Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00265/15.3BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/15/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rosário Pais
Descritores:IMPUGNAÇÃO; CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA SOBRE O SETOR ENERGÉTICO; INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL;
PRINCÍPIOS DA EQUIVALÊNCIA,
DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, DA IGUALDADE E DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:I) Tendo a Contribuição Especial sobre o Setor Energético a natureza de contribuição Financeira, não ocorre inconstitucionalidade material por violação dos princípios constitucionais da equivalência, da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade..*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:D., S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

1.1. D., SA, devidamente identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, em 04.05.2018, que absolveu a AT da instância relativamente ao pedido de “indemnização prevista nos artigos 171º do CPPT e 53º da LGT, caso venha a ser julgada indevida qualquer garantia que a Impugnante possa ter apresentado e/ou ter de vir ainda a apresentar com vista à suspensão de processo de execução fiscal instaurado em virtude da dívida cuja legalidade ora se contesta” e, no mais, julgou totalmente improcedentes os restantes pedidos formulados na impugnação, de anulação da liquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, no valor de € 291.971,12, e dos respetivos juros compensatórios, no montante de € 1.439,86, atos estes relativos ao ano de 2014 e constantes da demonstração de liquidação n.º 2014 CESE000005, bem como de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:

«A. A D. não exerce qualquer actividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da electricidade (a actividade da Recorrente é a de aprovisionamento e distribuição de gás natural), pelo que em nada contribui para o problema da divida tarifaria do SEN, não beneficiando, pois, de nenhuma forma directa ou especial, da actividade do Estado exercida no âmbito do problema em causa (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE).
B. Não tendo qualquer relação com a dívida tarifária do SEN, a D. não contribuiu ou beneficiou das circunstancias que geraram esse problema, pelo que não tem também relação com o consequente desequilíbrio orçamental que o Estado português assumiu como objectivo anular ou atenuar (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE) - e que, em rigor, constituiu o único objectivo da CESE, não só em 2014, ano a que respeitam os actos tributários cuja declaração de ilegalidade se requer, mas também até ao momento.
C. A Recorrente não é parte da causa de tal desequilíbrio, nem retirará da actuação estadual nesse aspecto qualquer beneficio que não seja partilhado, em princípio na mesma medida, por todos os particulares.
D. Relativamente ao financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético, que o legislador também inscreveu formalmente como justificação da CESE, não se conhecem, com um grau mínimo de probabilidade objectiva, passados quase três anos do início de vigência do tributo, qual a natureza, o conteúdo e a importância das mesmas, razão pela qual nunca poderemos dar por demonstrada a sua indispensabilidade e, portanto, que os sujeitos passivos do tributo poderão em princípio, alguma vez, ser efectivos beneficiários de uma ou mais das politicas em causa. Ora, se não conseguimos para já vislumbrar uma probabilidade séria desse efectivo benefício, tem de ser dar por não provado enquanto comprovado o beneficio potencial ou presumido.
E. Aliás, mesmo que pudéssemos estabelecer uma ligação entre um benefício decorrente das políticas em questão e a actividade das empresas energéticas que não actuam no sector da produção de electricidade - no qual se gerou o problema da dívida tarifária e o consequente desequilíbrio orçamental sempre essa ligação seria insuficiente para assegurar a legitimidade da CESE, na medida em que aquelas empresas continuariam a suportar um tributo cuja receita (a restante receita) é afecta a um objectivo com o qual nada têm a ver (a redução da dívida tarifária do sector electroprodutor) e a um outro cuja solução beneficia de igual modo, geral e indiscriminadamente, todos os particulares - para além de ser ele próprio, em parte, uma consequência daquela dívida tarifária (a consolidação orçamental).
F. De tudo isto sobra que o único objectivo do tributo à luz do qual a sua exigência à Recorrente é perceptível (ainda que não juridicamente sustentável) é o objectivo do financiamento das despesas gerais do Estado e da consolidação das contas públicas, um desiderato tipicamente prosseguido através dos tributos unilaterais.
G. Tanto assim é que, desde o início de vigência do tributo (portanto, em 2014, 2015 e 2016), esse foi o único objectivo prosseguido efectivamente pelo Estado com a receita da CESE: dos autos resulta que aquela receita não foi afecta à redução da dívida tarifária do SEN, porque a parte respectiva nunca chegou a ser transferida, para esse efeito, para o Fundo, nem a qualquer outra política tendente à sustentabilidade do sector energético.
H. Em face do exposto, a CESE não cabe no campo dos tributos bilaterais ou sinalagmáticos (taxas ou contribuições financeiras), por não respeitar o princípio da equivalência: os montantes exigidos não o são para o exercício de uma actividade do Estado de que os sujeitos passivos concretamente em causa beneficiem (directa ou indirectamente, efectiva ou presumivelmente, de modo suficientemente distinto da generalidade dos particulares não abrangidos pela incidência do tributo), não sendo sequer possível dizer que a actividade a financiar é originada, especifica ou genericamente, pela daqueles sujeitos passivos.
I. A CESE é, pois, um verdadeiro imposto - um imposto especial sobre alguns operadores de um sector de actividade específico, em razão da sua alegada capacidade contributiva particular.
J. A CESE é um imposto materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, subprincípio em que se concretiza no campo dos impostos o princípio constitucional da Igualdade (artigo 13° da Constituição), porque a sua base de incidência subjectiva atinge contribuintes que pouco ou nada têm a ver com os fins declarados da "contribuição" (não são de todo beneficiados com as actividades estaduais que a receita pretende financiar nem deram origem aos problemas que aquela é suposto colmatar) - designadamente todos aqueles que não actuam no âmbito do sector da produção de electricidade, como é caso da ora Recorrente.
K. Vista como um imposto sobre o rendimento, a CESE viola ainda o princípio da capacidade contributiva por, ao ter como base objectiva o valor dos activos das empresas abrangidas, constituir uma aproximação indirecta ou presumida aos lucros das mesmas - uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: com efeito, a CESE permite ao Estado apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma, ou uma colecta igual ou superior aos lucros efectivamente obtidos, caso em que representará uma taxa de 100% ou mais de tributação do rendimento e, nessa medida, um imposto confiscatório.
L. Além disso, a CESE tem um efeito de dupla tributação e sobreposição ao IRC que é inaceitável, acentuado pela decisão do legislador de impedir que aquela seja dedutível em sede do referido imposto, o que define com especial clareza a violência do tributo c a sua inconstitucionalidade, mesmo se considerado como um imposto sobre o património ou uma contribuição financeira, pelo menos por violação do princípio da proporcionalidade.
M. E, na verdade, a CESE apresenta problemas inultrapassáveis também ao nível do respeito devido pelo principio da proporcionalidade, o qual é violado, em primeiro lugar, na sua dimensão de idoneidade ou adequação, porque a CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN - um dos objectivos legislativamente declarados da medida, ao qual é consignado uma parte importante da respectiva receita não se trata de uma medida que possa assegurar a eliminação ou sequer uma atenuação séria, estrutural, dessa dívida tarifária (mediante uma alteração das regras vigentes em que assenta a sua existência), mas antes, simplesmente, de uma fonte de receita obtida a fim de o Estado continuar a assegurar o objectivo político central quanto à matéria em causa, ou seja, proteger os consumidores finais de electricidade do esforço de redução da dívida tarifária, impedindo o aumento dos preços em medida pelo menos aproximada à exigida por aquela redução.
N. Neste sentido, a CESE é uma medida inócua e indiferente, tendo por referência a sua aproximação ao fim visado, e até contraproducente, porque produz o efeito negativo de adiar a resolução dos desequilíbrios do SEN e, assim, prolongar e acentuar o problema.
O. Depois, a CESE viola o princípio da proporcionalidade também porque é consignada em parte ao financiamento de políticas sociais e ambientais no mesmo ano em que, por exemplo e desde logo, foi reduzida a taxa de IRC em dois pontos percentuais, perdendo-se uma receita pública, já existente, que poderia obviamente servir para aquele fim (não está, assim, cumprida a dimensão da necessidade ou exigibilidade em que assenta a regra da proporcionalidade),
P. e ainda porque, apesar de os objectivos declarados do legislador serem importantes, nunca poderão ser considerados como pretextos suficientes para justificar o prejuízo económico e patrimonial que a CESE inflige nos seus sujeitos passivos, ainda para mais de modo tão violador do princípio da igualdade: na incidência, lembre-se, são incluídas entidades - como a LUSITÂNIAGAS - que pouco ou nada têm a ver com as causas daqueles problemas que suscitaram a criação do tributo ou que pouco ou nada beneficiarão, directa especialmente, com a solução de tais problemas (desrespeita-se, assim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito ou do equilíbrio.
Q. A Sentença a quo deveria, pois, ter decidido no sentido da desaplicação dos artigos 2.º, 3°, 4°, 11° e 12.° do regime jurídico da CESE, aqueles que concretizam as violações da Constituição arguidas nos autos. Não o tendo feito, incorre em vício de violação de lei, devendo por isso ser revogada.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a anulação da Sentença recorrida.».

