a quo efetuado uma rigorosa ponderação dos factos e uma criteriosa análise e aplicação dos preceitos legais invocados, em linha com a melhor doutrina e suportada em firme jurisprudência.
6.2.É a seguinte a fundamentação que consta da decisão sob sindicância e que ora transcrevemos:
«(…) Actualmente, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas é regida pela Lei nº 67/2007 de 31.12.
O artigo 16º da referida lei, sob a epígrafe “Indemnização pelo sacrifício” estabelece que “O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público indemnizam os particulares a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, devendo para o cálculo da indemnização, atender-se designadamente ao grau de afectação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado”.
Sendo que, para efeitos do disposto na lei em causa, “consideram-se especiais os danos ou encargos que incidam sobre uma pessoa ou um grupo, sem afectarem a generalidade das pessoas e anormais os que, ultrapassando os custos próprios da vida em sociedade, mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito.” – cfr. artigo 2º da Lei 67/2007.
A Lei n.º 48/98 de 11 de Agosto - Lei Base da Politica do Ordenamento do território e Urbanismo - estabelece as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo, estabelece no seu artigo 18º, sob a epígrafe “Compensação e indemnização”, o seguinte:
“1 - Os instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares devem prever mecanismos equitativos de perequação compensatória, destinados a assegurar a redistribuição entre os interessados dos encargos e benefícios deles resultantes, nos termos a estabelecer na lei.
2 - Existe o dever de indemnizar sempre que os instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares determinem restrições significativas de efeitos equivalentes a expropriação, a direitos de uso do solo preexistentes e juridicamente consolidados que não possam ser compensados nos termos do número anterior.
3 - A lei define o prazo e as condições de exercício do direito à indemnização previsto no número anterior.”
O Decreto-Lei nº 380/99 de 22 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei 310/03 de 10 de Dezembro, no seu artigo 143º, desenvolve o mencionado artigo 18º nº2, estatuindo o seguinte:
“1 - As restrições determinadas pelos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares apenas geram um dever de indemnizar quando a compensação nos termos previstos na secção anterior não seja possível.
2 - São indemnizáveis as restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo, preexistentes e juridicamente consolidadas, que comportem uma restrição significativa na sua utilização de efeitos equivalentes a uma expropriação.
3 - As restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo resultantes de revisão dos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares apenas conferem direito a indemnização quando a revisão ocorra dentro do período de cinco anos após a sua entrada em vigor, determinando a caducidade ou a alteração das condições de um licenciamento prévio válido.
4 - Nas situações previstas nos números anteriores, o valor da indemnização corresponde à diferença entre o valor do solo antes e depois das restrições provocadas pelos instrumentos de gestão territorial, sendo calculado nos termos do Código das Expropriações.
5 - Nas situações previstas no n.º 3, são igualmente indemnizáveis as despesas efectuadas na concretização de uma modalidade de utilização prevista no instrumento de gestão territorial vinculativo dos particulares se essa utilização for posteriormente alterada ou suprimida por efeitos de revisão ou suspensão daquele instrumento e essas despesas tiverem perdido utilidade.
6 - É responsável pelo pagamento da indemnização prevista no presente artigo a pessoa colectiva que aprovar o instrumento de gestão territorial que determina directa ou indirectamente os danos indemnizáveis.
7 - O direito à indemnização caduca no prazo de três anos a contar da entrada em vigor do instrumento de gestão territorial ou da sua revisão.”
Atentos os normativos legais referidos supra, conclui-se que, para haver direito a indemnização, é necessário que as restrições singulares previstas nos artigos 18º, nº 2 da Lei nº 48/98, de 11/8 [LBPOTU] e 143º, nº 3 do DL nº 380/99, de 22/9 [RJIGT] sejam resultantes da revisão dos planos que tenham ocorrido dentro do período de cinco anos e que das mesmas resultem a caducidade ou a alteração das condições de um licenciamento prévio válido – neste sentido, acórdão de 05.11.2013 (proc. nº 466/13) do Supremo Tribunal Administrativo, que revogou o Ac. do TCA Sul de 18.10.2012 (proc. 1597/06), ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
Vejamos o caso sub judice.
O Plano Director Municipal de (...) foi aprovado por deliberação da assembleia municipal de 09.07.1994 e ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 110/94 publicada no Diário da República, 1ª série B, nº 254, de 3 de Novembro de 1994 e entrou em vigor nesse mesmo dia.
O prédio rústico propriedade da Autora estava enquadrado na Carta de Ordenamento do referido PDM em área de espaço urbanizável secundário de construção extensiva.
Por deliberação da Assembleia Municipal, ocorrida em 30 de Abril de 2009, foi aprovada a proposta de revisão do PDM de (...), tendo sido publicado no Diário da República 2.ª Série, de 20 de Maio de 2009, Aviso n.º 9853/2009.
