Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00263/13.1BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/30/2023
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:INEPTIDÃO DA P.I.;
INSUFICIÊNCIA DE ALEGAÇÃO DE FACTOS ESSENCIAIS;
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DA P.I.;
Sumário:
1-A prolação do despacho de aperfeiçoamento constitui um poder vinculado do juiz, estabelecendo-se no artigo 87.º do CPTA que findos os articulados, o processo é concluso ao juiz, que, sendo caso disso, profere despacho pré-saneador destinado, entre outras finalidades, a providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, convidando as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.

2- O dever de cooperação, nas vertentes de deveres de auxílio e de prevenção, não se destina a suprir a ineptidão da petição por falta ou ininteligibilidade do pedido ou de causa de pedir, por contradição do pedido com a causa de pedir, ou por cumulação de causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis (art.º 186º, n.º 1, do CPC ).

3-Não tendo o Tribunal a quo, por decisão expressa, julgado a p.i. inepta por falta de alegação de causa de pedir, antes tendo julgado improcedente essa exceção, que, aliás, é de conhecimento oficioso, impendendo sobre o autor o ónus de alegação na p.i. dos factos essenciais integrativos da causa de pedir que elegeu e de onde faz derivar o direito a que se arroga titular e, em que faz assentar o pedido, em ver condenado o réu a pagar-lhe a quantia peticionada acrescida dos respetivos juros de mora ( artigos 552.º, n.º1, al.d) do CPC), tal significa que na perspetiva do Tribunal encontram-se alegados naquele articulado base da ação os factos essenciais integrativos daquela causa de pedir eleita pela autora de onde faz derivar o seu pedido.

4- Assim, uma vez proferida essa decisão expressa, por força do princípio do imediato esgotamento do poder jurisdicional, consagrado no artigo 613.º, n.º1 do CPC, não pode o Tribunal reapreciar o decidido, isto é, que a p.i. padecia do vício da exceção dilatória de ineptidão da p.i. por falta de alegação da causa de pedir, uma vez que essa decisão apenas podia ser modificada em sede de recurso quando este fosse admissível por o processo admitir recurso ordinário, conforme é o caso, ou mediante incidente de reclamação quando não o comportasse.

5- Ao julgar improcedente aquela exceção o Tribunal a quo julgou que a autora alegou todos os factos essenciais integrativos dessa causa de pedir, pelo que, na sentença sob sindicância apenas poderia ter concluído que a facticidade atinente às ditas Cláusulas Terceiras, de ambos os contratos, estava alegada naquele articulado inicial mas de forma imprecisa ou insuficiente.

6- Ante a constatação da “insuficiência/imprecisão” na alegação de factos integrativos da causa de pedir em que a apelante estriba a sua pretensão, impunha-se ao Tribunal a quo a prolação de despacho, convidando a autora ao aperfeiçoamento da p.i.- cfr. art. 590º, n.ºs 2, al. b) e 4 do CPC, e artigo 87.º, n.º1, al.b e n.ºs 2 e 3 do CPTA.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:cordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte:

I- RELATÓRIO
1.1.[SCom01...], S.A., com o NIF ...84 e sede na Avenida ..., ... ..., moveu a presente ação administrativa comum contra o Município ..., com o NIF ...68 e sede no Largo ..., ... ..., pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe “a quantia de 161 215,22 € (cento e sessenta e um mil, duzentos e quinze euros e vinte e dois cêntimos), valor acrescido dos competentes juros de mora, no valor de € 13 039,00 (treze mil e trinta e nove euros), o que perfaz o total de € 174 254,22 (cento e setenta e quatro mil, duzentos e cinquenta e quatro euros e vinte e dois cêntimos), bem como nos demais que se vierem a vencer até ao efetivo e integral pagamento da dívida.”
Para tanto, alega, em síntese, que nos termos do Decreto-Lei n.º 270-A/2001, de 6 de outubro, foi criado, nos termos para os efeitos do n.º 2 do art.º 1º do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de novembro, o Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes dos municípios de ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., Ribeira ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ....
Nessa decorrência foi-lhe entregue a exploração, tratamento e fornecimento de água em alta e saneamento;
No âmbito dessa incumbência, a A. prestou continuamente esses serviços de saneamento e de fornecimento de água ao ora Réu, faturando-os, e o Réu, por sua vez, cobra esses serviços ao consumidor final;
Sucede que, o Réu não pagou à Autora as faturas e notas de débito identificadas no quadro que consta do artigo 7.º da p.i., no total de €161.215,22€;
A Autora pretende obter o pagamento da referida importância, a que crescem juros de mora de €13.039,00, num total de €174.254,22, os quais são devidos a contar do momento da emissão da fatura/nota de débito, nos termos do artigo 805.º e 806.º, n.º1, do Cód. Civil.
Conclui, pugnando pela condenação do Réu no pedido formulado.
1.2.Citado, o Réu contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Na defesa por exceção, arguiu a existência de uma causa prejudicial, consubstanciada no processo n.º 116/13.3BEMDL, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, e onde se discute a desafetação do Município R. do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro, pedindo, por isso, a suspensão da presente instância;
Invocou a exceção da ineptidão da p.i. por falta de causa de pedir, sustentando para o efeito que quanto aos valores cujo pagamento pretende se limitou a remeter para a tabela que consta do artigo 7.º da p.i., de onde consta a mera indicação dos documentos a que dirão respeito as dívidas que pretende cobrar ao Réu, sem qualquer ordem, detalhe ou indicação da origem dos valores alegadamente em dívida, e sem sequer fazer a ponte entre a alegada obrigação incumprida e os juros que se peticionam;
A A. na p.i., apenas indica uma tabela de onde resulta uma enumeração de faturas, sem precisar a que obrigação se refere, sobretudo, que foram incumpridas, e daí que a p.i. seja inepta, nela se descortinando o facto que concretamente produziu os efeitos jurídicos que a A. pretende obter em juízo, razão pela qual, nos termos do artigo 186.º, n.º1 do CPC, todo o processo é nulo.
Defendeu-se também por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido formulado, sustentando, em síntese e no essencial, que os valores mínimos garantidos (VMG) não são exigíveis por extemporaneidade e por ausência de acordo quanto à revisão de preços.
1.3. A Autora replicou, alegando, em síntese, a inexistência de qualquer causa prejudicial e, bem assim, que a p.i. não consubstancia ou integra qualquer vício de ineptidão, uma vez que existe um pedido e uma causa de pedir, havendo nexo lógico entre os pedidos e a causa de pedir invocada pela A., sendo que, o que poderá ocorrer é uma causa de improcedência;
Adianta que as faturas em causa na ação, foram enviadas ao Réu, que as recebeu e não contestou, não podendo invocar o seu desconhecimento ou impercetibilidade.
1.4.Em 25/01/2017 foi proferido despacho saneador, no qual se: (i)dispensou a realização de audiência prévia; (ii) fixou o valor da causa em 174.254,22€ ( cento e setenta e quatro mil duzentos e cinquenta e quatro euros e vinte e dois cêntimos ); (iii)indeferiu a requerida suspensão do processo por alegada causa prejudicial; (iv) julgou improcedente a exceção da ineptidão da p.i.; (v) identificou o objeto da ação; (vi) enunciou os temas da prova; (vii) admitiu os meios de prova.
1.5. Realizou-se a audiência final de julgamento, tendo a Autora no seu decurso, desistido parcialmente do pedido, no valor de EUR 1.016,85, titulado pela nota de débito n.º 2300000203, emitida em 30/06/2012, relativa a juros de mora e correspondente ao doc. n.º ...0 da p.i., porquanto as mesmas se encontram peticionadas noutros autos.
1.6. A desistência foi admitida por despacho proferido em audiência de 13/05/2021, tendo a Autora sido pessoalmente notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 291º, n.º 3 do CPC, ao que nada disse.
Nessa sequência, teve-se por ratificada a referida desistência parcial do pedido e suprida a nulidade processual decorrente da falta de poderes forenses para esse efeito por parte da Ilustre Mandatária da A.
1.7. Em 30/06/2021 proferiu-se sentença que julgou a ação improcedente, constando da mesma o seguinte segmento decisório:
«Em face de tudo quanto antecede, julgo a presente ação improcedente e, consequentemente, absolvo o R. Município ... do pedido.
Custas pela A..
Registe e notifique
1.8.Inconformada com a sentença proferida que julgou a ação improcedente a Autora interpôs o presente recurso de apelação que encerra com as seguintes CONCLUSÕES:
«1. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida em 30/09/2021 (notificada à aqui Recorrente por despacho datado e certificado de 01/10/2021), através da qual foi julgada totalmente improcedente a ação proposta pela Autora, ora Recorrente, tendo em consideração o decidido nos seguintes segmentos decisórios:
1.1 Segmento decisório “Da exigibilidade dos valores mínimos garantidos”, constante das páginas 16 a 24 da sentença recorrida, porquanto considerou aquele douto Tribunal, sucintamente, que:
1.1.1 que as partes não invocam factos essenciais (nem tão pouco resultaram da instrução da causa quaisquer factos instrumentais) que permitam aferir a verificação do requisito previsto nos contratos de fornecimento, nos termos do qual apenas haveria lugar à aplicação de valores mínimos garantidos, caso a receita global da sociedade fosse inferior à prevista no orçamento desse ano;
1.1.2 ou seja, não resultou demonstrado nos autos que a receita global da Autora fosse, nesse ano, inferior à prevista no orçamento, o que constituía uma das condições contratualmente exigidas para a cobrança dos valores mínimos garantidos (cfr. pontos 3 e 4 do probatório). – cfr. pág. 16 a 24 da sentença recorrida.
1.2 Segmento decisório constante da página 24 da sentença recorrida, que julga improcedente o pedido de condenação do Recorrido no pagamento das notas de débito previstas nos pontos 6, 7, 8, 9, 10, do probatório, porquanto considerou não constarem dos autos factos essenciais subjacentes ao pedido de condenação do Recorrido no pagamento daqueles juros de mora faturados.
2. Assim, o presente Recurso por objeto a impugnação da decisão quanto à matéria de facto, com recurso a reapreciação da prova gravada, nos exatos termos expostos nas alíneas que se seguem:
2.1. Deverá ser alterada a redação aos factos provados nos pontos 6, 7, 8, 9, 10, 13, 14, 21, 22 e 23 da sentença recorrida, tendo em consideração a prova documental junta aos presentes autos, nos termos que infra melhor se concluirá;
2.2. Deverão ser aditados ao elenco de factos provados da sentença recorrida 17 novos factos, que resultam dos depoimentos prestados pelas testemunhas (reapreciação da prova gravada) e da prova documental produzida, entendendo a Recorrente que os mesmos são essenciais para a correta decisão dos presentes autos e que sempre deverão ser dados por provados, pois que não foram considerados pelo douto Tribunal a quo, apesar de a prova ter sido produzida – tudo conforme infra melhor se concluirá.
3. Bem como, tem por objeto a impugnação da decisão quanto à matéria de direito vertida nos segmentos decisórios supra melhor identificados (pág. 16 a 24 e pág. 24 da sentença recorrida) e a arguição de nulidades da sentença, nos termos que infra melhor se concluirão.
4. De facto, a Recorrente não se conforma com a decisão recorrida, por diversas ordens de razão:
4.1. Primeiro, não se conforma com o iter cognosciúvo seguido pelo Tribunal a quo, que deu prevalência aos termos fixados nos contratos de fornecimento celebrados entre as partes em 2001, pelo menos na parte respeitante à cobrança dos Valores Mínimos Garantidos, sobre as Bases da Concessão, quer na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 319/94 (para o abastecimento de água, por ser o único em causa nos presentes autos), quer na versão alterada pelo Decreto-Lei 195/2009, que veio modificar a BASE XVIII relativa aos termos/condições de exigibilidade desses valores aos Municípios;
4.2. Para, então, concluir que o requisito exigido nas cláusulas dos contratos de fornecimento (desde que a receita global da Sociedade fosse inferior à prevista no orçamento desse ano) não foi alegada, nem provada pelas partes – fundamento da improcedência da ação.
4.3. Segundo, não se conforma com a tramitação processual adotada pelo Tribunal a quo, que, no seu entender, violou as regras que asseguram o princípio do contraditório e da boa-fé processual (violação consumada na decisão proferida) porquanto:
i) O despacho saneador fixou 2 (dois) temas da prova, entre os quais: “Inexigibilidade dos valores mínimos garantidos por extemporaneidade e falta de acordo quanto à revisão de preços”;
ii) Ora, considerando que os temas da prova respeitam aos fundamentos de factos que interessem à decisão da causa;
iii) E, tendo em conta que a decisão tomada quanto aos temas da prova transitou em julgado,
iv) Nada faria prever a decisão agora proferida.
4.4. Sendo que, o mesmo Tribunal que agora proferiu a sentença, conduziu a audiência de julgamento, com produção de prova testemunhal, tendo as testemunhas indicadas por ambas as partes prestado depoimento sobre todas as matérias referenciadas nos temas da prova, incluindo sobre a Receita Global da Sociedade (Tema da prova da “Inexigibilidade dos valores mínimos garantidos por extemporaneidade e falta de acordo quanto à revisão de preços”);
4.5. Acrescentando-se que, os autos contêm prova documental e testemunhal suficiente para a prova desta matéria, que não foi devidamente considerada pelo Tribunal a quo.
4.6. E, bem assim, o mesmo Tribunal que compreendeu e inteligiu o pedido de pagamento dos montantes faturados a título de juros de mora (tendo identificado corretamente, nos pontos 6, 7, 8, 9, 10, dos factos provados as faturas de juros de mora peticionadas), vem agora proferir uma sentença no sentido de considerar que inexistem nos autos alegação de factos essenciais subjacentes a este pedido de condenação, quando, inclusive, os próprios documentos que enumera naqueles factos provados têm como anexo um quadro/tabela com o cálculo discriminado dos juros de mora ali peticionados.
5. Posto isto, e QUANTO AO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO, cumpre desde já referir que atendendo, por um lado, à prova documental junta aos presentes autos e, por outro lado, aos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento, entende a Recorrente que o Tribunal a quo errou no julgamento que é feito da matéria de facto, pois que não considerou por provados factos cuja alegação se extrai do que foi arguido pela Recorrente, bem como da prova produzida em sede de audiência e discussão de julgamento – motivo pelo qual a presente decisão enferma de erro de julgamento.
6. Sendo que, para tal erro de julgamento, contribuiu não só uma errada apreciação do teor dos documentos juntos pelas partes aos presentes autos, como também uma errada apreciação e valoração da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento.
7. Vejamos que, e quanto ao segmento decisório “da exigibilidade dos Valores mínimos garantidos” (pág. 16 a 24 da sentença recorrida), a questão decidenda é a de saber se os pressupostos legais para a condenação do Recorrente no pagamento dos montantes peticionados a título de Valores Mínimos se encontram preenchidos.
8. Ora, conforme resultou provado (Cfr. pontos 11 e 12 dos factos provados), os montantes peticionados nos presentes autos dizem respeito a faturação de “valores mínimos garantidos, nos termos da cláusula 16.ª do Contrato de Concessão e da Cláusula 3.ª dos respetivos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes”.
9. Também assim, resultou provado (vide ponto 3 e 4 da sentença recorrida – factos provados) que a Cláusula 3.ª, n.º 4, do contrato de concessão dispunha que: “Os valores mínimos garantidos a entregar pelo Município, os quais constituem uma condição essencial do equilíbrio da concessão, são fixados no Anexo I. Até 31 de Dezembro de 2004, os valores mínimos fixados no anexo I poderão não ser garantidos, sem prejuízo da cláusula 16.ª do contrato de concessão. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os valores mínimos serão garantidos sempre que, em cada ano, a receita global da Sociedade seja inferior à prevista no orçamento desse ano.”
10. Ora, sobre esta temática entende o douto Tribunal a quo que nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, inexistindo outros factos provados com tal relevo, atenta a causa de pedir.
11. Salvo devido respeito, não pode a Recorrente concordar com esta decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, porquanto considera que ficaram provados outros factos com relevo para a decisão a proferir nos presentes autos e que, inclusive, alteram o sentido da mesma.
12. Partindo do pressuposto de que o critério para a cobrança dos referenciados “valores mínimos garantidos” é a verificação do pressuposto de que a “receita global” da sociedade foi inferior à prevista no orçamento aprovado para o ano de 2011 (o que não se concede, sendo este um dos fundamentos do recurso sobre a matéria de direito, que adiante melhor se concluirá!), considerou aquele douto Tribunal que: “não vêm invocados pelas partes nos seus articulados quaisquer factos essenciais (nem tão pouco resultaram da instrução da causa quaisquer factos instrumentais) que permitam aferir a verificação deste requisito no caso em concreto. Ou seja, não resultou demonstrado nos autos que a receita global da Autora fosse, nesse ano, inferior à prevista no orçamento, o que constituía uma das condições contratualmente exigidas para a cobrança dos valores mínimos garantidos (cfr. pontos 3 e 4 do probatório).”.
13. Salvo devido respeito, e tendo desde já em consideração que também se recorrerá deste segmento decisório aquando recurso da matéria de direito (pois não se pode concordar que a aqui Recorrente não tenha alegado todos os factos essenciais que constituem a causa de pedir!), cumpre desde já referir que também não é verdade que não tenham ficado provados todos os factos necessários à formação da convicção de que o aqui Recorrido é devedora daquela quantia peticionada pela Autora, aqui Recorrente.
14. Pois que, não é verdade que “não vêm invocados pelas partes os seus articulados quaisquer factos essenciais (nem tão pouco resultaram da instrução da causa quaisquer factos instrumentais) que permitam aferir a verificação deste requisito no caso concreto”, tendo o próprio Tribunal a quo, no seu despacho saneador, fixado como tema de prova, concretamente no seu ponto 1: “Inexigibilidade dos valores mínimos garantidos por extemporaneidade e falta de acordo quanto à revisão de preços;”.
15. E sempre se acrescente que, o Município ..., na sua contestação, apenas se limita a impugnar genericamente este montante faturado (alegando a ineptidão da petição inicial – exceção que foi, inclusive, julgada improcedente pelo douto Tribunal a quo em sede de despacho saneador), mais acrescentando que tais quantias “não são exigíveis por razões de extemporaneidade e ausência quanto à revisão dos preços”.
16. Pelo que, muito se estranhou o aresto supratranscrito, porquanto não só tal matéria foi alegada pelas partes, como resultou cabalmente provada, quer através da prova testemunhal produzida, quer através dos documentos que foram juntos aos autos – motivo pelo qual o douto Tribunal a quo não podia deixar de a conhecer, nos termos do disposto no artigo 608.º/2 e 413.º do CPC, pois que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”, tomando em consideração “todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las”.
17. Posto isto, e tendo em consideração que o douto Tribunal a quo deixou de se pronunciar relativamente a factos que são relevantes para a decisão a proferir nos presentes autos, vem a Recorrente requerer que este douto Tribunal ad quem proceda ao aditamento de DEZASSETE NOVOS FACTOS (COM RECURSO A REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA E PROVA DOCUMENTAL), concretamente:
17.1. “O primeiro terço da concessão (em causa nos autos) terminou em outubro do ano de 2011”, tendo em consideração os seguintes elementos probatórios:
17.1.1. Contrato de Concessão, junto como documento n.º ... à Petição Inicial, mormente a cláusula 15.ª e 16.ª do mesmo, pois que o teor é claro quando fixa que os valores mínimos garantidos seriam calculados e cobrados até outubro de 2011, data em que terminava o 1/3 da concessão, como um mecanismo de reequilíbrio económico-financeiro do contrato de concessão, sendo certo que, a partir dessa data, seriam calculados e cobrados quando o valor resultante da faturação fosse inferior aos mínimos por motivo imputável ao utilizador. Pelo que, tendo em consideração que o contrato de concessão e os contratos de fornecimento foram celebrados em outubro 2001 (Docs. ... e ... juntos com a PI), e ainda, que o prazo da concessão era de 10 anos, resulta que o primeiro terço da concessão terminou em outubro de 2011.;
17.1.2. Contratos de Fornecimento e de Recolha, juntos como documento n.º ... à Petição Inicial;
17.1.3. Ofício ...2, datado de 21/03/2012, e respetiva fatura n.º 2300000058 em anexo, junto à Petição Inicial como documento n.º ...;
17.1.4. Ofício ...2, datado de 21/03/2012, e respetiva fatura n.º 2300000070 em anexo, junto à Petição Inicial como documento n.º ...;
17.1.5. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 00:06:10 e 00:11:31, entre 00:21:02 e 00:21:02 e entre 00:35:42 e 00:40:19 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00.02.23 a 01.15.22;
17.1.6. Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 01:19:05 e 01:25:12 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 01.16.31 a 02.15.03;
17.1.7. Depoimento prestado pela testemunha «CC», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 02:49:23 e 02:55:01 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 02.43.51 a 04.18.17.
