Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00095/18.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/19/2023
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:- SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA;
NEXO DE PREJUDICIALIDADE ENTRE AS ACÇÕES;
MOTIVO JUSTIFICADO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Relatório

Nos presentes autos em que é Autora [SCom01...], SA e Réu o município ..., ambos neles melhor identificados foi proferido, pelo TAF de Mirandela, o seguinte Despacho:
Do requerimento do Réu de 11.10.2022, constante, no SITAF, sob o registo ...85:
Vem o Réu requerer, cito, (...) a suspensão da presente instância nos termos e para efeitos do disposto no artigo 272.°, n.° 1, do CPC (...) até ao trânsito em julgado do acórdão proferido no processo n.° 279/13.8BEMDL (...).
Invoca o Réu, pois, como fundamento da sua pretensão, a pendência de causa prejudicial, substanciada naquele Processo n.º 279/13.8BEMDL, no qual, relativamente aos presentes autos, haverá coincidência no que concerne às partes e à causa de pedir, pelo que da decisão definitiva, por transitada em julgado, que nele vier a ser proferida resultará, para os presentes autos, a autoridade do caso julgado.
Regularmente notificada, vem a Autora, por requerimento de 27.10.2022, constante, no SITAF, sob o registo ...55, pugnar pela improcedência do pedido, para o efeito sustentando que, entre aquele Processo n.º 279/13.8BEMDL e os presentes autos inexiste identidade quanto ao pedido e quanto à causa de pedir.
Vejamos.
Sob a epígrafe Causas, consigna o artigo 269.º, n.º 1, alínea c), do CPC que (...) A instância suspende-se (...) Quando o tribunal ordenar a suspensão (...).
E, sob a epígrafe Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes, estabelece o artigo 272.º, n.ºs 1 e 2, do CPC:
1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta (...).
2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
Dos citados normativos decorre que, mesmo quando não haja acordo das partes, o Tribunal pode, ainda assim, ordenar a suspensão da instância (cf. o artigo 269.º, n.º 1, alínea c), do CPC), o que deve fazer quando constante a pendência de uma outra causa, necessariamente anterior, e a decisão a proferir viva na dependência do julgamento da causa anterior e pendente, dita causa prejudicial (cf. o artigo 272.º, n.º 1, do CPC).
Todavia, ainda que constate a pendência de uma causa anterior e prejudicial, o Tribunal não deve decretar a suspensão da instância quando haja fundadas razões para crer que a causa anterior e prejudicial foi intentada para obter a suspensão da causa dependente ou quando esta se encontre numa fase de tal sorte mais adiantada que da respectiva suspensão resultem maiores prejuízos do que vantagens (cf. o artigo 272.º, n.º 2, do CPC).
Entre o Processo n.º 279/13.8BEMDL e os presentes autos existe identidade quanto aos sujeitos, pois em ambos é Autora a [SCom01...], S. A., e em ambas é Réu o município ....
No Processo n.º 279/13.8BEMDL foi pedida a condenação do Réu, município ..., no pagamento da quantia de 169 313,74 €, acrescida de juros de mora, no montante de 15 383,00 €, num valor global de 185 196,74, relativo às facturas, vencidas e não pagas de 29.04.2012, com os números ...55 e ...69.
Nos presentes autos, vem pedida a condenação do Réu, município ..., no pagamento do valor de 577 348,27 €, acrescido de juros de mora, na importância de 39 085,69 €, numa quantia global de 616 433,96 €, relativo às facturas, vencidas e não pagas de 31.07.20217, com as referências ...13 230000/0018 e ZF113 230000/0026.
Daqui decorre que, entre o Processo n.º 279/13.8BEMDL e os presentes autos inexiste identidade quanto aos pedidos, porquanto, num e noutro, vem pedida a condenação do Réu, município ..., no pagamento de diferentes facturas.
Assim, nos presentes autos não se verifica a litispendência ou o caso julgado, por não verificação dos pressupostos de que, em qualquer dos casos, a Lei faz depender a ocorrência de tais excepções dilatórias, a saber, a identidade de dois processos quanto aos sujeitos, quanto aos pedidos e quanto às causas de pedir (cf. os artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea i), 580.º, n.º 1, e 581.º do CPC).
Todavia, não é a verificação ou não verificação das sobreditas excepções dilatórias, de litispendência ou de caso julgado, que aqui nos ocupa.
O que está em causa é a existência de uma ou mais questões prejudiciais que, noutra causa, necessariamente anterior, se encontram pendentes de decisão definitiva, por transitada em julgada, e que, por isso, uma vez julgadas, se imporão, nos presentes autos, com a autoridade de caso julgado.