De acordo com a nova Carta de Ordenamento, o prédio em causa terreno integra-se na Reserva Ecológica Nacional, Zonas de Cheias do Rio Minho e Zonas Inundáveis.
Do exposto resulta desde logo o não preenchimento do primeiro requisito para que possa haver lugar a indemnização porquanto não está em causa nos autos restrição singular às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo resultantes de revisão dos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares que tenham ocorrido dentro do período de cinco anos.
A revisão do PDM de (...) manifestamente ocorreu fora do período de cinco anos.
Acresce que, da factualidade, apurada resulta ainda o não preenchimento do segundo requisito, ou seja, que por motivo das referidas restrições tivesse resultado a caducidade ou a alteração das condições de um licenciamento prévio.
A Autora, em 03.11.2005, apresentou um pedido de informação prévia para apreciação da viabilidade de construção de uma urbanização em regime de condomínio fechado, o qual foi indeferido por despacho de 15.03.2006.
Em 20.05.2008, apresentou um pedido de licenciamento de operação urbanística para edificação de duas construções de habitação colectiva, o qual foi indeferido por despacho de 28.02.2009 com fundamento no parecer da CCDRN de indeferimento por se tratar de zona com ameaça de cheia.
Ou seja, aquando da revisão do PDM, não existia qualquer licenciamento aprovado para o terreno em causa.
O licenciamento pretendido pela Autora foi indeferido em data anterior à entrada em vigor do “novo” PDM, de acordo com as regras urbanísticas ainda vigentes com a aprovação do PDM de 1994 e não, como alega a Autora, de acordo com as resultantes da revisão do PDM.
Na verdade, o que ressalta dos elementos juntos aos autos é que a área em causa está e sempre esteve sujeita a restrições de utilidade pública decorrentes de ser uma área ameaçada pelas cheias (veja-se facto 18).
Não logrou pois a Autora demonstrar que por motivo das restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo resultantes de revisão do PDM de (...) tivesse resultado a caducidade ou a alteração das condições de um licenciamento prévio.
Em suma, à luz do art. 143º, n.º 3, do RJIGT – que se apresenta como a regra jurídica imediata para resolver o assunto em presença – a autora carece do direito de indemnização que reclama.
Sucede que, socorrendo-se das palavras de Alves Correia, sustenta ainda a Autora, que o DL 380/99 restringe inexplicavelmente o âmbito da Lei nº 48/98, pelo que há que interpretar devidamente o normativo em apreço, sob pena de violação de princípios constitucionais bem como lançar mão da figura da responsabilidade pelos factos lícitos e ainda do artigo 16º da Lei nº 67/2007 que regula a chamada indemnização pelo sacrifício.
Sobre esta problemática pronunciou-se o recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo identificado supra, em termos que sufragamos e que damos aqui por integralmente reproduzidos, procedendo à transcrição das conclusões sumariadas:
“I - O art. 143º, n.º 3, do RJIGT não é infiel à lei de bases (a Lei n.º 49/98, de 11/8), não padecendo das correspondentes ilegalidade e inconstitucionalidade orgânica.
II – Essa norma, ao exigir um «licenciamento prévio válido», não ofende o «princípio democrático» ou o princípio constitucional da igualdade.
III – As possibilidades construtivas meramente previstas num plano não conferem aos respectivos «domini» um «jus aedificandi», ao menos «in actu», mas uma simples expectativa jurídica.
IV – Por isso, a eliminação posterior dessas possibilidades, fruto da revisão do plano, não corresponde a uma expropriação de sacrifício, susceptível de indemnização à luz do art. 62º, n.º 2, da CRP.
V – O art. 9º do DL n.º 48.051 não representava um instituto jurídico subsidiário, apto a conferir uma indemnização já negada pela lei directamente aplicável.
VI – Aliás, o risco que uma zona enfrenta devido ao avanço do mar sempre excluiria que a sujeição do local a restrições edificativas constituísse, para os respectivos «domini», um prejuízo especial e anormal.“
Aí se afirma que o critério jurídico resolutivo de casos como o ora em apreço é o que consta do art. 143º, n.º 3, do RJIGT, pelo que ou o direito de indemnização reclamado é conferido por essa norma, ou não sendo (como é o caso), não faz sentido convocar o regime da responsabilidade civil extracontratual por facto lícito para exumar um direito negado pela lei directamente aplicável.
Acresce que, ainda que se considerasse aplicável o referido regime, não logrou a Autora, demonstrar a existência de prejuízos especiais e anormais.
Em face do exposto, conclui-se pelo não preenchimento dos requisitos legalmente exigidos e, consequentemente, o Réu Município não se constitui na obrigação de indemnizar a Autora pelos danos reclamados.»