17.2. “O Município ..., para além de utilizador do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro, fez parte do corpo de acionistas da Sociedade gestora daquele sistema”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.2.1. Decreto-Lei n.º 270-A/2001, de 06 de Outubro;
17.2.2. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 00:13:00 e 00:16:15, entre 00:24:45 e 00:31:52 e entre 00:48:22 e 00:49:11 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00.02.23 a 01.15.22.
17.3. “O Réu participou nas assembleias de acionistas de aprovação de contas da Sociedade Autora, incluindo a demonstração de resultados.”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.3.1. Decreto-Lei n.º 270-A/2001, de 06 de Outubro;
17.3.2. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 00:13:00 e 00:16:15, entre 00:24:45 e 00:31:52 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00.02.23 a 01.15.22;
17.3.3. Depoimento prestado pela testemunha «CC», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 03:11:15 e 03:12:27 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 02.43.51 a 04.18.17.
17.4. “A Receita Global do ano de 2011 da Sociedade [SCom02...] S.A. foi inferior ao orçamentado para esse mesmo ano, sendo que, à data, acumulava prejuízos de cerca de € 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de euros)”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.4.1. Decreto-Lei n.º 270-A/2001, de 06 de Outubro;
17.4.2. Ofício ...0, datado de 18/02/2010, junto pela Recorrida como Doc. ...0 à Contestação;
17.4.3. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 00:06:10 e 00:11:31, entre 00:24:45 e 00:31:52 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00.02.23 a 01.15.22;
17.4.4. Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 01:20:09 e 01:25:12, entre 01:56:13 e 02:00:04, (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 01.16.31 a 02.15.03.
17.5. “A falência técnica da Sociedade [SCom02...] S.A. era do conhecimento dos seus acionistas desde, pelo menos, Março de 2010 (primeira assembleia geral de apresentação/apresentação de contas/apreciação da proposta de revisão do contrato de concessão para reequilíbrio económico-financeiro e para cumprimento do disposto no artigo 35.º do CSC)”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.5.1. Decreto-Lei n.º 270-A/2001, de 06 de Outubro;
17.5.2. Ofício ...0, datado de 18/02/2010, junto pela Recorrida como Doc. ...0 à Contestação;
17.5.3. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 00:06:10 e 00:11:31, entre 00:13:00 e 00:16:15, entre 00:24:45 e 00:31:52 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00.02.23 a 01.15.22;
17.5.4. Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 01:20:09 e 01:25:12, entre 01:56:13 e 02:00:04, (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 01.16.31 a 02.15.03.
17.6. “Na Assembleia Geral de Acionistas de Dezembro de 2010, a Sociedade Autora informou aos seus acionistas da necessidade de se proceder ao reequilíbrio económico-financeiro da concessão, bem como, a consequente necessidade de se ativarem os mecanismos tendentes a esse mesmo reequilíbrio, concretamente, a cobrança dos Valores Mínimos Garantidos no ano de 2011”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.6.1 Decreto-Lei n.º 270-A/2001, de 06 de Outubro;
17.6.2 Ofício ...0, datado de 18/02/2010, junto pela Recorrida como Doc. ...0 à Contestação;
17.6.3 Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 00:06:10 e 00:11:31, entre 00:13:00 e 00:16:15, entre 00:24:45 e 00:31:52 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00.02.23 a 01.15.22;
17.6.4 Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 01:20:09 e 01:25:12, entre 01:56:13 e 02:00:04, (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 01.16.31 a 02.15.03.
17.7. “Após a apresentação da respetiva proposta de Orçamento e Projeto Tarifário (OPT) à entidade reguladora dos serviços de água e saneamento (ERSAR), esta emitiu parecer favorável à cobrança dos Valores Mínimos Garantidos para o ano de 2011”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.7.1. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 00:06:10 e 00:11:31, entre 00:13:00 e 00:16:15, entre 00:24:45 e 00:31:52 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00.02.23 a 01.15.22;
17.7.2. Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 01:20:09 e 01:25:12, entre 01:56:13 e 02:00:04, (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 01.16.31 a 02.15.03.
17.8. “O Concedente, ouvida a entidade reguladora ERSAR, veio a aprovar o Orçamento e Plano Tarifário da Sociedade Autora para 2011, de onde consta a cobrança dos referidos valores mínimos garantidos.”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.8.1. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 00:06:10 e 00:11:31, entre 00:13:00 e 00:16:15, entre 00:24:45 e 00:31:52 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00.02.23 a 01.15.22;
17.8.2. Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 01:20:09 e 01:25:12, entre 01:56:13 e 02:00:04, (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 01.16.31 a 02.15.03.
17.9. “A infraestruturação do sistema multimunicipal no Concelho ..., de acordo com o previsto no Anexo I do contrato de concessão, e a ligação ao sistema multimunicipal não ocorreram por causa imputável ao Município ....”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.9.1. Ata da 18ª sessão ordinária da Assembleia Municipal ..., datada de 29/06/2001, junta como doc. ... à contestação;
17.9.2. Ata Número ...6, ora junta como Doc. ...1 junto à contestação; 17.9.3. Documento n.º ...3 junto à contestação;
17.9.4. Decreto-lei n.º 379/93, de 5 de novembro;
17.9.5. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 00:24:45 e 00:26:47, entre 00:39:00 e 00:44:57, entre 00:50:29 e 00:56:15, entre 00:58:07 e 01:02:02 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00.02.23 a 01.15.22.
17.9.6. Depoimento prestado pela testemunha «CC», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, 02:49:23 e 02:58:29, entre 03:24:06 e 03:32:09, entre 03:53:35 e 03:56:56, entre 03:53:35 e 03:56:56, entre 04:16:00 e 04:16:30 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 02.43.51 a 04.18.17;
17.9.7. Depoimento prestado pela testemunha «DD», constante da gravação da audiência realizada no dia 13/05/2021, entre 00:47:07 e 00:47:19, entre 00:52:15 e 00:52:26, entre 00:54:30 e 00:54:52, entre 01:11:53 e 01:12:31 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00:00:03 e 01:13:53;
17.10. “Os Valores Mínimos Garantidos aplicados ao Réu foram calculados de acordo com o projeto de revisão ao contrato de concessão, por se revelar mais vantajoso para o Município”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.10.1. Ofício ...2, datado de 21/03/2012, junto pela Recorrente como Doc. ... à Petição Inicial;
17.10.2. Ofício ...2, datado de 21/03/2012, junto pela Recorrente como Doc. ... à Petição Inicial;
17.10.3. Depoimento prestado pela testemunha «AA» constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 00:35:42 e 00:39:05 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00.02.23 a 01.15.22;
17.10.4. Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 1:48:55 e 1:56:13 e entre 02:01:48 e 02:03:47 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 01.16.31 a 02.15.03.
17.11. “O Município Réu apenas consumiu Serviços de Abastecimento de Água, durante os primeiros 10 meses do ano de 2011, o montante de € 25.220,53 (vinte e cinco mil, duzentos e vinte euros e quarenta e três cêntimos).” tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.11.1. Ofício ...2, datado de 21/03/2012, junto pela Recorrente como Doc. ... à Petição Inicial;
17.11.2. Ofício ...2, datado de 21/03/2012, junto pela Recorrente como Doc. ... à Petição Inicial;
17.11.3. Depoimento prestado pela testemunha «AA» constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 00:35:42 e 00:39:05 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00.02.23 a 01.15.22;
17.11.4. Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 1:48:55 e 1:56:13 e entre 02:01:48 e 02:03:47 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 01.16.31 a 02.15.03;
17.11.5. Depoimento prestado pela testemunha «EE», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 2:29:17 e 02:31:31 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 2:16:56 e 02:43:15.
17.12. “O Valor Mínimo Garantido previsto na proposta de revisão ao contrato de concessão para o fornecimento de água nos 10 primeiros meses do ano de 2011 é de € 165.274,53 (cento e sessenta e cinco mil, duzentos e setenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos)” tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.12.1. Ofício ...2, datado de 21/03/2012, junto pela Recorrente como Doc. ... à Petição Inicial;
17.12.2. Ofício ...2, datado de 21/03/2012, junto pela Recorrente como Doc. ... à Petição Inicial;
17.12.3. Depoimento prestado pela testemunha «AA» constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 00:35:42 e 00:39:05 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00.02.23 a 01.15.22;
17.12.4. Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 1:48:55 e 1:56:13 e entre 02:01:48 e 02:03:47 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 01.16.31 a 02.15.03;
17.12.5. Depoimento prestado pela testemunha «EE», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 2:29:17 e 02:31:31 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 2:16:56 e 02:43:15.
17.13. “O Município Réu não consumiu Serviços de Recolha e tratamento de efluentes, durante os primeiros 10 meses do ano de 2011.” tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.13.1. Ofício ...2, datado de 21/03/2012, junto pela Recorrente como Doc. ... à Petição Inicial;
17.13.2. Ofício ...2, datado de 21/03/2012, junto pela Recorrente como Doc. ... à Petição Inicial;
17.13.3. Depoimento prestado pela testemunha «AA» constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 00:35:42 e 00:39:05 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00.02.23 a 01.15.22;
17.13.4. Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 1:48:55 e 1:56:13 e entre 02:01:48 e 02:03:47 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 01.16.31 a 02.15.03.
17.13.5. Depoimento prestado pela testemunha «EE», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 2:29:17 e 02:31:31 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 2:16:56 e 02:43:15.
17.14. “O Valor Mínimo Garantido previsto na proposta de revisão ao contrato de concessão para a recolha de efluentes nos 10 primeiros meses do ano de 2011 é de € 10.868,04 (dez mil, oitocentos e sessenta e oito euros e quatro cêntimos).” tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.14.1. Ofício ...2, datado de 21/03/2012, junto pela Recorrente como Doc. ... à Petição Inicial;
17.14.2. Ofício ...2, datado de 21/03/2012, junto pela Recorrente como Doc. ... à Petição Inicial;
17.14.3. Depoimento prestado pela testemunha «AA» constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 00:35:42 e 00:39:05 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00.02.23 a 01.15.22;
17.14.4. Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 1:48:55 e 1:56:13 e entre 02:01:48 e 02:03:47 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 01.16.31 a 02.15.03;
17.14.5. Depoimento prestado pela testemunha «EE», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 2:29:17 e 02:31:31 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 2:16:56 e 02:43:15.
17.15. “A deliberação de adesão ao sistema multimunicipal teve por fundamento a necessidade de realização de investimentos no sistema municipal preexistente de abastecimento de água e tratamento de resíduos e a melhoria da qualidade e quantidade de água fornecida”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.15.1. Decreto-Lei n.º 270-A/2001, de 06 de outubro;
17.15.2. Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de novembro;
17.15.3. Decreto-Lei n.º 319/94, de 24 de dezembro;
17.15.4. Decreto-Lei n.º 162/96, de 4 de setembro;
17.15.5. Ata da 18ª sessão ordinária da Assembleia Municipal ..., datada de 29/06/2001, junta como doc. ... à contestação;
17.15.6. Ata número ...0, respeitante à reunião ordinária do dia 28/03/2000, junta como doc. ... à contestação;
17.15.7. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, 00:44:57 e 00:47:14, 00:49:11 e 00:50:16 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00.02.23 a 01.15.22;
17.15.8. Depoimento prestado pela testemunha «CC», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 02:51:07 e 02:55:56, entre 02:58:51 e 03:04:09, entre 03:22:08 e 03:24:06 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 02.43.51 a 04.18.17.
17.16. “A A. empreendeu os estudos e projetos previstos no Anexo I do contrato de concessão”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.16.1. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 00:23:04 e 00:24:45, entre 00:23:04 e 00:24:45 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00.02.23 a 01.15.22;
17.16.2. Depoimento prestado pela testemunha «CC», constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 03:05:17 e 03:11:05, entre 03:13:07 e 03:19:08, entre 03:34:00 e 03:35:04, entre 03:38:56 e 03:41:12, (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 02.43.51 a 04.18.17.
17.17. “O projeto Global do Contrato de Concessão (Anexo I ao contrato de concessão da [SCom02...]) previa para o Município ..., a execução das seguintes infraestruturas novas e a reabilitação das existentes:
a) abastecimento de água: Barragem de ... (a reabilitar); Captação de ..., torre tomada de água (a reabilitar); ETA de ...; Adutora Elevatória (a reabilitar); construção de duas adutoras novas (uma elevatória de 9.714 m e uma gravítica de 14.175 m); Reabilitação das 3 Estações Elevatórias a integrar); Reabilitação do Reservatório de ...; construção de dois novos Reservatórios;
b) águas residuais: ETAR de ... e ETAR Sul (ambas a reabilitar) e uma nova ETAR a construir (ETAR ...); construção de 3 novas Estações Elevatórias (EE 1 e 2 de ... e EE de Vale de Madre); Construção de Conduta Elevatória de 3.100 m; Construção de Emissário Gravítico de 4.300.”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.17.1. Anexo I (projeto global) ao contrato de concessão da [SCom02...], cfr. Doc. ... junto à contestação (concretamente, páginas 44 a 49 e páginas 177 e 178).
18. Posto isto, tendo em consideração, quer a prova documental junta aos presentes autos, quer a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento (devidamente referenciada nas conclusões supra e devidamente transcrita no corpo das presentes alegações – para o qual se remete), surge mais que evidente que deve a presente ação ser julgada por provada e procedente, porquanto a Recorrente provou, quer a legalidade e legitimidade para a cobrança dos valores mínimos garantidos, quer a exigibilidade dos mesmos ao Recorrido – pelo que deve ser alterada a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo.
19. Tal como dispõem Base XXVIII do Decreto-Lei n.º 319/94 (base da concessão do sistema de abastecimento de água) na versão alterada pelo DL 195/2009, que prevalece sobre a Cláusula 16.ª do contrato de concessão – os Valores Mínimos Garantidos devem ser cobrados aos Municípios Utilizadores sempre que o valor resultante da faturação da utilização do serviço seja inferior àqueles, enquanto equilíbrio-económico financeiro do contrato durante o primeiro-terço da concessão, ou quando o valor resultante da faturação for inferior aos mínimos por motivo imputável ao Utilizador, durante o segundo-terço da concessão – Cfr. facto a aditar 17.1 supra.
20. In casu, os valores mínimos garantidos aqui peticionados diziam respeito, ainda, ao primeiro terço da concessão, pelo que sempre são devidos pelo Município ... enquanto equilíbrio-económico financeiro do contrato de concessão – Cfr. facto a aditar 17.1 supra.
21. Resultou cabalmente provado através do depoimento da testemunha Dr. «AA» que, à data dos factos, era o Administrador da Autora com pelouro nos departamentos financeiros da mesma, em 2010 a sociedade encontrava-se em falência técnica, devido ao prejuízo acumulado nos vários anos de investimentos na infraestruturação do sistema, bem como devido ao facto de a empresa não ter atingido, durante aqueles anos, o volume de atividade previsto no contrato de concessão (a empresa apenas estava a atingir cerca de 50% da faturação prevista), pelo que existiu a necessidade de expor esta sua situação aos acionistas, através da Assembleia Geral, tendo-se solicitado um reequilíbrio da concessão – Cfr. facto a aditar 17.4, 17.5 e 17.6, supra.
22. Tal falência técnica reportava-se a um valor de cerca de € 25.000.000,00 (negativos) de prejuízos acumulados, conforme foi quantificado pela testemunha Dra. «BB», que à data dos factos pertencia ao departamento responsável pela elaboração dos orçamentos da sociedade – Cfr. facto a aditar 17.4 supra.
23. Pelo que, era necessário acionar todos os mecanismos de financiamento da empresa concessionária que, segundo o contrato e as bases da concessão, passavam pelo aumento das tarifas e a cobrança dos valores mínimos garantidos Cfr. facto a aditar 17.6 supra.
24. Todas estas questões foram debatidas na reunião de acionistas de Dezembro de 2010, que contou com a presença dos Municípios Utilizadores, tendo ainda acrescentado que, já em Março de 2010, e aquando a apresentação das contas da sociedade, já se havia informado todos os acionistas da necessidade de se proceder a um reequilíbrio económico-financeiro da concessão – como aliás se provou através da junção aos presentes autos do ofício remetido ao Recorrido em 20/08/2010 – Cfr. facto a aditar 17.5 e 17.6 supra.
25. O Recorrido conhecia pessoalmente da situação de falência técnica da empresa concessionária, bem como conhecia quais os mecanismos de restabelecimento do equilíbrio económico-financeiro da concessão que iriam ser acionados a favor da mesma, não só porque os mesmos resultam do disposto no contrato e nas bases da concessão, mas principalmente porque aqueles foram amplamente debatidos em sede de Assembleia Geral de Acionistas, que contou com a presença dos Municípios Utilizadores Cfr. facto a aditar 17.5 e 17.6 supra.
26. Resultou ainda provado através do depoimento prestado pelas testemunhas arroladas pela Recorrente, Dr. «AA» e Eng.º «CC», bem como pela testemunha arrolada pelo Recorrido «DD» que, no caso do Município do depoimento da testemunha arrolada pelo Recorrido, Eng.º «DD», que os investimentos previstos no Anexo I do contrato de concessão e a ligação ao sistema não ocorreram, por causa imputável ao Município ... – tal como resulta provado através da Ata da 18ª sessão ordinária da Assembleia Municipal ..., datada de 29/06/2001, junta como doc. ... à contestação, da Ata Número ...6, ora junta como Doc. ...1 junto à contestação, do Documento n.º ...3 junto à contestação, bem como do Decreto-lei n.º 379/93, de 5 de novembro – Cfr. facto a aditar 17.9 supra.
27. Ficou ainda provado através dos depoimentos prestados que o aqui Recorrido não poderia desconhecer a aplicação e cobrança dos valores mínimos garantidos, porquanto tal receita se encontrava prevista no orçamento da empresa (OPT), apresentado em Assembleia de Acionistas e que veio a ser devidamente aprovado pelo Estado, instruído por parecer favorável da entidade reguladora, e que incluía quer a tarifa proposta para o ano de 2011, quer a aplicação dos valores mínimos – Cfr. facto a aditar 17.7 e 17.8 supra.
28. Sendo ainda de referir que, os Valores Mínimos aplicados nos presentes autos apenas tiveram em consideração os primeiros 10 meses do ano de 2011, porquanto os mesmos foram apenas aplicados enquanto mecanismo de reequilíbrio económico-financeiro da concessão – Cfr. facto a aditar 17.1 e 17.12 supra.
29. Pelo que, os valores mínimos fixados na proposta de revisão do contrato de concessão para o ano de 2011, aplicados aos presentes autos, foram no montante de € 165.274,53 para o fornecimento de água – Cfr. facto a aditar 17.10 e 17.12 supra.
30. Assim, e uma vez que o Município ... apenas consumiu Serviços de abastecimento de Água, durante os primeiros 10 meses de 2011 o montante de € 25.220,53 (Cfr. facto a aditar 17.11 supra), foi-lhe cobrado o montante de € 23.995,86, que corresponde, exatamente, ao diferencial entre o montante previsto na proposta de revisão ao contrato de concessão de € 165.274,54, e o montante de € 25.220,53, efetivamente consumido e faturado ao Município ...;
31. Pelo que, os valores mínimos fixados na proposta de revisão do contrato de concessão para o ano de 2011, aplicados aos presentes autos, foram no montante de € 10.868,03 para a recolha de efluentes – Cfr. facto a aditar 17.10 e 17.14 supra.
32. Assim, e uma vez que o Município ... não consumiu Serviços de recolha de efluentes, durante os primeiros 10 meses de 2011 (Cfr. facto a aditar 17.13 supra), foi-lhe cobrado o montante de € 10.868,03, que corresponde, exatamente, ao diferencial entre o montante previsto na proposta de revisão ao contrato de concessão de € 10.868,03, e o montante de € 0, efetivamente consumido e faturado ao Município ....
