Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00936/23.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/30/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL;
PREÇOS UNITÁRIOS; PREÇO GLOBAL;
FORMALIDADE NÃO ESSENCIAL;
Sumário:
1.A manter-se a exclusão da proposta apresentada pela autora com fundamento na inobservância da formalidade que a determinava a apresentar os preços unitários em não mais de três casas decimais, seria violado o princípio da concorrência, eliminando-se um concorrente, com fundamento na inobservância duma formalidade não essencial, materialmente inútil relativamente ao critério de adjudicação, que é do preço global mais baixo, que a autora cuidou de apresentar conforme o exigido- em não mais de duas casas decimais.

2. A formalidade violada carece de essencialidade, constituindo uma exigência formal irrelevante para o interesse jurídico em causa neste procedimento, na medida em que em nada interfere com o critério de adjudicação.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso Eleitoral (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO

1.1.[SCom01...], S.A., NIPC ...49, com sede na Avenida ..., ..., moveu a presente ação de contencioso pré-contratual contra o Município ... (doravante Município ..., Município, ED ou entidade demandada), indicando como contrainteressadas, [SCom02...], S.A., NIPC ...31, com sede na Avenida ..., ..., e [SCom03...], S.A., NIPC ...68, com sede na Rua ... ..., peticionando, em síntese: a) a anulação do ato de exclusão da proposta da A.; b) a anulação do ato de adjudicação à proposta da CI [SCom02...];c) a condenação da R. a excluir a proposta da [SCom02...];d) a condenação da R. a adjudicar à proposta da A..
Alega, para tanto, em síntese que a exclusão da sua proposta é ilegal porquanto a apresentação na sua proposta de prémios unitários, por pessoa, com mais de 3 casas decimais, constitui um erro de escrita ou de cálculo, de fácil deteção para o Júri e demais concorrentes, aferível da própria proposta e circunstâncias em que ela é feita, que permitem a sua imediata identificação - lapsus calami - cfr. artigo 249.º do Código Civil - que se deveu ao documento da proposta ser elaborado a partir de um formato Excel, cujos campos indicativos foram, por mero lapso, mantidos no formato de moeda sem circunscrição a três casas decimais;
Ademais, considerando que o prémio anual de cada apólice resulta inequivocamente da multiplicação dos referidos prémios unitários pelos números estimados de utilizadores/participantes constantes dos Anexos A e B ao CE-DOC.08, o mesmo é aferível da declaração, cabendo ao júri o dever de retificação oficiosa dos mesmos nos termos do art. 72.º, n.º 4 do CCP e 108.º, n.º 2 do CPA;
Os prémios unitários, por pessoa, apresentados com mais de 3 casas decimais, por meros lapsos de escrita, não se mostram desconforme às normas acima citadas do PCDOC.07 e CE-DOC.08, uma vez que apenas é exigível que o preço total anual proposto para cada apólice fosse expresso (n)um máximo de 2 casas decimais - o que manifestamente acontece na proposta de DOC.02 - sendo esse, em potência, o valor parcial a considerar para efeitos de avaliação e adjudicação no âmbito do Concurso e nunca o indicado por pessoa;
Na página 17 do CE-DOC.08 não está expressamente mencionada no âmbito do CE a exigência de casas decimais, pelo que a decisão de exclusão da proposta da A. assenta na premissa errada de que perante uma omissão do caderno de encargos para efeitos de admissão, avaliação e adjudicação no âmbito do Concurso, da proposta da Autora deveriam constar indicados preços por pessoa até à terceira casa decimal, nos ramos de seguro indicados;
Mais alega que a proposta da CI deveria ser excluída por violação do nº1 do art.1º-A; al. b) do nº 2 art. 70º; nº 3, do art.72º; al. o) do nº 2 do art.146º; parte final do nº1 do art.148º, todos do CCP e pelos pontos 8.2; 8.12; e 16.2. a), dado que, não são indicados o endereço de correio eletrónico e contacto telefónico do gestor de contrato identificado no Anexo IV - conforme exigido no ponto 8.2 do Programa de Concurso acima citado - omitindo aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência, os quais acarretam forçosamente a sua exclusão, nos termos conjugados da al. b) do nº2 art.70º; al. o) do nº2 do art.146º; parte final do nº1 do art.148º do CCP e pelos pontos 8.2; 8.12; e 16.2.a) do Programa do Concurso, não sendo possível sanar esse vicio;
Sustenta que por aplicação do princípio da igualdade de tratamento na avaliação de propostas, deveria a proposta da concorrente [SCom02...] ser excluída ou admitida a possibilidade de a Autora ter suprido os lapsos de escrita acima aduzidos;
Requereu, ainda, a suspensão do ato de exclusão da proposta da A. e de adjudicação nos termos do art. 103.º-A do CPTA.
1.2.O Juízo Comum do TAF de Braga julgou-se materialmente incompetente, remetendo os autos ao Juízo de Contratos Públicos do TAF do Porto.
1.3. Foi proferido despacho de admissão liminar, sem a advertência do art. 103.º-A do CPTA por inaplicável.
1.4.Citado o Município ... contestou, pugnando pela improcedência da ação, sustentando, em síntese, que não se verifica a ilegalidade da exclusão da proposta da A. porquanto, a apresentação dos preços unitários com mais de 3 casas decimais, em flagrante violação do previsto em 8.8. do Programa de Concurso, não se subsume na figura jurídica/instituto do erro de escrita ou de cálculo previsto no art. 249º do Código Civil, pois não constitui um erro de cálculo ou de escrita, muito menos um erro flagrante, manifesto ou ostensivo;
O aconteceu foi tão-só o incumprimento do Programa do Concurso, pois a Autora estava obrigada a apresentar os preços unitários num máximo de 3 casas decimais e, ao invés, apresentou os preços unitários em 4 e 5 casas decimais, pelo que, não ocorre qualquer erro, muito menos um erro de escrita ou de cálculo;
A retificação oficiosa, peticionada pela concorrente [SCom01...], não se afigura admissível, nem encontra respaldo na letra ou espírito da lei, resultando a sua aplicação contrária aos princípios da comparabilidade das propostas e da estabilidade das regras do concurso, dado que proceder no sentido peticionado pela [SCom01...] na sua pronúncia implicaria que, afinal, nem todas as propostas responderam a um padrão comum, o que contradiz a própria realidade, e viola claramente os princípios da concorrência e da confiança;
Com efeito, quanto ao seguro de acidentes pessoais para utentes das infraestruturas: a proposta da Autora apresenta um valor unitário de 0,15375€ que, multiplicado por uma estimativa anual de pessoas seguras de 21.740, dá um valor de prémio total de €3.342,53 e se o Júri alterasse oficiosamente a proposta da Autora, o valor de prémio total seria de €3.326,22 (21.740 x 0,153€); quanto ao seguro de acidentes pessoais para participantes em atividades temporárias organizadas pelo município a proposta da Autora apresenta um valor unitário de 0,5125€ que, multiplicado por uma estimativa anual de pessoas seguras de 5.025, dá um valor de prémio total de €2.575,31 e se o Júri alterasse oficiosamente a proposta da Autora, o valor de prémio total seria de €2.572,50 (5.025 x 0,512€).
Assim, a correção pelo Júri do Procedimento Concursal redundaria numa alteração substancial da proposta da Autora, o que constituiria uma violação flagrante dos princípios da comparabilidade das propostas e da estabilidade das regras do concurso e, ainda, da intangibilidade das propostas;
Mais alega que o ato de adjudicação à CI não é inválido pois, a concorrente [SCom02...], não indicou na sua proposta o endereço de correio eletrónico e contacto telefónico do gestor de contrato, conforme se exigia no ponto 8.2 do Programa do Procedimento, contudo, tal representa uma irregularidade suscetível de ser suprida, nos termos previstos pelo artigo 72º do CCP, e que tal suprimento constituía um poder-dever do Júri;
Neste sentido, após convite, a CI veio apresentar os elementos em falta, sanando a irregularidade;
A possibilidade de suprimento da irregularidade em apreço não se mostra lesiva dos direitos dos concorrentes ou promove a desigualdade de tratamento, mas, pelo contrário, promove a concorrência efetiva e a prossecução do interesse público e ocorre em perfeita harmonia com as disposições do artigo 72º do CCP após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 78/2022, de 7 de novembro;
A irregularidade formal decorrente da não indicação na proposta da contra-interessada [SCom02...] do endereço de correio eletrónico e do contacto telefónico do gestor de contrato, conforme se exigia no ponto 8.2 do Programa do Procedimento, consubstancia uma inobservância de uma formalidade não essencial, e, por isso, suprível, mediante convite do júri do concurso dirigido àquela concorrente para que aclare, esclareça e/ou complete a proposta com aquelas menções.
1.5. Proferiu-se despacho que indeferiu os requerimentos de prova testemunhal, por se considerar que os autos já contêm a prova documental necessária ao conhecimentos das questões a decidir, sem necessidade de maiores indagações ou de realização de diligências de prova adicionais, sendo desnecessária a produção de prova testemunhal requerida pela A. e pela Entidade Demandada, razão pela qual se indeferem os requerimentos de prova testemunhal. Dispensou-se também a realização de audiência prévia.