6.3. A questão em discussão impele-nos a tecer algumas considerações sobre o conteúdo urbanístico da propriedade do solo.
Em relação a essa matéria, tem-se questionado se o “jus aedificandi” – a faculdade de erigir uma nova construção no solo – integra o núcleo essencial do direito de propriedade constitucionalmente consagrado ( cfr. Artigo 62.º da CRP), dependendo apenas o exercício desse direito de uma autorização permissiva da Administração Pública, ou se, ao invés, tal direito não se inclui no âmbito de proteção da garantia constitucional da propriedade privada, sendo antes uma faculdade concedida pelo ordenamento jurídico urbanístico, designadamente os planos.
Concretizando: é o “jus aedificandi” uma componente essencial, uma faculdade inerente ao direito de propriedade do solo ou, ao invés, é tão-só o resultado de uma atribuição jurídico-pública decorrente dos instrumentos de planeamento territorial?
Entre nós, a jurisprudência constitucional e administrativa têm propendido no sentido de que o “jus aedificandi” é apenas uma faculdade concedida pelo ordenamento jurídico urbanístico, na medida em que tal “direito” apenas é exercitável nos termos e condições estabelecidos pelos instrumentos de planeamento territorial.
Nesse sentido, aponta-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 341/86 no qual se sublinha que “no direito de propriedade constitucionalmente consagrado contém-se o poder de gozo do bem objecto do direito, sendo certo que não se tutela ali expressamente um direito à edificação como elemento necessário e natural do direito fundiário” (cfr no mesmo sentido o acórdão n.º 597/2008).
Na mesma linha, permitimo-nos citar o Acórdão do STA de 18/05/2006, proferido no processo n.º 0167/05, onde se refere que o direito de propriedade não é um direito absoluto, podendo comportar limitações, restrições ou condicionamentos, particularmente importantes no domínio do urbanismo e do ordenamento do território, em que o interesse da comunidade tem que sobrelevar ao do indivíduo, não fazendo o jus aedificandi parte do acervo de direitos constitucionalmente reconhecidos ao proprietário, antes sendo o resultado de uma atribuição jurídico-pública, decorrente do ordenamento jurídico urbanístico pelo qual é modelado.”
De acordo com a melhor doutrina e a jurisprudência consolidada dos tribunais superiores e do Tribunal Constitucional o direito de construir não resulta sem mais do direito de propriedade, sendo apenas reconhecido ao proprietário o direito de usufruir da propriedade nos termos consentidos pela ordem jurídica globalmente considerada, onde se inserem as normas elaboradas para a proteção dos interesses de ordem pública, como são aquelas que se destinam a regular o ordenamento do território e o licenciamento de operações urbanísticas. Ac. do Pleno do STA de 06.03. de 2007, Processo n.º 873/03; de 5.11.2013, Processo n.º 466/13; Ac. do TCAS, de 26.09. 2013, Processo n.º 9663/13); Fernando Alves Correia, in “O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade”, Almedina Ed., Coimbra, 1990, pp. 372 e seguintes); Cláudio Monteiro, para quem o direito de construir apenas está pressuposto no estatuto constitucional da propriedade imobiliária urbana (“A garantia constitucional do direito de propriedade privada e o sacrifício de faculdades urbanísticas” in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 91, 2012, pp. 3 e seguintes;
Esta compreensão é também sustentada por Fernando Alves Correia, para quem o jus aedificandi é atribuído ao proprietário por normas e atos de direito público. Cfr. Ob. cit. Fernando Alves Correia.
Ainda em reforço deste entendimento, não podemos deixar de chamar á atenção para a doutrina expendida pelo Conselho Consultivo da PGR em recente parecer, onde se salienta que « (…) a transformação do imóvel, designadamente por meio de obras de urbanização e de edificação, transcende o âmbito de exclusividade do proprietário.
A paisagem não é privativa, a segurança não é apenas sua nem tão-pouco a salubridade. Os recursos naturais afetados não lhe pertencem, pelo menos, em exclusivo.
O direito de transformar o imóvel pode ou deve, por isso, ficar reservado a uma ampliação dos direitos do proprietário, confiada aos poderes públicos e aos instrumentos de que dispõem para o efeito: o plano, as licenças e autorizações ou simples declarações que facultem à administração pública um controlo sucessivo qualificado.
As transformações do imóvel, pelo menos, aquelas que invertam o seu uso e fruição, hão de fazer-se secundum legem, em conformidade com o plano ou instrumento equivalente (v.g. a operação de loteamento) e com a licença municipal, cujo teor, por sua vez, congrega vinculações múltiplas a pareceres e autorizações de outras autoridades administrativas.