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. Subidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, aquele Colendo Tribunal julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e, para este efeito, competente o TCAN.

1.5. Os autos foram com vista ao DMMP que se pronunciou no sentido da improcedência do recurso com base no parecer já emitido neste processo pelo Ministério Público junto do STA, do qual consta o seguinte:
«(…)
Questões decidendas:
Qualificação jurídica do tributo designado por Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) (art.37º Lei nº 82-B/2014,31 dezembro- Lei OGE 2015);
Violação do princípio da proporcionalidade nas suas dimensões de idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (arts.18 nº2 CRP)
No pressuposto da natureza de imposto da CESE
Violação do princípio da capacidade contributiva;
Violação do princípio da tributação das empresas pelo lucro real (art. 104º nº2 CRP);
Violação do princípio da proibição da consignação de receitas (art.105º nº3 CRP; art.7ºnº1 Lei do Enquadramento Orçamental)

As questões decidendas supra enunciadas foram analisadas com profundidade e sólida argumentação no acórdão CAAD 7 janeiro 2016 (processo nº 312/2015-T), proferido por unanimidade (incluindo a concordância do arbitro designado pela requerente da pronúncia arbitral)
Neste contexto, merecendo a fundamentação daquele acórdão arbitral a adesão sem reserva do Ministério Público, e aplicando-se mutatis mutandis ao caso em apreço (em que a requerente da pronúncia arbitral, exercendo a sua actividade no sector do aprovisionamento e distribuição de gás natural, não a exerce no sector de produção de electricidade) procede-se à transcrição dos excertos relevantes da análise de cada uma das questões decidendas apreciadas

1.Qualificação jurídica da CESE
1.2. Tomando em consideração os elementos estruturais caracterizadores da CESE antes mencionados, podemos inferir que a questão da sua qualificação jurídico tributária há-de fazer-se no contexto da respetiva recondução à categoria de um imposto de receita consignada ou de uma contribuição financeira. (A qualificação de taxa é logo de afastar por manifesta inexistência de uma contraprestação individualizável, que é um dos pressupostos desses tributos).
Tradicionalmente, esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou actividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários.
Em outras palavras, a qualificação de um tributo como contribuição exige “uma clara conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que possa ser reconduzida a uma ‘relação de troca’ ou a uma ‘relação causal’ entre o Estado e o sujeito passivo.
Ora, a regulação económica – compreendida, seja na sua faceta de modificação na forma de intervenção geral do Estado na economia, na condução das políticas públicas e no modo de relacionamento com os agentes económicos, seja na faceta de promoção e garantia do interesse público, em particular do bem-estar da população, na aceção do cumprimento dos objetivos da regulação social, agora maioritariamente reconduzidos à garantia das obrigações de serviço público (universalidade, acessibilidade, continuidade, igualdade e adaptação às necessidades) no domínio dos serviços económicos de interesse geral explorados em ambiente privatizado e liberalizado – é justamente um sector que, impondo uma recompreensão das categorias tributárias, traz para o primeiro plano as contribuições financeiras, que surgem inevitavelmente como instrumentário típico deste novo modelo económico- social, e que, num primeiro momento, suscitaram dificuldades de integração no contexto do universo tributário vigente
(…)
Com efeito, importa destacar ‘a circunstância’ que caracteriza hoje o sector dos serviços económicos de interesse geral, no qual se inclui o sector energético, e que tem como pressupostos normativos imperativos – nacionais, europeus e, ainda que maioritariamente mediatizados pelo direito europeu, também internacionais –: i) a sustentabilidade ou auto-suficiência financeira do sistema – que inviabiliza o financiamento dessas atividades a partir do orçamento do Estado (proibição geral de auxílios de Estado, exceto quando expressamente autorizados no quadro do direito europeu) e impõe a repercussão de todos os custos (princípio da aditividade tarifária) sobre os consumidores finais/utentes –, ii) a concorrência entre os operadores no quadro de uma economia livre e iii) a integração nas políticas sectoriais das políticas ambientais e de garantia do abastecimento energético (promoção das fontes energéticas endógenas), no quadro de um modelo de transição para uma economia verde (Kahl / Bews, Ökostromförderung und Verfassung, Nomos, 2015).
Assim, uma das regras típicas do modelo de regulação económica consiste em impor a alguns operadores económicos destes sectores inúmeras obrigações de serviço público, cujo sobrecusto pode assumir diferentes formas de financiamento (como a própria internalização de parte de custos, veja-se o caso Federutility, TJUE, Proc. C-265/08, em que o tribunal julgou conforme ao direito europeu a imposição de “preços de referência” como medida de regulação económico-social no domínio do fornecimento do gás natural, sempre que ficasse salvaguardado que tais medidas fossem claramente definidas, transparentes, não discriminatórias e verificáveis, e que estivesse garantido às empresas de gás na União um igual acesso aos consumidores), sendo uma dessas formas típicas a repartição do mesmo [do mencionado sobrecusto] pelos restantes operadores económicos, que ficam legalmente obrigados ao pagamento de contribuições – é o que sucede entre nós, e em todos os países europeus por imposição do direito comunitário, no sector das telecomunicações (v. artigo 97.º/1b) e 2 da Lei das Comunicações Electrónicas e Lei 35/2012, de 23 de Agosto, ambas nas respetivas redações atualizadas) (Trute/Spoerr/Bosch, Telekommunikationsgesetz mit FTEG: de Gruyter Kommentar, Walter de Gruyter, 2001, pp. 208; Richard Staudacher, Verfassungsrechtliche Zulässigkeit von Sonderabgaben, 20004, p. 217) e no sector bancário, com a contribuição sobre o sector bancário, aprovada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro. Na mesma linha, outra situação típica consiste em fazer recair sobre os operadores económicos alguns custos relativos à regulação social — que no caso do sector energético se reconduzem, maioritariamente, às medidas sociais de apoio à pobreza energética [referimo-nos ao sobrecusto das tarifas sociais da eletricidade (Decreto-Lei n.º 138-A/2010, de 28 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 172/2014, de 14 de Novembro) e das tarifas sociais do gás natural (Decreto-Lei n.º 101/2011, de 30 de Setembro) e ao Apoio Social Extraordinário ao Consumidor de Energia (Decreto-Lei n.º 102/2011, de 30 de Setembro); (…) — e custos relativos à regulação socio-ambiental, como sucede com as licenças de emissões, do regime europeu de comércio de licenças de emissões, suportadas por alguns produtores de energia elétrica (artigo 17.º/3a) e anexo IV do Decreto-Lei n.º 38/2013, de 15 de Março) (também sobre a não qualificação das “penalizações” por emissões excedentárias de dióxido de carbono como impostos, v. acórdão n.º 80/2014, do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 12 de Março de 2014).
Neste novo contexto – o do Estado regulador – as contribuições financeiras impostas aos operadores económicos, quer para financiar os sobrecustos do sistema, quer para financiar novos encargos no contexto da regulação social, cumprem ainda a exigida “conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que neste caso é reconduzida a uma ‘relação causal’ entre o Estado, na qualidade de garantidor do funcionamento eficiente e socialmente equitativo do sistema (neste caso do sector energético), e o sujeito passivo.
Ora, a CESE ao ser exigida aos operadores do sector energético com o intuito de financiar políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética e com a redução do stock da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, inscreve-se claramente neste tipo de contribuições exigidas pelo modelo económico-social do Estado regulador.
Assim, há-de reconduzir-se à categoria jurídico-dogmática das contribuições financeiras a favor de entidades públicas.