33. Resultou cabalmente provado através dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Recorrente, Dr. «AA» e Eng.º «CC», bem como pelas Atas da Assembleia Municipal ... (juntas como Doc. ... e ... à contestação) e dos Decreto-Lei n.º 270-A/2001, de 06 de outubro, n.º 379/93, de 5 de novembro; n.º 319/94, de 24 de dezembro, n.º decreto-Lei n.º 162/96, de 4 de setembro que a adesão do Município ... ao sistema multimunicipal teve por fundamento a necessidade de realização de investimentos no sistema municipal preexistente de abastecimento de água e tratamento de resíduos, bem como a melhoria da qualidade e quantidade de água
34. Resultou ainda provado através do depoimento prestado pelas testemunhas arroladas pela Recorrente, Dr. «AA» e Eng.º «CC», que a Recorrente empreendeu os estudos e projetos previstos no Anexo I do contrato de concessão – (Cfr. facto a aditar 17.16 supra).
35. Ficou ainda provado através do Doc. n.º ... junto à contestação (concretamente, páginas 44 a 49 e páginas 177 e 178), que o projeto Global do Contrato de Concessão (Anexo I ao contrato de concessão da [SCom02...]) previa para o Município ..., a execução de infraestruturas novas e a reabilitação das existentes, quer para o abastecimento de água, quer para a recolha de efluentes – (Cfr. facto a aditar 17.17 supra).
36. Motivo pelo qual, e considerando que todos os 17 pontos de facto cujo aditamento se requereu supra constituem, ou factos complementares (que decorrem da própria lei e respetivos contratos), ou factos instrumentais (relacionados com os próprios normativos que enformam juridicamente a matéria relativa aos ‘Valores Mínimos Garantidos’), que sempre deveriam ter sido adquiridos pelo douto Tribunal a quo durante a fase de instrução dos presentes autos, quer através da prova documental produzida, quer através dos depoimentos prestados pelas testemunhas, deverá este douto Tribunal ad quem proceder à alteração da decisão de facto proferida, nos termos melhor requeridos na conclusão 17.ª da presente, porquanto incorreu o douto Tribunal de 1.ª instância em manifesto erro de julgamento – o que se requer.
37. Sem prescindir, sempre se diga que a determinação do valor mínimo garantido resulta de mero cálculo aritmético e da aplicação do índice de atualização de preços para o ano 2011, os quais resultam de factos públicos e notórios.
Cumulativamente,
38. Quanto à decisão de facto proferida e relativa aos juros de mora faturados e peticionados nos presentes Autos, a Recorrente não pode deixar de considerar que, tendo em consideração os documentos juntos com a PI (Cfr. Doc. ..., ..., ..., ... e ...), o douto Tribunal a quo sempre deveria ter decidido em sentido diverso ao que decidiu na sentença Recorrida, porquanto, em anexo a cada uma das faturas de juros emitidas, foi junto um quadro/tabela, de onde constam todas as faturas de capital sobre os quais são calculados os respetivos juros de mora faturados – com respetiva identificação e montante faturado –, os respetivos prazos de vencimento e dias de atraso, a respetiva taxa de juro aplicável e o montante de juros liquidado.
39. Factualidade que tem relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, porquanto veio o douto Tribunal a quo a considerar que a aqui Recorrente não cumpriu o ónus de alegação que lhe incumbia, quando é manifesto que os montantes de capital sobre os quais recaem aqueles juros de mora faturados, a taxa de juros aplicável, o prazo de vencimento e os respetivos dias de atraso no seu pagamento, constam daqueles documentos melhor identificados nos pontos 6, 7, 8, 9 e 10 dos factos provados (na sentença recorrida), pelo que tal factualidade sempre deveria ter sido julgada por provada.
40. Pelo que, considera a Recorrente que o douto Tribunal a quo padece de manifesto erro de julgamento, requerendo a este douto Tribunal ad quem a ALTERAÇÃO DA REDAÇÃO DOS PONTOS 6, 7, 8, 9 e 10 DO ELENCO DE FACTOS PROVADOS DA SENTENÇA RECORRIDA, por forma a que estes incluam na sua redação que: “A Autora emitiu ao Réu uma nota de débito com o n.º (...) e da qual consta uma tabela em anexo, com a identificação e montante das respetivas faturas de capital sobre os quais são calculados os respetivos juros de mora faturados, respetivos prazos de vencimento e dias de atraso, taxa de juro aplicável e respetiva liquidação de juros de mora” – Cfr. páginas 164 e 165 das presentes alegações, que por facilidade de leitura aqui se dão por reproduzidas.
Cumulativamente,
41. Quanto à decisão de facto proferida e relativa à forma como o Município ... assegurava o fornecimento de água e a recolha e tratamento de efluentes, a Recorrente não pode deixar de considerar que, tendo em conta tudo o que foi dito nos presentes autos relativamente à necessidade de realização de investimentos no sistema municipal preexistente de abastecimento de água e tratamento de resíduos e à melhoria da qualidade e quantidade de água fornecida (melhor descritos no ponto n.º 15 a aditar ao elenco dos factos provados – cfr. páginas 137 e seguintes), bem como os depoimentos das testemunhas Dr. «AA» e Eng.º «CC», o douto Tribunal a quo sempre deveria ter decidido em sentido diverso ao que decidiu na sentença Recorrida, porquanto, resulta provado dos presentes autos a forma insuficiente e deficitária com que o Recorrido assegurava os serviços públicos essenciais.
42. Pelo que, considera a Recorrente que o douto Tribunal a quo padece de manifesto erro de julgamento, requerendo a este douto Tribunal ad quem a ALTERAÇÃO DA REDAÇÃO DOS PONTOS 13, 14 e 21 DO ELENCO DE FACTOS PROVADOS DA SENTENÇA RECORRIDA, por forma a que estes incluam na sua redação que: “13. Antes da criação do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e Saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro o R. já assegurava, ainda que de forma insuficiente e deficitária, através dos seus próprios meios e serviços, a actividade de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes”; “14. O R. assegurava a gestão e o funcionamento do sistema de abastecimento de água e saneamento de águas residuais em “alta” e em “baixa”, de forma insuficiente e deficitária”; “21. O R. dispunha igualmente de um sistema de tratamento e recolha de efluentes, que efetuava o tratamento e recolha de efluentes de forma insuficiente e deficitária”;
– Cfr. páginas 179 das presentes alegações, que por facilidade de leitura aqui se dão por reproduzidas.
Cumulativamente,
43. Quanto à decisão de facto proferida e relativa ao protocolo assinado entre os Municípios utilizadores e a Recorrente, a Recorrente não pode deixar de considerar que, tendo em conta tudo o que foi dito nos presentes autos, tendo em consideração os documentos juntos (concretamente, os documentos n.º ... e ... juntos à contestação), o Decreto-lei n.º 379/93, de 5 de novembro, bem como os depoimentos das testemunhas Dr. «AA» e Eng.º «CC», o douto Tribunal a quo sempre deveria ter decidido em sentido diverso ao que decidiu na sentença Recorrida, porquanto, resulta provado dos presentes autos a forma insuficiente e deficitária com que o Recorrido assegurava os serviços públicos essenciais.
44. Pelo que, considera a Recorrente que o douto Tribunal a quo padece de manifesto erro de julgamento, requerendo a este douto Tribunal ad quem a ALTERAÇÃO DA REDAÇÃO DO PONTO 22 DO ELENCO DE FACTOS PROVADOS DA SENTENÇA RECORRIDA, por forma a que estes incluam na sua redação que: “Em 25.90.2009 a A. não celebrou com os municípios utilizadores do sistema multimunicipal um protocolo com vista ao estudo da viabilidade e das condições da Bintegração total no sistema de distribuição directa de água e da recolha directa de efluente (cf. documento n.º ...4 junto com a contestação)”. Cfr. páginas 189 das presentes alegações, que por facilidade de leitura aqui se dão por reproduzidas.
Cumulativamente,
45. Quanto à decisão de facto e relativa à cedência das infraestruturas previstas no Anexo 3 dos contratos de fornecimento e de recolha de efluentes, a Recorrente não pode deixar de considerar que, tendo em conta o Contrato de Concessão (cfr. Doc. ... da PI) e os contratos de fornecimento (cfr. Doc. ... da PI), os documentos da contestação (concretamente os Documentos n.º ..., ..., ..., ...1 e ...3), bem comos os depoimentos das testemunhas Dr. «AA» e Eng.º «CC», o douto Tribunal a quo sempre deveria ter decidido em sentido diverso ao que decidiu na sentença Recorrida, porquanto, resulta provado dos presentes autos a responsabilidade do Município ... pela não cedência das infraestruturas.
46. Pelo que, considera a Recorrente que o douto Tribunal a quo padece de manifesto erro de julgamento, requerendo a este douto Tribunal ad quem a ALTERAÇÃO DA REDAÇÃO DO PONTO 23 DO ELENCO DE FACTOS PROVADOS DA SENTENÇA RECORRIDA, por forma a que estes incluam na sua redação que: “A cedência onerosa das infraestruturas municipais de abastecimento de água e de saneamento pelo R. à A. nunca teve lugar, por causa imputável ao Município ....” Cfr. página 118 das presentes alegações, que por facilidade de leitura aqui se dão por reproduzidas.
Cumulativamente,
47. QUANTO AO RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO, cumpre desde já referir que o douto Tribunal a quo comete vários erros de julgamento quanto à decisão de direito proferida, concretamente:
47.1. Erros materiais – violação de lei substantiva de que padece a decisão proferida; e violação da lei adjetiva relativa ao ónus de alegação e prova de factos instrumentais/complementares de factos essenciais;
47.2. Padecendo a sentença de várias nulidades processuais;
48. Considera a Recorrente que o Tribunal a quo cometeu os seguintes erros de julgamento de natureza substantiva:
i. Erra no julgamento de Direito ao admitir que a convenção das partes (Concessionária e Municípios utilizadores) estabelecida nos contratos de fornecimento relativamente à exigibilidade do requisito da Receita Global prevalece sobre a LEI (BASES XXVIII DA CONCESSÃO, em qualquer das versões legalmente aprovadas) e sobre o CONTRATO DE CONCESSÃO (celebrado entre o Estado e a Concessionária),
OU SEJA, ENTENDE O TRIBUNAL A QUO QUE:
ii. Os sucessivos Diplomas Legais que aprovaram as Bases da Concessão são derrogáveis e que, de resto, as BASES XXVIII nunca vigoraram, na concessão da [SCom02...].
iii. A reserva relativa de lei ao abrigo da qual o Governo fixou as Bases da Concessões por Decreto-Lei, também ela pode ser contratualmente afastada.
IGNORANDO O TRIBUNAL A QUO QUE:
iv. Os contratos de fornecimento preveem no seu clausulado duas cláusulas com soluções totalmente distintas para a aplicação dos Valores Mínimos Garantidos (Cláusula 3.ª/4 – não conforme com as Bases da Concessão e tida em consideração pelo Tribunal a quo) e Cláusula 1.2 do Anexo 2 (conforme com as Bases da Concessão – ignorada pelo Tribunal a quo);
v. Finalmente, que os Contratos de Fornecimento preveem nas Cláusulas 7.ª que a respetiva vigência fica subordinada à do contrato de concessão.
49. Em primeiro lugar, revela-se inadmissível o entendimento seguido pelo Tribunal ao considerar que os contratos de fornecimento, celebrados entre a Concessionária [SCom02...] e os Municípios utilizadores dos sistemas, prevalecem sobre o disposto nos diplomas legais que aprovaram as Bases da Concessão, assim como, sobre o próprio contrato de concessão, que, nos termos do artigo 7.º dos contratos de fornecimento, comanda a vigência destes.
50. Em segundo lugar, a decisão proferida pelo Tribunal a quo é também inadmissível ao considerar que a Cláusula 3.ª/4 (parte final) dos contratos de fornecimento prevalece ainda perante a cláusula inserta no mesmo contrato de fornecimento, ponto 1.2 do Anexo 2, cuja redação se encontra absolutamente conforme com as Bases da Concessão, mas que foi absolutamente ignorada pelo Tribunal a quo na sua decisão.
51. Vejamos que, sempre deverá este douto Tribunal ad quem concluir que a parte final da Cláusula 3.ª/ n.º 4 – parte final do contrato de fornecimento de água –, é nula – pois que:
51.1. resulta inequívoco que a BASE XXVIII, aprovada pelo DL 195/2009, integra uma norma legal imperativa, inderrogável por vontade das partes;
51.2. Considerando que a sujeição da aplicação dos Valores Mínimos Garantidos a uma condição (Receita Global ser inferior à prevista no orçamento para esse ano), a qual não se encontra prevista na lei, resulta então que a parte da condição é nula nos termos previstos no artigo 294.º do C. Civil, que estabelece a regra da nulidade para a violação de lei imperativa. Submetendo-se a nulidade ao regime da redução do negócio jurídico, nos termos do disposto no artigo 292.º do Código Civil;
51.3. Sendo certo que, admitindo-se que o objeto dos contratos é passível de contrato de direito privado, terá aplicação o regime das invalidades de negócio jurídico previsto no Código Civil.
51.4. Pelo que a Cláusula 3.ª/4 dos contratos de fornecimento deverá ser reduzida na sua parte final, devendo a mesma ser dada por não escrita, eliminando-se a sujeição da aplicação dos valores mínimos garantidos à condição da receita global da sociedade.
SEM PRESCINDIR,
52. Caso assim não se entenda, ou seja, caso se considere aplicável o regime de invalidades do CPA, sempre deverá este douto Tribunal Superior decidir pela verificação do vício de Usurpação de Funções – Nulidade – artigo 133.º/2, al. a) do CPA (versão aplicável), pois que:
52.1. É evidente a falta de poderes de conformação da concessionária e dos municípios utilizadores para imporem condições não previstas na lei para a aplicação dos Valores Mínimos Garantidos, conforme previstos nas Bases XXVIII da concessão, as quais foram fixadas pelo Governo, no uso do seu poder legislativo, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 198.º/1, al. a) da CRP, em matéria com reserva relativa de lei;
52.2. Pelo que, tratando-se de uma matéria reservada ao poder legislativo, não poderiam as partes contratantes (concessionária e municípios) acordar condições distintas das prevista no diploma aprovado pelo governo para a aplicação dos valores mínimos garantidos, sob pena de incorrerem em vício de usurpação de poderes;
52.3. Porquanto sempre deverá aplicar-se o regime da nulidade (vício de usurpação de poder) prevista no artigo 133.º/2, al. a), do CPA (na versão aplicável);
52.4. Nulidade que ora se invoca, para os devidos efeitos, previstos no artigo 134.º do CPA (versão em vigor à data), o qual não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade, sendo a mesma invocável a todo o tempo.
SEM PRESCINDIR,
53. Sempre deverá este douto Tribunal ad quem concluir pela prevalência da Cláusula do Contrato de Fornecimento conforme com as Bases da Concessão e com o Contrato de Concessão – Cláusula 1.2 do Anexo 2 ao Contrato de Fornecimento, em detrimento da parte final da Cláusula 3.ª/4 do mesmo contrato, pois que:
53.1. Vejamos que a referida cláusula revela uma solução de cobrança e faturação dos valores mínimos garantidos: a) Conforme com o estabelecido nas Bases de Concessão em vigor à data da celebração do contrato, isto é, com a redação atribuída pelo DL 319/94; b) Conforme com a Cláusula 16.ª do Contrato de Concessão; c) Distinta da cláusula 3.ª/4 do contrato de fornecimento;
53.2. De onde resulta que, perante duas regras distintas, o TAF considerou aquela que inovava face ao previsto nas Bases da Concessão e no Contrato de Concessão, exigindo um requisito adicional (relativo à Receita Global da Sociedade), e ignorando, simplesmente, a cláusula que se revelava conforme com aquelas.
53.3. Cometendo um claro erro de julgamento ao ignorar, com isso, também, as boas regras de interpretação dos contratos, e dessa forma, a evidente prevalência da redação que se mostrava conforme e dentro dos ditames previstos na lei e no contrato de concessão.
SEM PRESCINDIR,
54. Considera a Recorrente que o douto Tribunal a quo comete, ainda, um erro de julgamento quando ignorou que os contratos de fornecimento dependessem expressamente dos termos da vigência do contrato de concessão, por efeitos do disposto na Cláusula 7.ª do contrato de fornecimento, nos termos do qual “a vigência do presente contrato fica subordinada à do contrato de concessão.”, admitindo que o DL 195/2009 apenas altera os contratos de concessão por efeito do disposto no artigo 10.º do DL 195/2009, nos termos do qual o decreto-lei prevalece sobre os contratos de concessão em vigor.
55. Ora, tal solução não é legalmente admissível, desde logo:
55.1. Primeiro, porque consubstanciaria uma forma de impedir a produção de efeitos, quer do próprio decreto-lei, concedendo aos outorgantes dos contratos de fornecimento (dos quais não faz parte o concedente) o poder de obstar aos efeitos do diploma aprovado ao abrigo do poder legislativo, como, também, seria uma forma de impedir a produção de efeitos do próprio contrato de concessão, que de outra forma ficaria esvaziado, assim como o próprio DL 195/2009, em todas as matérias que, por acaso, estivessem abrangidas pelos contratos de fenecimento, apesar de não tratarem de aspetos próprios a regular por via destes contratos, mas em que, indevidamente, se replica ou inova face ao previsto na lei e no contrato de concessão.
55.2. Segundo, porque ignora a sujeição expressa do contrato de fornecimento ao contrato de concessão, por via da Cláusula 7.ª do contrato de fornecimento, ou seja, como se tratassem de contratos em cadeia, cujos efeitos se repercutem em cadeia num sentido de hierarquia superior para inferior.
55.3. Terceiro, a própria redação da BASE XXVIII das Bases da Concessão, no seu elemento literal, dispõem sempre sobre os contratos de concessão e os de fornecimento celebrados ao seu abrigo – logo, nunca faria qualquer sentido dissociar uns dos outros;
55.4. Ou seja, no limite, e a admitir-se a solução propugnada pelo Tribunal a quo, estaria em causa uma interpretação de situação de fraude lei.
56. Neste sentido, veja-se o Ac. do STJ, de 20.10.2009, Proc. 115/09.0TBPTL.S1, in www.dgsi.pt, acerca das soluções adotadas em fraude à lei.
57. Pelo que sempre deverá este douto Tribunal ad quem decidir pela Terá aplicação, do disposto na 2.ª parte do artigo 12.º do C. Civil, nos termos do qual, a lei tem aplicação direta às relações já constituídas, alterando o conteúdo das mesmas.
58. Pelo que resulta inequívoco que, com a entrada em vigor do DL 195/2009, a 10 de janeiro de 2010, se alteraram os termos do contrato de concessão e, por conseguinte, dos contratos de fornecimento, por força da cláusula 7.ª do contrato de fornecimento, passando o mesmo a distinguir as condições de aplicação dos valores mínimos garantidos no primeiro terço da concessão, e no segundo terço da concessão (vide, BASE XXVIII para o abastecimento de água).
59. Pelo que apenas se poderá concluir que:
59.1. No primeiro terço da concessão, ou seja, até outubro de 2011, os valores mínimos garantidos, enquanto condição de equilíbrio da concessão, são exigidos ao Réu/Recorrido, pela diferença entre o valor faturado e o valor mínimos garantidos fixados para esse mesmo período;
59.2. No segundo terço da concessão, ou seja, relativamente aos meses de novembro e dezembro de 2011, os valores mínimos garantidos são exigíveis, pela diferença entre o valor faturado e os valores mínimos garantidos fixados para esse mesmo período, porquanto a diferença de faturação é imputável ao Réu, por ter violado a exclusividade da concessão – o que não se verificou nos presentes autos, pelo que apenas se aplicaram mínimos enquanto mecanismo de reequilíbrio da concessão.
60. Sem prescindir, ou seja, caso este Tribunal de recurso entenda que é exigível o requisito da Receita da Sociedade ser inferior à prevista em orçamento, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, sempre se deverá considerar que a mesma se deverá julgar como provada.
61. Pois que, admitindo-se a falta de alegação destes factos, e tendo sido omitida em sede de saneamento do processo o convite ao aperfeiçoamento, deverá considerar-se que a mesma se considerou suprida em fase de instrução – até porque tais factos foram expressamente acolhidos pelos temas da prova e naturalmente pela prova produzida, designadamente testemunhal – neste sentido o Ac. do TRG, de 18/12/2017, processo 3756/12.4TBGMR.G1, in www.dgsi.pt, p. 11/16;
62. O mesmo se diga relativamente ao facto complementar relativo ao pedido de condenação ao pagamento de juros de mora faturados.