Constitucionalmente, parece-nos ser este um quadro de referência conforme com as exigências da garantia constitucional da propriedade privada e com as incumbências públicas neste domínio: (…)
«Artigo 62.º (Direito de propriedade privada)
1 – A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
2 – A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.»
«Artigo 65.º (Habitação e urbanismo)

(…)
4 – O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística».

(…)».
«Artigo 66.º (Ambiente e qualidade de vida)
(…)
2 – Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos:
a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão; b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correta localização das atividades, um equilibrado desenvolvimento socioeconómico e a valorização da paisagem;
c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico;
d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações;
e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitetónico e da proteção das zonas históricas;
f) Promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial;
(…)». Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, homologado em 18.05.2017, Parecer n.º 00003388.
A favor desta tese, avançam-se, entre outros, os seguintes argumentos, de inquestionável consistência.
Desde logo, a realidade tem demonstrado que o “jus aedificandi” não é uma faculdade imanente ao direito de propriedade do solo, uma vez que a muitos proprietários não é admitida qualquer possibilidade de construção ou edificação.
Depois, não se pode olvidar que por força da obrigação imposta aos municípios de elaborarem e aprovarem planos diretores municipais (cfr artigo 84.º, n.º4 do RJIGT), praticamente todo o território municipal encontra-se coberto por planos diretores municipais, cujas disposições são densificadas em planos de urbanização e de planos de pormenor.
Acrescendo que, por decorrência do princípio da reserva do plano, só existe direito de construção ou edificação quando o plano lhe atribuir vocação edificativa ou o classificar como solo urbano, nos termos dos artigos 72.º e 73.º do RJIGT, e desde que o projeto de construção não contrarie as disposições daquele.
Finalmente, a consagração no atual ordenamento jurídico urbanístico do princípio da perequação compensatória dos benefícios e encargos decorrentes dos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares, com vista a garantir a observância do princípio da igualdade em face de medidas (expropriativas e não expropriativas) daqueles planos, expressa de forma clara que o “jus aedificandi” não é uma faculdade inerente ao direito de propriedade dos solos. Cfr. Alves Correia, in “Manual de Direito do Urbanismo”, Volume I, Almedina, 2008, págs 849/852.
Quanto a nós, subscrevemos a tese de acordo com a qual o jus edificandi não se inclui no direito de propriedade privada, sendo antes o resultado de uma atribuição jurídico-pública decorrente do ordenamento jurídico urbanístico, acrescendo tal poder à esfera jurídica do proprietário nos termos e nas condições definidas pelas normas jurídico-urbanísticas. Não se desconhece a existência de alguma doutrina que defende que o jus edificandi constitui parte integrante do direito de propriedade, por ser uma das faculdades em que tal direito se analisa, pelo que, tudo o que venha a mais serão condicionalismos ou restrições. Cfr. Na apreciação da Dissertação de Doutoramento do Licenciado Fernando Alves Correia, in Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, 1991, p. 99 a 101.; José de Oliveira Ascensão, “O Urbanismo e o Direito de Propriedade”, in Direito do Urbanismo (coord. Diogo Freitas do Amaral/ Marta Tavares de Almeida), Instituto Nacional de Administração, 1989, Oeiras, p. 320 e seguintes; Maria Elizabeth Moreira Fernandez, Direito ao Ambiente e Propriedade Privada (Aproximação ao estudo da estrutura e das consequências das ‘leis reserva’ portadoras de vínculos ambientais), Stvdia Iuridica (57), Universidade de Coimbra, Coimbra Ed., 2001, pp. 186 e seguintes; Todavia, mesmo para os seus arautos, como é o caso de Freitas do Amaral, o seu exercício «está dependente de uma autorização da Administração».
Temos, assim, de concluir, perante o quadro jurisprudencial e doutrinal desenhado que o “jus aedificandi” não decorre diretamente do direito de propriedade do solo, sendo apenas uma faculdade conferida pelos planos urbanísticos.
Efetivamente são os planos urbanísticos, maxime os planos municipais de ordenamento do território que definem o regime do destino, uso, ocupação e transformação do solo.
Ora, neste domínio – o planeamento urbanístico -, a Administração Municipal goza de uma ampla margem de discricionariedade.
Como sublinha Fernanda Paula Oliveira “(…) a discricionariedade administrativa envolvida na elaboração de normas jurídicas (discricionariedade normativa), é efectivamente, mais ampla do que aquela que está em causa na prática de actos administrativos, correspondendo ao poder de criação de uma norma dentro de uma hierarquia na qual se integram normas de carácter superior. (…)
Acresce que o grau de discricionariedade de que gozam os órgãos administrativos na tarefa de planeamento do território é, enquanto discricionariedade normativa, bastante acentuado, já que os planos não se limitam a desenvolver ou completar a regulamentação estabelecida de antemão na lei, dispondo antes as entidades que os elaboram, de um amplo poder de decisão próprio: de definir uma estratégia a prosseguir com o plano e, de acordo com ela, de estabelecer um modelo de ocupação territorial de entre vários possíveis.