1.6. Proferiu-se despacho saneador-sentença que julgou a ação procedente, constando do mesmo o seguinte segmento decisório:
«Nestes termos, e pelas razões aduzidas, julga-se totalmente procedente a ação e, em consequência,
· Anula-se o despacho de 24.4.2023 o Presidente da Câmara Municipal ... que aprovou o relatório final, excluindo a proposta da A. e adjudicando o contrato para “Aquisição de apólices de seguro pelo Município ...” à proposta da [SCom02...], S.A..;
· Condena-se a ED a proferir decisão de admissão da proposta da A. e adjudicar o contrato para “Aquisição de apólices de seguro pelo Município ...” à proposta da A., seguindo-se os demais trâmites procedimentais no sentido da habilitação e celebração do contrato com a A..
Vencida, as custas são a cargo da Entidade Demandada (cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º do CPTA, artigo 7.º, n.º 1 da tabela II-A do RCP)»
1.7. Inconformada com o saneador-sentença assim proferido, a Apelante interpôs o presente recurso de apelação, que culmina com a formulação das seguintes CONCLUSÕES:
«1. A desconformidade verificada na proposta da Autora – isto é, a apresentação dos preços unitários totais com mais de 3 casas decimais –, concretiza um desvio frontal à exigência plasmada no Programa do Procedimento (rectius, que os referidos preços “terão um máximo de 3 casas decimais”), pelo que a adjudicação à mesma em detrimento das demais concorrentes que apresentaram propostas e cumprindo com tal formalismo, traduz uma violação do princípio da igualdade de tratamento das partes e uma afronta ao princípio de eficiência e economia, enquanto prius da normatividade que enforma o procedimento tendente à formação dos contratos públicos.
2. Ao contrário do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, a questão da forma de apresentação do preço unitário global da proposta consubstancia efetivamente um aspeto relativo à execução do contrato, e justamente por se tratar de elemento indissociável do preço contratual.
3. Motivo pelo qual a exclusão da proposta sempre será lícita, encontrando fundamento na al. b) do n.° 2 do art. 70.° do CCP, por consubstanciar violação do programa do procedimento, relativamente a condição relativa à execução do contrato a celebrar.
4. Independentemente da não previsão de tal formalismo no Caderno de Encargos, o que sobremaneira não poderá ser ignorado é que, em qualquer concurso para a celebração de um contrato público, é míster que os concorrentes se encontrem em plano de igualdade face aos termos da fase de concurso e, como tal, perante as exigências/formalidades previstas no Programa do Procedimento (vide art. 1.°-A, que consagra os princípios da lei dos contratos públicos, e o art. 41.° do CCP, que dilucida sobre a função do Programa do Procedimento).
5. Nessa medida, o favorecimento de um concorrente que não cumpre com tais exigências/formalismos perante os demais concorrentes que, de facto, dão efetivo cumprimento aos mesmos traduz uma situação de desigualdade de tratamento que não tem reflexo na estrutura principiológica imanente ao regime dos contratos públicos, e bem assim no rigor exigido na concretização do seu escopo – garantir uma efetiva e sã concorrência (a qual pressupõe igualdade de oportunidade e tratamento).
6. A forma de apresentação dos preços nos termos definidos no artigo 8.8 do Programa do procedimento não reflete qualquer efeito (negativo) na concorrência, tratando-se, isso sim, de uma formalidade que fomenta e garante a eficiência da contratação pública.
7. Com efeito, tratando-se de um aspeto que determina a uniformidade das propostas (na forma como o preço é apresentado), a sua satisfação traduz ganhos de eficiência na avaliação das propostas e, por conseguinte, traz rapidez no procedimento de contratação pública.
8. Do exposto, pode concluir-se que o cumprimento de tal formalismo previsto no Programa do Procedimento consubstancia a prossecução do interesse público na garantia da eficiência da Administração Pública.
9. Sem prescindir, e na eventualidade de o douto Tribunal ad quem considerar que a situação em apreço não entra no escopo da causa de exclusão prevista no referido normativo, o que não se concede, mas por mero dever de ofício se equaciona, tal exclusão sempre será lícita ao abrigo da al. c) do n.° 2 do art. 70.º do CCP, e nomeadamente “a impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respetivos atributos” – o que se requer à luz do princípio do aproveitamento do ato administrativo (art. 163.°, n.° 5 do Cód. Procedimento Administrativo).
10. A avaliação da proposta apresentada pela Recorrida obrigaria o Júri do Procedimento Concursal a retificar ex officio alguns dos atributos da proposta, maxime quanto aos preços unitários propostos para o seguro de acidentes pessoais para utentes das infraestruturas e para o seguro de acidentes pessoais para participantes em atividades temporárias organizadas pelo município e, consequentemente, quanto ao preço final.
11. Com efeito, a Recorrida apresentou um valor de prémio total de €3.342,53 (21.740 x 0,15375€) para o seguro de acidentes pessoais para utentes das infraestruturas e um valor de prémio total de €2.575,31 (5.025 x 0,5125€) para o seguro de acidentes pessoais para participantes em atividades temporárias organizadas pelo município.
12. Porém, se apresentasse os preços unitários com o limite das três casas decimais exigidas pelo ponto 8.8 do Programa do Procedimento, o valor proposto a título de prémio de seguro total seria de €3.326,22 (21.740 x 0,153€), para o primeiro daqueles seguros, e de €2.572,50 (5.025 x 0,512€), para a segunda modalidade de seguro acima referida.
13. Estas divergências de preços refletem-se inevitavelmente no preço final da proposta.
14. O preço final da proposta corresponde à soma dos preços unitários. Porém, se a Recorrida tivesse apresentado os preços unitários com o limite de 3 casas decimais, como se demonstrou supra, o preço final da proposta não seria o mesmo.
15. No caso concreto, a apresentação dos preços unitários em 5 casas decimais, e não em 3 casas decimais, como é exigido pelo ponto 8.8 do Programa do Procedimento, desvirtua o preço final da proposta, o qual se apresenta de valor superior ao que resultaria da soma dos preços unitários em 3 casas decimais, implicando que a não exclusão da proposta da Recorrida determinaria sujeitar o Recorrido ao pagamento de um preço final “inflacionado” e, por isso, não devido.
16. No Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 04.02.2021, Proc. n°108/18.6BELRA, decidiu-se que: “A possibilidade de apresentação dos preços unitários a três casas decimais, embora possa servir o propósito de distinguir as propostas, esta distinção terá consequências relevantes, apenas, nos casos em que essa diferença se reflita ao nível do cêntimo de euro, ou seja, no valor final da proposta (...)”. in www.dgsi.pt
17. É o caso. Como se viu supra, a não apresentação pela Recorrida dos preços unitários com o limite de três casas decimais tem consequências relevantes no preço final da proposta.
18. É verdade que o n°3 do art. 60° do CCP prevê que, “sempre que na proposta sejam indicados vários preços, em caso de qualquer divergência entre eles, prevalecem sempre, para todos os efeitos, os preços parciais, unitários ou não, mais decompostos”.
19. Porém, no caso em apreço, não se trata de uma mera indicação de vários preços. O que acontece é que, por inobservância do limite das três casas decimais exigidas pelo ponto 8.8 do Programa do Procedimento, os preços unitários e o preço final não estão corretos.
20. Salvo melhor opinião, a correção pelo Júri do Procedimento Concursal redundaria numa alteração substancial da proposta da Autora, o que constituiria uma violação flagrante dos princípios da comparabilidade das propostas e da estabilidade das regras do concurso e, ainda, da intangibilidade das propostas.
21. Consabidamente, em matéria de contratação pública e de modelos de avaliação de propostas, vigoram os princípios da estabilidade e da integridade das peças do procedimento - corolários dos princípios da igualdade, transparência e concorrência.
22. Pelo exposto, estava vedada ao Júri do Procedimento a correção da proposta da Recorrida quanto aos preços unitários e, consequentemente, quanto ao preço final.
23. E, estando vedada ao Júri essa possibilidade, ocorre “a impossibilidade de avaliação da mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respetivos atributos”, o que constitui causa de exclusão nos termos do disposto na al. c) do n.° 2 do art. 70.° do CCP.
24. Em suma, o ato impugnado, na parte em que excluiu a proposta da A., não padece de erro nos pressupostos.
25. Em face do exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a Douta Decisão recorrida e, consequentemente, julgar-se não provada e improcedente a ação proposta pela Recorrida, absolvendo-se o Recorrido de todos os pedidos.