63. Porquanto, a aqui Recorrente indica, nos seus articulados, o núcleo essencial do direito invocado (concretamente o seu direito ao recebimento dos montantes faturados nas faturas de juros de mora, melhor descriminadas nos pontos 6, 7, 8, 9 e 10 dos factos provados da sentença recorrida), pelo que, apesar de não identificar, concretamente, no seu articulado, quais as faturas de capital sobre os quais são calculados os juros de mora ali faturados, a verdade é que tal resulta claro dos quadros/tabelas em anexo às faturas de juros de mora ali discriminadas e juntas aos presentes autos.
64. Pelo que, maxime, tal factualidade sempre deverá ser tida como complementar/instrumental, no sentido em que concretiza e densifica o facto essencial da causa de pedir.
65. Motivo pelo qual apenas se poderá concluir pela integral procedência da ação.
SEM PRESCINDIR,
66. E caso assim não se entenda, ou seja, caso se entenda que os factos complementares em causa terão que ser alegados, então sempre deverá este douto Tribunal ad quem considerar a sentença nula, por violação de Lei Adjetiva de que padece a decisão proferida, incluindo por existirem nulidades processuais, concretamente:
66.1. Preterição do convite ao aperfeiçoamento, por preterição indevida do ato de convite ao aperfeiçoamento (artigo 590.º/1 al. b) e n.º 4 do CPC), e, consequentemente tem de se declarar a nulidade da decisão recorrida, nos termos do artigo 195.º/1 e 2 do CPC – nesse sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 03-12-2020, melhor transcrito nas alegações;
66.2. A violação do princípio do contraditório, ínsito no artigo 3.º do CPC, aplicável, ex vi, artigo 1.º do CPTA, considerando que a presente decisão consubstancia uma verdadeira decisão-surpresa, inadmissível no quadro legal processual português, constituindo, inclusive, uma manifestação da tutela jurisdicional efetiva, consagrada no artigo 20.º da CRP – a qual consubstancia uma verdadeira Nulidade da Sentença, nos termos do disposto no artigo 615.º/1, al. d) do CPC.
67. Assim, deverá também ser REVOGADA A SENTENÇA, nestes segmentos decisórios, por manifesto erro de julgamento quanto à matéria de direito.
68. A Sentença recorrida é ilegal, porquanto viola, entre outras, as seguintes disposições legais: 294.º do C. Civil; 292.º do Código Civil; 185.º do CPA; artigo 133.º/2, al. a) do CPA (versão aplicável); 198.º/1, al. a) da CRP; artigo 134.º do CPA (versão em vigor à data); artigo 590.º/1 al. b) e n.º 4 do CPC; 195.º/1 e 2 do CPC, 3.º do CPC; 615.º/1, al. d) do CPC; 590.º/2, al. b) e n.º 4 do CPC; artigo 20.º da CRP, artigo 608.º/2 do CCP; Artigo 10.º/1 do Decreto-Lei n.º 270-A/2001; Artigo 5.º/1 do DL 319/94, de 24 de dezembro; Cláusula 16.ª do Contrato de Concessão celebrado entre o Estado Português e a sociedade [SCom02...], de 26.10.2001; BASE XXVIII do DL 319/2014, de 24 de dezembro (na redação do DL 195/2009); Artigo 10.º DL 195/2009.
Termos em que,
E nos melhores de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deverá o presente recurso jurisdicional ser julgado integralmente procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por outra que julgue a ação procedente.»
1.9. O Apelado contra-alegou, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I. Têm as presentes contra-alegações por objeto o recurso interposto pela Autora da decisão proferida pelo Tribunal a quo em 30 de setembro de 2021, mediante a qual foi julgada totalmente improcedente a ação intentada pela Autora, na qual peticionava: “deverá a R. ser condenada a pagar à A. a quantia de 161.215,22 € (...), valor acrescido dos competentes juros de mora, no valor de € 13.039,00 (...), o que perfaz um total de € 174.254,22 (...), bem como nos demais que se vierem a vencer até ao efetivo e integral pagamento da dívida”.
II. Tal recurso incide sobre a decisão do Tribunal a quo, quer no que tange à matéria de facto (pretendendo a Autora alterar a redação dos pontos 6, 7, 8, 9, 10, 13, 14, 21, 22 e 23, dos factos provados, bem como aditar ao elenco dos factos provados um conjunto de 17 novo factos), quer no que tange à matéria de Direito.
III. O Tribunal a quo julgou improcedente a ação, absolvendo o Réu da totalidade do pedido, fundamentalmente porque a Autora não alegou nem provou o facto essencial que propiciaria a procedência do seu pedido: a saber: (i) não resultou demonstrado nos autos que a receita global da Autora fosse, nesse ano, inferior à prevista no orçamento, o que constituía uma das condições contratualmente exigidas para a cobrança dos valores mínimos garantidos; (ii) por conseguinte, não tendo a Autora alegado e demonstrado os factos constitutivos do direito que se arroga, conforme era seu ónus, face ao disposto nos artigos 5.º, n.º 1 do CPC, e 342.º, n.º 1 do CC, falece necessariamente a sua pretensão de pagamento das notas de débito atinentes a valores mínimos garantidos.
IV. Face a tal entendimento, o Tribunal a quo julgou prejudicadas todas as mais questões que delimitavam o thema decidendum.
V. O Tribunal a quo respaldou tal entendimentos nas Cláusulas 3.ªs dos Contratos de Fornecimento celebrados entre a Autora e o Réu em 26.10.2001.
VI. Bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, sendo que o recurso interposto pela Autora constitui uma tentativa de introduzir no objeto do processo, em sede de recurso, factos que, ao contrário do que a mesma sustenta, não resultaram da instrução do processo em primeira instância; todavia, mesmo que assim tivesse sucedido, o que é certo é que os factos que resultem da instrução e que não tenham sido alegados pelas partes nos articulados, não podem, atento o disposto no artigo 5.º, n.º 1, do CPC e 342.º, n.º 1, do CC.
VII. A Autora confunde deliberadamente os conceitos de factos essenciais, instrumentais e complementares, com vista a sustentar: (i) que factos essenciais não alegados podem resultar provados através de factos instrumentais que resultem da instrução; (ii) confunde ainda factos complementares com factos essenciais, tudo com vista a suprir a circunstância de não ter cumprido o ónus de alegação (e, consequentemente, não sendo sequer admissível a prova do que não se alegou) no que tange a tais factos essenciais.
VIII. Face à configuração que deu à ação, a Autora não tem razão ao pretender dever ter sido convidada a aperfeiçoar a sua petição inicial, nos termos do disposto no artigo 590.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º, do CPTA, quando tal disposição legal não se destina a suprir o incumprimento do ónus de alegação de factos essenciais, mas a suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
IX. Aliás, no artigo 590.º, n.º 6, do CPC, estabelece-se que o âmbito de aplicação do despacho de convite ao aperfeiçoamento dos articulados deve respeitar os limites estabelecidos no artigo 265.º - no caso do Autor -, o que significa que esse convite não pode suprir o incumprimento do princípio do dispositivo, que onera o autor com a alegação dos factos essenciais que fundamentam o seu pedido, o qual mantém a sua identidade ao longo de todo o processo.
X. A Autora pretende apresentar um novo quadro fáctico, em sede de recurso, como se tivesse cumprido o seu ónus de alegação e como se do julgamento em primeira instância e das provas documentadas nos autos pudesse resultar (i) a prova do que não alegou e (ii) sobretudo, pretendendo distorcer a prova efetivamente produzida, por forma a fazer incluir na instrução do processo factos que nunca foram provados e que nunca colmatariam aquele incumprimento.
XI. A Autora baseia-se, fundamentalmente, no depoimento prestado pelas testemunhas arroladas por si, fazendo tábua-rasa da contra-instância feita pelo Réu a essas mesmas testemunhas, olvidando o depoimento das testemunhas oferecidas pelo Réu,
XII. O que redunda em conclusões probatórias insustentáveis e distorcidas, porque não têm respaldo naquela que foi a produção de prova em primeira instância.
XIII. A Autora não alegou factos essenciais da sua causa de pedir, nunca ofereceu aos autos quaisquer documentos demonstrativos de que, nos anos em questão, a receita global orçamentada tivesse sido inferior à receita global efetiva, o que constituiria condição necessária para que lhe fossem devidos os montantes que peticiona e que, como bem refere a decisão recorrida, só poderiam ser os valores mínimos garantidos.
XIV. Compulsada a sua petição inicial, apenas conseguimos encontrar, junta à mesma: (i) o contrato de concessão celebrado entre o Estado Português e as [SCom02...], S.A.; (ii) o contrato de fornecimento de água entre o Município e as [SCom02...], S.A.; (iii) o contrato de recolha de efluentes entre o Município e as [SCom02...], S.A. e (iv) as faturas e notas de crédito.
XV. Não foram juntos à ação quaisquer documentos comprovativos de que os valores mínimos garantidos eram devidos pelo Réu à Autora por, no ano em causa, a receita global da sociedade da Autora, ter sido inferior à prevista para esse mesmo ano.
XVI. E nem se diga, que esta prova foi feita com recurso à prova testemunhal, de acordo com qualquer perceção subjetiva sobre a saúde financeira da Autora que pudesse ser atribuída ao Réu. É que esta prova é necessariamente documental e a Autora teve vários momentos processuais para os oferecer aos autos, não o tendo feito.
XVII. E não o fez, precisamente, porque, confiada na forma como configurou a ação, nunca percebeu que tinha (i) de alegar que os valores mínimos garantidos lhe eram devidos, em razão de, nos anos em questão, a sua receita global orçamentada ter sido inferior à receita global efetiva e, posteriormente, (ii) provar tal facto.
XVIII. Para além disso, a série dos novos factos que a Recorrente pretende agora ver aditados aos factos provados, não foi minimamente alegada na sua Petição Inicial nem resultaram da instrução da causa.
XIX. Exemplo disso mesmo são os novos factos que a Recorrente identifica como facto n.ºs 3 a 14.
XX. O ónus de prova, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código
Civil, traduz-se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova do facto que alegou; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os Autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte).

XXI. O ónus da prova revela-se, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta.
XXII. Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, já que a demonstração de que a receita global da Autora tinha sido, no ano de 2011, inferior à prevista no seu orçamento era conditio sine qua non para o exercício do seu direito.
XXIII. Nos termos do artigo 552.º, n.º 1, al. d), do CPC, na petição inicial, com que propõe a ação, deve o autor expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir, isto é, o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, ou de modo mais preciso, o conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer, os que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido – cfr. artigos 552.º, n.º 1 al. d), 5.º, n.º 1, 574.º, n.º 1 e 581.º, n.º 4, todos, do CPC.
XXIV. É neste contexto que o artigo 5.º, n.º 1 do CPC dispõe que às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
XXV. Além dos factos articulados pelas partes, o juiz pode ainda considerar os factos instrumentais e os que são complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, nos termos do disposto no artigo 5.º,n.º 2, do mesmo Código.
XXVI. O facto “a receita global orçamentada nesses anos foi inferior à receita global efetiva nesses anos” que permitiria à Autora concluir pela sua causa de pedir, não se trata de um facto instrumental;
XXVII. Pelo que, poderá colocar-se a questão de saber se estarmos perante factos complementares ou concretizadores que tenham resultado da instrução da causa, caso em que, após o devido contraditório, o juiz poderia considerá-los oficiosamente.
XXVIII. Os factos complementares a que se refere o artigo 5.º, n.º 2, b) do CPC, são factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das exceções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros oportunamente alegados pelas partes, i.e., aqueles que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado.
XXIX. E isto é assim precisamente porque o objeto do processo continua a ser delimitado pela causa de pedir configurada pela Autor, tal como decorre dos artigos 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, alínea d), 581.º e 615.º, n.º 1, alínea d), segunda parte, além das limitações à alteração dessa causa de pedir, conforme decorre dos artigos 260.º, 264.º e 265.º, todos do CPC, pelo que, estes factos complementares ou concretizadores, nada têm que ver com os factos essenciais referidos no artigo 5.º, n.º 1, do CPC.
XXX. Em suma: a Autora, ora Recorrente, não alegou, na petição inicial, que as faturas cujo pagamento peticionou eram devidos porque a receita global orçamentada da Sociedade Autora, nesses anos, tinha sido inferior à receita global efetiva nesse mesmo período de tempo.
XXXI. Mais, o facto de, alegadamente, em sede de julgamento, ter produzido prova testemunhal nesse sentido, nunca seria suficiente para que se tivesse por cumprido ónus que lhe é imposto pelo artigo 5.º, n.º 1 do CPC, de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir.
XXXII. Não o tendo feito, em obediência ao princípio da substanciação que vigora na nossa lei processual (necessidade de articular os factos dos quais deriva a sua pretensão e que formam o objeto do processo), (i) impede uma alegação posterior, (ii) impede o convite a uma hipotética concretização, nos termos do artigo 590.º, n.º 6 do CPC, e (iii) impede naturalmente a sua consideração oficiosa, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, do mesmo Código, uma vez que o princípio dispositivo mantém-se, no que toca à alegação dos factos que constituem a causa de pedir.
XXXIII. Mas mesmo que assim não se entenda – o que não se concede e apenas por mero dever de patrocínio se equaciona – da prova realizada em sede de julgamento e da prova documental oferecida aos autos, nunca poderá resultar como provados os factos que a Recorrente pretende aditar e alterar.
Eis alterações que a Autora pretende ver introduzidas nos pontos 6, 7, 8, 9, 10, 13, 14, 21, 22 e 23, dos factos provados:
· Ponto 6 dos factos provados: “[a] Autora emitiu ao Réu uma nota de débito com o n.º 2300000040, datada de 30.03.2009, no valor total de EUR 131,85, da qual consta uma descrição com, além do mais, o seguinte teor: ¯ Juros de mora por atraso no pagamento das faturas relativas ao ano de 2008”, deverá ser acrescentada a seguinte redação: “e da qual consta uma tabela em anexo, com a identificação e montante das respetivas faturas de capital sobre os quais são calculados os respetivos juros de mora faturados, respetivos prazos de vencimento e dias de atraso, taxa de juro aplicável e respetiva liquidação de juros de mora (doc. ... da p.i.)”;
· Ponto 7 dos factos provados: “[a] Autora emitiu ao Réu uma nota de débito com o n.º 2300000226, datada de 31.08.2009, no valor total de EUR 22,01, da qual consta uma descrição com, além do mais, o seguinte teor: ¯Juros de mora, relativos ao mês de Julho de 2009, referente ao atraso no pagamento das faturas, conforme mapa anexo”, deverá ser acrescentada a seguinte redação: “e da qual consta uma tabela em anexo, com a identificação e montante das respetivas faturas de capital sobre os quais são calculados os respetivos juros de mora faturados, respetivos prazos de vencimento e dias de atraso, taxa de juro aplicável e respetiva liquidação de juros de mora (doc. ... da p.i.)”;
· Ponto 8 dos factos provados: “[a] Autora emitiu ao Réu uma nota de débito com o n.º 2300000059, datada de 30.06.2010, no valor total de EUR 35,22, da qual consta uma descrição com, além do mais, o seguinte teor: ¯Juros de mora por atraso de pagamento, calculados de acordo com o previsto no despacho n.º 597/2010 da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças. Período: Janeiro a Junho de 2010”, deverá ser acrescentada a seguinte redação: “e da qual consta uma tabela em anexo, com a identificação e montante das respetivas faturas de capital sobre os quais são calculados os respetivos juros de mora faturados, respetivos prazos de vencimento e dias de atraso, taxa de juro aplicável e respetiva liquidação de juros de mora (doc. ... da p.i.)”.
· Ponto 9 dos factos provados: “[a] Autora emitiu ao Réu uma nota de débito com o n.º 2300000092, datada de 31.08.2010, no valor total de EUR 17,26 da qual consta uma descrição com, além do mais, o seguinte teor: ¯ Juros de mora por atraso de pagamento, calculados de acordo com o previsto no despacho n.º 597/2010 da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças. Período: Julho e Agosto de 2010, deverá ser acrescentada a seguinte redação: “e da qual consta uma tabela em anexo, com a identificação e montante das respetivas faturas de capital sobre os quais são calculados os respetivos juros de mora faturados, respetivos prazos de vencimento e dias de atraso, taxa de juro aplicável e respetiva liquidação de juros de mora (doc. ... da p.i.)”;
· Ponto 10 dos factos provados: “[a] Autora emitiu ao Réu uma nota de débito com o n.º 2300000102, datada de 18.10.2010, no valor total de EUR 14,26, da qual consta uma descrição com, além do mais, o seguinte teor: ¯ Juros de mora por atraso de pagamento, calculados de acordo com o previsto no Aviso n.º ...10 da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, Publicado na parte C do DR IIª Série n.º 133, de 12 de Julho. Período: Setembro 2010”, deverá ser acrescentada a seguinte redação: “e da qual consta uma tabela em anexo, com a identificação e montante das respetivas faturas de capital sobre os quais são calculados os respetivos juros de mora faturados, respetivos prazos de vencimento e dias de atraso, taxa de juro aplicável e respetiva liquidação de juros de mora (doc. ... da p.i.)”;
· Ponto 13 dos factos provados: “[a]ntes da criação do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e Saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro o R. já assegurava, através dos seus próprios meios e serviços, a atividade de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes”, deverá a passar a constar a expressão “de forma insuficiente e deficitária”, passando o texto a ter a seguinte redação: “[a]ntes da criação do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e Saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro o R. já assegurava, ainda que de forma insuficiente e deficitária, através dos seus próprios meios e serviços, a atividade de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes”;
· Ponto 14 dos factos provados: “[o] R. assegurava a gestão e o funcionamento do sistema de abastecimento de água e saneamento de águas residuais em “alta” e em “baixa”, deverá a passar a constar a expressão “de forma insuficiente e deficitária”, passando o texto a ter a seguinte redação: “[o] R. assegurava a gestão e o funcionamento do sistema de abastecimento de água e saneamento de águas residuais em “alta” e em “baixa”, de forma insuficiente e deficitária”;
· Ponto 21 dos factos provados: “[o] R. dispunha igualmente de um sistema de tratamento e recolha de efluentes” deverá a passar a constar a expressão “de forma insuficiente e deficitária”, passando o texto a ter a seguinte redação: “[o] R. dispunha igualmente de um sistema de tratamento e recolha de efluentes, que efetuava o tratamento e recolha de efluentes de forma insuficiente e deficitária”;
· Ponto 22 dos factos provados: “[e]m 25.10.2001 a A. celebrou com os municípios utilizadores do sistema multimunicipal um protocolo com vista ao estudo da viabilidade e das condições da integração total no sistema de distribuição direta de água e da recolha direta de efluente” deverá a passar a constar a seguinte redação “Em 25.10.2001 a A. não celebrou com os municípios utilizadores do sistema multimunicipal um protocolo com vista ao estudo da viabilidade e das condições da integração total no sistema de distribuição direta de água e da recolha direta de efluente” (destacados nossos);
· Ponto 23 dos factos provados: A cedência onerosa das infraestruturas municipais de abastecimento de água e de saneamento pelo R. à A. nunca teve lugar, por causa imputável ao Município ....”
XXXIV. As alterações pretendidas pela Autora não podem proceder, já que:
· No que tange aos pontos 6, 7, 8, 9 e 10: as alterações pretendidas mostram-se inviabilizadas pela circunstância de a Autora nunca ter alegado, designadamente, relativamente ao valor final cobrado, (i) qual era o capital em dívida (ii) quais eram as faturas, (iii) qual era a taxa de juro, (iv) qual era a fórmula da contagem dos juros, em cada uma das notas de débito que foram emitidas e que correspondem a tais pontos da matéria de facto.
· Relativamente aos pontos 13, 14 e 21: as alterações pretendidas mostram-se inviabilizadas pelo depoimento da testemunha «FF», na audiência de julgamento realizada em 13.05.2021, entre 01:21:05 e 01:22:23 e que se encontra gravado através do sistema digital de 00:01:44 a 01:13:48) e pela testemunha «DD», na audiência de julgamento realizada em 13.05.2021, entre 01:11:59 e 01:13:30 (horas, minutos, segundos) e que se encontra gravado através do sistema digital de 00:01:44 a 01:13:48) e ainda a testemunha «GG», na audiência de julgamento realizada em 12.05.2020, entre 03:16:40 e 03:18:00 e que se encontra gravado através do sistema digital de 01:50:42 a 03:18:47).
· Relativamente ao ponto 22: contrariamente ao alegado pela Autora, o protocolo aí referido foi vertido em documento particular, estando, por isso sujeito à livre apreciação do julgador, tendo, por essa razão, a sua celebração sido dada como provada pelo Tribunal a quo, conforme, aliás, resultou do. depoimento prestado pela testemunha «CC», na audiência de julgamento realizada em 10.12.2019, entre 04:11:35 e 04:13:04 e que se encontra gravado através do sistema digital de 02:43:51 a 04:18:09).
· A alteração pretendida ao ponto 23 será analisada em conjugação com o facto novo n.º 9, que a Autora pretendeu adicionar ao elenco dos factos provados.
XXXV. Pretende ainda a Autora aditar 17 novos factos à matéria de facto provada, que são os seguintes:
1. “O primeiro terço da concessão terminou em outubro do ano de 2011”
2. “O Município ..., para além de utilizador do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de Trás- os-Montes e Alto Douro, fez parte do corpo de acionistas da Sociedade gestora daquele sistema”;
3. “O Réu participou nas assembleias de acionistas de aprovação de contas da Sociedade Autora, incluindo a demonstração de resultados”;
4. “A Receita Global do ano de 2011 da Sociedade [SCom02...] S.A. foi inferior ao previsto para esse mesmo ano, sendo que, à data, acumulava prejuízos de cerca de € 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de euros)”;
5. “A falência técnica da Sociedade [SCom02...] S.A. era do conhecimento dos seus acionistas desde, pelo menos, Março de 2010 (primeira assembleia geral de apresentação/apresentação de contas/apreciação da proposta de revisão do contrato de concessão para reequilíbrio económico-financeiro e para cumprimento do disposto no artigo 35.º do CSC)”;
6. “Na Assembleia Geral de Acionistas de Dezembro de 2010, a Sociedade Autora informou aos seus acionistas da necessidade de se proceder ao reequilíbrio económico-financeiro da concessão, bem como, a consequente necessidade de se ativarem os mecanismos tendentes a esse mesmo reequilíbrio, concretamente, a cobrança dos Valores Mínimos Garantidos no ano de 2011”;
7. “Após a apresentação da respetiva proposta de Orçamento e Projeto Tarifário (OPT) à entidade reguladora dos serviços de água e saneamento (ERSAR), esta emitiu parecer favorável à cobrança dos Valores Mínimos Garantidos para o ano de 2011”;
8. “O Concedente, ouvida a entidade reguladora ERSAR, veio a aprovar o Orçamento e Plano Tarifário da Sociedade Autora para 2011, de onde consta a cobrança dos referidos valores mínimos garantidos”;
9. “A infraestruturação do sistema multimunicipal no Concelho ..., de acordo com o previsto no Anexo I do contrato de concessão, e a ligação ao sistema multimunicipal, não ocorreram por causa imputável ao Município ...”;
10. “Os Valores Mínimos Garantidos aplicados ao Réu foram calculados de acordo com o projeto de revisão ao contrato de concessão, por se revelar mais vantajoso para o Município”;
11. “O Município Réu apenas consumiu Serviços de Abastecimento de Água, durante os primeiros 10 meses do ano de 2011, o montante de € 25.220,53 (vinte e cinco mil, duzentos e vinte euros e cinquenta e três cêntimos)”;
12. “O Valor Mínimo Garantido previsto na proposta de revisão ao contrato de concessão para o fornecimento de água nos 10 primeiros meses do ano de 2011 é de € 165.274,53 (cento e sessenta e cinco mil, duzentos e setenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos)”;
13. “O Município Réu não consumiu Serviços de Recolha e tratamento de efluentes, durante os primeiros 10 meses do ano de 2011”;
14. “O Valor Mínimo Garantido previsto na proposta de revisão ao contrato de concessão para a recolha de efluentes nos 10 primeiros meses do ano de 2011 é de € 10.868,04 (dez mil, oitocentos e sessenta e oito euros e quatro cêntimos)”;
15. “A deliberação de adesão ao sistema multimunicipal teve por fundamento a necessidade de realização de investimentos no sistema municipal preexistente de abastecimento de água e tratamento de resíduos e a melhoria da qualidade e quantidade de água fornecida”;
16. “A A. empreendeu os estudos e projetos previstos no Anexo I do contrato de concessão”;
17. “O projeto Global do Contrato de Concessão (Anexo I ao contrato de concessão da [SCom02...]) previa para o Município ..., a execução das seguintes infraestruturas novas e a reabilitação das existentes:
a. abastecimento de água: Barragem de ... (a reabilitar); Captação de ..., torre tomada de água (a reabilitar); ETA de ...; Adutora Elevatória (a reabilitar); construção de duas adutoras novas (uma elevatória de 9.714 m e uma gravítica de 14.175 m); Reabilitação das 3 Estações Elevatórias a integrar); Reabilitação do Reservatório de ...; construção de dois novos Reservatórios;
b. águas residuais: ETAR de ... e ETAR Sul (ambas a reabilitar) e uma nova ETAR a construir (ETAR ...); construção de 3 novas Estações Elevatórias (EE 1 e 2 de ... e EE de Vale de Madre); Construção de Conduta Elevatória de 3.100 m; Construção de Emissário Gravítico de 4.300”.
· No que tange ao ponto n.º 1, não se extrai deste novo facto que a circunstância de ter ficado provado que o primeiro terço da concessão terminou no ano de 2011 possa servir para suprir factos não alegados pela Recorrente, quanto aos concretos factos geradores do efeito jurídico pela mesma pretendido. Para além disso, esse aditamento sempre ficaria prejudicado atento o incumprimento, por parte da Autora, do ónus de alegação de factos essenciais.
· Relativamente aos pontos n.ºs 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8: O facto n.º 2 está em contradição com o facto 24 dado como provado, não tendo o mesmo sido objeto e impugnação e não é suportado pelo depoimento da testemunha pela Autora «AA» [constante da gravação da audiência realizada no dia 10.12.2019, entre 00:13:00 e 00:16:15, entre 00:24:45 e 00:31:52 e entre 00:48:22 e 00:49:11 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00.02.21 a 01.14.58]. Acresce que inexiste prova dos autos que documente a presença de representantes do Réu nas assembleias gerais da Autora. Que o Réu nunca assumiu a qualidade de acionista da Autora resulta dos documentos n.ºs ... a ..., juntos com a Contestação, mas também do depoimento das testemunhas «HH» (depoimento, constante da gravação da audiência realizada no dia 10/12/2019, entre 05.15.04 a 05.17.00, e que se encontra gravado através do sistema digital de 04:28:09 a 05:48:38) e «GG», (prestado na audiência de julgamento realizada em 12.05.2020, entre 02:03:05 e 02:05:21 e que se encontra gravado através do sistema digital de 01:50:42 a 03:18:47).
· Quanto aos pontos 4 a 8: o documento n.º ...0, junto com a Contestação é uma mera convocatória para uma assembleia geral e não autoriza a conclusão que a Autora pretende ver consagrada nesses pontos. Para além disso, sendo a convocatória respeitante ao Relatório de Gestão e às Contas do Exercício do ano de 2009, sempre teria de concluir-se que não podia, nesse ano, discutir-se contas de 2011, as quais só poderiam ser discutidas e aprovadas até Março de 2012. O depoimento das testemunhas arroladas pela autora não permite suprir a exigência probatória constante do artigo 63.º, do CSC. Quanto aos factos n.º 5 e 6, o Recorrido, não sendo acionista, nem tendo exercício funções enquanto tal, desconhecida a situação financeira da Autora ou a sua eventual intenção de acionar os mecanismos de reequilíbrio financeiro da concessão ou, sequer, do teor da proposta de revisão do teor do contrato de concessão que, alegadamente, terá sido apresentado pela Autora ao concedente. Consequentemente, tais factos, não são fatos pessoais do Recorrido, do qual o mesmo devesse ter conhecimento. O mesmo se diga quanto ao facto 6, porquanto o Recorrido, não tendo estado presente em qualquer assembleia gera de acionistas da sociedade recorrente, não poderia ter conhecimento desse suposto facto, ao contrário do que pretende a Recorrente. Ademais, é indiferente para a boa decisão da causa se os demais acionistas foram ou não informados da necessidade de se proceder ao reequilíbrio económico e financeiro da concessão, bem como da consequente necessidade de serem ativados os mecanismos tendentes a esse eventual equilíbrio, concretamente, a cobrança dos valores mínimos garantidos no ano de 2011 (ponto n.º 6) ou se conheciam ou não a situação financeira da sociedade recorrente, a qual não ficou provada. Que o Recorrido não foi informado pela Recorrente de que esta iria passar a cobrar os valores mínimos garantidos foi referido pela testemunha «GG» (depoimento prestado na audiência de julgamento realizada em 12.05.2020, entre 02:21:54 e 02:25:18 (horas, minutos, segundos) e que se encontra gravado através do sistema digital de 01:50:42 a 03:18:47).
· Relativamente aos pontos 7 e 8: da leitura dos concretos trechos dos depoimentos das testemunhas indicadas pela Recorrente, transcritos nas alegações de recurso da Recorrente, não resulta a factualidade que se pretende aditar, isto é, que após a proposta de Orçamento e Projeto Tarifário (OPT) a ERSAR tenha emitido parecer favorável à cobrança de valores mínimos garantidos. Muito menos foi dito pelas testemunhas que o Concedente, ouvida a ERSAR, tenha aprovado o OPT, onde alegadamente constava a cobrança dos valores mínimos.
· Quanto ao ponto n.º 9 e alteração da redação do ponto 23, da matéria de facto dada como provada: quanto aos documentos n.ºs ..., ...1 e ...3, juntos com a Contestação, a Recorrente extrai deles ilações de forma descontextualizada, e sem suporte probatório dos documentos por si juntos. Tais alterações à matéria de facto estão, igualmente, inviabilizadas pelo teor dos depoimentos das testemunhas «DD» (na audiência de julgamento realizada em 13.05.2020, entre 00:24:01 e 00:29:48 (horas, minutos, segundos) e que se encontra gravado através do sistema digital de 00:01:44 a 01:13:48) e «GG» («GG», na audiência de julgamento realizada em 13.05.2020, entre 01:53:30 e 02:03:26 e que se encontra gravado através do sistema digital de 01:50:42 a 03:18:47). Resulta desses dois depoimentos que as razões que estiveram subjacentes à desafetação do sistema multimunicipal devera-se à constatação de que os serviços deveu-se precisamente à constatação de que os serviços e investimentos que a Recorrente se propunha realizar não proporcionaria uma verdadeira integração dos serviços em “alta” e em “baixa”, e de que tal não defenderia os interesses dos munícipes (na audiência de julgamento realizada em 10.12.2019, entre 04:46:00 e 04:48:33 e que se encontra gravado através do sistema digital de 04:29:32 a 05:48:36). Quanto à alteração ao ponto 23, a Recorrente não concretiza em que medida é que resultada prova documental a alteração pretendida, porquanto a mesma não resulta da prova documental junta com a Contestação (documentos n.ºs ..., ...1 e ...3 e documentos n.ºs ... e ..., juntos com a petição inicial). A Recorrente pretende que o Tribunal ad quem altere este ponto da matéria de facto, sem que tenha alegado factos concretos e integradores d “culpa” que pretende imputar ao Recorrido, sendo que a “culpa” sempre seria um juízo conclusivo, insuscetível de ser extraído de factos (em todo o caso, não alegados). Aliás, resulta do depoimento da testemunha «DD» que a Recorrente nunca solicitou ao Recorrido a cedência das referidas infraestruturas (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento realizada em 13.05.2020, entre 00:42:17 e 00:44:05 (horas, minutos, segundos) e que se encontra gravado através do sistema digital de 00:31:00 a 00:40:38).
· Relativamente aos pontos 10, 11, 12, 13 e 14: o aditamento destes pontos ao elenco dos factos provados mostra-se inviabilizado pela circunstância de a Recorrente não ter alegado factos relativos à cobrança dos valores mínimos garantidos, que seriam necessários à procedência do seu pedido. Esta circunstância não é suprida pela junção dos documentos n.ºs ... e ..., jutos com a petição inicial. Quanto aos documentos n.ºs ... e ... juntos com a petição inicial, os mesmos não permitem suprir a ausência de alegação no que tange à cobrança dos valores mínimos garantidos. Acresce que o Recorrido nunca teve acesso aos anexos ao contrato de concessão nem a qualquer por proposta de revisão do mesmo, conforme resultou do depoimento da testemunha depoimento (prestado na audiência de julgamento realizada em 10.12.2019, entre 04:46:00 e 04:48:33 (horas, minutos, segundos) e que se encontra gravado através do sistema digital de 04:29:32 a 05:48:36).
· Relativamente ao ponto n.º 15: o aditamento deste ponto mostra-se prejudicado pela omissão, por parte da Autora, quanto à invocação de factos essenciais ao nível da causa de pedir. Por outro lado, a prova produzida em sede de julgamento, evidenciou o que esteve na base da decisão do Recorrido, no sentido de aderir ao sistema multimunicipal (aceder a fundos comunitários a que não poderia aceder caso não aderisse a tal sistema). Nesse sentido, depuseram as testemunhas «HH» (audiência de julgamento realizada em 10.12.2019, entre 04:43:02 e 04:45:00 (horas, minutos, segundos) e que se encontra gravado através do sistema digital de 04:29:32 a 05:48:36), «DD» (depoimento prestado na audiência de julgamento realizada em 13.05.2021, entre 00:16:32 e 00:21:50 e que se encontra gravado através do sistema digital de 00:01:44 a 01:13:48) e «GG» (depoimento prestado na audiência de julgamento realizada em 13.05.2021, entre 03:16:40 e 03:18:00 e que se encontra gravado através do sistema digital de 01:50:42 a 03:18:47).
· Relativamente ao ponto 16: o aditamento deste ponto ao elenco dos factos provados mostra-se inviabilizado pela circunstância de a Recorrente não ter alegado factos essenciais à causa de pedir. Além do mais, a Recorrente não juntou qualquer prova documental relativamente aos estudos que alega terem sido realizados, sendo certo que só a prova documental seria idónea a provar a existência dos mesmos. Aliás, não resulta dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Recorrente que esta tenha realizado tais estudos e projetos. Adicionalmente, a Recorrente confunde os estudos que estavam previstos no protocolo (Protocolo celebrado entre a Recorrente e os municípios utilizadores do sistema multimunicipal) com os estudos e projetos conexos com o contrato de concessão. Esta diferença foi enfatizada pela testemunha «FF» (depoimento prestado na audiência de julgamento realizada em 13.05.2020, entre 01:22:55 e 01:26:25) e que se encontra gravado através do sistema digital de 01:14:50 a 01:48:46), pela testemunha «DD» (depoimento prestado na audiência de julgamento realizada em 13.05.2020, entre 00:14:15 e 00:16:32 e entre 00:54:00 e 01:00:37, e que se encontra gravado através do sistema digital de 00:01:44 a 01:13:48) e pela testemunha «GG» (depoimento prestado na audiência de julgamento realizada em 12.05.2020, entre e 03:10:00 e 03:14:56) e que se encontra gravado através do sistema digital de 01:50:42 a 03:18:47). Finalmente, a Recorrente não juntou aos autos quaisquer documentos relativos a tais estudos e projetos.
· Finalmente, quanto ao ponto 17: face ao objeto do processo, e considerando a matéria de facto alegada pelas partes, não se vislumbra em que medida o aditamento deste ponto à matéria de facto se afigura relevante para a boa decisão da causa. A factualidade que se pretende aditar, em parte, já está plasmada no ponto 17 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, atinente ao subsistema de ..., matéria esta que corresponde a factos alegados pelo Recorrido na sua Contestação. Considerando ainda que a matéria que se pretende aditar nem sequer resulta integralmente do teor do Anexo 1 ao contrato de concessão e uma vez que a Recorrente identifica as infraestruturas de uma forma imprecisa, conforme se poderá verificar pelo teor do citado documento (documento n.º ..., junto com a Contestação).
XXXVI. A Recorrente imputa à Sentença a quo erro de julgamento por violação de lei substantiva, por não ter dado prevalência ao disposto nas Bases XXVIII das concessões dos sistemas multimunicipais de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público, assim como ao disposto na Cláusula 16.2 do contrato de concessão celebrado entre o Estado e a Recorrida.
XXXVII. Todavia, como se demonstrará, a argumentação da Recorrente padece de gravíssimos equívocos e revela-se por isso incapaz de infirmar minimamente o discurso fundamentador, claro e convincente, do Mmo. Juiz.
XXXVIII. Ao invés do que reiteradamente afirma a Recorrente, a douta Sentença não confere prevalência ao teor do contrato celebrado com a ora Recorrida sobre o disposto nas referidas Bases XXVIII e Cláusula 16.2. De facto, só pode falar-se em prevalência de uma solução jurídica sobre outra quando exista um espaço comum de regulamentação: se a matéria em questão couber apenas a uma das fontes, esta rege não por prevalecer sobre outra fonte, mas por ser a única aplicável.
XXXIX. E foi precisamente isso que o Mmo. Juiz explicou na sua douta Sentença. O conteúdo da obrigação de pagamento de valores mínimos encontra-se regulado apenas pelas Cláusulas 3.2s dos contratos celebrados entre as Partes, não sendo abrangido pelo âmbito de aplicação de outras fontes. Não existem diversas fontes em concurso, sendo uma delas prevalente; existe, sim, uma única fonte aplicável – que não é aquela que a Recorrente invoca.
XL. Como é sublinhado certeiramente na Sentença a quo, a solução estabelecida nessas Cláusulas 3.2s não transcreveu, não desenvolveu, nem executou quaisquer critérios consagrados nas Bases ou na Cláusula 16.2. Atento o conteúdo essencialmente remissivo destas fontes, as Partes concertaram uma solução própria e específica, elaborada no exercício da respetiva autonomia contratual e assente exclusivamente na sua vontade jurígena – e não no conteúdo das ditas Bases ou da dita Cláusula.
XLI. Numa palavra, a solução para a questão dos valores mínimos a pagar foi, e é, aquela que as Partes então quiseram estabelecer, no exercício da ampla autonomia contratual que lhe era deixada por um quadro normativo muito genérico e remissivo.
XLII. Logo, é inequívoco – e a Sentença bem o salienta – que a alteração desse quadro normativo e, em particular, a modificação das Bases XXVIII não tem força ou título jurídico para afetar a solução antes acordada no contrato, uma vez que tal solução não repousa, nem depende desse quadro normativo, antes foi concebida no âmbito da autonomia contratual das Partes e nesta autonomia contratual assenta em exclusivo.
XLIII. A ser como pretende infundadamente a Recorrente, estar-se-ia a postergar o disposto no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil: Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
XLIV. De facto, e como resulta da norma transcrita, o princípio é o de que a lei que dispõe sobre os efeitos de um facto só abrange os factos posteriores ao seu início de vigência. Só assim não será se estes efeitos abstraírem do facto que lhes deu origem.
XLV. Ora, no caso vertente, tais efeitos – a solução em sede de valores mínimos - não abstraem do contrato. Bem ao invés, só existem precisamente por força do contrato, só existem porque foram queridos pelas Partes, no exercício da ampla autonomia contratual que lhe era deixada.
XLVI. Bem andou, pois, o Mmo. Juiz ao afirmar que para aferir das consequências da alteração das Bases XXVIII sobre os contratos celebrados entre a [SCom02...] e o ora Recorrido Município é preciso atentar em que o conteúdo destes contratos não foi determinado pela anterior redação das Bases, nem pelo anterior conteúdo da referida Cláusula 16.ª. Esse conteúdo foi determinado autonomamente pela vontade das partes, estabelecendo requisitos de fonte contratual para o pagamento dos mínimos, independentemente das Bases e da Cláusula então em vigor.
XLVII. Continuando o seu raciocínio impecável, sublinha o Mmo. Juiz que se o estabelecimento de um requisito para o pagamento de mínimos (correspondente a uma insuficiência de receitas em face do orçamentado) não foi determinado em função das Bases e da Cláusula, a modificação destas não tem por que afastar tal requisito autonomamente acertado pelas partes.
XLVIII. Esse requisito estritamente contratual não foi, por conseguinte, revogado e substituído por efeito das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 185/2009.
XLIX. Insista-se neste ponto fulcral: o regime estipulado pelas partes quanto à obrigação de pagamento de mínimo assenta na vontade autónoma das partes e não pode ser dissociado do acordo que estas celebraram. Trata-se de um regime de natureza contratual, estipulado com independência em face da lei vigente. Logo, aplica-se a 1.ª parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil e as alterações introduzidas pelo legislador do Decreto-Lei n.º 159/2019 só podem afetar contratos posteriores.
L. A conclusão da douta Sentença, pois, é irrefutável: “(...) há que considerar plenamente válidas e eficazes as cláusulas 3.ª dos contratos de fornecimento e de recolha, segundo as quais “os valores mínimos serão garantidos sempre que, em cada ano, a receita global da Sociedade seja inferior à prevista no orçamento desse ano”.
LI. Ora, a verdade é que “não resultou demonstrado nos autos que a receita global da A. fosse, nesse ano, inferior à prevista no orçamento, o que constituía uma das condições contratualmente exigidas para a cobrança dos valores mínimos garantidos”.
LII. Insurge-se ainda a Recorrente contra a alegada prevalência que o Tribunal a quo concedeu às Cláusulas 3.ªs dos contratos de fornecimento e recolha de efluentes sobre o ponto 1.2. do Anexo a tais contratos – onde vê a consagração de solução idêntica à que se encontra nas Bases da Concessão e no Contrato de Concessão.
LIII. Mas também aqui não existe prevalência alguma.
LIV. O que se passa, simplesmente, é que as Cláusula 3.ªs tratam de determinadas matérias e o ponto 1.2. trata de outras.
LV. As Cláusulas 3.ªs têm um conteúdo material, dispondo sobre os pressupostos e o conteúdo da obrigação de pagamento de valores mínimos, ao passo que o ponto 1.2. tem um conteúdo procedimental, dispondo sobre o modo como a obrigação é processada – obviamente quando exista e nos termos em que exista, matéria que o ponto 1.2. não regula, antes pressupõe.
LVI. Como é assinalado pela sua inserção sistemática em anexo, o ponto 1.2. é um preceito procedimental, ao passo que as Cláusula 3.ªs são dispositivos materiais. É ilegítimo tirar do primeiro conclusões para os segundos, muito menos colocá-los em relação de prevalência.
LVII. Como decorre do anteriormente exposto, e foi decidido pela douta Sentença a quo, nenhuma invalidade afeta as Cláusulas 3.ªs dos contratos de fornecimento e de recolha de efluentes.
LVIII. Em todo o caso, importa desmentir a afirmação da Recorrente de que padece de nulidade a parte final do n.º 4 dessas cláusulas.
LIX. Importa a este propósito vincar o seguinte:
c) A nulidade das Cláusulas na parte relativa aos pressupostos da obrigação de pagamento de valores mínimos constitui questão nova, que está a ser suscitada pela primeira vez em sede de recurso.
Ora, como é sabido, o recurso não se destina a obter uma decisão sobre questões novas, mas a rever a decisão que foi adotada pela sentença a quo.
Logo, esta questão extravasa do objeto admissível para o recurso e não pode ser conhecida nesta sede.
d) Em todo o caso, convém recordar que o objeto dos contratos de fornecimento e de recolha de efluentes é tipicamente publicístico: os correspondentes contratos correspondem ao núcleo duro dos contratos administrativos, os chamados contratos administrativos pelo objeto, sujeitos por natureza a um regime publicístico. Não é, e nunca foi, legalmente possível, celebrar um contrato com este objeto e sujeitá-lo ao Código Civil – nem diretamente, nem por remissão.
LX. Não se mostra possível, pois, qualificar estes contratos como contratos administrativos com objeto passível de contratos de direito privado para os efeitos do artigo 185.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991.
LXI. Consequentemente falecem totalmente os pressupostos para a invocação do artigo 294.º do Código Civil e para os efeitos que a Recorrente daí pretende extrair: não há aqui qualquer vício e, ainda que houvesse, não conduziria à nulidade.
LXII. Para além de ser inadmissível em recurso, por constituir questão nova, o segmento das alegações da Recorrente relativo à pretensa nulidade por usurpação de “funções” da parte final do n.º 4 das Cláusulas 3.ªs dos contratos de fornecimento e de recolha de efluentes corresponde, salvo o devido respeito, a uma construção totalmente fantasiosa, sem a mínima adesão ao Direito positivo.
LXIII. Ao que a Recorrida consegue discernir, a ideia da Recorrente é a de que os outorgantes nesses contratos não teriam competência para dispor sobre matérias reguladas pelas Bases XXVIII e que essa incompetência assumiria a forma mais gravosa de usurpação de poderes – no caso, poderes legislativos – sancionada com a nulidade pela al. a) do n.º 2 do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991.
LXIV. Bastará dizer a este propósito que a Recorrente incorre numa contradição e numa confusão:
c) A Recorrente incorre em contradição quando começa por dizer que as ditas cláusulas são nulas por se lhes aplicar o regime de invalidade dos contratos de direito privado – artigo 294.º do Código Civil, por remissão da al. b) do n.º 3 do artigo 185.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991 – e acaba a dizer que afinal são nulas por se lhes aplicar o regime de invalidade dos atos administrativos – o que pressupõe uma remissão feita ao abrigo de uma alínea diversa do mesmo preceito, a al. a);
d) A Recorrente confunde os atos de violação de uma norma com os atos de emanação de uma norma (diversa), ou seja, vê no ato que regula uma situação em violação de uma norma um ato substitutivo dessa mesma norma, sujeito designadamente aos respetivos requisitos de competência.
Mas as coisas não são assim, como é óbvio.
LXV. O facto de os outorgantes (alegadamente) desrespeitarem as Bases XXVIII nunca significaria que estivessem a apropriar-se dos poderes de emanação dessas normas legislativas: não poder fazer algo é diverso de não ter competência para algo, porque então toda a ilegalidade seria incompetência!... A verdade é que se uma atuação administrativa (regulamento, ato ou contrato) dispuser em termos contrários a uma lei, o vício será de violação de lei stricto sensu e não de incompetência.
LXVI. Por isso, a ser verdade no caso vertente – e não é – que o contrato desrespeita o decreto-lei, o alegado vício nunca será de incompetência.
LXVII. E se o vício não é de incompetência, por maioria de razão não será de usurpação de poderes, que constitui uma modalidade agravada do vício de incompetência.
LXVIII. E se não há vício usurpação de poderes, não se aplica a al. a) do n.º 2 do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e não há nulidade.
LXIX. A Recorrente pretende retirar do teor das Cláusulas 7.ªs dos contratos de fornecimento e recolha de efluentes uma relação de dependência destes vínculos em face do contrato de concessão, aparentemente para justificar que a solução estabelecida naqueles contratos deva adequar-se à solução estabelecida neste.
LXX. A argumentação é algo obscura, mas bastará atentar no teor das ditas cláusulas para concluir que nada do que aí se dispõe pode aproveitar aos propósitos da Recorrente.
LXXI. De facto, segundo tais cláusulas, “a vigência do presente contrato fica subordinada à do contrato de concessão”.
LXXII. Como bem se percebe, não é o teor dos contratos, ou de parte deles, que fica subordinado ao conteúdo do contrato de concessão. É apenas a sua vigência, ou seja, a sua duração.
LXX. As cláusulas limitam-se a estabelecer um limite temporal aos efeitos dos contratos em que se incluem, correspondente à vigência do contrato de concessão. Nada mais!
LXXI. A Recorrida já confessou a sua dificuldade em conseguir acompanhar a argumentação da Recorrente na parte relativa às ilações a retirar das Cláusulas 7.ªs dos contratos de fornecimento e recolha de efluentes, pois lhe parece sobremaneira óbvio que o alcance da norma se restringe à duração dos contratos, e não ao seu conteúdo.
LXXII. Por maioria de razão, confessa a sua perplexidade perante a extensa argumentação subsequente da Recorrente, fundada na proibição da fraude à lei.
LXXIII. Na verdade, não vislumbra a Recorrida de que modo pode estar a defraudar a lei; ou de que modo pode estar o Tribunal a quo a propiciar uma fraude à lei; e não alcança os objetivos visados com esta parte do argumentário da Recorrente.
LXXIV. O seu conteúdo discernível refere-se, aparentemente, à interpretação do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil, pretendendo a Recorrente defender o indefensável, a saber, que se aplica ao caso a segunda parte da norma, e não a primeira parte.
LXXVIII. Ora, a este respeito já ficou dito supra que o Mmo. Juiz interpretou e aplicou essa norma de forma impecável; pelo que nada mais há a dizer.
LXXIX. Alega a Autora, ora Recorrente, que “a decisão recorrida sempre violará, também, a lei adjetiva, concretamente: [a] Preterição do convite ao aperfeiçoamento, por preterição indevida do ato de convite ao aperfeiçoamento (artigo 590.º/1 al. b) e n.º 4 do CPC), e, consequentemente tem de se declarar a nulidade da decisão recorrida, nos termos do artigo 195.º/1 e 2 do CPC”.
LXXX. Dispõe o artigo 590.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 1.º, do CPTA que “[f]indos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a: (...) b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes; (...)”.
LXXXI. Neste contexto, o n.º 3 do mesmo artigo refere que “[o] juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa”, sendo que, nos termos do n.º 4, se refere que “[i]ncumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido” (destacados nossos).
LXXXII. Relativamente à matéria de facto, o n.º 6, do artigo em análise estabelece um limite fundamental para o caso sub judice, quando refere que “[a]s alterações à matéria de facto alegada, previstas nos n.ºs 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu” (destacados nossos).
LXXXIII. Ora, nos caso no presentes autos, a Autora, ora Recorrente, vem dizer que, não tendo alegado os factos essenciais da sua causa de pedir, então, o Tribunal a quo sempre deveria ter despachado no sentido de a convidar a aperfeiçoar a sua petição inicial.
LXXXIV. Todavia, este entendimento esbarra nos ensinamentos do Conselheiro Abrantes Geraldes, quando refere que “[o] convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é percetível (inteligível); apenas sucede que não foram alegados todos os elementos fácticos que a integram, ou foram-no em termos pouco precisos. Daí o convite ao aperfeiçoamento, destinado a completar ou a corrigir um quadro fáctico já traçado nos autos”.
LXXXV. E concretiza alertando que “[c]oisa diversa, e afastada do âmbito do artigo 590.º, n.º 4, seria permitir à parte, na sequência desse despacho, apresentar, ex novo, uma quadro fáctico até então inexistente ou de todo impercetível (o que, aqui, equivale ao mesmo), restrição que, aliás, também decorre do artigo 590.º, n.º 6”.
LXXXVI. Ora, o que a Autora, ora Requerente aqui requer, é que o Tribunal a quo a deveria ter convidado a apresentar uma Petição Inicial ex novo um novo enquadramento fáctico que decidiu – estrategicamente ou não – não conferir na sua Petição Inicial.
LXXXVII. Todavia, esta estratégia da Autora é vedada também pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, sobretudo, quando referem que “[o] princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir”. Isto porque, “[o] convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essências e estruturantes da causa de pedir”.
LXXXVIII. E concretiza, dizendo que “[t]al convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente, quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada. As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC)”.
LXXXIX. Pois, caso contrário “afrontar-se-ia o princípio da estabilidade da instância, previsto no art.º 260.º do CPC, nos termos do qual, após a citação do réu, a instância estabiliza-se quanto ao objeto e às partes, sendo legalmente limitada qualquer possibilidade de alteração objetiva ou subjetiva”;
XC. Aliás, neste mesmo sentido, veja-se também a Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra, quando refere, exatamente no mesmo sentido, que “[o] convite ao aperfeiçoamento, sob pena de violação ou subversão do princípio do dispositivo (previsto no artigo 5.º n.º 1 do CPC) é para situações de insuficiência de alegação ou de insuficiência de concretização de um quadro fáctico já traçado nos autos e não para situações de ausência total de factualidade concretizadora da causa de pedir ou da exceção”.
XCI. Assim, sempre caberá concluir que, sendo certo que “[a] parte convidada a aperfeiçoar o seu articulado ao abrigo do disposto no artigo 590.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil, não pode exceder o seu objeto e invocar factos essenciais, novos, com o objetivo de sanar faltas estruturantes apontadas ao seu articulado inicial, em violação do disposto nos arts. 260º e ss., do mesmo Código”, então nunca poderia a Tribunal a quo, convidar a Autora ao aperfeiçoamento da sua Petição Inicial.
XCII. Assim, bem andou o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu.
XCIII. Alega a Autora, ora Recorrente, que “a decisão recorrida sempre violará, também, a lei adjetiva, concretamente: (...) [a] violação do princípio do contraditório, ínsito no artigo 3.º do CPC, aplicável, ex vi, artigo 1.º do CPTA, considerando que a presente decisão consubstancia uma verdadeira decisão-surpresa, inadmissível no quadro legal processual português, constituindo, inclusive, uma manifestação da tutela jurisdicional efetiva, consagrada no artigo 20.º da CRP – a qual consubstancia uma verdadeira Nulidade da Sentença, nos termos do disposto no artigo 615.º/1, al. d) do CPC”.
XCI. É falso, quando a Autora alega que nunca teve oportunidade de, ao longo do processo, se pronunciar sobre as alegadas matérias sobre as quais recaiu uma “decisão-surpresa”.
XCII. Desde logo, a Autora, ora Recorrente, teve a oportunidade processual de se pronunciar sobre esses factos essenciais da sua causa de pedir, logo em sede de pronúncia às exceções alegadas pelo Réu, ora Recorrido.
XCIII. Ademais, em sede de Audiência Final foram vários os momentos em que se referiu o facto de a Autora estar a tentar provar factos que não tinham sido alegados na sua Petição Inicial;
XCVII. Inclusivamente, a Mandatária do Réu enfatizou essa realidade processual quando das suas alegações orais; e sendo certo que a Mandatária da Autora poderia replicar (artigo 91.º, n.º 3, al. e, in fine, do CPTA) decidiu – deliberada e conscientemente – não usar essa prerrogativa processual.
XCVIII. Pelo que, sempre caberá concluir que (i) tendo tido várias oportunidades processuais para se pronunciar sobre a falta de alegações dos factos essenciais e respetivos factos complementares da sua causa de pedir; e (ii) tendo deliberada e conscientemente decidido nunca se pronunciar sobre essa matéria;
XCIX. Não pode agora a Autora, vir alegar a nulidade por violação do contraditório.
C. Quanto mais quando, a haver nulidade, sempre terá sido a própria Autora a dar-lhe causa; pelo que não a pode arguir, nos termos e para os devidos efeitos do artigo 197.º/2, do CPC, ex vi do artigo 1.º, do CPTA.
CI. Assim, se algo tem a lamentar, apenas poderá fazê-lo relativamente à sua estratégia processual.
CII. Mas aqui chegados, sempre caberá observar que o princípio do contraditório, consagrado no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, nunca poderá ter a extensão que a Autora, ora Recorrente, aqui forçosamente lhe pretende conferir.
CIII. O princípio do contraditório exige que a prolação de uma decisão judicial tenha de ser o termo de um debate igual e équo entre as partes com efetiva possibilidade de pronúncia das mesmas quanto ao sentido que entendem dever ser o da decisão. Mas naturalmente que, a efetiva possibilidade de pronúncia não exige a efetiva pronúncia e não impõe que a todo o tempo a prolação de uma decisão imponha a audição das partes quanto ao sentido da mesma.
CIV. Assim é que as partes devem assumir com diligência a defesa dos seus interesses e a cooperação entre si e com o tribunal em ordem à tempestividade da composição judicial do conflito que as separa, o que implica que sobre elas impenda o dever de se pronunciarem nas peças processuais admissíveis quanto aos seus requerimentos e aos da parte contrária, bem como quanto ao direito aplicável, nomeadamente, no confronto das várias teses doutrinais e jurisprudenciais, sem que seja imperiosa intervenção autónoma do juiz promovendo essa pronúncia.
CV. Não pode vir agora a Autora, ora Recorrente, alegar que por nunca se ter pronunciado sobre o facto de, em sede de Petição Inicial – quando conformou o objeto do processo – não ter alegado os factos essenciais da sua causa de pedir, então haverá nulidade de sentença por violação do princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1, al. d), do CPC ex vi do artigo 1.º, do CPTA), quando não só teve várias oportunidades para se pronunciar e decidiu – estrategicamente ou não – não o fazer, como também não pode exigir tal imperativo judicial, como se previamente à Sentença a quo, tivesse que ter acesso a um projeto-decisão para então tudo alegar e sobre tudo se pronunciar.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve o recurso interposto pela Autora ser julgado improcedente, mantendo-se, na íntegra, a douta decisão recorrida.»
1.10. O recurso foi admitido pela 1ª Instância como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, o que mereceu a nossa concordância.

1.11.O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1, do CPTA, não se pronunciou sobre o mérito do recurso.
1.12. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se a sentença recorrida enferma de:
a- erro de julgamento quanto à matéria de direito;
b- erro de julgamento sobre a matéria de facto;
c- violação do princípio do contraditório e da boa-fé processual.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos:
1. Através de contrato de concessão outorgado em 26.10.2001, o Estado Português atribuiu à «[SCom02...], S.A.», por um prazo de 30 anos, a concessão da exploração e gestão do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes de vários municípios, de entre os quais o Município ... (cf. documento n.º ...1 junto com a p.i.);
2. Do contrato de concessão referido no ponto anterior constam cláusulas com, além do mais, o seguinte teor:
“(...)
Cláusula 16.ª
(Fixação das tarifas ou valores garantidos)
1. Os valores mínimos (a corrigir em cada ano de acordo com a variação do índice de preços no consumidor, divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística em relação ao ano anterior) a receber anualmente pela concessionária como condição do equilíbrio económico-financeiro da concessão são garantidos pelos utilizadores e resultarão da aplicação aos caudais anuais que constam do Anexo IV da tarifa adoptada para o respectivo ano no estudo de viabilidade económico-financeira que constitui o Anexo III.
2. Enquanto não for possível proceder à medição dos caudais, por razões de ordem técnica, designadamente decorrente da articulação dos sistemas municipais com as condutas e os interceptores do sistema, os valores a receber pela concessionária coincidirão com os valores mínimos a que se refere o número I.
(...)
Cláusula 17.ª
(Revisão de tarifas)
1. A alteração do preço do metro cúbico de água e de efluente depende sempre de prévia aprovação do concedente, cabendo à concessionária apresentar para o efeito um projecto devidamente fundamentado.
2. O projecto de alteração deve respeitar os critérios definidos nos números 5 e 6 e inserir-se no orçamento anual submetido à aprovação do concedente, até ao final do mês de Setembro do ano anterior, com detalhe de proveitos e custos de exploração previsionais, sendo acompanhado por parecer do auditor, aceite pelo concedente, sobre a respetiva razoabilidade.
3. O concedente deverá pronunciar-se sobre o orçamento e o projecto tarifário nele incluído, no prazo de sessenta dias, findo o qual se considera o projecto aprovado.
(...)
5. O cálculo da tarifa média anual de referência resultante de alteração, a propor à aprovação do concedente, englobará, de acordo com o disposto na cláusula 15º e em estrita conformidade com os planos e orçamentos previsionais aprovados, os seguintes custos e encargos:
(...)
6. Serão obrigatoriamente abatidos os custos e encargos anuais os proveitos previsionais não decorrentes da própria cobrança tarifária, nomeadamente proveitos suplementares, eventuais subsídios à exploração e proveitos financeiros exceptuando os referentes aos rendimentos do fundo de renovação.
7. A tarifa média anual de referência resultante da alteração será calculada através da divisão dos custos e encargos anuais líquidos dos proveitos mencionados no número precedente, pelas quantidades previstas de água a disponibilizar para consumo ou de efluentes a recolher, negociadas anualmente com os utilizadores, sem prejuízo dos valores mínimos referidos na cláusula anterior.
8. A iniciativa das revisões previstas no n.º 3 da cláusula 16.º e nesta cláusula cabe à concessionária, que as comunicará ao concedente para aprovação.
(...)”
(cf. documento n.º ...1 junto com a p.i.);
3. Em 26.10.2001, foi celebrado entre o R. e a «[SCom02...], S.A.» um contrato intitulado “Contrato de Fornecimento entre o Município ... e a [SCom02...], S.A.”, com, além do mais, o seguinte teor:
“(...)
Cláusula 3º
1. O regime tarifário a aplicar ao Município, reger-se-á pelo estabelecido no contrato de concessão.
(...)
4. Os valores mínimos garantidos a entregar pelo Município, os quais constituem uma condição essencial do equilíbrio da concessão, são os fixados no Anexo 1. Até 31 de Dezembro de 2004, os valores mínimos fixados no anexo 1 poderão não ser garantidos, sem prejuízo da cláusula 16ª do contrato de concessão. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os valores mínimos serão garantidos sempre que, em cada ano, a receita global da Sociedade seja inferior à prevista no orçamento desse ano.
5. O Município garante à Sociedade o pagamento dos mínimos fixados no Anexo I para os sucessivos anos de utilização do Sistema, de acordo com as tarifas aplicáveis nos termos do nº 1 e da cláusula 4ª, nº 2, com excepção das situações em que haja acordo com outro ou outros utilizadores, que pressuponha a alteração daqueles mínimos, e sem prejuízo do pagamento de todos os caudais verificados cujo valor ultrapasse esses mínimos.
(...)”
(cf. documento n.º ...2 junto com a p.i.);
4. Em 26.10.2001, foi celebrado entre o R. e a «[SCom02...], S.A.» um contrato intitulado “Contrato de Recolha de Efluentes entre o Município ... e a [SCom02...]”, com, além do mais, o seguinte teor:
“(...)
Cláusula 3ª
1. O regime tarifário e o regime de facturação e de pagamentos a aplicar ao Município, respeitantes à recolha de efluentes, reger-se-ão pelo estabelecido no contrato de concessão.
(...)
4. Os valores mínimos garantidos a entregar pelo Município, os quais constituem uma condição essencial do equilíbrio da concessão, são os fixados no Anexo 1. Até 31 de Dezembro de 2004, os valores mínimos fixados no anexo 1 poderão não ser garantidos, sem prejuízo da cláusula 16ª do contrato de concessão. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os valores mínimos serão garantidos sempre que, em cada ano, a receita global da Sociedade seja inferior à prevista no orçamento desse ano.
5. A facturação será apresentada mensalmente e, quando, nos termos previstos no contrato de concessão, não resultar de medição, corresponderá a um duodécimo dos valores mínimos anuais previstos no mesmo.
(...)”
(cf. documento n.º ...2 junto com a p.i.);
5. No âmbito da concessão referida no ponto 1., foram prestados pela A. ao R. serviços de fornecimento de água ao lugar... e à freguesia ..., ambos do Concelho ...;
6. A A. emitiu ao R. uma nota de débito com o n.º 2300000040, datada de 30.03.2009, no valor total de EUR 131,85, da qual consta uma descrição com, além do mais, o seguinte teor:
“Juros de mora no atraso do pagamento das facturas relativas ao ano de 2008”
(cf. documento n.º ...3 junto com a p.i.);
7. A A. emitiu ao R. uma nota de débito com o n.º 2300000226, datada de 31.08.2009, no valor total de EUR 22,01, da qual consta uma descrição com, além do mais, o seguinte teor:
“Juros de mora, relativos ao mês de Julho de 2009, referente ao atraso no pagamento das facturas, conforme mapa anexo”
(cf. documento n.º ...4 junto com a p.i.);
8. A A. emitiu ao R. uma nota de débito com o n.º 2300000059, datada de 30.06.2010, no valor total de EUR 35,22, da qual consta uma descrição com, além do mais, o seguinte teor:
“Juros de mora por atraso de pagamento, calculados de acordo com o previsto no despacho n.º 597/2010 da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças.
Período: Janeiro a Junho de 2010.”
(cf. documento n.º ...5 junto com a p.i.);
9. A A. emitiu ao R. uma nota de débito com o n.º 2300000092, datada de 31.08.2010, no valor total de EUR 17,26, da qual consta uma descrição com, além do mais, o seguinte teor:
“Juros de mora por atraso de pagamento, calculados de acordo com o previsto no despacho n.º 597/2010 da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças.
Período: Julho e Agosto de 2010.”
(cf. documento n.º ...6 junto com a p.i.);
10. A A. emitiu ao R. uma nota de débito com o n.º 2300000102, datada de 18.10.2010, no valor total de EUR 14,26, da qual consta uma descrição com, além do mais, o seguinte teor:
“Juros de mora por atraso de pagamento, calculados de acordo com o previsto no Aviso n.º ...10 da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, Publicado na parte C do DR IIº Série n.º 133, de 12 de Julho.
Período: Setembro 2010”
(cf. documento n.º ...7 junto com a p.i.);
11. A A. emitiu ao R. uma nota de débito com o n.º 2300000058, datada de 29.02.2012, no valor total de EUR 148.457,66, da qual consta uma descrição com, além do mais, o seguinte teor:
“Valores mínimos garantidos nos termos da cláusula 16.º do Contrato de Concessão e da cláusula 3.º dos respectivos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes.
Valor real facturado SAA em 2011 – 25.220,53 eur
Valor mínimo garantido – 566.156,54 eur”
(cf. documento n.º ...8 junto com a p.i.);
12. A A. emitiu ao R. uma nota de débito com o n.º 2300000070, datada de 29.02.2012, no valor total de EUR 11.520,11, da qual consta uma descrição com, além do mais, o seguinte teor:
“Valores mínimos garantidos nos termos da cláusula 16.º do Contrato de Concessão e da cláusula 3.º dos respectivos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes.
Valor real facturado SAA em 2011 – 0 eur
Valor mínimo garantido – 10.868,03 eur”
(cf. documento n.º ...9 junto com a p.i.);
13. Antes da criação do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e Saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro o R. já assegurava, através dos seus próprios meios e serviços, a actividade de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes;
14. O R. assegurava a gestão e o funcionamento do sistema de abastecimento de água e saneamento de águas residuais em “alta” e em “baixa”;
15. O sistema de abastecimento de água pré-existente no Concelho ... assentava quase em exclusivo no subsistema de ..., que servia quase toda a população (cf. documento n.º ...2 junto com a contestação);
16. Esse subsistema era complementado, numa pequena parte, pelo subsistema de ..., que abastecia primordialmente o concelho ... mas também o lugar..., inserido em parte da freguesia ... (que integra o Concelho ...), pelo subsistema da ..., que abastecia fundamentalmente os concelhos ... e de ..., mas também a freguesia ..., do Concelho ..., e pelo subsistema do Douro superior (ou da ...), que servia as freguesias de ... e da ..., do Concelho ... (cf. documento n.º ...2 junto com a contestação);
17. O subsistema de ... era “já existente e em funcionamento desde 1994, com origem de água na albufeira da barragem de ...”, e integrava, designadamente, as seguintes infra-estruturas: a) Captação e tratamento: Barragem ...; Captação em torre de tomada de água na barragem de ... com capacidade de 37,7 l/s; ETA com capacidade para 37,7 l/s; EE Captação – ETA caudal 38 l/s; b) Adução: 15 Km de adutoras em PVC e ferro fundido; EE ETA – R ... e EE ETA – R GS; c) Armazenamento: R de ... 1300 m3 (cf. documento n.º ...2 junto com a contestação);
18. O subsistema da ... “trata-se de um subsistema já existente e em funcionamento desde 1996, com origem na albufeira da barragem existente na Ribeira ...”, motivo pelo qual se previa, no contrato de concessão referido no ponto 1., que “o sub-sistema não inclui qualquer infra-estrutura a construir”, mas apenas a reabilitação de algumas condutoras/adutoras (cf. documento n.º ...2 junto com a contestação);
19. O subsistema do Douro superior ou da ... era, à data da criação do sistema multimunicipal, considerado um sistema autónomo provisório, cuja desactivação estava prevista após 2006, quando fosse substituído pelo abastecimento à zona nascente do concelho do subsistema de ..., pelo que não se previa a sua integração no sistema multimunicipal;
20. O subsistema referido no ponto anterior integrava designadamente, as seguintes infra-estruturas: a) Captação: a Barragem da ... (...), a captação em torre de tomada de água na albufeira da ..., uma ETA com coagulação/floculação, filtração rápida e desinfecção por hipoclorito de sódio e EE Captação – ETA; b) Adução: Adução da Barragem para a ETA, da ETA para o reservatório de ... (...) e deste para os reservatórios de ... e ..., EE ETA – R ..., EE R ... – R ..., EE R ... – R ...; c) Armazenamento: Reservatórios de ..., ... e ...;
21. O R. dispunha igualmente de um sistema de tratamento e recolha de efluentes (cf. documento n.º ...2 junto com a contestação);
22. Em 25.10.2001 a A. celebrou com os municípios utilizadores do sistema multimunicipal um protocolo com vista ao estudo da viabilidade e das condições da integração total no sistema de distribuição directa de água e da recolha directa de efluente (cf. documento n.º ...4 junto com a contestação);
23. A cedência onerosa das infra-estruturas municipais de abastecimento de água e de saneamento pelo R. à A. nunca teve lugar;
24. O R. até hoje nunca realizou qualquer entrada para o capital social da A., nem exerceu qualquer função acionista na A. (cf. documentos n.os ...7, ...8 e ...9 juntos com a contestação);
25. Com excepção da freguesia ..., o abastecimento de água do Concelho ... é actualmente assegurado pelo próprio R.;
26. O sistema de abastecimento de água do R. é actualmente constituído por quatro subsistemas: (i) Subsistema de ..., com captação superficial na albufeira da barragem de ... (...); (ii) Subsistema da ..., com captação superficial na albufeira da barragem de .../rio Douro); (iii) Subsistemas independentes (captações e furos independentes ainda em funcionamento em todo o sector nascente); e (iv) Subsistema de ..., com captação superficial na albufeira da barragem de .../..., que abastece o Município ....
*
IV.1.2 Factos Não Provados:
Consideram-se não provados os seguintes factos com relevância para a decisão a proferir:
A. A deliberação de adesão ao sistema multimunicipal teve por fundamento exclusivo a necessidade de realização de investimentos no sistema municipal preexistente de abastecimento de água e tratamento de resíduos, investimentos que apenas seriam realizados caso o Município se submetesse à exigência governamental de adesão ao sistema multimunicipal;
B. A A. nunca empreendeu os estudos e projectos previstos no Protocolo referido no ponto 2. dos factos provados.
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III.B.DE DIREITO
3.2. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo TAF de Mirandela que julgou a ação movida pela apelante contra o apelado improcedente por falta de alegação de factos essenciais constitutivos do direito ao pagamento dos “Valores Mínimos Garantidos” relativos a abastecimento de água e recolha de efluentes, em que a autora pretendia ver o réu condenado.
3.3.O litígio sobre que versa o presente recurso reconduz-se aos pontos fundamentais que se passam a descrever.
A apelante instaurou a presente ação administrativa comum, pretendendo que o apelado seja condenado a pagar-lhe a quantia global de € 161.215,22, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de €13.039,00 e vincendos, até integral pagamento, alegando como causa de pedir a celebração de contrato de concessão com o Estado, na sequência do qual lhe foi entregue a exploração, tratamento e fornecimento de água em alta e saneamento, e que no exercício dessa incumbência foram continuamente prestados os referidos serviços ao apelado e, consequentemente emitidas as faturas e notas de crédito que alega ter enviado ao mesmo e que aquele recebeu mas que, não obstante as sucessivas interpelações para efetuar o pagamento, aquele não o fez, permanecendo tais importâncias em dívida, assistindo-lhe, também, o direito aos correspondentes juros de mora, desde a data de vencimento até efetivo e integral pagamento.
Na contestação, o apelado invocou a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, por falta de alegação de causa de pedir quanto à dívida reclamada, alegando que, a Autora se limitou a invocar que continuamente prestou serviços de saneamento e de fornecimento de água ao Réu, e que por isso foram emitidas as faturas e notas de crédito nas datas e com os valores que constam da tabela que indica no artigo 7.º da p.i., e a indicar os documentos a que as dívidas dirão respeito, mas sem qualquer ordem, indicação da origem dos valores alegadamente em dívida, sem sequer fazer a ponte entre a alegada obrigação incumprida e os juros que peticiona, quando dos contratos celebrados emergem inúmeras obrigações entre as partes, entre as quais, o pagamento de serviços de fornecimento, o pagamento de serviços de recolha, o pagamento de valores mínimos, etc..
O Réu alegou na sua contestação, em sede de impugnação, que “ os VMG que a A. reclama não são exigíveis por razões de extemporaneidade e ausência de acordo quanto á revisão dos preços…”, precisando nos artigos 36.º e 37.º, tratar-se de VMG, indicando no artigo 38.º que a base contratual suscetível de sustentar o direito que a A. invoca é a Cláusula n.º 3, ponto 4 do Contrato de Fornecimento e Recolha de Efluentes entre ambos celebrado, transcrevendo o seu conteúdo.
No despacho saneador o Tribunal a quo julgou a invocada exceção da p.i. improcedente, com base na seguinte fundamentação:
« […]
No que concerne ao caso sub judice, afigura-se que apesar de não haver uma muito precisa exposição da matéria de facto, a verdade é que a causa de pedir não é de todo ininteligível. Da conjugação da exposição feita na petição inicial, com o teor das faturas juntas, tem que se afirmar que se compreende qual a factualidade subjacente ao pedido da Autora. E, mais a mais, tanto assim é que o Réu compreendeu o seu teor e impugnou-o especificadamente ao longo da contestação.
Assim, é forçoso julgar improcedente a presente exceção»

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo proferiu sentença que julgou a presente ação improcedente, lendo-se na mesma, designadamente, a seguinte fundamentação:
« Da exigibilidade dos valores mínimos garantidos:
Através do Decreto-Lei n.º 270-A/2001, de 6 de Outubro, foi criado, nos termos para os efeitos do n.º 2 do art.º 1º do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, o Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes dos municípios de ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., Ribeira ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ....
Nos termos do art.º 6º, n.º 1 de tal diploma, “o exclusivo da exploração e gestão do sistema é adjudicado, em regime de concessão, à [SCom02...], S.A., por um prazo de 30 anos”, sendo tal atribuição operada mediante contrato de concessão (cf. n.º 2 daquele preceito).
Prevê-se ainda, no art.º 10º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 270-A/2001, que “a articulação entre o sistema explorado e gerido pela concessionária e o sistema correspondente de cada um dos municípios utilizadores será assegurada através de contratos de fornecimento e recolha a celebrar entre a concessionária e cada um dos municípios”.
As bases do contrato de concessão da exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público encontram-se definidas no Decreto-Lei n.º 319/94, de 24 de Dezembro, que as publica em anexo, e as bases do contrato de concessão da exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de recolha, tratamento e rejeição de efluentes encontram-se definidas no Decreto-Lei n.º 162/96, de 4 de Setembro, que, por sua vez, também as publica em anexo.
Resulta do probatório [pontos 1. a 4. do probatório] que, no âmbito do contrato de concessão e gestão do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro, celebrado entre o Estado Português e a A. em 26.10.2001, foram celebrados entre o Município ... e a «[SCom02...], S.A.» dois contratos: um com vista ao fornecimento de água e outro com vista à recolha de efluentes.
A A. pretende, nos presentes autos, entre outros, o pagamento de duas notas de débito no valor de EUR 159.977,77 [148.457,66 + 11.520,11 (cf. pontos 11. e 12. do probatório)], que, de acordo com o seu descritivo, dizem respeito a valores mínimos garantidos, facturados ao abrigo do contrato de concessão e dos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes.
Ora, no contrato de concessão, mais concretamente no n.º 1 da cláusula 16.ª, encontra-se previsto o recebimento, por parte da concessionária, de valores mínimos garantidos, como condição do equilíbrio económico-financeiro da concessão [cf. ponto 2. do probatório].
Por sua vez, nos contratos de fornecimento e de recolha, nas respetivas cláusulas 3.as, encontra-se prevista a possibilidade de cobrança de valores mínimos garantidos, nos seguintes termos:
“Os valores mínimos garantidos a entregar pelo Município, os quais constituem uma condição essencial do equilíbrio da concessão, são os fixados no Anexo 1. Até 31 de Dezembro de 2004, os valores mínimos fixados no anexo 1 poderão não ser garantidos, sem prejuízo da cláusula 16ª do contrato de concessão. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os valores mínimos serão garantidos sempre que, em cada ano, a receita global da Sociedade seja inferior à prevista no orçamento desse ano.” [cf. pontos 3. e 4. do probatório].
À data da celebração do contrato de concessão e dos contratos de fornecimento e recolha, o Decreto-Lei n.º 319/94, de 24 de Dezembro, que aprovou as bases atinentes à concessão no âmbito da captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público, previa, a respeito dos valores mínimos, na Base XXVIII, o seguinte:
“2 - Os contratos de concessão e de fornecimento fixarão o volume de água para consumo público que cada utilizador se propõe adquirir à concessionária com referência a um valor mínimo e um valor máximo.
3 – O valor mínimo significa o volume de segurança de água disponível de que a concessionária carece, como condição a garantir a todo o tempo pelo utilizador para equilíbrio da concessão, independentemente do consumo efetivo do utilizador.”
Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 162/96, de 4 de Setembro, que aprovou as bases atinentes à concessão no âmbito da recolha, tratamento e rejeição de efluentes, previa, a este respeito, na Base XXVIII, o seguinte:
“3 – Os contratos de concessão e de recolha fixarão o volume de efluentes que cada utilizador se propõe entregar à concessionária, com referência a um máximo que a concessionária se obriga a garantir, com ressalva das situações referidas nos números anteriores.
4 – Os contratos de concessão e de recolha fixarão os valores garantidos mínimos a receber pela concessionária ou os volumes mínimos a receber pela concessionária ou os volumes mínimos de efluentes a afluir ao sistema, de que a concessionária carece como condições a garantir a todo o tempo pelo utilizador para equilíbrio da concessão, independentemente da recolha efetiva de efluentes em relação ao utilizador.”
Posteriormente à celebração dos contratos e em data anterior à emissão das notas de débito em causa nos autos, o Decreto-Lei n.º 195/2009, de 20 de Agosto, veio alterar a Base XXVIII das bases do contrato de concessão da exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público, anexas ao Decreto-Lei n.º 319/94, de 24 de Dezembro, prevendo a seguinte regulação a este respeito:
“(...)
2 - Os contratos de concessão e de fornecimento fixam o volume de água para consumo público que cada utilizador se propõe adquirir à concessionária com referência a um máximo que a concessionária se obriga a garantir com ressalva das situações referidas no número anterior.
3 - Os contratos de concessão e de fornecimento, de forma a garantir o equilíbrio da concessão, fixam os valores mínimos anuais que cada utilizador se compromete a pagar à concessionária sempre que o valor resultante da facturação da utilização do serviço seja inferior àqueles.
4 - O disposto no número anterior vigora desde a outorga do contrato de concessão até ao termo do primeiro terço do prazo inicial da concessão ou, posteriormente, se o valor resultante da facturação for inferior aos mínimos por motivo imputável ao utilizador.
5 - Os utilizadores podem recusar o pagamento dos valores mínimos no caso de se verificar o atraso na realização dos investimentos necessários à prestação do serviço no respectivo território por motivo que seja imputável à concessionária.”
No que respeita ao saneamento, o mesmo Decreto-Lei n.º 195/2009 veio alterar a Base XXVIII das bases do contrato de concessão da exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de recolha, tratamento e rejeição de efluentes anexas ao Decreto-Lei n.º 162/96, de 4 de Setembro, prevendo a seguinte regulação a este respeito:
“(...)
4 - Os contratos de concessão e de recolha, de forma a garantir o equilíbrio da concessão, fixam os valores mínimos anuais que cada utilizador se compromete a pagar à concessionária sempre que o valor resultante da faturação da utilização do serviço seja inferior àqueles.
5 - O disposto no número anterior vigora desde a outorga do contrato de concessão até ao termo do primeiro terço do prazo inicial da concessão ou, posteriormente, se o valor resultante da faturação for inferior aos mínimos por motivo imputável ao utilizador.
6 - Os utilizadores podem recusar o pagamento dos valores mínimos no caso de se verificar o atraso na realização dos investimentos necessários à prestação do serviço no respetivo território por motivo que seja imputável à concessionária.”
Ou seja, o Decreto-Lei n.º 195/2009 veio introduzir requisitos para a cobrança dos valores mínimos por parte da concessionária, a constar do contrato de concessão, em moldes diferentes daqueles que haviam sido outorgados pela A. e pelo R., na vigência da anterior redacção das bases aplicáveis.
De facto, ao passo que os contratos de fornecimento e recolha exigiam, para a cobrança de valores mínimos garantidos, que em cada ano a receita global da Sociedade (A.) fosse inferior à prevista no orçamento desse ano [cf. pontos 3. e 4. do probatório], o Decreto-Lei n.º 195/2009 veio estabelecer a possibilidade de cobrança dos valores mínimos sempre que a facturação seja inferior a tais valores no primeiro terço da concessão e, posteriormente, sempre que a insuficiência da facturação resulte de motivo imputável ao utilizador.
Aquilo que cumpre desde logo então averiguar é se a alteração legislativa introduzida pelo Decreto-Lei n.º 195/2009, com início de vigência em 01.01.2010, veio introduzir alguma alteração aos contratos de fornecimento e de recolha celebrados entre as partes, nesta matéria.