2. Violação do princípio da proporcionalidade nas suas dimensões de idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito


A Requerente põe em causa a proporcionalidade e a equidade do tributo, questionando a respetiva base de incidência subjetiva e objetiva.
3.1. No que respeita à base de incidência subjetiva, questiona logo a Requerente a ‘relação causal’ entre as contribuições das empresas do sector do gás natural e as das operadoras das infra-estruturas que integram a Rede Nacional de Transporte, Infra-estruturas de Armazenamento e Terminais de GNL (RNTIAT), como é o seu caso, e a finalidade da redução da dívida tarifária do Sector Elétrico Nacional, bem como a existência de um extenso leque de isenções, previstas no artigo 4.º do Regime Jurídico da CESE, que abrangem, essencialmente, os operadores económicos da produção em regime especial (ou seja, com remunerações garantidas ao abrigo de regimes legais especiais) e os pequenos operadores económicos (excluem-se os sujeitos passivos cujo valor total do balanço seja inferior a € 1.500.000).
a) Em relação à afetação de um terço da receita da contribuição à redução da dívida tarifária do Sector Elétrico Nacional, cumpre sublinhar que, efetivamente, nesta parte, existe uma redução intensa (senão mesmo uma exclusão) do nexo causal que é pressuposto desta afetação do tributo, uma vez que é especialmente difícil sustentar que a exigência da CESE aos operadores económicos do sector do gás natural tem sentido no contexto da amortização de um stock de dívida que foi gerado pela adoção de medidas de regulação social no subsector da energia elétrica (o stock da dívida tarifária do sector elétrico é consequência da cláusula-travão na admissibilidade da repercussão integral dos custos do Sistema Elétrico Nacional nas tarifas a suportar pelos consumidores finais), mesmo sabendo que as empresas que hoje são credoras dessa dívida tarifária (pelo menos uma parte significativa das que recebem custos de manutenção do equilíbrio contratual ou garantia de potência e que operam centrais termelétricas) são consumidoras de gás natural que é fornecido pelas operadoras deste segundo sector e através das respetivas infra-estruturas.
Todavia, essa atenuação (ou mesmo interrupção) do nexo causal respeitante a um terço do valor da contribuição não se afigura suficiente para determinar a se uma situação de desproporção significativa entre a exigência do tributo e a finalidade a que o mesmo se destina, pois não só dois terços do valor do mesmo mantêm, como veremos, aquele nexo causal, como ainda a CESE assume um carácter extraordinário. Este carácter extraordinário está logo expresso na sua mesma qualificação legal – sendo que não pode deixar de atribuir-se a esta toda a relevância. Naturalmente que, se o legislador qualifica e designa ab initio um tributo como “extraordinário”, é porque o seu fundamento está numa circunstância ou razão excecional, que “exige” a sua instituição, e a sua instituição com a configuração que o legislador lhe dá. Ainda que a lei não estabeleça expressamente um limite temporal para tal tributo, o facto é que uma tal qualificação indicia que o mesmo tributo não será para manter indefinidamente, ou não será para manter indefinidamente nos termos e com a conformação jurídica que recebeu – será, nesse sentido, «provisório».
Mas ao que fica dito acresce que a regulação da CESE na Lei do Orçamento para 2014 só confirma a sua natureza “extraordinária” – e isso quando, em várias disposições do respetivo regime jurídico (tal como constam do artigo 228.º daquela Lei), se fazem referências temporais determinadas, a 1 de Janeiro de 2014 (artigo 2.º e artigo 3.º, n.º 4), a 31 de Dezembro de 2013 [artigo 4.º, alínea o)], a 1 de Janeiro e 15 de Dezembro de 2014 ou a 31 de Outubro e a 20 de Dezembro de 2014, para determinar, sejam a incidência e o âmbito da isenções, sejam a taxa e a liquidação da contribuição. Tais referências não seriam certamente curiais num tributo criado com uma vocação de permanência – e antes apontam mesmo para a aparente necessidade da sua renovação anual.
(…). Mas o facto – o que só confirma o carácter «extraordinário» da contribuição ̶ é que, em ordem à sua manutenção ainda no ano de 2015, o legislador orçamental sentiu necessidade de, pelo menos, «renovar» correspondentemente aquelas referências temporais, no artigo 238.º da Lei n.º 82-B/2014 (Lei do Orçamento para 2015). (…)
Ora, sendo a CESE uma contribuição «extraordinária», essa sua natureza assume um relevo determinante – será mesmo causa suficiente – para, com esse carácter, não julgá-la desproporcional (inadequada, desnecessária e desproporcional), no quadro do estado de emergência económico-financeiro conjuntural (respeitante ao contexto económico-financeiro do país) e sectorial (respeitante ao peso que a dívida tarifária do SEN assumiu em 2014, totalizando mais de 5 mil milhões de euros), em que foi instituída.
b) Ainda no plano da incidência subjectiva, e no que se refere, por sua vez, à circunstância de as isenções estabelecidas no artigo 4.º consubstanciarem uma violação do princípio da igual proporcionalidade, importa destacar que a maior parte desses operadores económicos foram chamados a ‘contribuir’ por outra via para a eliminação do défice tarifário do Sistema Eléctrico Nacional, ou seja, para impedir que o mesmo subsista e continue a avolumar-se sob a forma de dívida tarifária. (…)
(…)
Todos estes exemplos mostram que a reforma financeira do Sistema Eléctrico Nacional foi promovida também por outras vias, com sacrifícios financeiros impostos aos respetivos operadores económicos, no intuito de alcançar a sustentabilidade do sector, ou seja, a redução dos custos para permitir que todos possam ser repercutidos nas tarifas e que esta repercussão não se traduza num preço final a pagar pelo consumidor que possa excluir uma parte da população de um consumo normal deste serviço. Nesta parte, pode dizer-se que tendo sido chamados a contribuir financeiramente por outra via para o fim do deficit tarifário existe uma razão que sustenta a sua exclusão do âmbito da contribuição para a redução do stock da dívida tarifária acumulada em anos anteriores, mesmo que as contribuições não sejam financeiramente equivalentes nos respetivos montantes. E vale lembrar também que esta comparação do esforço financeiro exigido a cada operador há-de limitar-se apenas, no caso dos sujeitos passivos da CESE, ao valor de um terço da mesma, por ser apenas essa a parcela afeta àquela finalidade. Por outro lado, e no que respeita ao contributo para a sustentabilidade social e ambiental em termos de financiamento de medidas que promovam a eficiência energética, haverá que dizer que a maior parte dos operadores isentos da CESE dão o respetivo contributo nesta matéria através do exercício das respetivas atividades, que, em si, internalizam os custos ambientais e de escassez de produtos energéticos primários, seja a produção elétrica a partir de fontes renováveis (para a Europa a estratégia da eficiência energética é hoje indissociável da geração a partir de fontes renováveis), seja a produção de biocombustíveis, seja a cogeração (em si um dos eixos fundamentais da eficiência energética), seja a gestão mais eficiente do serviço de despacho/disponibilidade, que compõe a garantia de potência, e onde as centrais termoeléctricas a gás natural são as principais operadoras. E até os pequenos produtores aportam um contributo útil para esta política através dos denominados benefícios da geração distribuída.
(…)
Em suma, concluímos que: i) os sujeitos passivos da CESE e os operadores económicos dela isentos nos termos do disposto no artigo 4.º do Regime Jurídico da CESE contribuem ambos, embora em medidas diferentes, para a finalidade principal da CESE – implementação de medidas sociais e ambientais em matéria de eficiência energética; ii) ambos contribuem também, em diferente medida e por diferentes vias, para a finalidade acessória da CESE – redução do défice e da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional – sendo neste caso o contributo imposto às entidades isentas de natureza permanente (para eliminar o défice), e o contributo imposto aos sujeitos passivos da CESE de natureza extraordinária e temporária (redução de uma parte do stock da dívida acumulada).
Assim, não é possível afirmar-se que a delimitação do âmbito de incidência subjetiva da CESE seja arbitrária ou que dela resulte uma violação do princípio da igual proporcionalidade, pois, tal como resulta do conteúdo deste princípio, os esforços dos contribuintes não têm de ser idênticos, bastando que a diferença entre esses esforços não seja arbitrária ou excessiva.
(…)


3.2. Já no que toca à base de incidência objetiva, questiona a Requerente a ‘relação causal’ entre o valor dos ativos e a finalidade pretendida, alegando que: i) se trata apenas de um critério que permite ao legislador obter receitas avultadas com a liquidação deste tributo, sendo desadequado para os objetivos comutativos que hão-de presidir a uma contribuição, e que ii) a circunstância de não ser possível sequer deduzir o respetivo valor em sede de IRC o transforma num tributo desproporcionado. No caso em apreço, tratando-se de ativos regulados, a base tributável da CESE corresponde ao valor reconhecido pela ERSE para efeitos de apuramento dos proveitos permitidos (ou seja, a remuneração permitida ao operador, que, por se tratar de um operador regulado, está submetido a critérios administrativos para o apuramento dos respetivos resultados económicos operacionais), com referência a 1 de Janeiro, no caso da liquidação em apreço, de 2014. Salvo se esse valor for inferior ao que resulte do critério geral estabelecido no n.º 1 do artigo 3.º do Regime Jurídico da CESE – valor dos elementos do ativo respeitantes, cumulativamente, a ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis (com exceção da propriedade industrial) e ativos financeiros afetos à concessão – caso em que este deve prevalecer. Sobre o valor da base tributável assim apurado incide uma taxa de 0,85% ex vi o disposto no artigo 6.º do Regime Jurídico da CESE.
(…)
Todavia, o que cabe ao tribunal neste contexto não é avaliar se o critério escolhido é o mais adequado, mas apenas o de saber se o critério é totalmente desligado da finalidade do tributo – se essa relação é inexistente ou de tal modo ténue que conduza a uma ‘interrupção’ do nexo causal, obstando à sua qualificação como contribuição financeira – ou se a ligação existente é bastante para que se possa ainda estabelecer uma relação de causalidade suficiente. Trata-se, portanto, de um mero juízo de razoabilidade e não de um controlo intenso da proporcionalidade da medida.,
Ora, entende-se que no caso é ainda possível estabelecer uma relação de causalidade suficiente entre o critério adotado pelo legislador para a determinação da base tributável da CESE e a sua finalidade, pois o valor dos ativos é um índice adequado para medir a diferença de capacidade (potencial) de impacto da atividade desenvolvida pelos sujeitos passivos, no contexto das políticas de eficiência energética.