Para aferir da existência ou inexistência de causa prejudicial não releva a verificação, in totum, dos pressupostos de que a lei faz depender, relativamente à causa dependente, a ocorrência da litispendência ou do caso julgado, bastando a verificação de que, em ambos os casos, o efeito jurídico almejado pelo autor promana de uma fonte comum ou de questões com ela relacionadas e que, uma vez decididas na causa prejudicial, não deverão, na causa dependente, ser julgadas de forma diferente, antes devendo o decidido ser pressuposto indiscutível do julgamento da causa dependente, que deve acatar a decisão da causa prejudicial, no que se está perante a dita autoridade de caso julgado.
A este respeito, veja-se, inter alia, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra a 11.06.2019, no Processo n.º 355/16.5T8PMS.C1, que acompanhamos e no qual, preparando a decisão, se formularam as seguintes conclusões:
1.- O caso julgado material produz os seus efeitos por duas vias: pode impor-se, na sua vertente negativa, por via da excepção de caso julgado no sentido de impedir a reapreciação da relação ou situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada e pode impor-se, na sua vertente positiva, por via da autoridade do caso julgado, vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas.
2. Quando o objecto da segunda acção é idêntico e coincide com o objecto da decisão proferida na primeira acção, o caso julgado opera por via de excepção (a excepção de caso julgado), impedindo o Tribunal de proferir nova decisão sobre a matéria (nesse caso, o Tribunal limitar-se-á a julgar procedente a excepção, abstendo-se de apreciar o mérito da causa que já foi definido por anterior decisão).
3. O caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objecto da segunda acção mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objecto da acção, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objecto da primeira decisão).
4. Ao contrário do que acontece com a excepção de caso julgado (cujo funcionamento pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), a invocação e o funcionamento da autoridade do caso julgado dispensam a identidade de pedido e de causa de pedir.
(...)
Vertendo estas considerações ao caso que nos ocupa verifico que em ambas as acções (no Processo n.º 279/13.8BEMDL e nos presentes autos) o efeito jurídico almejado pela Autora, [SCom01...], S. A. (a condenação do Réu, município ..., no pagamento de valores espelhados em facturas vencidas e não pagas) promana da mesma fonte, sendo invariavelmente controvertidas as questões relativas:
- à constitucionalidade ou à inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, que instituiu o regime de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais e municipais de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos, e do Decreto-Lei n.º 270-A/2001, de 6 de Outubro, que criou o sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes, entre os mais, do município ...;
- à exigibilidade ou à inexibilidade da obrigação de pagamento de valores mínimos garantidos ou, o mesmo é dizer, à validade ou à invalidade de cláusulas constantes nos contratos de fornecimento e de recolha celebrados entre a Autora e o Réu, em face das disposições legais vertidas no Decreto-Lei n.º 319/94, de 24 de Dezembro, que consagrou o regime jurídico da concessão da exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público, e no Decreto-Lei n.º 162/96, de 4 de Setembro, que estabeleceu o regime jurídico da construção, exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de recolha, tratamento e rejeição de efluentes.
Sendo certo que, na improcedência da causa prejudicial, por verificada aquela inconstitucionalidade ou aquela inexibilidade de obrigação de pagamento de valores mínimos garantidos, por invalidade de cláusulas constantes nos contratos de fornecimento e de recolha celebrados entre a Autora e o Réu, inquinada ficará toda a facturação subsequente, nela incluindo, a que constitui objecto da presente acção.
Assim, no que concerne a tais questões, é cristalino o nexo de prejudicialidade existente entre a decisão que, no Processo n.º 279/13.8BEMDL, sobre as mesmas venha a recair e a decisão a proferir nos presentes autos, para a qual, sendo seu pressuposto e devendo ser acatada, aquela decisão terá autoridade de caso julgado.
Nos termos expostos e com base nos argumentos neles vertidos, julgo verificada a existência da invocada causa prejudicial.
Consequentemente:
1) Ordeno a suspensão da presente instância até à decisão definitiva, por transitada em julgado, que venha a ser proferida no Processo n.º 279/13.8BEMDL.