Este nível de discricionariedade é particularmente visível no caso do planeamento municipal, na medida em que o município pode, em função de uma estratégia previamente por si definida, estabelecer o respectivo modelo de ocupação territorial, decidindo por um ou por outro tipo de destino ou utilização a atribuir a cada parcela do território, pela melhor localização de um equipamento colectivo ou de novas zonas verdes, pela delimitação mais ampla ou mais restrita do respectivo perímetro urbano, determinando a este propósito, a direcção que a expansão urbana há-de tomar, etc.”. Cfr. in “A discricionariedade de planeamento urbanístico municipal na dogmática geral da discricionariedade administrativa”, Almedina, 2011, págs 127/128.
Esta discricionariedade de planeamento comporta várias dimensões: a discricionariedade de elaboração do plano, compreendendo a discricionariedade quanto à decisão de elaboração do plano (o an); quanto à determinação do momento mais adequado para o efeito (o quando); e quanto ao tipo de instrumento a adotar; a discricionariedade procedimental e a discricionariedade na determinação dos conteúdos dos instrumentos planificadores. Esta última dimensão integra, por sua vez, a discricionariedade de aposição de condições, termos, modos e outras cláusulas acessórias ao plano (quomodo) e a de definição das concretas opções de ocupação territorial (o quid).
A todas estas dimensões acresce ainda o poder de modificação (revisão e alteração) do plano, por forma a adaptar-se à evolução das condições económicas, sociais, culturais e ambientais que determinaram a elaboração do mesmo.
No que tange concretamente à conformação do conteúdo dos planos municipais de ordenamento do território, sem embargo de se reconhecer uma ampla discricionariedade aos municípios, a determinação do seu conteúdo material, operada pelo RJIGT (cfr. artigos 85.º, 88.º e 91.º) limita, em larga medida, a sua atuação.
Note-se, porém, que a lei limita-se a determinar o âmbito das opções materiais a tomar pelos municípios, ou seja, as matérias relativamente às quais o município deve tomar posição, e não já as concretas opções sobre as mesmas.
Quanto a estas, como bem salienta Fernanda Paula Oliveira, em especial no que se refere ao zonamento funcional do território de abrangência (o qual é determinado por intermédio das tarefas de classificação e de qualificação dos solos, que se apresentam como as tarefas essenciais do planeamento municipal e, por isso, integram o conteúdo necessários destes planos), o legislador deixa ao órgão planeador um amplo espaço de decisão, sendo precisamente em relação a ela que se fala no grau máximo de discricionariedade”. Cfr. obra citada, pág. 369.
Os planos municipais de ordenamento do território, nomeadamente o plano diretor municipal tem como função primordial a estruturação espacial do território municipal, função que se alcança pela referenciação espacial dos vários usos e atividades neles admitidos, ou seja pela afetação de parcelas do território ao desempenho de determinados fins.
A conformação do território municipal faz-se através da técnica do zonamento funcional, pela qual o município procede às escolhas fundamentais referentes à localização de funções e das atividades humanas a prever – habitacionais, industriais, turísticas, comerciais e de serviços, tendo na sua base as tarefas essenciais para definição do regime do uso do solo: a sua classificação e qualificação.
De harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 15.º da LBPOTU “a classificação do solo determina o destino básico dos terrenos e assenta na distinção fundamental entre solo rural e solo urbano”.
O solo rural é aquele para o qual é reconhecida vocação para as atividades agrícolas, pecuárias, florestais ou minerais, assim como o que integra os espaços naturais de proteção ou de lazer, ou que seja ocupado por infraestruturas que não lhe confiram o estatuto de solo urbano.
O solo urbano, por seu turno, é aquele para o qual é reconhecida vocação para o processo de urbanização e de edificação, nele se compreendendo os terrenos urbanizados ou cuja urbanização seja programada, constituindo o seu todo o perímetro urbano.
Por outro lado, conforme preceituado no n.º 3 do citado preceito legal “a qualificação dos solos regula, com respeito pela sua classificação básica, o aproveitamento dos terrenos em função da atividade dominante que neles possa ser efetuada ou desenvolvida, estabelecendo o respetivo uso e edificabilidade”.
É, precisamente, nestas concretas tarefas de classificação e qualificação dos solos, as quais se apresentam como o fim último da atividade de planeamento urbanístico, que a Administração municipal goza de uma ampla margem de conformação.
No entanto, esta discricionariedade não é ilimitada.