O recente acórdão Tribunal Constitucional nº 7/2019,8 janeiro 2019 (proferido em recurso interposto do acórdão arbitral supra identificado) pronunciou-se no sentido de não julgar inconstitucional as normas ínsitas nos artigos 2º,3º,4º,11ºe 12º que modelam o regime juridico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”,aprovado pelo artigo 228º da Lei nº
83-C/2013,de 31 de dezembro


3.Está prejudicado o conhecimento da questão emergente da errónea qualificação da CESE como imposto:
- violação do princípio da capacidade contributiva (concretização do princípio da igualdade no domínio dos impostos);
- violação do princípio da tributação das empresas pelo lucro real (art.104º nº2 CRP);
(…)».

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPPT, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erros de julgamento de facto, no que respeita à atividade exercida pela Recorrente, e de direito, quanto à (in)constitucionalidade material dos artigos, 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da CESE.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO

A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Factos provados:

1. A Impugnante é uma sociedade comercial residente em território nacional que exerce actividade de “Aprovisionamento e distribuição de gás natural e outros gases combustíveis canalizados” (CAE 035220), sendo considerada, para todos os efeitos legais, como “Contribuinte[s] de elevada relevância económica e fiscal” ou “Grande[s] Contribuinte[s]”, nos termos previstos no artigo 68.º-B, da Lei Geral Tributária;
2. A Impugnante enquadra-se, para efeitos do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no regime normal de periodicidade mensal;
3. No que respeita ao Imposto sobre o Rendimento (IRC), enquadra-se no regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), em conformidade com o art. 69.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), em que é sociedade dominante a Galp Energia SGPS, S.A. (NIPC 504.499.777);
4. Atenta a actividade exercida pela ora Impugnante, é a mesma considerada sujeito passivo sujeito e não isento da aludida contribuição extraordinária sobre o sector energético, nos termos do preceituado no art. 2.º do Regime da Contribuição Especial Sobre o Sector Energético (RCESE);
5. A Impugnante não entregou a modelo 27, aprovada pela Portaria n.º 208/2014, de 10 de Outubro, e, concomitantemente, não pagou, até ao final do prazo previsto para o efeito (15/11/2014), a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, a que se encontra sujeita e não isenta;
6. Em face da falta detectada, foi a D. notificada, em 28/11/2014, nos seguintes termos:
1. Considerando que a sociedade D., S. A. se encontra abrangida pelas regras de incidência previstas no art.º 2.º do Regime da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, constante do art.º 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, e que por esse motivo se encontra obrigada ao cumprimento do disposto nos art.º 7.º e 8.º do supra referido regime, queiram apresentar a Declaração Modelo 27, prevista na Portaria n.º 208/2014, de 10/10.
2. Entregar em suporte informático (ficheiros excel ou compatíveis), listagem dos activos fixos tangíveis, activos intangíveis, com excepção dos elementos da propriedade industrial e activos financeiros afectos a concessões ou a actividades licenciadas nos termos do art.º 2.º do Regime da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, com a indicação do seu valor líquido contabilístico e do valor dos activos regulados (se aplicável à situação em apreço), bem como o centro de custo associado, com referência a 1 de Janeiro de 2014.
3. Indicar o valor das perdas por imparidade reconhecidas, associadas aos activos fixos tangíveis, activos intangíveis e ativos financeiros mencionados no ponto anterior, com referência a 1 de Janeiro de 2014.
4. Relativamente ao valor total dos activos regulados (se aplicável à situação em apreço), queiram justificar a não inclusão naquele valor, designadamente dos montantes inerentes a reavaliações e a activos não remunerados”
7. No que diz respeito ao primeiro ponto da notificação supra identificada, a aqui Impugnante não procedeu à regularização da falta detectada, mediante entrega da respectiva declaração e concomitante pagamento da contribuição, nem aventou qualquer explicação para o efeito;
8. Procedeu, contudo, à entrega dos elementos a que se referem os pontos 2. e 3. supra, os quais serviram de base aos cálculos efectuados pela Inspecção Tributária e que consubstanciam o apuramento de CESE pela AT;
9. No que concerne à questão colocada no ponto 4. da notificação, informou a empresa que:
No que respeita ao valor dos activos regulados, e caso viéssemos a entender da legalidade da Contribuição (o que manifestamente não é o caso) entendemos ser de excluir todos os montantes integrantes do valor dos activos que não sejam objecto de consideração para efeitos de remuneração através da tarifa, nomeadamente a 1ª e 2ª reavaliações sucessivas verificadas em 1/07/2010 e 1/7/2013.
Esse nosso entendimento decorre do disposto no n.º 4 do artigo 3º do Regime da CESE que estabelece que ¯…entende-se por valor dos activos regulados o valor reconhecido pela Entidade reguladora dos Serviços Energéticos para efeitos e apuramento dos proveitos permitidos…‖
Ora, na medida que a ERSE expurga para efeitos do cálculo supra referenciado o montante das anteditas reavaliações, entendemos que as mesmas também devem ser retiradas para efeitos de apuramento da CESE.
Esse tratamento por parte da ERSE tem sido inclusivamente objecto de contestação judicial por parte das Concessionárias de distribuição de gás natural conforme aliás mencionado na página 25 do documento ¯TARIFAS E PREÇOS DE GÁS NATURAL PARA O ANO GÁS 2013-2014 E PARÂMETROS PARA O PERÍODO DE REGULAÇÃO 2013-2016‖ emitido pela ERSE em Junho de 2013…”.
10. Com base nos elementos entregues pela empresa, ora Impugnante, os Serviços de Inspecção Tributária procederam, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI201400311, emitida pela Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), em 20 de Novembro de 2014, ao apuramento dos valores em falta;
11. O referido procedimento de inspecção externo teve início no dia 28 de Novembro de 2014, ao abrigo da Ordem de Serviço citada (OI201400311), sendo de âmbito parcial e incidente sobre o exercício de 2014, tendo como objectivo a verificação do cumprimento declarativo, determinação do montante e respectivo pagamento da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), aprovada pelo art. 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro;
12. No decurso da acção de inspecção, os elementos fornecidos pelo Sujeito Passivo, ora Impugnante, foram validados após os SIT terem verificado que os mesmos se encontravam evidenciados na contabilidade da empresa, procedendo de seguida à determinação da base tributável da CESE;
13. Em consequência, foi emitida a liquidação n.º 2014 CESE000005, em 30/12/2014, (Nota de cobrança n.º 2015 00017399851, de 30/12/2014, e Nota de compensação n.º 2014 00030014504, da mesma data), no montante de € 293.410,97, a qual não foi paga.
Cfr. doc 1 da PI; e fls. 6 a 10, 13 a 26 do PA.».

3.2. De Direito

3.2.1. Logo na conclusão A. das suas alegações a Recorrente sustenta que não exerce qualquer atividade no setor electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsetor da eletricidade, dedicando-se antes ao aprovisionamento e distribuição de gás natural.
Embora a Recorrente o não assuma com clareza, está a impugnar a decisão recorrida quanto à matéria de facto, tendo sido precisamente por esta razão que o Supremo Tribunal Administrativo se julgou hierarquicamente incompetente para conhecer deste recurso.

Pois bem, no que diz respeito às regras da impugnação da matéria de facto e à apreciação da prova, vigora no processo tributário português, o regime jurídico estabelecido para o processo civil, por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT.

Resulta da conjunção das normas do n.º 1 do artigo 662.° e o artigo 640.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa, conquanto o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios que os demonstram.

No caso, a Recorrente não observou tal ónus, uma vez que, tanto nas alegações de recurso como nas correspondentes conclusões, omite a indicação do facto que julga incorretamente julgado, bem como dos concretos meios probatórios evidenciadores daquilo que alega, o que obsta ao conhecimento do recurso, nesta parte.