Deste vem interposto recurso pela Autora.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto do despacho, datado de 20/02/2022, que decretou a suspensão da instância, decidindo: “(...) é cristalino o nexo de prejudicialidade existente entre a decisão que, no Processo n.º 279/13.8BEMDL, sobre as mesmas venha a recair e a decisão a proferir nos presentes autos, para a qual, sendo seu pressuposto e devendo ser acatada, aquela decisão terá autoridade de caso julgado”.
2. Salvo o devido respeito, a Recorrente considera que a decisão proferida neste despacho padece de manifesto erro de julgamento na aplicação do direito, o que constitui o fundamento do presente Recurso.
3. Neste sentido, considera a Recorrente que o douto Tribunal a quo comete um manifesto ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO, porquanto não toma em devida consideração a subsunção do presente litígio às normas previstas para a suspensão da instância, concretamente, o disposto no artigo 272.°, n.° 1 e 2 do CPC, na parte em que considera prejudicial à presente causa os autos pendentes em sede de recurso no Tribunal Central Administrativo Norte, que corre termos sob o n.° de processo 279/13.8BEMDL.
4. Em concreto, considera-se que o Tribunal a quo erra no julgamento de direito na medida em que sustenta a prejudicialidade da ação pendente na circunstância de os respetivos objetos terem o mesmo enquadramento legal.
5. As causas respeitam a períodos distintos do contrato de concessão, tendo as bases da concessão estabelecido diferentes pressupostos lógicos para a cobrança destes valores, o que implica que as pretensões destas causas sejam distintas, na medida em que a decisão final que vier a ser proferida nos presentes autos não é suscetível de modificar os fundamentos que estão na base do processo n.° 279/13.8BEMDL.
6. Uma vez que estamos perante períodos distintos do contrato de concessão, com fundamentos distintos para a aplicação dos valores mínimos garantidos é manifesto que não há qualquer relação de prejudicialidade entre o objeto da ação relativa ao processo n.° 279/13.8BEMDL e a ação dos presentes autos.
7. O efeito jurídico pretendido pela ora Recorrente nestes dois processos é distinto, atenta a autonomia dos processos, pelo que a decisão de mérito dos presentes autos não influenciará o mérito da decisão já proferida no processo n.° 279/13.8BEMDL, concluindo-se que no âmbito destas causas não há qualquer relação de prejudicialidade.
8. Os presentes autos devem prosseguir os seus ulteriores termos, não se vislumbrando que a decisão final coloque em causa a segurança e a paz jurídica postas em causa com decisões de mérito que não sejam em si coincidentes, mantendo-se os deveres do juiz, concretamente os previstos nos termos do artigo 6.° do CPC.
9. Considera a Recorrente que o douto Tribunal a quo comete um manifesto ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO, porquanto decidiu que as causas se encontram numa relação de prejudicialidade, tendo por base um pressuposto que assenta no facto de as ações em questão promanam da mesma fonte jurídica, contudo, é manifesto que este douto Tribunal incorre num manifesto erro de julgamento, visto que, ao processo n.° 279/13.8BEMDL, e aos presentes autos, são aplicáveis normas jurídicas distintas no âmbito do contrato de concessão.
10. Nestes termos, a decisão viola o disposto no artigo 272.°, n.° 1 e 2 e o artigo 6.° do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1°. do CPTA
Termos em que,
E nos melhores de Direito, com o sempre suprimento, deverá o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se o despacho recorrido.
Assim se fazendo justiça!