Como sublinha Fernanda Paula Oliveira se na decisão de classificação dos solos o município se encontra vinculado pelas classes de solos legalmente admitidas - já que, nos termos da lei, os planos apenas os podem classificar como urbanos ou rurais-, já na determinação concreta daqueles que devem ser reconduzidos a cada uma das referidas classes tal discricionariedade é manifesta, desde logo porque, mesmo quando a lei aponta as características mais marcantes de cada uma daquelas classes, fá-lo com o auxílio de conceitos indeterminados que apelam, claramente para uma decisão do próprio município: o solo urbano é definido como aquele para o qual é reconhecida (pelo município) vocação para o processo de urbanização, nele se integrando os solos já urbanizados e os solos cuja urbanização seja programada (pelo município) ou passível de ser programada (no entender do município); o solo rural, por sua vez, é aquele para o qual é reconhecida (pelo município) vocação para actividades não artificiais – agrícolas, pecuárias, florestais e minerais -, integrando os espaços naturais de protecção ou de lazer, ou ainda solos que embora admitam alguma ocupação urbanística, esta não implique a sua reclassificação como solo urbano”.
É certo que com a aprovação do Decreto Regulamentar n.º 11/2009, que veio estabelecer os critérios gerais a que os municípios devem atender na classificação dos solos, como rústicos ou urbanos, delimitando, por essa via, o perímetro urbano, esta discricionariedade é, hoje, mais limitada.
Contudo, como refere Fernanda Paula Oliveira porque estão em causa meros critérios abstratos (alguns recorrendo mesmo à utilização de conceitos indeterminados: aptidão, incompatível, indispensabilidade, adequação), os municípios continuam a deter uma ampla margem de discricionariedade que, para além de garantir a autonomia de que estas entidades territoriais estão dotadas (e devem estar, nestes domínios), permite a adequação desta tarefa à realidade local. Alguns destes critérios apontam, mesmo, para opções tomadas previamente pelos próprios municípios, como a definição da sua estratégia de desenvolvimento local, com as quais a tarefa de classificação do solo tem de estar articulada, por ser uma forma de as implementar.
O que significa continuar a remeter-se o essencial desta opção para o próprio município (para a sua concepção de ocupação territorial e para as estratégias económicas e sociais por si definidas (…)”. Cfr. Autora e obra citadas, págs 390/391).
Uma vez concluída a tarefa de classificação dos solos, procede-se à sua qualificação, a qual se reconduz à determinação das potencialidades dos terrenos em função do uso dominante que neles pode ser desenvolvido, estabelecendo, para além dos correspondentes usos, também quando admissível, a respetiva edificabilidade.
Com a aprovação do citado Decreto Regulamentar vieram estabelecer-se, tal como para a classificação dos solos, critérios para a respetiva qualificação, ou seja, para a determinação do uso dominante a que podem ser afetos os solos rurais e os solos urbanos.
Avultam entre tais critérios verdadeiros princípios jurídicos de planeamento territorial, tais como o princípio da compatibilidade de usos (garantindo a separação de usos incompatíveis e favorecendo a mistura de ocupações e usos compatíveis sempre que tal contribua para uma maior diversidade e sustentabilidade territoriais), o princípio da graduação (garantindo que nas áreas onde convirjam interesses públicos entre si incompatíveis seja dada prioridade àqueles cuja prossecução determine o mais adequado uso do solo, em termos ambientais, económicos, sociais e culturais) e o princípio da estabilidade (consagrando critérios de qualificação do solo e de definição da utilização dominante que representem um referencial estratégico e garantístico estável no período de vigência do plano).
Todavia, como refere Fernanda Paula Oliveira, considerando o facto de aqueles critérios se encontrarem identificados de um modo bastante aberto (utilizando de forma acentuada, conceitos indeterminados ou correspondendo a princípios jurídicos da actividade administrativa cuja conteúdo é relativamente indeterminado, terá de se concluir que também aqui cabe em grande medida à câmara municipal “fechar aquela discricionariedade”, juntando aos critérios da lei outros, determinados por si, que sejam adaptados à realidade física, económica, e social do seu território, de onde se conclui existir uma ampla discricionariedade por parte da Administração municipal”. Cfr. Autora e obra citadas, pág. 402

Posto isto, frise-se que no atual ordenamento jurídico urbanístico foi consagrado o princípio da perequação compensatória dos benefícios e encargos decorrentes dos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares, com vista a garantir a observância do princípio da igualdade em face de medidas (expropriativas e não expropriativas) daqueles planos.
Assim, prevê-se no artigo 18.º da Lei n.º 48/98 de 11 de Agosto, que «Existe o dever de indemnizar sempre que os instrumenros de gestão territorial vinculativos dos particulares determinem restrições significativas de efeitos equivalentes a exproriação, a direitos de uso do solo preexistentes e juridicamente consolidados que não possam ser compensados nos termos do número anterior» (n.º2).