TERMOS EM QUE, E SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VªS EXªS, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, CONSEQUENTEMENTE, SER REVOGADA A DOUTA DECISÃO RECORRIDA E, CONSEQUENTEMENTE, JULGAR-SE NÃO PROVADA E IMPROCEDENTE A ACÇÃO PROPOSTA PELA RECORRIDA, ABSOLVENDO-SE O RECORRIDO DE TODOS OS PEDIDOS.

FAZENDO-SE ASSIM A COSTUMADA JUSTIÇA.»
1.8. Os apelados não contra-alegaram.
1.9. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º1, do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.
1.10. Sem vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se o saneador-sentença recorrido incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, por ter considerado que o facto de na proposta apresentada pela autora, os preços unitários não terem sido apresentados até não mais do que três casas decimais, essa circunstância não constituía uma situação que determinasse a exclusão da proposta ao abrigo do disposto na al. b) do n.º2 do art. 70.º do CCP; e bem assim, por ter decidido que essa situação, então sempre determinaria a exclusão da referida proposta ao abrigo do disposto na al. c), n,º2 do art. 70.º do CCP.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. A 1.ª Instância deu os seguintes factos como assentes:
«1. Por despacho do Presidente da Câmara Municipal ... de 16.3.2023 foi aberto o procedimento por concurso público para “Aquisição de apólices de seguro pelo Município ...” e aprovados o Programa de Procedimento e Caderno de Encargos. – doc. 01_1092_2023_Despacho de abertura da pasta 01 do p.a.;
2. Do Programa de Procedimento consta, com relevo,
8. DOCUMENTOS QUE ACOMPANHAM A PROPOSTA
8.1. A proposta deve ser constituída pelos documentos, designadamente:
a) Documento referido na al. a) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP elaborado em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao presente programa de procedimento;
b) Documentos contendo os atributos da proposta:
i. O preço proposto para o serviço, sem inclusão do IVA, conforme com o modelo do Anexo III do presente programa de procedimento, bem como as condições de pagamento;
ii. Os preços indicados nas propostas incluem todas as taxas devidas pelo fornecimento do serviço objeto do procedimento, exceto o IVA;
iii. Quando os preços forem também indicados por extenso, estes prevalecerão, para todos os efeitos, entre os indicados em algarismos;
iv. Sempre que sejam indicados vários preços, em caso de divergência entre eles, prevalecerão sempre, para todos os efeitos, os preços parciais, unitários ou não, mais decompostos.
8.2. Indicação do gestor do contrato que representará a entidade junto do Município, com indicação de contacto telefónico e endereço de correio eletrónico, apresentando correspondente declaração conforme Anexo IV, a preencher pelo titular de dados (gestor do contrato proposto).
8.3. Sem prejuízo do acima exposto, integrarão também a proposta quaisquer outros documentos que o concorrente apresente por os considerar indispensáveis, nos termos do n.º3, do artigo 57.º do CCP;
8.4. O preço total anual proposto para cada apólice, bem como as condições de pagamento, de acordo com a listagem infra identificada:
ApóliceValor Anual
a) Seguro de Acidentes de Trabalho - Prémio Variável - Município
b) Seguro de Acidentes de Trabalho - Prémio Variável - Educação
c) Seguro de Acidentes de Trabalho - Prémio Variável - Saúde
d) Seguro de Acidentes de Trabalho - Prémio Fixo com Nomes
e) Seguro de grupo - Acidentes Pessoais de Autarcas
f) Seguro de grupo - Acidentes Pessoais - Utentes das Infraestruturas e/ou Instalações Desportivas, Recreativas e Culturais Municipais de Uso Público
g) Seguro de Acidentes Pessoais para Atividades Temporárias, organizadas pelo Município e Programas de Voluntariado
h) Seguro de Frota Automóvel
i) Seguro Multirriscos
j) Seguro de Responsabilidade Civil a exploração
Total
8.5. A nota discriminativa do preço total da proposta, indicando as taxas e/ou os prémios totais anuais que estão na base do cálculo do preço por apólice, com indicação das cargas fiscais e parafiscais que incorporam os prémios totais anuais e/ou as taxas totais anuais;
8.6. Condições Gerais e Especiais aplicáveis aos seguros a contratar;
8.7. Todos os preços deverão ser expressos em euros, em algarismos e por extenso. Quando os preços sejam indicados também por extenso, em caso de divergência, estes prevalecem sobre os indicados em algarismo;
8.8. Os preços totais apresentados terão um máximo de 2 casas decimais e os preços unitários terão um máximo de 3 casas decimais;
8.9. Os concorrentes são obrigados a apresentar proposta para a totalidade das apólices/seguros que integram o presente procedimento, sob pena de exclusão;
8.10. No caso de o concorrente ser pessoa coletiva, deve apresentar cópia da certidão do registo comercial da sociedade ou código de acesso à “Certidão Permanente‖ da sociedade, a qual corresponde à disponibilização em suporte eletrónico (art.14º da Portaria 1416-A/2006, de 19 de dezembro).
8.11. Outros documentos que do ponto de vista do concorrente sejam pertinentes e que contribuam para a boa compreensão da proposta relativa aos bens e/ou serviço que se propõe fornecer (envio facultativo);
8.12. A não apresentação de qualquer documento exigido nos termos do presente artigo consubstancia causa de exclusão das propostas;
8.13. Todos os documentos que constituem a proposta deverão ser assinados eletronicamente, nos termos da lei aplicável.
[...]
15. CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO
15.1. O critério de adjudicação definido para este concurso é o da avaliação do preço ou custo,
conforme a alínea b) do número 1 do artigo 74.º do CCP;
15.2. Em caso de empate, o desempate será obtido por sorteio público.
16. ANÁLISE DAS PROPOSTAS
16.1. As propostas são analisadas tendo em atenção o critério de adjudicação definido número
15 do presente programa de procedimento.
16.2. São excluídas as propostas cuja análise revele:
a) Que não apresentam algum dos documentos indicados no número 8, do presente convite;
b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no Caderno de Encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar não submetidos à concorrência;
c) A impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respetivos atributos;
d) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis;
e) A existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência.
16.3. A exclusão de quaisquer propostas com fundamento no disposto na alínea g) do número anterior será imediatamente comunicada à Autoridade da Concorrência.
17. ESCLARECIMENTOS SOBRE AS PROPOSTAS
17.1. O júri pode pedir ao concorrente, via plataforma eletrónica, quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas, que no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis, procedam ao suprimentos e irregularidades das suas propostas e candidaturas, nos termos do preceituado do número 1 e 3 no artigo 72º do CCP.
17.2. Os esclarecimentos prestados pelos concorrentes fazem parte integrante das mesmas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não altere ou complete os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinem a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do número 2 do artigo 70.º do CCP.
[...]
- doc. ..._1092_2023_Programa do procedimento da pasta 01 do p.a.;
3. Do Caderno de Encargos consta,
Cláusula 1.ª | Objeto
O presente caderno de encargos compreende as cláusulas a incluir no contrato a celebrar no seguimento do procedimento pré-contratual que tem por objeto a “Aquisição de Apólices de Seguro‖ diretamente a Seguradores, por parte do Município ..., nos termos e condições definidos nas Cláusulas Técnicas descritas na Parte II deste Caderno de Encargos, Programa de Seguros, através da contratação das seguintes apólices de seguro:
ü Seguro de Acidentes de Trabalho
ü Seguro de Grupo de Acidentes Pessoais Autarcas
ü Seguro de Grupo de Acidentes Pessoais para os utentes das infraestruturas e/ou instalações desportivas e recreativas municipais de uso público
ü Seguro de Grupo de Acidentes Pessoais para atividades temporárias, incluindo desporto, cultura e recreio
ü Seguro de Acidentes Pessoais – Programas Ocupacionais (CEI e CEI+)
ü Seguro de Multirriscos
ü Seguro de Frota Automóvel
ü Seguro de Responsabilidade Civil Exploração
[...]
Cláusula 6.ª | Preço e pagamento
1 – O parâmetro base do preço contratual, isto é, o preço máximo que o Município ... se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações que constituem a prestação de serviços a contratar, é de 150.000,00€ (cento e cinquenta mil euros), (isento do imposto sobre o valor acrescentado).
2 – Pelo cumprimento de todas as obrigações emergentes do Contrato, a Entidade Adjudicante deve pagar ao adjudicatário o preço total que constar da sua proposta, isento de IVA, em virtude de este não ser legalmente devido.
3 – Os Avisos de pagamento são enviados pelo adjudicatário para a Avenida ..., ... ....
[...]
Cláusula 8.ª | Gestão do contrato
1 - O MUNICÍPIO ... designa como gestor do contrato nos termos do artigo 290.º -A do CCP, «AA», titular da categoria de Chefe da Divisão de Gestão Financeira e Patrimonial, com a função de acompanhar permanentemente a execução do contrato.
2 - O adjudicatário também deverá nomear um técnico que o represente em tudo o que concerne aos serviços a prestar, o qual servirá de interlocutor entre a entidade adjudicante e o adjudicatário para a resolução e/ou conhecimento de quaisquer assuntos inerente ao objeto do contrato.
3 - Para efeitos do cumprimento do exercício das funções de gestão do contrato o adjudicatário deverá disponibilizar os contactos telefónicos e de endereço eletrónico do representante por si nomeado.
4 - O adjudicatário estará sujeito à supervisão da execução do contrato, a qual será assegurada pelo gestor de contrato.
5 - Caso se verifiquem situações anómalas na prestação dos serviços, e com base nos relatórios emitidos pelo gestor de contrato, será o adjudicatário notificado para regularização imediata das mesmas.
[…]
- doc. 03_1092_2023_Caderno de encargos da pasta 01 do p.a.;
4. A A. apresentou proposta ao Concurso, integrando-a, além do mais, com os seguintes documentos, dos quais se extrai,
a. Preço anual proposto,
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
b. Preço contratual,
[SCom01...] – Companhia de seguros, S.A. com sede em Av. ..., ... ..., pessoa coletiva nº ...49, matriculada na Conservatória do Registo Comercial ... sob o nº ...49, com o capital social de 44.388.315,20€, obriga-se a executar todos os trabalhos que constituem a prestação de serviços de Aquisição de Apólices de Seguros, no prazo de execução de 365 dias, em conformidade com o Caderno de Encargos, pelo preço contratual de 118.535,54 Euros (Cento e dezoito mil, quinhentos e trinta e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos), nos termos do disposto nos artigos 60.º e 97.º do Código dos Contratos Públicos, o qual não inclui o imposto sobre o valor acrescentado.
Mais declara que no preço contratual acima indicado estão incluídos todos os suprimentos de erros e omissões que tenham sido identificados e depois aceites pela CÂMARA MUNICIPAL ..., nos termos do disposto no artigo 50.º do Código dos Contratos Públicos.
À quantia supramencionada não incidirá o imposto sobre o valor acrescentado. c. Proposta de atributos,
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