O Réu juntou contra-alegações, concluindo:


i. Não tem razão a Recorrente quando alega – em interpretação errónea ou, pelo menos, restritiva do despacho sub judice –, que o facto de aos respetivos objetos ser aplicável o mesmo enquadramento legal nunca poderia justificar a qualificação de uma causa como sendo prejudicial em relação à outra.

ii. Não tem ainda razão a Recorrente quando defende que, ao processo n.º 279/13.8BEMDL e aos presentes autos, são aplicáveis normas jurídicas distintas no âmbito do contrato de concessão, não tendo as ações, por isso, o mesmo enquadramento jurídico.

iii. Não tem, por fim, razão a Recorrente ao pretender obter a revogação do despacho recorrido, porquanto este não padece de qualquer erro de julgamento.

iv. A Recorrente explora, em regime de concessão, o sistema multimunicipal TMAD que tem o Recorrido como um dos “Municípios Utilizadores”. Na sequência desse contrato foram celebrados dois contratos, um contrato de recolha de efluentes e um contrato de fornecimento, ambos entre a Recorrente e o Recorrido.

v. Ao abrigo desses contratos, a Recorrente vem emitindo faturas a partir de 2010, destinadas a cobrar os valores mínimos garantidos.

vi. No processo n.º 279/13.8BEMDL discute-se a obrigação de pagamento das faturas referentes aos valores mínimos garantidos do ano de 2012 enquanto que nos presentes autos se discutem as faturas referentes aos valores mínimos garantidos do ano de 2016.




vii. O Recorrido, apesar de ser considerado como um dos “Municípios Utilizadores”, entende que os créditos reclamados pela Recorrente, tanto nesta ação como na ação que corre termos no processo n.º 279/13.8BEMDL, não são exigíveis porquanto não está (nem nunca esteve) efetivamente a utilizar o sistema multimunicipal TMAD, MAIS, os dois sistemas – o municipal e o multimunicipal – não estão sequer ligados.


viii. A identidade do pedido e da causa de pedir é tal que as Petições Iniciais anualmente (desde 2010) apresentadas pela Recorrente são como que um “copy paste” em que apenas é alterado o artigo relativo ao montante correspondente aos “valores mínimos garantidos” alegadamente em dívida pelo Recorrido.

ix. Entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objeto uma pretensão que constitui pressuposto do pedido formulado na segunda ação.

x. Para que se possa concluir pela existência ou não de uma relação de prejudicialidade entre a presente causa e a ação que corre termos sob o n.º 279/13.813EMDL no mesmo Tribunal, caberá começar por apreciar o objeto de cada uma das ações e, principalmente, a forma como ambas foram configuradas pela Autora aqui Recorrente, para - então sim - aquilatar se o que for decidido no processo n.º 279/13.813EMDL tem a virtualidade de contradizer ou inviabilizar aquilo que nestes autos se venha a considerar.

xi. Ao contrário do que vem (apenas agora!) dizer a Recorrente nas alegações por si apresentadas, em momento algum é referido que a exigibilidade de tais “valores mínimos garantidos” procede de pressupostos distintos, sejam eles o reequilíbrio económico da concessão ou a violação do direito exclusivo da Recorrente.

xii. O objeto do litígio é definido em face dos pedidos deduzidos (das pretensões formuladas) pelas Partes nos seus articulados, sendo que aquilo que se discute em ambos os processos é se a celebração dos aludidos contratos dita, per si, a obrigação de pagamento dos “valores mínimos garantidos” pelo aqui Recorrido, independentemente do período da concessão.

xiii. Como já se disse e ora se repete: a única variável nas ações referidas é o ano a que os “valores mínimos garantidos” se reportam, dito de outra forma, a data das faturas emitidas.

xiv. Pelo que o efeito jurídico pretendido pela Recorrente que não mais é do que a condenação do Recorrido no pagamento das faturas alegadamente em dívida, atentos os contratos a que já se aludiu.




xv. É evidente a prejudicialidade existente entre os objetos processuais de ambas as ações, porquanto se no processo n.º 279/13.813EMDL for decidida a (in)existência de uma obrigação por parte do Recorrido no pagamento dos “valores mínimos garantidos” por força dos contratos a que já se aludiu, tal decisão tem a virtualidade de contradizer ou inviabilizar aquilo que nestes autos se venha a considerar.


xvi. A existência de um mesmo enquadramento legal e obrigacional apenas permite dar força à tese da existência de nexo de prejudicialidade entre as ações, não sendo o seu pilar único.

xvii. Com efeito, apenas em interpretação absolutamente errónea do despacho sub judice é que a Recorrente poderia vir a considerar – a título principal - tal como único fundamento para a aferição pelo Tribunal a quo da existência de causa prejudicial e que motivou a suspensão da presente instância.

xviii. A Recorrente alega, ainda, que não estamos perante o mesmo enquadramento legal e obrigacional.

xix. Com a inovatória tese de que os “valores mínimos garantidos” procedem de normas jurídicas distintas dos contratos em apreço, a Recorrente olvida-se que epicentro da discussão se situa em momento anterior: na (in)exigibilidade do pagamento dos “valores mínimos” pelo Recorrido porquanto este (não) faz uma efetiva utilização do sistema multimunicipal.

xx. Ora, atinente a qualquer tipo de cobrança está não o que a justifica (reequilíbrio financeiro ou a violação de um direito exclusivo da Recorrente), mas o que a torna vinculativa: a efetiva utilização do sistema multimunicipal por parte dos “Municípios Utilizadores”.

xxi. Nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do CPTA, o Tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.

xxii. Conforme se referiu, encontra-se verificada a existência de um nexo de prejudicialidade entre os presentes autos e o os que correm termos no processo n.º 279/13.8BEMDL.

xxiii. O que significa que o prosseguimento destes autos enquanto aqueloutra ação estiver pendente redundará, ou poderá redundar, na prática de atos processuais inúteis e, como tal proibidos por lei por força do disposto no artigo 130.º do CPC, pois que este Tribunal ficará vinculado, na decisão da presente causa, à autoridade do caso julgado formado pela decisão proferida no processo n.º 279/13.8BEMDL.




xxiv. Andou bem o Tribunal a quo ao considerar verificada a existência de um nexo de prejudicialidade entre as ações e, por consequência, decidir suspender a presente instância até que a decisão final do processo n.º 279/13.8BEMDL transite em julgado.


Nestes termos e nos demais de Direito que suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso a que ora se responde e ser mantida a decisão do Tribunal a quo no sentido de determinar a suspensão da instância nos presentes autos.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

Fundamentos
É objecto de recurso este despacho que, considerando a identidade das questões jurídicas a resolver nos presentes autos e no processo n.º 279/13.8BEMDL, concluiu pela existência de um nexo de prejudicialidade entre as referidas ações, declarando a presente instância suspensa até ao trânsito em julgado da sentença proferida no processo n.º 279/13.8BEMDL.
Cremos que decidiu com acerto.
Com efeito, ambos os processos respeitam ao pagamento de faturas emitidas pela Recorrente ao Recorrido ao abrigo de um mesmo contrato e, portanto, com o mesmo enquadramento legal e obrigacional.
Tanto assim é que, noutro processo instaurado pela Recorrente contra o Requerido perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, com o n.º 140/14.013EMDL, com objeto idêntico aos presentes autos e ao aludido processo n.º 279/13.813EMDL, também foi determinada a suspensão da instância com fundamento no facto de o processo n.º 279/13.813EMDL constituir causa prejudicial.
A Recorrente alega que o despacho recorrido padece de erro de julgamento na aplicação do Direito, por aplicar erradamente as normas relativas à suspensão da instância, porquanto, no entendimento da Recorrente, não existe a relação de prejudicialidade fundamentadora da suspensão da instância, como decidiu o Tribunal a quo.
Não secundamos esta leitura.
Como é sabido, causa prejudicial é aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.
Por outras palavras, entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objeto uma pretensão que constitui pressuposto do pedido formulado na segunda ação.
I – Para efeitos do disposto no artº 279º, nº 1 do CPC, uma causa está dependente do julgamento de outra já proposta, quando a decisão desta pode afectar e prejudicar o julgamento da primeira, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando, na causa prejudicial, esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito.
II – Entende-se, assim, por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.
III – Existindo entre duas acções esse nexo de prejudicialidade, deverá ser suspensa a instância na causa dependente, até à decisão da causa prejudicial.
IV – Todavia, não sendo aconselhável a suspensão da instância na causa dependente – designadamente, por se encontrar em fase mais adiantada – e se a questão prejudicial (discutida, na acção prejudicial, a título principal) já estava a ser discutida na acção dependente (por ter sido invocada, na respectiva contestação, como meio de defesa e com vista a impedir a procedência da pretensão, aí, deduzida), ocorre motivo justificado para a suspensão da instância na causa prejudicial até à decisão da causa dependente, de forma a evitar o risco de incompatibilidade de fundo entre as decisões a proferir em ambas as acções, que poderia decorrer do prosseguimento simultâneo de ambas as acções – Ac . RP de 07/01/2010 no proc. 940/08.9TVPRT.P1.

Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda. A procedência da causa indicada como prejudicial reveste a virtualidade de uma efectiva e real influência na causa suspensa, por forma a poder concluir-se que a decisão desta depende incontornavelmente daquela.
Uma causa é prejudicial em relação a outra quando o julgamento ou decisão da questão a apreciar na primeira possa influir ou afectar o julgamento ou decisão da segunda, nomeadamente modificando ou inutilizando os seus efeitos ou mesmo tirando razão de ser a esta última – Ac. da RC de 15/02/2005 no proc. 3919/04.
Nos termos e para os efeitos de decretamento da suspensão da instância por causa prejudicial, de acordo com o artº 272º do n.C.P.Civil, entende-se como causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia – Ac. RL de 23/11/2021 no proc. 1767/05.5TBCTB.C1.
Entende-se por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia – decidiu-se também no Ac. RL de 24/10/2019 no proc. 25645/18.9/8LSB.L1-6.
No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça:
Uma causa depende do julgamento de outra quando na causa prejudicial se esteja a apreciar uma questão cuja resolução por si só possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito,
Temos assim que, para que se possa concluir pela existência ou não de uma relação de prejudicialidade entre a presente causa e a ação que corre termos sob o n.º 279/13.8BEMDL, caberá começar por apreciar o objeto de cada uma das ações e, principalmente, a forma como ambas foram configuradas pela Autora aqui Recorrente, para - então sim - aquilatar se o que for decidido no processo n.º 279/13.8BEMDL tem a virtualidade de contradizer ou inviabilizar aquilo que nestes autos se venha a considerar.
Ora, é evidente a prejudicialidade existente entre os objetos processuais de ambas as ações, porquanto se no processo n.º 279/13.8BEMDL for decidida a (in)existência de uma obrigação por parte do Recorrido no pagamento dos “valores mínimos garantidos” por força dos contratos firmados, tal decisão tem a virtualidade de contradizer ou inviabilizar aquilo que nestes autos se venha a considerar.
E isto também porque estamos perante o mesmo enquadramento legal e obrigacional numa e noutra ação, pelo que assim que transitar em julgado a decisão final proferida no processo n.º 279/13.8BEMDL, os respetivos fundamentos, quer de facto, quer de Direito, impor-se-ão no presente processo por força da autoridade do caso julgado.
A este propósito, veja-se que a existência de um mesmo enquadramento legal e obrigacional apenas permite dar força à tese da existência de nexo de prejudicialidade entre as ações, não sendo o seu pilar único.
Em suma,
Nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do CPTA, o Tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
Conforme se referiu, encontra-se verificada a existência de um nexo de prejudicialidade entre os presentes autos e o os que correm termos no processo n.º 279/13.813EMDL.
O que significa que o prosseguimento destes autos enquanto aqueloutra ação estiver pendente redundará, ou poderá redundar, na prática de atos processuais inúteis e, como tal proibidos por lei por força do disposto no artigo 130.º do CPC, pois que o Tribunal ficará vinculado, na decisão da presente causa, à autoridade do caso julgado formado pela decisão proferida no processo n.º 279/13.813EMDL.
A nossa lei adjectiva define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respectivo trânsito em julgado.

No que respeita à eficácia do caso julgado material, desde há muito, a doutrina e a jurisprudência vêm atribuindo duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva - “autoridade do caso julgado”- e uma função negativa - “excepção do caso julgado”.

Segundo Castro Mendes, os efeitos de autoridade do caso julgado e a excepção do caso julgado, ainda que constituindo duas formas distintas de eficácia deste, mais não são do que duas faces da mesma moeda (em “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, pág. 36 e segs..