Por sua vez, o D.L. n.º 380/99, de 22.09, alterado pelo DL 310/03, de 10.12, no seu artigo 143.º, estabelece que:
«2- As restrições singulares às possibilidades objetivas de aproveitamento do solo resultantes de revisão dos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares apenas conferem direito a indemnização quando a revisão ocorra dentro do período de cinco anos após a sua entrada em vigor, determinando a caducidade ou a alteração das condições de um licenciamento prévio válido.
3-As restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo resultantes de revisão dos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares apenas conferem direito a indemnização quando a revisão ocorra dentro do período de cinco anos após a sua entrada em vigor, determinando a caducidade ou a alteração das condições de um licenciamento prévio válido.»

Sobre o sentido a retirar do conteúdo normativo desta disposição legal já se pronunciou o Venerando Supremo Tribunal Administtativo no seu Acórdão de 05.11.2013, processo n.º 0466/13, de que foi Relator o Senhor Conselheiro Madeira dos Santos, que numa síntese proficiente adiantou a seguinte jurisprudência:
«Não há dúvida que o art. 143º do RJIGT constitui o parâmetro normativo imediato da atribuição de indemnizações do género. E, na resolução do problema presente, avultam os ns.º 2 e 3 desse artigo, que apresentam a seguinte redacção:
(…)
Portanto, o primeiro desses números confere, «in genere», um direito de indemnização a quem sofra «restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento» de um seu terreno. Mas acrescenta logo que o surgimento do direito requer a verificação cumulativa de três requisitos: (i) que essas «possibilidades objectivas de aproveitamento do solo» sejam «preexistentes» (às «restrições»); (ii) que as mesmas «possibilidades» estejam «juridicamente consolidadas» (aquando das «restrições»); (iii) e que as «restrições» correspondam a «efeitos equivalentes a uma expropriação».
Por seu turno, o n.º 3, que acima transcrevemos, ocupa-se de parte das «restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo» – a parte delas que resulte «da revisão dos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares». Tal «revisão» deve ser entendida «lato sensu», abrangendo também a «alteração» e a «suspensão» aludidas no art. 93º, n.º 1, do RJIGT; e, para os fins da norma, é indiferente que essa «revisão» ocorra «in situ» ou advenha da emergência de um plano com força jurídica superior. Sendo assim, o caso «sub judicio» reporta-se nitidamente a este n.º 3: pois o Regulamento do PDM de Alcobaça reconhecera à autora e aqui recorrida possibilidades objectivas de aproveitamento do seu terreno – as de nele edificar – que o Regulamento do POOC veio suprimir, proibindo-lhe aí «a realização de obras de construção» (art. 16º, n.º 1, desse diploma).

Mas o mesmo n.º 3 estabelece seguidamente dois requisitos para a existência do direito de indemnização; e é fácil ver que eles constituem um desdobramento explicativo de algo já ínsito no n.º 2. Assim, e por um lado, o n.º 3 diz que só têm alcance expropriativo e, portanto, indemnizatório as «restrições» («às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo») que resultem da «revisão dos instrumentos de gestão territorial» (dadores daquelas possibilidades) ocorrida «dentro do período de cinco anos após a sua entrada em vigor». Passado esse período, a supressão das «possibilidades», entretanto não realizadas perde significado expropriativo, por dever triunfar o primado da flexibilidade dos planos.
Por outro lado, só há direito a indemnização se aquela «revisão» (dos instrumentos de gestão territorial que autonomamente consagravam as agora restringidas possibilidades de aproveitamento do terreno) determinar «a caducidade ou a alteração das condições de um licenciamento prévio válido». E esta exigência acresce, evidentemente, à anterior – como mostra o facto dela começar com um verbo no gerúndio, ou seja, dela se referir a uma acção que necessariamente acompanha o que atrás se dissera. Ademais, este outro requisito explicita que as «possibilidades juridicamente consolidadas», aludidas no n.º 2, são, afinal e tão só, as decorrentes de um qualquer «licenciamento prévio».
Ora, partindo destes considerandos, no caso em análise, o pedido de licenciamento que a Autora apresentou para o terreno que adquiriu, foi indeferido em plena vigência do PDM de (...) de 1994, e foi apreciado e indeferido, sublinhe-se, em razão das regras urbanísticas insertas nesse intsrumento de planeamento urbanistico.
Logo, sendo assim, à luz do PDM de 1994 a autora não tinha constituido a seu favor nenhuma direito subjetivo a construir sobre o prédio em questão nestes autos, pelo que, a inserção do terreno da apelante em zona de REN no PDM de (...), após a sua revisão de 2009, não equivale a nenhuma expropriação do plano. A apelante não era titular de nenhuma licença ou autorização de construção que lhe conferisse o direito a promover, sobre aquele terreno, uma operação urbanística.