Sem embargo do que vem dito, o certo é que no ponto 1 do probatório consta, claramente que «A Impugnante é uma sociedade comercial residente em território nacional que exerce actividade de “Aprovisionamento e distribuição de gás natural e outros gases combustíveis canalizados (…)», não se vislumbrando em parte alguma do probatório que a sua atividade fosse outra que não a de aprovisionamento e distribuição de gás naturas e outros gases combustíveis canalizados.

3.2.2. Nas restantes conclusões, a Recorrente sustenta que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito por não ter desaplicado as normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da CESE por força da respetiva inconstitucionalidade material, decorrente da violação dos princípios da equivalência, da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.
Refere que a sentença recorrida acompanhou um acórdão do Tribunal Arbitral, que criticou, realçando que que este não havia sequer transitado em julgado.
Sucede que, entretanto, estas questões já foram apreciadas pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 7/19, datado de 8/1/2019, proferido no processo 141/16, precisamente o recurso da decisão do CAAD considerada na sentença aqui recorrida.
Atento o comando ínsito no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, importa atentar no teor deste aresto, «a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.».

O Tribunal Constitucional apreciou a norma aprovada pela Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2014 e decidiu não julgar inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de dezembro, mantendo a decisão recorrida. Para tanto, considerou, no que aqui interessa, o seguinte:
«(…)
A recorrente veio invocar que, em virtude da sua atividade, não exercia «qualquer atividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da eletricidade (a atividade da Recorrente é a de armazenamento subterrâneo de gás natural), pelo que em nada contribuiria para o problema da dívida tarifária do SEN». Assim sendo, não usufruiria da contrapartida traduzida na redução do défice ou dívida tarifária, pelo que não estaria assegurada a bilateralidade ou sinalagmaticidade do tributo, devendo este ser considerado um imposto.
Sucede que aquela redução é apenas um dos objetivos da CESE, prescrevendo a lei que esta contribuição visa, genericamente, o desenvolvimento de medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético.
Ainda que não referida a uma contraprestação direta, específica e efetiva, resultante de uma relação concreta com um bem ou serviço, o que afasta a sua qualificação como taxa, a sujeição à CESE de determinados operadores económicos tem como um dos seus objetivos «financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético» (artigo 1º, n.º 2, do regime da CESE). É, a par do objetivo da redução da dívida tarifária – que é uma das suas causas –, o objetivo da promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, bem como de medidas de apoio às empresas, que gerará, igualmente, contrapartidas, ainda que difusas, dirigidas aos sujeitos passivos da CESE. A existência destas presumidas contraprestações que vão além do mero objetivo da redução tarifária, e que a criação do FSSSE garante, assegura, também, o caráter estrutural de bilateralidade ou sinalagmaticidade da relação subjacente ao tributo em causa, permitindo excluir a sua caracterização como imposto, já que nelas é possível identificar a satisfação das utilidades do sujeito passivo do tributo como contrapartida do respetivo pagamento. É a participação de um especial setor da atividade económica nos benefícios/custos presumidos da adoção destas políticas de financiamento que permite isolá-los dos demais contribuintes, sujeitando-os à contribuição criada pelas normas em apreciação, sem que essa diferenciação possa considerar-se violadora da Constituição, como veremos. Assim, apesar de não pressupor uma contraprestação direta, específica e efetiva, razão pela qual não pode ser qualificada como taxa, a CESE, reveste características de bilateralidade na relação entre o Estado e os sujeitos passivos do tributo, pela conexão entre a origem das receitas e o seu destino.
Não estamos, por isso, perante uma cobrança de tributo para participação nos gastos gerais da comunidade, numa pura angariação de receitas, que vise prover, indistintamente, às necessidades financeiras do Estado, que traduza o cumprimento de um dever geral de cidadania e solidariedade, como o dever de pagar impostos, em que esteja ausente uma qualquer contraprestação pública dedicada. Isto porque não é finalidade imediata e genérica deste tributo a obtenção de receitas, a serem afetadas, geral e indiscriminadamente, à satisfação de encargos públicos.

O facto de não ser possível individualizar-se, de forma concreta e absolutamente objetiva, uma compensação efetiva que, pelo seu conteúdo e natureza, seja especificamente dirigida aos sujeitos passivos que desenvolvam a atividade da recorrente, mas apenas as vantagens difusas, tal não retira caráter comutativo às prestações que visem financiar os objetivos que vão além da redução da dívida tarifária, já que estas contrapartidas não estão dissociadas de prestações públicas, ainda que genericamente destinadas a um grupo específico, sendo de presumir que os sujeitos passivos da CESE beneficiarão dos mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético. Ou seja, no caso da CESE, estamos perante um tributo comutativo, em virtude de, ainda que de forma difusa, ser possível identificar nos objetivos do FSSSE, a que foi consignada, contraprestações destinadas a um determinado grupo de sujeitos passivos que mantêm suficiente proximidade com as finalidades que este prosseguirá, e no qual se se incluirá a recorrente.

Realizando a recorrente o armazenamento subterrâneo de gás natural e a construção, exploração e manutenção das infraestruturas e instalações necessárias para esse fim, dúvidas não restam que a recorrente sempre usufruirá do desenvolvimento das medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente das que se associem à atividade do fundo criado que visa, entre outros objetivos, financiar políticas sociais e ambientais do setor energético, enquanto setor de serviços económicos de interesse geral.

Como é bom de ver, os operadores económicos deste sector, entre os quais a recorrente, em virtude do seu específico objeto social, irão, presumivelmente, aproveitar, como contrapartida da CESE, de mecanismos que promovem a sustentabilidade sistémica do sector energético, de cariz social e ambiental, a desenvolver pelo Estado regulador, garante dessa sustentabilidade. Ou seja, uma vez que a atividade desenvolvida por estes agentes económicos beneficiará das ações de regulação traduzidas no desenvolvimento de políticas sociais e ambientais do setor energético, que promovam a sustentabilidade sistémica do setor, designadamente através da constituição do FSSSE dedicado ao seu financiamento, financiamento este que também respeitará ao subsector do gás natural, existem, então, razões que autorizam o legislador a estabelecer que o grupo de operadores, no qual se inclui a recorrente, deve contribuir para os custos decorrente dessas medidas regulatórias. A recorrente é uma das entidades cuja atividade desenvolvida é uma atividade regulada, nos termos do Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho. E a regulação e os seus custos foi já anteriormente identificada pelo Tribunal Constitucional como justificando o lançamento deste tipo de tributos, como atrás se referiu. Como os exemplos de outras contribuições invocados bem demonstram, essas medidas regulatórias não se reduzem à definição de tarifas reguladas.
E sendo assim, é possível identificar, também no caso da recorrente, uma contrapartida presumivelmente provocada e aproveitada pela recorrente, enquanto sujeito passivo, que o legislador faz repercutir, através da CESE, nestes operadores económicos sujeitos a regulação, e não na comunidade em geral.

Como se refere na decisão recorrida, no contexto do Estado regulador, «as contribuições financeiras impostas aos operadores económicos, quer para financiar os sobrecustos do sistema, quer para financiar novos encargos no contexto da regulação social, cumprem ainda a exigida “conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que neste caso é reconduzida a uma ‘relação causal’ entre o Estado, na qualidade de garantidor do funcionamento eficiente e socialmente equitativo do sistema (neste caso do sector energético), e o sujeito passivo»; e «a CESE, ao ser exigida aos operadores do sector energético com o intuito de financiar políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética e com a redução do stock da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, inscreve-se claramente neste tipo de contribuições exigidas pelo modelo económico-social do Estado regulador».

Neste sentido pronunciou-se igualmente o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, no seu Parecer n.º 4/2016 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 2 de março de 2018):
«[A] CESE, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica, no sentido acima referido, [trata-se] de uma contribuição financeira.
A CESE é uma contrapartida para o financiamento da eficiência energética e da redução da dívida do SEN, exigida pelo modelo do Estado regulador.»