[...]

[...]
- docs. Preço Anual Proposta por Apólice assinado, Proposta assinado, Proposta de Atributos assinado constantes da pasta [SCom01...] da pasta 03 do p.a.;
5. A [SCom02...] apresentou proposta, pelo preço contratual de € 121.491,23, integrando-a, além do mais, com “Declaração de Tratamento de Dados Gestor do Contrato” da qual se extrai,
[imagem que aqui se dá por reproduzida]



- doc. ANEXO IV - Gestor do Contrato – Declaração Tratamento de Dados.pdf constante da pasta Proposta ... da pasta [SCom02...] da pasta 03 do p.a.;
6. Apresentou, ainda, proposta a [SCom03...] pelo preço de 146.978,22€. – pasta [SCom03...] da pasta 03 do p.a.;
7. Entre 28 e 29.3.2023 o júri elaborou relatório preliminar do qual se extrai,
[imagem que aqui se dá por reproduzida]



- doc. 13_1092_2023_Relatório Preliminar constante da pasta 04 do p.a.;
8. A [SCom02...] pronunciou-se em sede de audiência prévia, pugnando pela exclusão da proposta da A. – cf. doc. PRONÚNCIA EM SEDE DE AUDIÊNCIA PRÉVIA.pdf constante da pasta PT1.MSG.2929575 da pasta 06 do p.a.;
9. Em 6.4.2023 o júri elaborou o Relatório Final n.º 1 do qual se extrai,
[imagem que aqui se dá por reproduzida]




- doc. 14_1092_2023_Relatório Final_1 constante da pasta 05 do p.a.;
10. A A. pronunciou-se em sede de audiência prévia pugnando pela admissão da sua proposta e pela exclusão da proposta da CI. – cf. doc. Pronuncia [SCom01...] assinado constante da pasta PT1.AWD.1839758 da pasta 06 do p.a.;
11. Em 18.4.2023 o júri remeteu à [SCom02...] notificação nos seguintes termos,
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


- doc. ...23 dos autos;
12. Em 19.4.2023 a [SCom02...] respondeu indicando,
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


- doc. ...23 dos autos;
13. Em 24.4.2023 o júri elaborou o relatório final n.º 2 do qual consta,
[imagem que aqui se dá por reproduzida]




- cf. doc. 14_1092_2023_Relatório Final_2 constante da pasta 05 do p.a.;
14. Por despacho de 24.4.2023 o Presidente da Câmara Municipal ... aprovou o relatório final e adjudicou o contrato à proposta da [SCom02...], S.A.. – doc. de fls. 227 e ss. dos autos;
15. Em 28.4.2023 foi celebrado entre o Município ... e a [SCom02...], S.A. o contrato relativo à aquisição de apólices de seguros. – doc. de fls. 229 dos autos;
IV.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevância para a apreciação das questões que ao tribunal cumpre solucionar não se provarem os factos que não constam do ponto IV.1.»
III.B.DE DIREITO