Note-se que, como bem se sintetiza no Acórdão do STA que temos vindo a citar as possibilidades de transformação dos solos, previstas nos planos, quando existam, devem ser vistas «como a outorga aos «domini» de meras expectativas jurídicas de edificar em certos moldes; expectativas que somente se transformarão em direitos genuínos e exercitáveis quando eles obtiverem uma qualquer licença – que, recorde-se, é definível como a permissão para a prática de uma conduta relativamente proibida – casuisticamente ordenada a um concreto acto de edificar».
Por conseguinte, de acordo com o disposto no artigo 143.º citado, só há direito a indemnização e só há equivalente a expropriação se existir a possibilidade objetiva de aproveitamento do solo preexistente e juridicamente consolidada, pelo que, a não se verificar essa situação, não se pode aplicar á inserção do terreno da autora em REN o regime indemnizatório da lei de bases do D.L. n.º 380/99, pois eles supõem essa consolidação jurídica.

Há falta deste pressuposto para a constituição de um direito indemnizatório, soma-se a inverificação de um outro requisito, decorrente do facto de terem mediado mais de cinco anos entre o momento em que entrou em vigor o PDM de (...) de 1994 – aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de 09.07.1994 e ratificado por RCM de 22.09.1994- e o momento em que foi aprovada a Revisão do PDM de (...) - aprovada por deliberação da Assembleia Municipal de 30.04.2009.
Conforme bem se refere na decisão recorrida, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n. º 2 da Lei 48/98, de 11.08 e art.º 143.º do DL 380/99, de 22.09, que definem as condições em que há direito a indemnização, falta também o requisito dos cinco anos entre a aprovação do PDM de 1994 e a sua revisão.
A apelante não logrou demonstrar que, por motivo das restrições singulares às possibilidades objetivas de aproveitamento do solo resultantes de revisão do PDM de (...), tivesse resultado a caducidade ou a alteração das condições de um licenciamento prévio.
Em suma, à luz do art. 143.º, n.º 3, do RJIGT – que se apresenta como a regra jurídica imediata para resolver o assunto em presença – a autora carece do direito de indemnização que reclama.

E conforme bem se realça na decisão recorrida «(...) o critério jurídico resolutivo de casos como o ora em apreço é o que consta do art. 143.º, n.º 3, do RJIGT, pelo que ou o direito de indemnização reclamado é conferido por essa norma, ou não sendo (como é o caso), não faz sentido convocar o regime da responsabilidade civil extracontratual por facto lícito para exumar um direito negado pela lei directamente aplicável.
Acresce que, ainda que se considerasse aplicável o referido regime, não logrou a Autora, demonstrar a existência de prejuízos especiais e anormais.
Em face do exposto, conclui-se pelo não preenchimento dos requisitos legalmente exigidos e, consequentemente, o Réu Município não se constitui na obrigação de indemnizar a Aurora pelos danos reclamados.»
Sumariou-se no referido Acórdão do STA que:
«I – O art. 143º, n.º 3, do RJIGT não é infiel à lei de bases (a Lei n.º 49/98, de 11/8), não padecendo das correspondentes ilegalidade e inconstitucionalidade orgânica.
II – Essa norma, ao exigir um «licenciamento prévio válido», não ofende o «princípio democrático» ou o princípio constitucional da igualdade.
III – As possibilidades construtivas meramente previstas num plano não conferem aos respectivos «domini» um «jus aedificandi», ao menos «in actu», mas uma simples expectativa jurídica.
IV – Por isso, a eliminação posterior dessas possibilidades, fruto da revisão do plano, não corresponde a uma expropriação de sacrifício, susceptível de indemnização à luz do art. 62º, n.º 2, da CRP.
V – O art. 9º do DL n.º 48.051 não representava um instituto jurídico subsidiário, apto a conferir uma indemnização já negada pela lei directamente aplicável.
VI – Aliás, o risco que uma zona enfrenta devido ao avanço do mar sempre excluiria que a sujeição do local a restrições edificativas constituísse, para os respectivos «domini», um prejuízo especial e anormal.»

Aqui chegados, não nos oferece dúvida que a pretensão indemnizatória que a autora pretende ver reconhecida não tem suporte legal, nem nos arts. 18º, n.º 2, da Lei n.º 48/98, de 11/8, e 143º, n.º 3, do DL n.º 380/99, de 22/9 (o RJIGT), nem no artigo 16.º da Lei n.º 67/2007, de 31.08.

Termos em que, contrariamente ao sustentado pela apelante, a sentença recorrida não padece dos erros de julgamento que a mesma lhe assaca, impondo-se julgar improcedente o presente recurso e confirmar a decisão recorrida.
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IV- DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela apelante, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Notifique.
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Porto, 29 de maio de 2020.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro