Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00095/23.9BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/30/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:EXCEPÇÃO DE LITISPENDÊNCIA;
CRITÉRIO FORMAL; CRITÉRIO SUBSTANCIAL;
N.º 2 DO ARTIGO 580º E ARTIGO 581º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL;
Sumário:
A excepção de litispendência assenta num critério não apenas formal (artigo 581º do Código de Processo Civil), mas também substancial, dado o disposto no n.º 2 artigo 580º do Código de Processo Civil, onde se afirma que a excepção de litispendência (tal como a de caso julgado) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» interpôs RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 26.09.2023, pela qual foi procedente a exceção dilatória de litispendência e, em consequência, absolvida da instância a Entidade Demandada, na acção administrativa urgente de contencioso de massa que moveu contra o Município ....

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 130º, 580 a 582º do Código de Processo Civil, pelo que, deve ser revogada e substituída por outra que decida não conhecer da litispendência ou, quando assim se não entenda, julgada não verificada a litispendência, seguindo o processo os seus normais e ulteriores termos.

O Município recorrido apresentou contra-alegações a defender a decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. O Tribunal a quo proferiu sentença que julgou procedente a exceção dilatória de litispendência e absolveu a entidade demandada da instância, decisão com a qual não se conforma.

2. Em primeiro lugar, resulta dos documentos com as refª ...17 (citação), ...37 (aviso de receção), ...83 (acórdão do TCAN) e ...72 (despacho que ordenou a notificação para contestar, datado de 18/07/2023), que a citação nestes autos ocorreu em primeiro lugar (em 23/03/2023), embora tal não integre a factualidade dada por provada.

3. Deve, por isso, ser aditado aos provados o seguinte facto: a entidade demandada foi citada nos presentes autos em 23/03/2023.

4. Considerando o aditamento pretendido à matéria de facto, é forçoso concluir que a questão da litispendência não pode ser apreciada na presente ação, mas no processo 156/23.4BEPNF.

5. A isto acresce que a questão da litispendência nos dois processos referidos é uma exceção que se afigura artificial e desprovida de sentido útil, pois que, no caso dos procedimentos em massa, o Tribunal não é colocado na alternativa de se contradizer ou reproduzir decisão anterior, porque o artigo 99.º, n.º 4 do CPTA determina a apensação obrigatória dos processos judiciais relativos ao mesmo procedimento concursal.

6. Quando assim se não entenda, sem prescindir, não se verifica uma situação de litispendência, porque nem os factos são os mesmos, nem o pedido o é, num e noutro processo.

7. O Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação dos art. 130º, 580 a 582º do CPC, pelo que, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que decida não conhecer da litispendência ou, quando assim se não entenda, julgada não verificada a litispendência, seguindo o processo os seus normais e ulteriores termos.

Termos em que, V. Exas., Venerandos Desembargadores, sempre com o mui Douto suprimento, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que acolha a motivação e conclusões que antecedem, farão a costumada e sã Justiça!

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II –Matéria de facto.

O Recorrente tem razão quando defende que se deve aditar um facto relevante, a data em que ocorreu a primeira citação (antes do recurso jurisdicional) no presente processo: 23.03.2023.

Deveremos assim dar como provados os seguintes factos:

1) A 20/02/2023, «AA» intentou acção de contencioso pré-contratual contra o Município ..., à qual foi atribuída o n.º de processo 95/23.9BEPNF (provado por documento – cf. comprovativo de entrega da petição inicial, a fls. 1 do SITAF, processos 95/23.9BEPNF).

2) Na petição inicial doeste processo «AA» deduziu os seguintes pedidos:

“(...) A. Ser anulado o despacho proferido no âmbito do presente procedimento, que decidiu pela aplicação ao A. do método de seleção previsto no nº 1 do art. 36º da LGTFP e, consequentemente, ordenou a sua exclusão.
B. Ser a ré condenada a proferir nova decisão que determine a aplicação ao A. do método de seleção previsto no nº 2 do art. 36º da LGTFP.
Por outro lado.
C. Requer a V. Exa. adoção de medidas provisórias, dirigidas a prevenir o risco de, no momento em que a sentença venha a ser produzida, se ter constituído uma situação de facto consumado ou já não ser possível retomar o procedimento pré-contratual para determinar quem nele seria escolhido como adjudicatário, ordenando a suspensão do procedimento concursal até prolação de decisão final nestes autos, suspendendo o ato de adjudicação”.
(provado por documento – cf. petição inicial processo 95/23.9BEPNF, a fls. SITAF).

3) Em 25/02/2023, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel proferiu sentença de indeferimento liminar (provado por documento – cf. sentença, fls. 4 a 14 do SITAF).

4) «AA» apresentou recurso da decisão liminar para o Tribunal Central Administrativo Norte, do qual, em 16/06/2023, profere acórdão com o seguinte segmento decisório:

“1. Revogam a decisão recorrida.
2. Convolam o processo, agora apenas para a apreciação dos dois primeiros dos pedidos, em processo contencioso de procedimento de massa previsto no artigo 99.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
3. Ordenam a baixa dos autos à Primeira Instância para aí prosseguirem os seus normais termos sob esta forma processual, se nada mais a tal obstar”.
(provado por documento – cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, a fls. 446 a 451 do SITAF).

5) Em 22/03/2023, «AA» apresentou ação de contencioso de massa contra o Município ..., à qual foi atribuída n.º de processo 156/23.4BEPNF (provado por documento – cf. comprovativo de entrega da petição inicial, a fls. 1 a 22 do SITAF, do processo 156/23.4BEPNF).

6) Na petição inicial identificada no ponto anterior, «AA» deduziu o seguinte pedido:

“Nestes termos, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência,
A. Ser anulado o despacho proferido no âmbito do presente procedimento, que decidiu pela aplicação/manutenção ao A. do método de seleção previsto no nº 1 do art. 36º da LGTFP e consequentemente, ordenou a sua exclusão e todos os actos que dele dependam,
B. Ser anulado o despacho de homologação da lista unitária de ordenação final,
Ser a ré condenada a proferir nova decisão que determine a aplicação ao A. do método de seleção previsto no nº 2 do art. 36º da LGTFP”.
(provado por documento – cf. comprovativo de entrega da petição inicial, a fls. 1 a 22 do SITAF, do processo 156/23.4BEPNF).

7) A 28/03/2023, o Município ... foi citado para contestar no processo nº 156/23.4BEPNF (provado por documento – cf. comprovativo AR, 156/23.4BEPNF, fls. 221 a 222 do SITAF).

8) A 18/07/2023, o Município ... foi notificado para contestar no processo 95/23.9BEPNF (provado por documento – cf. processo 95/23.9BEPNF, a fls. 464 do SITAF).

9) Em 23/03/2023 o Município ... foi citado para contestar no presente processo 95/23.9BEPNF (provado por documento – cf. processo 95/23.9BEPNF, documentos com as refª ...17 (citação), ...37 (aviso de receção).


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III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte relevante.

“(…)

A litispendência é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da ação e cuja verificação origina a absolvição da Entidade Demandada da instância (artigo 89.º, n.º 4 alínea i) do CPTA).

A exceção em causa é um pressuposto processual, negativo, cuja função consiste em impedir o prosseguimento do processo, de forma a evitar que o Tribunal se veja na contingência de proferir uma decisão de mérito que contrarie ou repita uma outra.

Para aferir se estamos perante uma situação de litispendência, é necessário verificar se existe a repetição de uma causa em curso, o que se considera quando é proposta uma ação idêntica a outra no que respeita aos sujeitos processuais, ao pedido e à causa de pedir (artigo 581.º, n.º 1 CPC). Importa referir que, a litispendência tem como pressuposto a repetição de uma causa, quando está uma outra em curso, tal como resulta do artigo 580.º, n.º 1 e 2 do CPC.

Antes de apreciarmos se, no caso, se verifica a exceção de litispendência, importa esclarecer que, apesar do presente processo ter uma numeração inferior, atendendo ao indeferimento liminar e consequente revogação da sentença, a Entidade Demandada só foi notificada para contestar a 18/07/2023, conquanto que no processo 156/23.4BEPNF, foi citada a 28/03/2023, factos 7) e 8). Assim sendo, e nos termos do artigo 582.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a litispendência deve ser deduzida na presente ação, tal como ocorreu.

Vejamos.

Ambas as ações são intentadas por «AA» contra o Município ..., pelo que, é evidente que existe uma repetição quanto às partes do ponto de vista da qualidade jurídica, para efeitos do artigo 581.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

No que respeita ao pedido, considera-se que existe uma repetição quando, em ambas as ações, se pretenda obter o mesmo efeito jurídico (artigo 581.º, n.º 3 do CPC).

Atentemos ao segmento petitório de ambas as ações, e reproduzido nos factos 1) e 6).

Em ambas as ações, evidencia-se que o pedido e os argumentos que o sustentam, demonstram que o Autor pretende a anulação do despacho proferido no âmbito do procedimento concursal comum para a constituição de vínculo de emprego público, na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, aberto pelo aviso 14363/2021, de 29 de julho, publicado no Diário da República n.º 146/2021, série II, e que decidiu pela aplicação ao Autor do método de seleção previsto no nº 1 do art.º 36.º da LTFP. Além disso, em ambas, cumula essa pretensão com a demanda de que a Entidade Demandada seja condenada a proferir nova decisão que determine a aplicação ao Autor do método de seleção previsto no nº 2 do art.º 36.º da LTFP.

Acresce que, a causa de pedir, em ambos os processos, e que se afere da leitura de ambas as petições iniciais, reside no facto de no âmbito do procedimento concursal comum para constituição de vínculo de emprego público ter sido aplicado a «AA» o método de seleção previsto no artigo 36.º n.º 1 da LTFP, em detrimento do previsto no n.º 2 do mesmo normativo. Assim, a pretensão deduzida deriva do mesmo facto jurídico, a aplicação, no âmbito do mesmo procedimento concursal, do método de seleção do artigo 36.º, n.º 1 da LFTP.

Além disso, é importante ressalvar que os pedidos formulados no processo n.º 156/23.4BEPNF abrangem por completo as pretensões formuladas no âmbito do presente processo. Mais, a manutenção das duas ações poderia levar o Tribunal a proferir, para a mesma situação de facto e de direito, duas sentenças sobre o mesmo objeto e pretensão, que no limite poderia originar decisões contrárias, prejudicando assim a justa composição do litígio, sendo precisamente essa a finalidade da litispendência.

Em face ao exposto, verificando-se a tríplice identidade de sujeitos, pedidos e causa de pedir, é de julgar procedente a exceção de litispendência e, em consequência, absolver a Entidade Demandada da instância nos termos do disposto no artigo 89.º, n.º 4 da alínea l) do CPTA.”

Decisão que se mostra acertada.

Desde logo não se vê a pertinência da invocação do facto de se tratar contencioso de procedimento em massa para o tema da excepção de litispendência.

O contencioso de procedimento em massa tem subjacente um procedimento administrativo com mais de 50 participantes – n.º1 do artigo 99º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

A excepção da litispendência tem como pressuposto a tríplice identidade de sujeitos, pedidos e causa de pedir – artigo 581.º do Código de Processo Civil.

À partida, portanto, uma previsão legal não bule com a outra: haverá tantos processos quantos os participantes que impugnem o mesmo acto final no procedimento em massa; só ocorrerá litispendência quando o mesmo candidato impugne o mesmo acto com os mesmos fundamentos.

E para que se verifique a litispendência releva sobretudo o critério da identidade material ou substancial.

Como defende Antunes Varela e outros, na Manual de Processo Civil, 2ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, pagina 302:

“Para sabermos se há ou não repetição da acção, deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção) fixado e desenvolvido no artigo 498º [actual artigo 581º], mas também à diretriz substantiva traçada no n.º 2 do artigo 497º [n.º2 do actual artigo 580º], onde se afirma que a excepção de litispendência (tal como a de caso julgado) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior”.

No caso mostra-se verificada a tríplice identidade de autor, pedido e causa de pedir, de um ponto de vista substancial.

O Recorrente, de resto, nem põe em causa o concretamente decidido neste aspecto. Invoca apenas o procedimento em massa para classificar de afigura “artificial e desprovida de sentido útil” a invocação da exepção de litispendência.

Mas como vimos, o contencioso de procedimentos em massa não afasta a possibilidade de verificação da excepção de litispendência porque são realidades jurídicas distintas com pressupostos distintos que se podem verificar em simultâneo.

Finalmente, quanto à acção em que se verificou em primeiro lugar a citação, para efeitos da previsão legal contida nos n.ºs 1 e 2, do artigo 582º do Código de Processo Civil, também aqui o Recorrente não tem razão.

No pressente processo, o n.º 95/23.9BEPNF, a citação do Município ... verificou-se em 23.03.2023, facto 9) aditado a requerimento do Recorrente.

No processo nº 156/23.4BEPNF a citação do Município ... verificou-se em 28.03.2023, facto 7) dado como provado.

Deve portanto, ter-se por intentado em primeiro lugar o presente processo e, por isso, foi aqui devidamente suscitada a excepção da litispendência.

Termos em que se impõe negar provimento ao recurso.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas Pelo Recorrente.

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Porto, 30.11.2023

Rogério Martins
Isabel Costa
Nuno Coutinho, em substituição