3.2. O Município ... não se conforma com o saneador-sentença proferido pela 1.ª Instância que julgou procedente a ação de contencioso pré-contratual movida pela autora, aqui apelada- [SCom01...], S.A.-, e que, em consequência, anulou o despacho de 24/04/2023 do Presidente da Câmara Municipal ... que aprovou o relatório final, excluindo a proposta da autora e que adjudicou o contrato para “Aquisição de apólices de seguro pelo Município ...” à proposta da [SCom02...], S.A, e, bem assim, que condenou o apelante a proferir decisão de admissão da proposta da autora e a adjudicar o contrato para “Aquisição de apólices de seguro pelo Município ...” à sua proposta, seguindo-se os demais trâmites procedimentais no sentido da habilitação e celebração do contrato com a autora.
Na ação que moveu, como resulta do relatório supra elaborado, a autora invocou, além do mais, a ilegalidade da exclusão da sua proposta com fundamento na indicação de preços com mais de três casas decimais porquanto, por um lado, tal consubstanciou um erro de escrita e, por outro, porque apenas era exigível que o preço total anual proposto para cada apólice fosse expresso (n)um máximo de 2 casas decimais e não está expressamente mencionada no âmbito do CE a exigência de casas decimais.
Como resulta do probatório, a proposta da Autora, foi excluída pela apelante com fundamento na al. b) do n.º 2 do art. 70.º do CCP e ponto 16.2. do Programa do Procedimento (cf. Relatório final n.º 1) por alegado incumprimento do disposto no ponto 8.8. do Programa de Procedimento, isto é, por existirem preços que foram apresentados com um número de casas decimais superior ao previsto no artigo 8.8. do PC.
Em relação a esta questão, o Tribunal a quo julgou que assistia razão à autora, considerando que se verificou uma situação de erro nos pressupostos de facto em que assentou a decisão de exclusão da sua proposta.
Contrariamente ao propugnado pelo Apelante, o Tribunal a quo ajuizou que pese embora resulte do probatório que «no documento designado “Proposta de atributos” e que corresponde à nota discriminativa do preço que, na indicação da taxa/prémio total por pessoa/utente, no que respeita a seguro de acidentes pessoais, a A. indicou os preços unitários com cinco casas decimais, ao invés das três casas decimais exigidas pelo ponto 8.8. do Programa de Procedimento» essa « circunstância não integra a causa de exclusão prevista no art. 70.º, n.º 2 al. b) do CCP e 16.2 al. b) do PC. Com efeito, aceitando-se que os preços unitários, na medida em que formam o preço, constituem o atributo da proposta, a causa de exclusão tipificada nos normativos citados corresponde à apresentação de atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos. Ora, a forma como os preços são apresentados não corresponde a um parâmetro base fixado no caderno de encargos, antes apenas à enunciação da forma como, no documento que integra a proposta, os preços deveriam ser apresentados, a qual vem determinada no Programa de Procedimento e não no Caderno de Encargos.

O apelante não se conforma com o saneador-sentença recorrido, imputando-lhe erro de julgamento em matéria de direito.
Considera que a desconformidade verificada na proposta da autora, consubstanciada na apresentação dos preços unitários totais com mais de 3 casas decimais, concretiza um desvio frontal à exigência plasmada no PC, onde se prevê que os referidos preços “terão um máximo de 3 casas decimais”, pelo que a adjudicação à mesma em detrimento das demais concorrentes que apresentaram propostas e cumprindo com tal formalismo, traduz uma violação do princípio da igualdade de tratamento das partes e uma afronta ao princípio de eficiência e economia, enquanto prius da normatividade que enforma o procedimento tendente à formação dos contratos públicos.
Advoga que a questão da forma de apresentação do preço unitário global da proposta consubstancia efetivamente um aspeto relativo à execução do contrato, e justamente por se tratar de elemento indissociável do preço contratual, pelo que a sua exclusão encontra sustentação na al. b) do n.° 2 do art. 70.° do CCP, por consubstanciar violação do programa do procedimento, relativamente a condição relativa à execução do contrato a celebrar.
Mais sustenta, que independentemente da não previsão de tal formalismo no Caderno de Encargos, o que sobremaneira não poderá ser ignorado é que, em qualquer concurso para a celebração de um contrato público, é míster que os concorrentes se encontrem em plano de igualdade face aos termos da fase de concurso e, como tal, perante as exigências/formalidades previstas no PC (vide art. 1.°-A, que consagra os princípios da lei dos contratos públicos, e o art. 41.° do CCP, que dilucida sobre a função do Programa do Procedimento). A forma de apresentação dos preços nos termos definidos no artigo 8.8 do Programa do procedimento não reflete qualquer efeito (negativo) na concorrência, tratando-se, isso sim, de uma formalidade que fomenta e garante a eficiência da contratação pública. Tratando-se de um aspeto que determina a uniformidade das propostas (na forma como o preço é apresentado), a sua satisfação traduz ganhos de eficiência na avaliação das propostas e, por conseguinte, traz rapidez no procedimento de contratação pública.
Assim, o cumprimento de tal formalismo previsto no PC consubstancia a prossecução do interesse público na garantia da eficiência da Administração Pública.
Para o caso de o Tribunal ad quem considerar que a situação em apreço não entra no escopo da causa de exclusão prevista no referido normativo, advoga que tal exclusão sempre será lícita ao abrigo da al. c) do n.° 2 do art. 70.º do CCP, e nomeadamente “a impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respetivos atributos” – o que requer à luz do princípio do aproveitamento do ato administrativo (art. 163.°, n.° 5 do Cód. Procedimento Administrativo). Adianta que a avaliação da proposta apresentada pela Recorrida obrigaria o Júri do Procedimento Concursal a retificar ex officio alguns dos atributos da proposta, maxime quanto aos preços unitários propostos para o seguro de acidentes pessoais para utentes das infraestruturas e para o seguro de acidentes pessoais para participantes em atividades temporárias organizadas pelo município e, consequentemente, quanto ao preço final. Concretiza, que a Recorrida apresentou um valor de prémio total de €3.342,53 (21.740 x 0,15375€) para o seguro de acidentes pessoais para utentes das infraestruturas e um valor de prémio total de €2.575,31 (5.025 x 0,5125€) para o seguro de acidentes pessoais para participantes em atividades temporárias organizadas pelo município e que se apresentasse os preços unitários com o limite das três casas decimais exigidas pelo ponto 8.8 do Programa do Procedimento, o valor proposto a título de prémio de seguro total seria de €3.326,22 (21.740 x 0,153€), para o primeiro daqueles seguros, e de €2.572,50 (5.025 x 0,512€), para a segunda modalidade de seguro acima referida, sendo que, estas divergências de preços refletem-se inevitavelmente no preço final da proposta.
O preço final da proposta corresponde à soma dos preços unitários. Porém, se a Recorrida tivesse apresentado os preços unitários com o limite de 3 casas decimais, como se demonstrou supra, o preço final da proposta não seria o mesmo. No caso concreto, a apresentação dos preços unitários em 5 casas decimais, e não em 3 casas decimais, como é exigido pelo ponto 8.8 do Programa do Procedimento, desvirtua o preço final da proposta, o qual se apresenta de valor superior ao que resultaria da soma dos preços unitários em 3 casas decimais, implicando que a não exclusão da proposta da Recorrida determinaria sujeitar o Recorrido ao pagamento de um preço final “inflacionado” e, por isso, não devido.
Cita a jurisprudência vertida no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 04.02.2021, Proc. n°108/18.6BELRA, no qua se decidiu que: “A possibilidade de apresentação dos preços unitários a três casas decimais, embora possa servir o propósito de distinguir as propostas, esta distinção terá consequências relevantes, apenas, nos casos em que essa diferença se reflita ao nível do cêntimo de euro, ou seja, no valor final da proposta (...)”. in www.dgsi.pt. O que acontece é que, por inobservância do limite das três casas decimais exigidas pelo ponto 8.8 do Programa do Procedimento, os preços unitários e o preço final não estão corretos, sendo que a correção pelo Júri do Procedimento Concursal redundaria numa alteração substancial da proposta da Autora, o que constituiria uma violação flagrante dos princípios da comparabilidade das propostas e da estabilidade das regras do concurso e, ainda, da intangibilidade das propostas. Consabidamente, em matéria de contratação pública e de modelos de avaliação de propostas, vigoram os princípios da estabilidade e da integridade das peças do procedimento - corolários dos princípios da igualdade, transparência e concorrência. Pelo exposto, estava vedada ao Júri do Procedimento a correção da proposta da Recorrida quanto aos preços unitários e, consequentemente, quanto ao preço final, pelo que ocorre “a impossibilidade de avaliação da mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respetivos atributos”, o que constitui causa de exclusão nos termos do disposto na al. c) do n.° 2 do art. 70.° do CCP.
Em suma, conclui que o ato impugnado, na parte em que excluiu a proposta da A., não padece de erro nos pressupostos, pelo que deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a Douta Decisão recorrida e, consequentemente, julgar-se não provada e improcedente a ação proposta pela Recorrida, absolvendo-se o Recorrido de todos os pedidos.

Mas sem razão, como decidiu a 1.ª Instância, aliás, de forma exímia, não comportando a decisão recorrida qualquer vício ou erro de julgamento.
Vejamos.
Prima facie, importa começar por referir que a proposta é a declaração (negocial) pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pela qual se dispõe a fazê-lo – cfr. art.º 56.º do CCP-, a qual encerra um complexo de declarações heterogéneas, em que os concorrentes procuram responder às diversas solicitações da entidade adjudicante quanto às questões consideradas procedimentalmente relevantes para aferir das vantagens que cada proposta trará. Corresponde, assim, « a um processo documental em que, além da manifestação da pretensão (“modelada”) de celebrar o contrato objeto do procedimento e da aceitação do conteúdo do caderno de encargos, o concorrente há – de incluir, basicamente, os documentos- qualquer que seja a sua forma ( escrita, desenhada, maquetas, etc.)-nos quais exprime os atributos e características das prestações que se propõe realizar e (ou) receber, em função do objeto do contrato e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, bem como, se for o caso, os termos e condições relativos a aspetos desses, mas subtraídos à concorrência» - cfr. Mário Esteves de Oliveira e outro, in ob. cit., pág.570.
Sendo a proposta uma declaração negocial (art.º 56.º, n.º 1 do CCP), a sua interpretação está sujeita às regras interpretativas do negócio jurídico ( art.º 236.º do CC), enquanto atividade destinada a determinar o significado juridicamente relevante do respetivo conteúdo declarativo.
Como se escreveu no recente Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0462/22: «29. Devendo a proposta dar pontual cumprimento ao que tiver sido exigido nas peças do procedimento, o seu respetivo conteúdo é determinado pela vontade manifestada pela entidade adjudicante e pelo que haja sido previsto como aspetos de execução do contrato, seja quanto aos seus atributos [elementos da proposta que, à luz do critério de adjudicação e modelo de avaliação definidos no programa do procedimento, irão ser submetidos à concorrência ou alvo da avaliação, para efeitos de escolha da melhor proposta – artigos 42.º, n.ºs 3 e 4, 56.º, n.ºs 1 e 2, 57.º, n.º 1, al. b) e 70.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), do CCP], seja quanto aos termos ou condições [elementos da proposta relativos a aspetos da execução do contrato inseridos nas peças do procedimento, mormente em cláusulas do Caderno de Encargos, não submetidos à concorrência e que a entidade adjudicante pretende que os concorrentes se vinculem – artigos 42.º, n.º 5, 57.º, n.º 1, al. c) e 70.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), do CCP].»
Com relevo para a situação em análise dispõe o artigo 146.º do CCP, que:
“1 – Após a análise das propostas, a utilização de um leilão eletrónico e a aplicação do critério de adjudicação constante do programa do concurso, o júri elabora fundamentadamente um relatório preliminar, no qual deve propor a ordenação das mesmas.
2 - No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:
[...]
o) Cuja análise revele alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 70.".
Outrossim, no artigo 70.º, n.ºs 1 e 2, também do CCP, estatui-se que:
«1 - As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições.
2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:
[...]
b) Que apresentam algum dos atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.os 10 a 12 do artigo 49.º;
[...]»
Em anotação à al. b) do n.º 2 do art. 70.º do CCP, como se dá nota da decisão recorrida, Pedro Fernandez Sanchez assinala que este preceito normativo “confirma o valor do caderno de encargos como projeto imperativo de contrato que a entidade adjudicante revela aos concorrentes e cujas condições têm de ser integral e incondicionalmente aceites pelos interessados em contratar para que a relação contratual possa sequer iniciar-se.
Se é evidente que a entidade adjudicante só decide celebrar um contrato quando identifica uma necessidade de interesse público que reclama a criação de um acordo de vontades com um particular, é justamente no projeto de contrato constante do caderno de encargos que a entidade adjudicante esclarece quais as necessidades que pretende ver satisfeitas e quais as condições contatuais cujo respeito é exigido para esse efeito. Portanto, se, uma vez, plasmado o interesse público nas clausulas contratuais do caderno de encargos, a entidade adjudicante decidisse ainda adjudicar uma proposta que com elas se não conforma, “tal significaria que abdicara de prosseguir o fim que determinara o contrato e a abertura de concurso".
2. Neste quadro, é apenas entre as propostas que satisfazem as condições contratuais impostas pela entidade adjudicante que será selecionada aquela que se mostrar mais vantajosa à luz do critério de adjudicação; qualquer proposta que desrespeite uma única das clausulas contratuais previstas no caderno de encargos tem que ser excluída.[...]
[...] cada uma das cláusulas que, no momento de abertura das propostas, vigora no caderno de encargos representa um verdadeiro parâmetro de aceitabilidade contratual; o seu desrespeito conduz à imediata exclusão da proposta.
É isso mesmo que é esclarecido na alínea b) do n.º 2: independentemente de a violação do caderno de encargos resultar da desconformidade i) entre um atributo da proposta e um parâmetro base do caderno de encargos ou, pelo contrário, ii) entre um termo ou condição da proposta e um aspeto contratual não submetido à concorrência pelo caderno de encargos, a consequência jurídica que se impõe à entidade adjudicante é, também aqui, uniforme – a exclusão da proposta em razão da sua inaceitabilidade contratual.
[...]
Em suma, ressalvados os casos impostos pelos n.ºs 10 a 12 do artigo 49.º do CCP (...), a deteção de uma desconformidade entre um aspeto da proposta e um aspeto do caderno de encargos determina sempre a exclusão da proposta ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º."- Pedro Fernandez Sanchez ,in Direito da Contratação Pública, Vol II, Almedina, p. 254 e ss.
Por seu turno, importa não descurar, como bem se sumaria no Acórdão deste TCAN, de 16/02/2018, proferido no processo 01335/16.6 BERG, relatado pelo Senhor Desembargador Rogério Martins, que:
“1. A exclusão de uma proposta reduz a concorrência. Logo as hipóteses de exclusão das propostas devem ser reduzidas ao mínimo necessário, de forma a garantir o mais amplo possível leque de propostas.
2. Este mínimo necessário traduz-se precisamente em apenas permitir a exclusão nos casos expressos previstos na lei (tipificação dos casos de exclusão) e interpretar estas normas de forma restritiva e não extensiva e, menos ainda, analógica.
3. No caso de concurso em que o critério de adjudicação é o do mais baixo preço, apenas o preço constitui atributo da proposta pois é o único “aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos” (artigo 56º, n.º2, do Código dos Contratos Públicos).
[…]»- no mesmo sentido, cfr. Acórdão do TCAN, de 19/02/2021, processo n.º 00731/20, também relatado pelo Desembargador Rogério Martins.
Note-se que, como se assinala na decisão recorrida, o disposto no artigo 16.2 do Programa do Procedimento, concretamente a sua al. b), limita-se a reproduzir o teor da al. b) do n.º 2 do art. 70.º do CCP e, nas demais alíneas, outras causas de exclusão tipificadas no art. 70.º, n.º 2 e no art. 146.º, n.º 2 do CCP.
Voltando ao caso, importa recordar que a Senhora juiz a quo decidiu a referida questão nos seguintes moldes, que consideramos útil transcrever:
«[…]
Como resulta do ponto 15 do Programa do Procedimento o critério de adjudicação corresponde à modalidade monofator de avaliação do preço ou custo (art. 74.º, n.º 1 al. b) do CCP), razão pela qual o preço – enquanto único aspeto da execução do contrato submetido à concorrência – corresponde a um atributo e os demais elementos da execução do contrato não submetidos à concorrência correspondem a termos ou condições da proposta (art. 42.º, n.º 3 a 5 do CCP).
Isto posto, dispunha-se no ponto 8 do Programa de Concurso que a proposta seria constituída por documentos contendo o preço proposto para o serviço, sem inclusão do IVA, conforme com o modelo do Anexo III do presente programa de procedimento (8.1.) e, bem assim, a nota discriminativa do preço total da proposta, indicando as taxas e/ou os prémios totais anuais que estão na base do cálculo do preço por apólice, com indicação das cargas fiscais e parafiscais que incorporam os prémios totais anuais e/ou as taxas totais anuais (8.5.).
Previa-se, ainda, no ponto 8.8. que “Os preços totais apresentados terão um máximo de 2 casas decimais e os preços unitários terão um máximo de 3 casas decimais”.
Emerge do probatório que no documento designado “Proposta de atributos” e que corresponde à nota discriminativa do preço que, na indicação da taxa/prémio total por pessoa/utente, no que respeita a seguro de acidentes pessoais, a A. indicou os preços unitários com cinco casas decimais, ao invés das três casas decimais exigidas pelo ponto 8.8. do Programa de Procedimento.
Sucede que tal circunstância não integra a causa de exclusão prevista no art. 70.º, n.º 2 al. b) do CCP e 16.2 al. b) do PC. Com efeito, aceitando-se que os preços unitários, na medida em que formam o preço, constituem o atributo da proposta a causa de exclusão tipificada nos normativos citados corresponde à apresentação de atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos. Ora, a forma como os preços são apresentados não corresponde a um parâmetro base fixado no caderno de encargos, antes apenas à enunciação da forma como, no documento que integra a proposta, os preços deveriam ser apresentados, a qual vem determinada no Programa de Procedimento e não no Caderno de Encargos.
Como emerge do art. 42.º do CCP sendo o caderno de encargos a peça do procedimento que contém as clausulas a incluir no contrato (n.º 1), nele podem ser fixados os parâmetros base a que as propostas ficam vinculadas (n.º 3), os quais podem “respeitar quaisquer aspetos da execução do contrato, tais como o preço a pagar ou a receber pela entidade adjudicante, a sua revisão, o prazo de execução das prestações objeto do contrato ou as suas características técnicas ou funcionais, bem como às condições da modificação do contrato, devendo ser definidos através de limites mínimos ou máximos, consoante os casos, sem prejuízo dos limites resultantes das vinculações legais ou regulamentares aplicáveis” (n.º 5).
Em sede de caderno de encargos, e no que respeita ao preço a pagar, é nas cláusulas 6ª e 7.ª que se definem os parâmetros a que obedece o preço e a forma de pagamento e aí nada consta quanto à determinação da forma de apresentação do preço e preços unitários.
O estabelecido no ponto 8.8. do PC não corresponde a qualquer parâmetro base definido quanto a um aspeto da execução do contrato, mas apenas a uma formalidade no que respeita à apresentação da proposta que se encontra definida no Programa do Procedimento.
Assim sendo, naturalmente que a circunstância de a A. ter, na sua proposta, apresentado preços unitários com mais de três cláusulas decimais, não cumprindo com o disposto no ponto 8.8. do PC, não se subsume à causa de exclusão prevista no art. 70.º, n.º 2 al. b) do CCP e 16.2 al. b) do PC.
Note-se que, ao contrário do pugnado em sede de audiência prévia, pela CI também não se vislumbra como poderia a situação enunciada corresponder à causa de exclusão prevista na al. a) do n.º 2 do art. 146.º do CCP que se reporta à apresentação de proposta depois do termo fixado.
Nem tão pouco a hipótese se subsume à causa de exclusão do artigo 16.2 al. a) do PC e que corresponde, no essencial, à da al. d) do n.º 2 do art. 146.º, n.º 2 do CCP, ou seja à exclusão das proposta que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 57.º e no n.º 1 do artigo 57.º-A, porquanto não está em causa a omissão de qualquer documento que contenha os atributos da proposta. O documento existe, a A. apresentou-o, simplesmente ele não contém os preços unitários com o número de casas decimais aventado no ponto 8.8.do PC, mas daí não decorre que a proposta não contenha o documento, concretamente, a lista de preços unitários.
Poder-se-ia aventar a subsunção à causa de exclusão prevista no art. 70.º, n.º 2 al. c) do CCP, segundo o qual são excluídas as propostas cuja análise revele a impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos atributos.
Sucede que não só não foi esse o fundamento em que assentou a exclusão da proposta da A., como o que está aqui em causa é o “modo como o concorrente documentou ou se exprimiu na definição do atributo, tornando-o incompreensível ou contraditório, não permitindo assim ao júri determinar exatamente (...) exatamente em que é que se traduz a prestação oferecida ou pedida a tal propósito” (Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Concursos e outros procedimentos de contratação publica, Almedina, p. 934).
De facto, como nota Pedro Fernandez Sanchez (in Direito da Contratação Publica, Vol. II, p. 250 e ss.) está em causa o problema da comparabilidade das propostas, no sentido de que a concorrência só será efetiva quando as respostas apresentadas sejam reconduzíveis a um padrão comum, submetendo-se ao mesmo referencial e permitindo o seu escrutínio pelo júri à luz do critério de adjudicação definido. “Quando esse escrutínio se torne impossível em virtude da deficiente apresentação dos atributos de alguma delas – deficiência essa que seja imputável ao autor da proposta (...) – tona-se inevitável punir o operador económico que é responsável por tal falta de comparabilidade”. Refira-se que “se o próprio teor da proposta contém elementos suficientes para determinar rigorosamente o significado dos seus atributos, embora através de um exercício de escrutínio mais trabalhosa de um conteúdo que não é totalmente claro em virtude de deficiências da redação, a proposta ainda pode ser avaliada, ficando prejudicada a aplicação da causa de exclusão prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 70.º”.
Efetivamente, o principio da concorrência, enquanto trave-mestra do sistema da contratação publica, e que tem subjacente assegurar a sã e livre competição no mercado permitindo à entidade adjudicante encontrar a melhor proposta do mercado, desdobra-se numa multiplicidade de ramificações, entre as quais as exigências de comparabilidade entre as propostas, mostrando-se necessário que as propostas sejam comparáveis a um padrão comum para que haja uma concorrência real e efetiva, e que se manifesta, além do mais, na causa de exclusão prevista no art. 70.º, n.º 2 al. c) do CCP.
Ora, embora os preços unitários sirvam para determinar o preço total, atento o critério de adjudicação que emerge do ponto 15 do PC, era o preço total o atributo da proposta e este apresenta-se, na proposta da A., com duas casas decimais em conformidade com o ponto 8.8. do PC. Neste sentido, não ocorre nenhuma impossibilidade de avaliação e comparação das propostas.
Acresce que, mesmo que se aceitasse a divergência entre preços totais e unitários – que não sucede -, o n. ° 3 do art. 60. ° do CCP prevê que, “sempre que na proposta sejam indicados vários preços, em caso de qualquer divergência entre eles, prevalecem sempre, para todos os efeitos, os preços parciais, unitários ou não, mais decompostos”, de tal forma que não seria essa incompatibilidade a determinar a impossibilidade de avaliação da proposta.
Em suma, entendemos que, efetivamente, a circunstância de, na sua proposta, a A. ter indicado preços unitários com cinco casas decimais não constitui causa de exclusão da sua proposta e, nessa medida, mostra-se irrelevante aferir se se tratou de um erro de escrita, pois que a mesma não poderia ter sido excluída com tal fundamento.
Padece, pois, o ato impugnado, na parte em que excluiu a proposta da A., de erro nos pressupostos.».
Julgamos que a decisão alcançada no saneador-sentença recorrido está em sintonia com o quadro legal enunciado e com as peças do procedimento.
Contrariamente ao propugnado pelo apelante, o disposto no o ponto 8.8. do PC não corresponde a qualquer parâmetro base definido quanto a um aspeto da execução do contrato, mas apenas a uma formalidade no que respeita à apresentação da proposta que se encontra definida no PC, pelo que, o facto de a autora/apelada ter indicado na respetiva proposta preços unitários com mais de três casas decimais, essa divergência em relação ao disposto no ponto 8.8 do PC, não se enquadra na previsão da alínea b), n.º2 do art.º 70.º do CCP, nem no ponto 16.2, al. b) do P.C.
Conforme se estabelece no ponto 15.1 do PC « O critério de adjudicação definido para este concurso é o da avaliação do preço ou custo, conforme a alínea b) do número 1 do artigo 74.º do CCP» e nos termos do ponto 16.1. « As propostas são analisadas tendo em atenção o critério de adjudicação definido no número 15 do presente programa de procedimento», sendo excluídas as propostas cuja « cuja análise revele:
a) Que não apresentam algum dos documentos indicados no número 8, do presente convite;
b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no Caderno de Encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar não submetidos à concorrência;
c) A impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respetivos atributos;
d) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis»- ponto 16.2.