Assim:

A função positiva do caso julgado opera o efeito de “autoridade do caso julgado”, o qual vincula o tribunal e demais entidades públicas e privadas, nos precisos limites e termos em que julga, nos termos consignados nos artigos 205º/2, da Constituição República Portuguesa e 24º/2, da Lei 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ), bem como nos artigos 619º/1, e 621º e seguintes do Código de Processo Civil.

E uma tal vinculação ao resultado da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada por aquele tribunal que proferiu a decisão justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas.

A função negativa do caso julgado (traduzida na insusceptibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão) opera por via da “excepção dilatória do caso julgado”, nos termos previstos nos artigos 577º/i), 580º e 581º do CPC, impedindo que uma nova causa possa ocorrer sobre o mesmo objecto (pedido e causa de pedir) e entre as mesmas partes, cuja identidade se afere pela sua qualidade jurídica perante o objecto da causa, ainda que em posição diversa da que assumiram na causa anterior.

A este propósito sublinha Teixeira de Sousa: “O caso julgado assegura a confiança nas decisões dos tribunais, pois que evita o proferimento de decisões contraditórias por vários tribunais. Para obter este desiderato o caso julgado produz, como bem se sabe, dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem), impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade de caso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, repitam) o que foi decidido anteriormente (…).” (em “Preclusão e “contrario contraditório”, Cadernos de Direito Privado, nº 41, págs. 24-25).

E, concretizando o âmbito de aplicação de cada um dos assinalados efeitos, acrescenta o mesmo Autor, “a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...). Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente” (em “O objecto da sentença e o caso julgado material”, BMJ 325, págs. 171 e segs.).

Delimitando aqueles dois efeitos, salientam, igualmente, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto: “a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há de ser proferida (…). Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objecto da primeira e da segunda acções: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela deva, excepcionalmente, ser invocável) ou se a primeira acção, cujo objecto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por excepção” (em “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 354).

Munidos destas linhas orientadoras podemos, então, estabelecer a seguinte distinção:

-a excepção dilatória do caso julgado “destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”, pressupondo a sua verificação o confronto de duas acções (contendo uma delas decisão já transitada) e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir;

-a autoridade de caso julgado “tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica”, pressupondo a vinculação de um tribunal de uma acção posterior ao decidido numa acção anterior, ou seja, que a decisão de determinada questão (proferida em acção anterior e que se inscreve, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda) não possa voltar a ser discutida, não sendo, assim, exigível a coexistência da tríplice identidade a que alude o artigo 580º do Código de Processo Civil - Rodrigues Bastos, em “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. III, págs. 60/61).

Relativamente à questão de saber que parte da sentença adquire, com o trânsito desta, força obrigatória dentro e fora do processo – problema dos limites objectivos do caso julgado –, tem de reconhecer-se que, considerando o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, há que alargar a sua força probatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da condenação firmada - Acórdão do STJ de 23/11/2011 no proc. 644/08.2TBVFR.P1.S1.
Pelo que andou bem o Tribunal a quo ao considerar verificada a existência de um nexo de prejudicialidade entre as ações e, por consequência, decidir suspender a presente instância até que a decisão final do processo n.º 279/13.813EMDL transite em julgado.
Mas, ainda que assim não fosse entendido temos que, nos termos do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do CPC, para além dos casos de existência de causa prejudicial, o tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando ocorra outro motivo justificado.
Ora, no caso sub judice, ainda que se considerasse não se estar perante uma causa prejudicial sempre se impunha decidir que a pendência do processo n.º 279/13.813EMDL, em que são discutidos os mesmos factos essenciais e as mesmas normas jurídicas que são objeto da presente ação e que já em fase muito mais avançada do que estes autos, é um motivo justificado para que seja ordenada a suspensão da presente instância até que a decisão final do processo n.º 279/13.8BEMDL transite em julgado.
Impõe-se assim a manutenção na ordem jurídica da decisão do Tribunal a quo no sentido da suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da decisão final que venha a ser proferida no processo n.º 279/13.8BEMDL.
Decisão
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 19/5/2023

Fernanda Brandão
Conceição Silvestre (em substituição)
Isabel Jovita (em substituição)