11. Evidentemente, ao contrário do que pretende a requerente, o facto de a CESE ter, igualmente, como objetivo a redução da dívida tarifária do SEN, encarado, também ele, como um mecanismo que promove a sustentabilidade sistémica do sector energético, tal não faz obnubilar aquela outra contrapartida. Deixando de lado o problema de saber se a CESE assume natureza extraordinária, ponto relativamente ao qual o Tribunal Constitucional, atendendo ao objeto do pedido, não tem de se pronunciar – in casu está em causa apenas a apreciação da aplicabilidade da CESE pela primeira vez e no ano para o qual a mesma foi originariamente criada (ano de 2014) – é de acompanhar, sem reservas, a apreciação deste aspeto realizada na decisão recorrida:
«Em relação à afetação de um terço da receita da contribuição à redução da dívida tarifária do Sector Elétrico Nacional, cumpre sublinhar que, efetivamente, nesta parte, existe uma redução intensa (senão mesmo uma exclusão) do nexo causal que é pressuposto desta afetação do tributo, uma vez que é especialmente difícil sustentar que a exigência da CESE aos operadores económicos do sector do gás natural tem sentido no contexto da amortização de um stock de dívida que foi gerado pela adoção de medidas de regulação social no subsector da energia elétrica (o stock da dívida tarifária do sector elétrico é consequência da cláusula-travão na admissibilidade da repercussão integral dos custos do Sistema Elétrico Nacional nas tarifas a suportar pelos consumidores finais), mesmo sabendo que as empresas que hoje são credoras dessa dívida tarifária (pelo menos uma parte significativa das que recebem custos de manutenção do equilíbrio contratual ou garantia de potência e que operam centrais termelétricas) são consumidoras de gás natural que é fornecido pelas operadoras deste segundo sector e através das respetivas infra-estruturas.
Todavia, essa atenuação (ou mesmo interrupção) do nexo causal respeitante a um terço do valor da contribuição não se afigura suficiente para determinar a se uma situação de desproporção significativa entre a exigência do tributo e a finalidade a que o mesmo se destina, pois não só dois terços do valor do mesmo mantêm, como veremos, aquele nexo causal, como ainda a CESE assume um carácter extraordinário.
Este carácter extraordinário está logo expresso na sua mesma qualificação legal – sendo que não pode deixar de atribuir-se a esta toda a relevância. Naturalmente que, se o legislador qualifica e designa ab initio um tributo como “extraordinário”, é porque o seu fundamento está numa circunstância ou razão excecional, que “exige” a sua instituição, e a sua instituição com a configuração que o legislador lhe dá. Ainda que a lei não estabeleça expressamente um limite temporal para tal tributo, o facto é que uma tal qualificação indicia que o mesmo tributo não será para manter indefinidamente, ou não será para manter indefinidamente nos termos e com a conformação jurídica que recebeu – será, nesse sentido, «provisório».
Mas ao que fica dito acresce que a regulação da CESE na Lei do Orçamento para 2014 só confirma a sua natureza “extraordinária” – e isso quando, em várias disposições do respetivo regime jurídico (tal como constam do artigo 228.º daquela Lei), se fazem referências temporais determinadas, a 1 de Janeiro de 2014 (artigo 2.º e artigo 3.º, n.º 4), a 31 de Dezembro de 2013 [artigo 4.º, alínea o)], a 1 de Janeiro e 15 de Dezembro de 2014 ou a 31 de Outubro e a 20 de Dezembro de 2014, para determinar, sejam a incidência e o âmbito da isenções, sejam a taxa e a liquidação da contribuição. Tais referências não seriam certamente curiais num tributo criado com uma vocação de permanência – e antes apontam mesmo para a aparente necessidade da sua renovação anual.
Sobre este último ponto, este Tribunal, no caso sub judice - que se reporta, de resto ao primeiro ano da cobrança do tributo, e em que, logo, a questão do seu prolongamento não se põe - não tem de, nem pretende tomar posição. Mas o facto – o que só confirma o carácter «extraordinário» da contribuição - é que, em ordem à sua manutenção ainda no ano de 2015, o legislador orçamental sentiu necessidade de, pelo menos, «renovar» correspondentemente aquelas referências temporais, no artigo 238.º da Lei n.º 82-B/2014 (Lei do Orçamento para 2015).
E não se argumente, contra o carácter extraordinário e «provisório» da CESE, com o facto de a mesma integrar o leque de receitas do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético, e este Fundo ter sido criado com um carácter permanente, à semelhança dos seus homólogos europeus (ex. Fondo nazionale per l'efficienza energética, art. 15 do Decreto Legislativo 4 luglio 2014, n. 102): é que tal circunstância, como é claro, é perfeitamente irrelevante, ou ineficaz, para alterar normativamente a natureza da CESE, tal como resulta das leis que a preveem. […]
Ora, sendo a CESE uma contribuição «extraordinária», essa sua natureza assume um relevo determinante – será mesmo causa suficiente– para, com esse carácter, não julgá-la desproporcional (inadequada, desnecessária e desproporcional), no quadro do estado de emergência económico-financeiro conjuntural (respeitante ao contexto económico-financeiro do país) e sectorial (respeitante ao peso que a dívida tarifária do SEN assumiu em 2014, totalizando mais de 5 mil milhões de euros), em que foi instituída. […]»

12. Acresce que a CESE é consignada a um fundo que tem natureza de património autónomo, sem personalidade jurídica e com autonomia administrativa e financeira, o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), instituído pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril. Esta consignação ao FSSSE foi expressamente fixada, logo na Lei do Orçamento de Estado para 2014 (artigo 11.º do regime da CESE, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013), retirando esta receita ao financiamento de despesas públicas gerais do Estado.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional já considerou ser esta uma qualidade reveladora da natureza comutativa destes tributos, por tal consignação significar que a receita não pode ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais, confirmando a relação de bilateralidade, como decidido pelo Tribunal no Acórdão n.º 152/2013, relativo à taxa pela utilização do espetro radioelétrico.
Independentemente de se considerar esta consignação de receitas decisiva para a caracterização do tributo em causa, a verdade é que a natureza de contribuição financeira da CESE resulta, inequivocamente, da presença de um sinalagma, ainda que difuso, que lhe confere bilateralidade, nos termos atrás desenvolvidos.
Aliás, a circunstância de ser ainda possível identificar, na CESE, quer a tributação de benefícios, mesmo que reflexos, destinados a um especial conjunto ou categoria de sujeitos passivos, quer o objetivo de cobrir os custos que as soluções regulatórias desse financiamento pressupõem, legitima materialmente a consignação de receitas, por lei considerada excecional.
Por todas estas razões, não pode deixar de se considerar que a CESE assume as características de uma contribuição financeira.

13. Chegados à conclusão de que a CESE deve ser qualificada como contribuição financeira, e não como um imposto, fica precludida a análise dos argumentos da recorrente que sustentavam a inconstitucionalidade das normas que a criaram e estabeleceram o respetivo regime, remetendo para os princípios constitucionais que regulam estes tributos, como a violação do princípio da capacidade contributiva na vertente da igualdade material, ou a violação do princípio da tributação das empresas pelo lucro real.
O entendimento da sua natureza enquanto contribuição financeira não afasta, segundo invoca a recorrente, que se avalie da conformidade do regime resultante das normas questionadas com os princípios da equivalência, enquanto subprincípio do princípio da igualdade aplicável aos tributos comutativos, e da proporcionalidade, na sua relação com a propriedade privada e livre iniciativa económica.

14. A recorrente argumenta que o regime deste tributo, resultante das normas impugnadas, caso se considere a CESE como verdadeira contribuição financeira e não como imposto, sempre seria materialmente inconstitucional, por violar o princípio da equivalência, enquanto subprincípio do princípio da igualdade, aplicável aos tributos paracomutativos, constituindo, igualmente, uma restrição do direito de propriedade imposta em violação do princípio da proporcionalidade, assim como do princípio da proibição de consignação de receitas (cfr. conclusão P. das alegações da recorrente, de fls. 407).
Vejamos se serão postos em causa o princípio da equivalência e da proporcionalidade.
Embora não expressamente consagrado na Constituição, o princípio da equivalência resulta do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Lei Fundamental, com ele se procurando que taxas e contribuições se adequem às prestações públicas de que beneficiarão, real ou presumidamente, os respetivos sujeitos passivos.
Decorre, do que atrás se explicitou, que a CESE é um tributo da categoria das contribuições, excluindo a sua classificação, quer como taxa, quer, para o que mais aqui relevava, como imposto.
Garantido que esteja que a contribuição lançada encontra justificação no benefício recebido/custo provocado relativo a uma prestação diferenciada de que efetiva ou presumivelmente beneficiará/ou terá provocado um grupo seu sujeito passivo, estará assegurado o sinalagma que justifica a diferenciação tributária, bem como o respeito pelo princípio da equivalência.
No caso, como atrás se demonstrou, a sujeição à CESE do grupo constituído pelos operadores económicos em que a recorrente se inclui não é desprovida de contrapartidas. Nem quando globalmente considerado o grupo de operadores no setor da energia, nem quando especificamente considerados aqueles que operam no setor do gás natural. Aliás, na definição da consignação de receitas, é para o setor da energia globalmente considerado que são destinadas a maior parte das verbas, visando o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, e de apoio às empresas, já que apenas um terço é reservado à redução da dívida tarifária do SEN.

É, em suma, o carácter sinalagmático, atrás enunciado, que traduz a verificação da equivalência necessária, pelo que não pode deixar de se concluir não existir desrespeito pelo princípio da equivalência. Ao mesmo tempo, a assinalada bilateralidade, encontrada na contraprestação correspondente à sujeição à CESE, retira-lhe o carácter de imposto que incidiria sobre o património das empresas do setor energético que a ela estão obrigadas. Como descrevemos, a estrutura bilateral do tributo justifica que se distinga estes sujeitos passivos dos demais contribuintes, respeitando-se, por isso mesmo, o princípio da equivalência, afastando-se uma injustificada desigualdade.

15. A recorrente invoca, ainda, que esta correspondência não pode violar o princípio da proporcionalidade, sob pena de violar a propriedade privada e livre iniciativa económica. Afastada a caracterização como imposto, em virtude da aceite sinalagmaticidade, uma tal questão remete-nos para o controlo do critério escolhido para definição desta contribuição, ou seja, para o equilíbrio entre prestação e contraprestação.
Significa que, encontrada na relação causal enunciada a justificação para a diferenciação deste grupo na tributação, restaria saber se colhe a invocação da recorrente de que a imposição deste encargo violaria o princípio da proporcionalidade.
Ora, está bem de ver – o que sobressai da desenvolvida distinção entre taxas e contribuições para que atrás se remeteu – que a objetividade conseguida na relação entre uma taxa e a troca real e efetiva que a justifica, e uma contribuição e a prestação genérica e presumida que lhe dá origem, será de grau necessariamente diferenciado, já que, nas prestações presumidas/custos provocados, esta relação não poderá deixar de ser mais difusa ou reflexa, pela sua própria natureza. Por isso, na finalidade de promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, prevista como um dos destinos da CESE, a que, aliás, a lei consigna a maior parte das receitas deste tributo [artigo 4.º, n.º 2, alínea a)], não se procura a identificação de benefícios efetivos, concretos, objetivamente mensuráveis e comparáveis com o sacrifício imposto, mas um mínimo de probabilidade na obtenção desses benefícios pelos sujeitos passivos. E, no caso da recorrente, ainda que se pudesse considerar que inexistiria relação causal entre o desempenho da sua atividade e a dívida tarifária do Setor Elétrico Nacional, ou que não beneficiaria de medidas promovidas para sua redução – já que a requerente não integra o setor electroprodutor –, sempre aqueloutro objetivo, enunciado como destino maioritário da alocação de verbas, pode ser identificado como elemento suficientemente justificador da relação causal entre o tributo a pagar e o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental. É que, como se afirmou já, a causalidade estrutural desta contribuição não assenta, de modo algum, exclusivamente, na redução da dívida tarifária do SEN.
Adiante-se, aliás, que não cabe ao Tribunal Constitucional apurar do posterior e efetivo grau de desenvolvimento de concretas políticas sociais e ambientais, relacionadas com medidas de eficiência energética, que concretizem a intervenção estadual no setor energético de modo a satisfazer aquele que é um dos objetivos da CESE elencado no artigo 1.º, n.º 2, do seu regime, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, no qual se determinou que esta «contribuição tem por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético…», finalidade reforçada no artigo 2.º do diploma que criou o Fundo para o qual a contribuição reverte, que visa a «promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional».

No caso, ao lançar esta contribuição, o legislador definiu uma base de incidência subjetiva suficientemente estreita, com a preocupação de delimitar, com a certeza possível, os sujeitos passivos que virão a beneficiar de presumida prestação, em troca da sujeição a este tributo. Deliberadamente, afastou a solução de fazer repercutir a responsabilidade desta contraprestação em toda a comunidade, que, se assim não fosse, custearia, através dos impostos, prestações públicas de que a sociedade, no seu todo, não seria causadora ou beneficiária. Concebido como encargo a suportar por estes operadores económicos, a consagração deste tributo é, desde logo, acompanhada da proibição da sua repercussão nos consumidores, por via tarifária (artigo 5.º do Regime jurídico da CESE).

Consequentemente, a incidência subjetiva da CESE abrange um conjunto justificável e diferenciável de destinatários que irão, através dela, compensar prestações que presumivelmente serão por estes provocadas ou aproveitadas – seja, a redução tarifária do SEN, ou, no caso dos operadores económicos desempenhando a atividade da requerente, os encargos com os mecanismos de promoção da sustentabilidade do setor energético –, mantendo estes inegável proximidade com as finalidades procuradas com o lançamento da CESE, nesse sentido assumindo aquela contraprestação uma natureza grupal, razão justificadora da tributação que sobre o grupo recai, distinguindo-o dos demais contribuintes.

No quadro de um modelo de Estado regulador, o objetivo do financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético é especialmente aproveitada pelo grupo de operadores económicos em que a recorrente se inclui. Como já se afirmou, neste contexto, é possível identificar uma suficiente conexão entre a origem da receita, cuja fonte são os agentes económicos sujeitos à CESE, e a sua finalidade, que a lei consignou ao FSSSE, de instituição de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, de que o setor económico beneficiará.

É na promoção desta finalidade, e nos benefícios e encargos que daí advêm para determinados setores, que o legislador sustenta a imposição a operadores do setor económico da energia de um tributo que não recai sobre outros operadores económicos, nem sobre a generalidade dos cidadãos contribuintes. E esta prestação é inegavelmente útil à consecução do fim a que se destina, de assegurar as medidas do setor energético referidas, sem onerar a generalidade dos operadores de setores distintos e os cidadãos em geral, a que não se destinam, que as não causaram nem delas beneficiam.

É por esta mesma razão, de afastar do financiamento destas medidas de sustentabilidade energética os demais contribuintes que não lhes dão origem, nem delas beneficiarão de modo direto, que resulta patente que impô-las não se poderá considerar discriminatório.

Também no que respeita à incidência objetiva da CESE se considera estar garantido um nexo causal suficiente entre os ativos (no caso, ativos regulados) sobre os quais recai a CESE (artigo 3.º, n.º 1, do Regime jurídico da CESE) e as políticas públicas de cariz social e ambiental do setor energético.
A titularidade dos ativos tributáveis por parte das empresas que as normas legais sujeitam à CESE, cuja justificação radica na sustentabilidade sistémica do setor energético, torna-as presumíveis beneficiárias das políticas públicas de energia e da sua regulação. Os ativos não surgem como manifestação meramente hipotética da capacidade contributiva, que fosse exigida como receita para despesas gerais do Estado, mas como indicador que permite presumir a potencial utilidade das prestações públicas que aos operadores aproveitam, e os custos presumidos que provocam, já que os ativos são elementos essenciais ao desenvolvimento da atividade, sendo suficientemente adequados para diferenciarem aquele impacto. Também por esta razão, não pode ligar-se a sujeição do ativo ao tributo a qualquer demonstração de que estaríamos perante um imposto sobre o património das empresas. Na lógica do legislador, a titularidade de ativos em certa área da economia é um dado que permite aferir da suscetibilidade da empresa para ser causa de ou beneficiar de políticas de sustentabilidade, o que a distingue dos demais operadores de outras áreas e dos cidadãos. Não é, assim, uma forma de arrecadar receita, indistintamente. É, por isso, uma base de incidência adequada. Corrobora-se, por isso, a conclusão alcançada pelo tribunal a quo:
«Entende-se que no caso é ainda possível estabelecer uma relação de causalidade suficiente entre o critério adotado pelo legislador para a determinação da base tributável da CESE e a sua finalidade, pois o valor dos ativos é um índice adequado para medir a diferença de capacidade (potencial) de impacto da atividade desenvolvida pelos sujeitos passivos, no contexto das políticas de eficiência energética. Um juízo onde tem especial peso a circunstância de estarmos perante um tributo de natureza extraordinária, que por isso se requer de fácil implementação e aplicação para um período de aplicação transitório e curto, onde não se justificaria a implementação de critérios, porventura mais adequados, como a “medida do impacto das economias de energia potenciais” (algo que os contratos de gestão de eficiência energética têm provado ser de elevada complexidade técnica), mas muito complexos e com elevados custos de cumprimento, ou seja, totalmente desajustados da urgência no caso pretendida.»

Embora a propósito do respeito deste princípio da equivalência no âmbito da fixação das taxas, o Tribunal Constitucional teve já ocasião de decidir que «em matéria tributária, não cabe ao Tribunal Constitucional, em linha de princípio, controlar as opções do legislador ou da Administração nas escolhas que estes fazem para estabelecer o quantum dos tributos, quer se trate de impostos, de taxas ou de contribuições especiais» (Acórdão n.º 640/1995). Chegando, mesmo, a afirmar-se, no mesmo aresto que «o Tribunal Constitucional rejeita – seguindo a doutrina fiscalista portuguesa que se exprime sem discrepâncias – o entendimento de que uma taxa cujo montante exceda o custo dos bens e serviços prestados ao utente se deve qualificar como imposto ou de que deve ter o tratamento constitucional de imposto».

A mesma ideia veio a ser explicitada, por exemplo, no Acórdão n.º 140/1996: «as opções feitas pelo legislador (ou pela Administração) na fixação do montante das taxas são, em princípio, insindicáveis por este Tribunal, que, quando muito, poderá cassar as decisões legislativas (ou regulamentares), se, entre o montante do tributo e o custo do bem ou serviço prestado, houver uma desproporção intolerável - se a taxa for de montante manifestamente excessivo».
Bem se compreenderá que, no caso das contribuições, como nas contribuições de regulação, relativamente às quais o sinalagma que é possível identificar não é, como no caso das taxas, individualizado e efetivo, mas apenas presumido, não poderá este Tribunal deixar, por maioria de razão, de lhes estender um tal entendimento.

Ora, como se afirmou, se é verdade que também nas contribuições não se dispensa alguma objetividade mínima no estabelecimento da relação entre a contribuição a pagar e a vantagem para um grupo determinado ou determinável de contribuintes que a suportará, acontece que, sendo esta vantagem presumida, contrariamente ao que sucede nas taxas, em que a vantagem que lhe dá origem é real e singularizável, permitindo melhor adequar o tributo ao custo ou benefício do sujeito passivo, já no caso das contribuições, pela natureza da relação, mais difusa ou reflexa, o grau de exigência na objetividade exigida será ainda mais atenuado.
Note-se, na sequência do que vem dito, que o facto de a sujeição à CESE ser diferenciada (artigo 3.º da Lei n.º 83-C/2013) em função da titularidade do valor dos elementos do ativo de determinados operadores económicos, ou do valor dos ativos regulados – como é o caso da recorrente –, assim afastando a imposição de um encargo à generalidade dos contribuintes, e ajustando a base de incidência em função dos diferentes grupos de sujeitos passivos do tributo, não é, ao contrário do que sustenta a recorrente, indício de desigualdade, mas, antes, de delimitação da base de incidência em função da presumida contraprestação, cujo benefício/custo respeita ao setor energético, desde logo, não a impondo à generalidade dos contribuintes, e procurando a acomodação da contribuição ao custo/benefício presumidos.

Por outro lado, e relativamente às isenções previstas no artigo 4.º do regime da CESE, sendo, à partida, variado o leque de obrigados pelo tributo, a pretensão da sua criação será a de permitir, de algum modo, a distinção do seu impacto nos diferentes operadores económicos, visto que as diferenças normativas de regime já lhes definiram, previamente, distintos direitos e obrigações administrativas, ao modelarem a respetiva atividade. Ao estabelecer isenções, o legislador dá indicação de procurar atender aos diversos regimes jurídicos a que estão obrigados os operadores, em função da natureza da sua atividade, que os colocam em planos não coincidentes relativamente ao seu contributo para a sustentabilidade sistémica do setor energético. O mesmo se diga da opção de não estabelecer uma taxa única aplicável à base de incidência definida, que fosse indiferenciável para todos os operadores.
Daqui não se segue – o que é reforçado pela natureza do tributo em causa – que, da definição das isenções, ou da diferenciação introduzida, dentro de cada grupo de operadores económicos, em função do critério dos ativos como base de incidência, ou da distinção feita através da definição de taxas diferentes, tenham de resultar esforços com peso relativo rigorosamente igual, sob pena de se dever considerá-los arbitrários, já que, não apenas se entende que a definição das obrigações encontra fundamento nas características da sua atividade, como procura levar em conta os diversos contributos dos operadores para a sustentabilidade, verificando-se que a diferenciação não é arbitrária. Nesse sentido, acompanha-se a análise desenvolvida pelo tribunal a quo quanto ao contributo das entidades isentas do pagamento da CESE:
«Importa destacar que a maior parte desses operadores económicos foram chamados a ‘contribuir’ por outra via para a eliminação do défice tarifário do Sistema Eléctrico Nacional, ou seja, para impedir que o mesmo subsista e continue a avolumar-se sob a forma de dívida tarifária. Referimo-nos, no caso da produção elétrica: i) à eliminação, para o futuro, do regime de subsidiação à tarifa da produção em regime especial (a partir de fontes renováveis), com a entrada em vigor da nova redação dos Decretos-Lei n.º 29/2006 e 172/2006, dada pelos Decretos-Lei n.º 215-A/2012 e 215-B/2012; ii) com a imposição aos centros electroprodutores eólicos já instalados de uma compensação anual ao SEN, durante o período de oito anos, compreendido entre 2013 e 2020 (artigos 5.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de Fevereiro); iii) com a redução drástica das subvenções à cogeração (primeiro com a aprovação do Decreto-Lei n.º 23/2010, de 25 de Março e a respetiva alteração por apreciação parlamentar pela Lei n.º 19/2010, de 23 de Agosto e, por último, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 68-A/2015, de 30 de Abril); iv) com a redução, igualmente drástica, das subvenções ao regime do autoconsumo (abrangendo a microgeração e a minigeração), após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 153/2014, de 20 de Outubro; v) com a redução dos custos com a garantia de potência após a entrada em vigor do novo regime de remuneração previsto na Portaria n.º 251/2012, de 20 de Agosto. Todos estes exemplos mostram que a reforma financeira do Sistema Eléctrico Nacional foi promovida também por outras vias, com sacrifícios financeiros impostos aos respetivos operadores económicos, no intuito de alcançar a sustentabilidade do sector, ou seja, a redução dos custos para permitir que todos possam ser repercutidos nas tarifas e que esta repercussão não se traduza num preço final a pagar pelo consumidor que possa excluir uma parte da população de um consumo normal deste serviço. Nesta parte, pode dizer-se que tendo sido chamados a contribuir financeiramente por outra via para o fim do deficit tarifário existe uma razão que sustenta a sua exclusão do âmbito da contribuição para a redução do stock da dívida tarifária acumulada em anos anteriores, mesmo que as contribuições não sejam financeiramente equivalentes nos respetivos montantes. E vale lembrar também que esta comparação do esforço financeiro exigido a cada operador há-de limitar-se apenas, no caso dos sujeitos passivos da CESE, ao valor de um terço da mesma, por ser apenas essa a parcela afeta àquela finalidade.
Por outro lado, e no que respeita ao contributo para a sustentabilidade social e ambiental em termos de financiamento de medidas que promovam a eficiência energética, haverá que dizer que a maior parte dos operadores isentos da CESE dão o respetivo contributo nesta matéria através do exercício das respetivas atividades, que, em si, internalizam os custos ambientais e de escassez de produtos energéticos primários, seja a produção elétrica a partir de fontes renováveis (para a Europa a estratégia da eficiência energética é hoje indissociável da geração a partir de fontes renováveis), seja a produção de biocombustíveis, seja a cogeração (em si um dos eixos fundamentais da eficiência energética), seja a gestão mais eficiente do serviço de despacho/disponibilidade, que compõe a garantia de potência, e onde as centrais termoeléctricas a gás natural são as principais operadoras. E até os pequenos produtores aportam um contributo útil para esta política através dos denominados benefícios da geração distribuída.»

Assim, quer porque o critério escolhido pelo legislador para delimitar a base subjetiva e objetiva da CESE não é totalmente desligado da finalidade que com a contribuição financeira se procura realizar, quer porque o critério definidor do montante não é manifestamente injusto, flagrante e intolerável (Acórdão n.º 640/1995), não se deverá afastar as normas em causa.

Não haverá, em suma, como se conclui pelo que fica dito, violação dos princípios da equivalência e da proporcionalidade.».

Uma vez que as questões suscitadas no presente recurso se encontram analisadas neste acórdão do Tribunal Constitucional, a cuja fundamentação integralmente aderimos por não vislumbrarmos razão válida para dela divergir, temos de concluir, como ali, que a liquidação em crise não enferma das ilegalidades que lhe vêm apontadas, devendo ser mantida a sentença recorrida que assim também considerou.

3.2.3. Preceitua o artigo 6.º, n.º 7 do RCP que nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

A dispensa do remanescente da taxa de justiça prevista neste preceito legal depende, portanto, da verificação de dois requisitos cumulativos: a simplicidade da questão tratada e a conduta das partes facilitadora e simplificadora do trabalho desenvolvido pelo tribunal.

No caso, entendemos que se justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso à luz do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que as questões a decidir no recurso não se afiguraram particularmente complexas, a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo e o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida se afiguraria (não havendo dispensa do pagamento do remanescente) algo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.

4. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em:
a) negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo a decisão recorrida, e
b) dispensar ambas as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
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Custas a cargo da Recorrente, que sai vencida neste recurso (Artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).
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Porto, 15 de abril de 2021


Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda – 1.ª Adjunto
Cristina Nova – 2.ª adjunta