Pretende o apelante que a não indicação dos preços unitários num máximo de três casas decimais verificada na proposta da autora, reclama a exclusão dessa proposta, na medida em que se está perante uma formalidade que fomenta e garante a eficiência da contratação pública, cuja satisfação traduz ganhos de eficiência na avaliação das propostas e, por conseguinte, traz rapidez no procedimento de contratação pública, consubstanciando a prossecução do interesse público na garantia da eficiência da Administração Pública.
Não se olvida que a previsão desse formalismo por parte da Administração relativamente ao estabelecimento da exigência da apresentação dos preços unitários a três casas decimais tem subjacente algum efeito útil a alcançar com essa previsão, mas daí não decorre que essa formalidade seja essencial ao ponto de justificar/impor de per si a exclusão de uma proposta que não observe essa exigência, quando, como é o caso, o critério de adjudicação é o do «mais baixo preço»- al.b), n.º1 do art. 74.º do CCP-, e essa formalidade não corresponde a qualquer parâmetro base definido quanto a um aspeto da execução do contrato, mas apenas a uma formalidade no que respeita à apresentação da proposta que se encontra definida no PC.
Não se pode partir do princípio que todas as formalidades exigidas nos procedimentos pré-contratuais, e mesmo pelo legislador do CCP, são essenciais, de onde decorre que, nem todos os incumprimentos a esse nível terão fatalmente como consequência uma qualquer limitação ou comprometimento da possibilidade de a Administração proceder à escolha da melhor proposta para o interesse público que se pretende assegurar com um determinado procedimento de contratação pública, no respeito por todos os princípios que orientam a contratação pública.
No caso em análise, a formalidade de o preço unitário ser apresentado em não mais de três casas decimais, conforme ponto 8.8. do PC, não pode deixar de se encarado como uma formalidade não essencial. Note-se que, o critério de adjudicação é o do preço global mais baixo, sendo que, em sede de caderno de encargos, e no que respeita ao preço a pagar, é nas cláusulas 6ª e 7.ª que se definem os parâmetros a que obedece o preço e a forma de pagamento e aí nada consta quanto à determinação da forma de apresentação do preço e preços unitários.
Na situação em causa, a violação deste formalismo por parte da autora, não afeta nenhum principio estrutural da contratação pública, designadamente, não bule com o princípio da igualdade entre os concorrentes e da estabilidade das propostas.
Antes pelo contrário, e contrariamente ao propugnado pelo Apelante, a manter-se a exclusão da proposta apresentada pela autora com fundamento na inobservância da formalidade que a determinava a apresentar os preços unitários em não mais de três casas decimais, seria violado o princípio da concorrência, eliminando-se um concorrente, com fundamento na inobservância duma formalidade não essencial, materialmente inútil relativamente ao critério de adjudicação, que é do preço global mais baixo, que a autora cuidou de apresentar conforme o exigido- em não mais de duas casas decimais. A formalidade violada carece de essencialidade, constituindo uma exigência formal irrelevante para o interesse jurídico em causa neste procedimento, que em nada interfere com o critério de adjudicação. Neste caso, a exclusão da proposta da autora é que viola os princípios da concorrência e da proporcionalidade.
Note-se que, com a alteração operada ao CCP em 2022, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 78/2022, de 07/11, o legislador ampliou «o âmbito do dever de regularização até fronteiras antes não conhecidas, certificando-se de que o leque de exemplos não taxativos incluídos no n.º3 do artigo 72.º fosse tão alargado que impossibilitasse o mesmo tipo de interpretações propostas pela jurisprudência e pela doutrina mais restritivas». Ou seja, com a nova redação do n.º3 do art.72.º do CCP o interprete fica a saber que « o âmbito do regime de regularização de candidaturas e propostas pode abranger qualquer tipo de formalidade violada no momento da respetiva entrega, independentemente de qualquer avaliação da sua essencialidade, desde que o candidato ou concorrente não precise, para proceder ao suprimento, de afetar o conteúdo da proposta.
[…]
Mas a leitura do restante teor do n.º3 do artigo 72.º do CCP com as respetivas alíneas que enumeram um leque ( aliás não taxativo) de situações que a lei já considera a priori como suscetíveis de suprimento, esclarece o intérprete de que aqueles princípios materiais da contratação pública não exercem agora a mesma função restritiva do âmbito do regime de regularização das candidaturas e propostas que exerciam com o regime aprovado em 2017» - Cfr. Pedro Fernández Sánchez, in “ A Revisão de 2022 do Regime de Formação e Execução de Contratos Públicos” AAFDL Editora, págs. 26 e 27.
Avançando.
O apelante adianta ainda que no caso em apreço, não se trata de uma mera indicação de vários preços, sustentando que por inobservância do limite das três casas decimais exigidas pelo ponto 8.8 do PC, os preços unitários e o preço final não estão corretos, e a correção pelo Júri redundaria numa alteração substancial da proposta da Autora, o que constituiria uma violação flagrante dos princípios da comparabilidade das propostas e da estabilidade das regras do concurso e, ainda, da intangibilidade das propostas. E, estando vedada ao Júri essa possibilidade, ocorre “a impossibilidade de avaliação da mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respetivos atributos”, o que constitui causa de exclusão nos termos do disposto na al. c) do n.° 2 do art. 70.° do CCP.
Maugrado a posição do apelante, a verdade é que só o preço global constitui atributo no âmbito do presente procedimento. «São atributos da proposta as prestações ou tarefas concretamente definidas (pela sua espécie, qualidade e quantidades e por quaisquer outros elementos ou características ) que, em relação aos aspetos de execução do contrato submetidos à concorrência pelo caderno de encargos ( artigo 56.º/2) e aí valorizados como fatores de avaliação das propostas ( artigo 75.º/1), os concorrentes se propõem fazer à entidade adjudicante e/ou obter dela em troca da celebração do contrato.
Os atributos configuram por isso, na expressão mais elementar ou simples do conceito, a proposta propriamente dita apresentada pelo concorrente, aquilo que a singulariza das demais e que traduz o modo concreto como determinado concorrente respondeu ao apelo da entidade adjudicante: só há portanto atributo aí onde haja um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos»- cfr. Mario Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Concurso e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, Almedina, 2011, pág.584
O Apelante não tem qualquer razão, sendo inequívoca que não se encontra preenchida a previsão da al. c) do n.º2 do art.º 70.º do CCP.
É seguro que perante o critério de adjudicação estabelecido, o valor a considerar para a avaliação, comparação e posterior graduação das propostas só poderia ser o do preço total a duas casas decimais resultante da multiplicação dos preços unitários pelas quantidades estimadas e o tempo do contrato, por só esse corresponder a um preço real (ou seja, com expressão monetária) que podia ser pago pela entidade adjudicante como remuneração pela prestação dos serviços em causa. Ademais, ainda que os preços unitários tenham relevância na execução do contrato, o resultado final sempre acabará por se traduzir no pagamento de um valor apenas a duas casas decimais de acordo com as normas monetárias aplicáveis.
Resulta muito claro das peças do procedimento que o critério de adjudicação é o preço global e, quanto a este, a sua apresentação cumpriu o disposto no ponto 8.8..A comparabilidade a efetuar em termos de preço entre a proposta apresentada pela autora e as propostas dos demais concorrentes, apenas pode tomar em consideração os preços globais apresentados por cada concorrente ( por ser este o critério de avaliação), e quanto a estes nenhuma formalidade, ainda que não essencial, foi preterida pela autora: a autora apresentou o seu preço global e em não mais do que duas casas decimais.

Termos em que improcedem todos os fundamentos de recurso aduzidos pelo Apelante, impondo-se confirmar o saneador-sentença recorrido.
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IV-DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte, subsecção de Contratos Públicos, em negar provimento ao recurso interposto pelo apelante e, em consequência, confirmam o saneador-sentença recorrido.
Custas pelo apelante (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 30 de novembro de 2023

Helena Ribeiro
Antero Pires Salvador
Ricardo de Oliveira e Sousa