De acordo com o art.º 10º do Decreto-Lei 195/2009, “O disposto no presente decreto-lei prevalece sobre o disposto nos contratos de concessão em vigor, ficando as concessionárias desoneradas da obrigação de manutenção dos fundos de renovação existentes.
Por força de tal preceito, a nova redação das bases XXVIII dos contratos de concessão da exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes sobrepor-se-á necessariamente à cláusula 16.ª do contrato de concessão celebrado entre o Estado Português e a sociedade «[SCom02...], S.A.», a que a A. veio a suceder [cf. ponto 2. do probatório].
Não obstante, tal não significa que fique por essa via afastado o requisito estabelecido nos contratos de fornecimento e de recolha celebrados entre as partes da presente acção [cf. pontos 3. e 4. do probatório].
É que, se tais contratos estipulavam, como requisito para a cobrança dos valores mínimos, que a receita global da Sociedade (A.) fosse inferior à prevista no orçamento desse ano, faziam-no como requisito contratual, que não resultava, nem do contrato de concessão [cf. ponto 2. do probatório], nem tampouco das bases à data em vigor.
Ou seja, o quadro legislativo em vigor à data da assinatura do contrato de concessão não impunha o requisito que veio a ser firmado pelas partes nos contratos de fornecimento e de recolha, no sentido da verificação de uma diferença negativa entre a receita global da sociedade e aquela que havia sido orçamentada nesse ano.
Se assim é, a alteração legislativa introduzida pelo Decreto-Lei n.º 195/2009, que não revoga nenhum requisito previamente existente para a cobrança dos mínimos, ainda que se aplique directamente ao contrato de concessão, por força do art.º 10º de tal diploma, não terá qualquer interferência num requisito negociado e aposto aos contratos de recolha e fornecimento celebrados entre a A. e o R., que não decorria da lei anterior.
É esta a solução que decorre do art.º 12º, n.º 2 do Código Civil (CC), segundo o qual “Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”
É que, considerando a evolução legislativa que vem descrita, os efeitos decorrentes das cláusulas 3.º dos contratos de fornecimento e de recolha não podem ser dissociados do facto da conclusão do contrato: eles foram pensados e gizados pelas partes nos precisos termos que daí resultam.
Neste sentido, vd. JOÃO BAPTISTA MACHADO, que retira do art.º 12º, n.º 2 do CC, o seguinte critério genérico: “A LN só poderá, sem retroactividade, reger os efeitos futuros dos contratos em curso quando tais efeitos possam ser dissociados do facto da conclusão do contrato”in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 9.º reimpressão, Coimbra, 1996, pág. 241.
Assim sendo, há que considerar plenamente válidas e eficazes as cláusulas 3.ª dos contratos de fornecimento e de recolha, segundo as quais “os valores mínimos serão garantidos sempre que, em cada ano, a receita global da Sociedade seja inferior à prevista no orçamento desse ano” [cf. pontos 3. e 4. do probatório].
Sucede que não vêm invocados pelas partes nos seus articulados quaisquer factos essenciais atinentes à quantificação da receita global da sociedade ou do orçamento para os anos em causa, sendo a p.i. totalmente omissa a este respeito e não tendo tampouco resultado da instrução da causa factos instrumentais a tal respeito.
Ou seja, não resultou demonstrado nos autos que a receita global da A. fosse, nesse ano, inferior à prevista no orçamento, o que constituía uma das condições contratualmente exigidas para a cobrança dos valores mínimos garantidos [cf. pontos 3. e 4. do probatório].
Não tendo a A. alegado e demonstrado os factos constitutivos do direito que se arroga, conforme era seu ónus, face ao disposto nos art.os 5º, n.º 1 do CPC e 342º, n.º 1 do CC, falece necessariamente a sua pretensão de pagamento das notas de débito atinentes a valores mínimos garantidos [cf. pontos 11. e 12. do probatório].
Assim, improcede necessariamente a pretensão da A., nessa parte, ficando prejudicado o conhecimento das invocadas extemporaneidade da cobrança dos valores mínimos garantidos e ausência de acordo para a revisão dos mesmos, suscitadas pelo R., nos termos do disposto no art.º 608º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art.º 1º do CPTA.
*
No que respeita às notas de débito constantes dos pontos 6. a 10. do probatório, está em causa o débito de juros de mora por parte da A., conforme consta da descrição de tais documentos.
Sucede, porém, que dos autos não constam os factos essenciais subjacentes ao pedido de condenação do R. ao pagamento de juros de mora, como sejam sobre que montantes seriam devidos que juros e a partir de que datas (art.º 804º, n.º 2 do CC).
Ora, não tendo a A. alegado e demonstrado os factos constitutivos do direito que se arroga, conforme era seu ónus, face ao disposto nos art.os 5º, n.º 1 do CPC e 342º, n.º 1 do CC, falece necessariamente a pretensão da A. de condenação do R. ao pagamento de tais quantias, devendo improceder a acção também nesta parte.
*
Em face de todo o exposto, improcede in totum a presente acção.»
É desta sentença que a apelante recorre, por não se conformar com a mesma, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à decisão proferida em matéria de direito.
Quanto à decisão sobre a matéria de facto, sustenta que deverá: (i) ser alterada a redação dos factos provados nos pontos 6,7,8,9,10,13,14,21,22 e 23; (ii) ser aditados ao elenco dos factos provados 17 novos factos, que resultam dos depoimentos prestados pelas testemunhas e da prova documental produzida- vide conclusões formuladas sob os pontos 5.º a 46.º.
Quanto à decisão sobre a matéria de direito, a sua irresignação resulta:
(i)Primeiro, de não se conformar:
-quer com o iter cognoscitivo seguido pelo Tribunal a quo, que deu prevalência os termos fixados no contrato de fornecimento celebrado entre as partes em 2001, pelo menos na parte respeitante à cobrança dos Valores Mínimos Garantidos, sobre as Bases da Concessão, quer na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 319/94( para o abastecimento de água), quer na versão alterada pelo Decreto-Lei n.º 195/2009, que veio modificar a BASE XXVIII relativa aos termos/condições de exigibilidade desses valores aos Municípios;
-quer com o iter cognoscitivo seguido pelo Tribunal a quo, que deu prevalência os termos fixados no contrato de recolha de efluentes celebrado entre as partes em 2001, pelo menos na parte respeitante à cobrança dos Valores Mínimos Garantidos, sobre as Bases da Concessão, quer na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 162/96( para recolha, tratamento e rejeição de efluentes), quer na versão alterada pelo Decreto-Lei n.º 195/2009, que veio modificar a BASE XXVIII relativa aos termos/condições de exigibilidade desses valores aos Municípios.
E com o facto, a partir daí, o Tribunal a quo concluir que o requisito exigido nas cláusulas dos contratos de fornecimento ( desde que a receita global da Sociedade fosse inferior à prevista no orçamento desse ano) não foi alegada, nem provada pelas partes, razão pela qual a ação foi julgada improcedente.
(ii) Segundo, de não se conformar com a tramitação processual adotada pelo Tribunal a quo, que a seu ver, padece de várias nulidades processuais.
Para tanto advoga, que a sentença sob sindicância violou as regras que asseguram o princípio do contraditório e da boa-fé processual porque considerando os temas da prova fixados, nada faria prever a decisão proferida, e considerando-se que não foram alegados factos essenciais então deveria ter-lhe sido despacho de convite ao aperfeiçoamento da p.i., padecendo a sentença de várias nulidades processuais.
Em suma, a Apelante imputa à sentença recorrida erro de julgamento sobre a matéria de direito, quer por violação de lei substantiva, quer por violação da lei adjetiva.
Considerando as questões que constituem o objeto do presente recurso, a questão central a decidir passa por saber se a Autora, na p.i., alegou ou não todos os factos essenciais constitutivos da pretensão de pagamento dos valores mínimos garantidos que reclama por força dos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes que celebrou com o apelado.
Para aferirmos dos factos essenciais constitutivos do direito da apelante ao pagamento dos valores mínimos garantidos temos necessariamente de resolver a questão que é posta pela apelante atinente à violação de lei substantiva pela sentença recorrida, ou seja, resolver a questão de saber se ao caso se aplicam Cláusulas Terceiras dos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes, ou não.
Depois, caso se conclua que o direito da Autora a exigir o pagamento dos valores mínimos garantidos que reclama nesta ação estava condicionado pelo disposto nas Cláusulas 3.ª dos Contratos de Fornecimento de Água e de Recolha de Efluentes, segundo as quais “ os valores mínimos serão garantidos sempre, que, em cada ano, a receita global da Sociedade seja inferior à prevista no orçamento desse ano” então, ter-se-á forçosamente de concluir que esse facto é um facto essencial ao direito que a Autora reclama na presente ação e que o mesmo não foi, efetivamente, alegado pela Autora na p.i. e, a partir, daí extrair as devidas consequências dessa realidade processual, máxime, se podia o Tribunal a quo julgar, como fez, a ação improcedente com fundamento na falta de alegação, e consequentemente, de prova de factos essenciais pela Autora, ou se perante essa constatação se lhe impunha antes outra decisão, designadamente, proferir despacho de convite à autora para corrigir a p.i., prosseguindo os autos a partir daí os seus legais trâmites, uma vez que, já não poderia conhecer da ineptidão da p.i., que essa, sim, seria a correta consequência a determinar perante a falta de alegação de factos essenciais, como melhor cuidaremos de explicitar, por ter decidido em sede de despacho saneador julgar improcedente a exceção dilatória da ineptidão da p.i.
O Tribunal a quo, como vimos, considerou que era exigível a alegação e prova de que a receita da Sociedade Autora era inferior à prevista em orçamento, para que a mesma pudesse reclamar do Réu os pagamentos dos valores mínimos pretendidos.
Concretamente, decidiu o Tribunal a quo que, como não vinham invocados pelas partes nos seus articulados quaisquer factos essenciais atinentes à quantificação da receita global da sociedade ou do orçamento para os anos em causa, sendo a p.i. totalmente omissa a este respeito e não tendo tão-pouco resultado da instrução da causa factos instrumentais a tal respeito, não resultou provado nos autos que a receita global da apelante fosse, nesse ano, inferior à prevista no orçamento, o que constituía uma das condições contratualmente exigidas para a cobrança dos valores mínimos garantidos. E daí que, não tendo a Autora alegado e demonstrado os factos constitutivos do direito a que se arroga, conforme era seu ónus, face ao disposto nos artigos 5.º, n.º1 do CPC. e 342.º, n.º1 do Cód. Civil, falece necessariamente a sua pretensão de pagamento das notas de débito atinentes a valores mínimos garantidos, improcedendo, assim, a sua pretensão.
A ser assim, como foi decidido, a questão está em saber se o Tribunal a quo, podia julgar a ação improcedente ou se antes se lhe impunha outra decisão, tendo em conta que em sede de despacho saneador tinha sido proferida decisão expressa no sentido de a p.i. não ser inepta, decisão essa que transitou em julgado, formando caso julgado formal, e que nos termos do disposto no n.º2 do art. 88.º do CPTA, as questões prévias referidas na alínea a) do n.º1 não podem voltar a ser reapreciadas, o que coloca a questão de saber, se perante este quadro, a decisão que se impunha era antes a de prolação de um despacho de convite ao aperfeiçoamento da p.i..
Vejamos.
b.1. do erro de julgamento em matéria de direito decorrente de o Tribunal a quo ter decidido que nos termos do disposto na Cláusula 3.ª dos Contratos de Fornecimento de Água e no de Recolha de Efluentes apenas haveria lugar à aplicação de valores mínimos garantidos caso a receita global da sociedade fosse inferior à prevista no orçamento desse ano.
Seguindo o raciocínio que explanamos supra, a 1.ª questão a decidir em termos de precedência lógica para sabermos se a apelante não alegou factos essenciais ao direito de reclamar do apelado o pagamento dos valores mínimos garantidos em cujo pagamento pretende vê-lo condenado através da presente ação, passa por aferir se ocorre o erro de julgamento que a apelante impetra à sentença recorrida com fundamento na violação de lei substantiva, decorrente de não se ter dado dado prevalência ao disposto nas Bases XXVIII das concessões dos sistemas multimunicipais de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público, assim como ao disposto na cláusula 16.ª do contrato de concessão celebrado entre o Estado e a apelante, mas antes se ter atendido ao disposto nas Cláusulas Terceiras dos referidos Contratos de Fornecimento de Água e de Recolha de Efluentes, segundo as quais “ os valores mínimos serão garantidos sempre, que, em cada ano, a receita global da Sociedade seja inferior à prevista no orçamento desse ano” .
A apelante discorda da sentença recorrida, sustentando que a BASE XXVIII, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 15/2009, integra uma norma legal imperativa, inderrogável por vontade das partes, pelo que a exigência decorrente das Cláusulas Terceiras dos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes, que sujeitam a aplicação dos Valores Mínimos Garantidos à condição da Receita Global ser inferior à prevista no orçamento para esse ano não se encontrar prevista na lei, é nula nos termos previstos no artigo 294.º do C. Civil, aplicável por força do disposto no artigo 185.º do CPA vigente à data, pelo que, a Cláusula 3.ª/n.º4 dos referidos contratos deverá ser reduzida na sua parte final, devendo a mesma ser dada por não escrita, eliminando-se a sujeição da aplicação dos valores mínimos garantidos à condição da receita global da sociedade.
Caso assim se não entenda, então dever-se-á atender ao disposto no artigo 133.º, n.º2 , al. a) do CPA, verificando-se que no caso ocorre vício de usurpação de funções, por ser evidente a falta de poderes de conformação da concessionária e dos municípios utilizadores para imporem condições não previstas na lei para a aplicação dos Valores Mínimos Garantidos, conforme previstos nas Bases XXVIII da concessão, as quais foram fixadas pelo Governo, no uso do seu poder legislativo, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo Artigo 198.º, n.º1, al.a) da CRP, em matéria com reserva relativa de lei. Como tal, as partes não poderiam acordar condições distintas das previstas no diploma aprovado pelo governo para a aplicação dos valores mínimos garantidos, sob pena de incorrerem em vício de usurpação de poderes.
Para o caso de assim se não entender, advoga que o Tribunal a quo não considerou o disposto no ponto 1.2. do Anexo 2 ao Contrato de Fornecimento, que consagra um regime diverso do previsto na parte final da Cláusula 3.ª/4, nos termos da qual, sempre que o valor do consumo efetivo do Município, em cada ano, seja inferior ao mínimo fixado no Anexo I, a faturação de janeiro será acrescida da importância necessária para perfazer o pagamento total anual do valor mínimo garantido estabelecido. Ou seja, ignorou uma regra conforme com o estabelecido nas Bases da concessão, conforme com a Cláusula 16.ª do Contrato de Concessão e distinta da Cláusula 3.ª/4 dos contratos de fornecimento e recolha de efluentes, com o que ignorou as boas regras de interpretação dos contratos, e dessa forma, a evidente prevalência da redação que se mostrava conforme e dentro dos ditames previstos na lei e no contrato de concessão.
Sem prescindir, alega ainda que o Tribunal a quo ignorou que os contratos de fornecimento dependem expressamente dos termos da vigência do contrato de concessão, por efeitos do disposto na Cláusula 7.ª dos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes, nos termos da qual “ a vigência do presente contrato fica subordinada à do contrato de concessão”.
O que dizer?
Como bem explanou o Senhor Juiz a quo na sentença recorrida, o conteúdo da obrigação de pagamento de valores mínimos encontra-se regulado apenas pelas Cláusulas Terceiras dos contratos celebrados entre as partes relativos ao fornecimento de água e de recolha de efluentes, não sendo abrangido pelo campo de aplicação de outras fontes, sendo que a solução que consta dessas cláusulas, não transcreveu, não desenvolveu, nem executou quaisquer critérios consagrados nas Bases da Concessão ou na Cláusula 16.ª . “Atento o conteúdo essencialmente remissivo destas fontes, as Partes concertaram uma solução própria e especifica, elaborada no exercício da respetiva autonomia contratual e assente exclusivamente na sua vontade jurígena- e não no conteúdo das ditas Bases ou da dita Cláusula”.
“Numa palavra, a solução para a questão dos valores mínimos a pagar foi, e é, aquela que as Partes então quiseram estabelecer, no exercício da ampla autonomia contratual que lhe era deixada por um quadro normativo muito genérico e remissivo” – cfr. alegações do apelado.
Quanto ao disposto no Ponto 1.2. do Anexo aos referidos contratos, assinale-se que tendo em conta a sua inserção sistemática em anexo, se trata de um preceito procedimental, que dispõe sobre o modo como a obrigação é processada, quando exista e nos termos em que exista, matéria que esse ponto não regula antes pressupõe, ao passo que as Cláusulas Terceiras têm um conteúdo material, dispondo sobre os pressupostos e o conteúdo da obrigação de pagamentos de valores mínimos.
Quanto á alegada nulidade da parte final do n.º4 das Cláusulas Terceiras nos termos do Cód. Civil, importa assinalar que os contratos em causa são contratos administrativos cujo objeto não é passível de contratos de direito privado para os efeitos do artigo 185.º do CPA de 1991, razão pela qual não se verificam os pressupostos para a alegação do artigo 294.º do Cód.Civil.
No que tange à invocada usurpação de funções, mesmo que se estivesse perante uma situação de violação das Bases XXVIII tal não significaria que as partes se estivessem a apropriar dos poderes de emanação dessas normas legislativas. Como bem nota o apelado, “ não poder fazer algo é diverso de não ter competência para algo, porque então toda a ilegalidade seria incompetência!...A verdade é que se uma atuação administrativa ( regulamento, ato ou contrato) dispuser em termos contrários a uma lei, o vício será de violação de lei stricto sensu e não de incompetência”.
Quanto à relação de dependência dos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes dos contratos de concessão por força do disposto nas Cláusulas Sétimas daqueles, onde se prevê que “ a vigência do presente contrato fica subordinada à do contrato de concessão”, essa subordinação tem apenas a ver com a sua vigência/duração, ou seja, as referidas cláusulas limitam-se a estabelecer um limite temporal aos efeitos dos contratos em que se incluem, correspondente à vigência do contrato de concessão e nada mais do que isso, nada tendo a ver com o seu conteúdo.
Sendo assim, como se nos afigura que é, era exigível à apelante que na p.i. tivesse alegado, e posteriormente, provado, que a receita da Sociedade Autora era inferior à prevista em orçamento, para que pudesse exigir do Réu os pagamentos dos valores mínimos peticionados.
Sendo assim, o que fazer?
b.2. da falta de alegação de factos essenciais, da decisão de improcedência da exceção de ineptidão da p.i. e da preterição do despacho de convite ao aperfeiçoamento da p.i.
É consabido que a prolação do despacho de aperfeiçoamento constitui um poder vinculado do juiz, estabelecendo-se no do artigo 87.º do CPTA que findos os articulados, o processo é concluso ao juiz, que, sendo caso disso, profere despacho pré-saneador destinado, entre outras finalidades, a providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, convidando as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido- n.ºs1, al.b), 2 e 3 do citado art.º 87.º.
A este respeito, dir-se-á que o dever de cooperação, nas vertentes de deveres de auxílio e de prevenção, não se destina a suprir a ineptidão da petição por falta ou ininteligibilidade do pedido ou de causa de pedir, por contradição do pedido com a causa de pedir, ou por cumulação de causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis (art.º 186º, n.º 1, do CPC ).
E, isso, porque vício de ineptidão por qualquer um dos enunciados fundamentos é insuprível, determinando a nulidade de todo o processo, consubstanciando exceção dilatória do conhecimento oficioso do tribunal e que pode ser arguida pelo demandado até à contestação ou neste articulado, sendo impeditiva do tribunal apreciar do mérito da causa, determinando o indeferimento liminar da petição inicial nos casos em que o processo comporte despacho liminar ou, não o comportando, sempre que se apercebendo do vício em referência, o juiz determine, ao abrigo dos princípios de economia e da celeridade processual, que lhe sejam conclusos os autos para despacho liminar e que, em momento processual posterior, determina a absolvição do demandado da instância (arts. 186º, 196º, 198º, n.º 1, 591º, n.º 1, 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º, al. b) do CPC ex vi art.º 1.º e artigos 87.º e segts do CPTA). O referido despacho visa apenas suprir exceções dilatórias que sejam supríveis ou a providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados quando padeçam de insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto- cfr. Acds. R.L., de 10/11/2022, Proc. n.º 119177/21.9YIPRT.L1-6; de 07/11/2019, Proc. 14013/17.0T8LSB.L1-6; R.P., de 24/04/2007, Proc. 0720800; de 21/11/2019, Proc. 20935/18.3T8PRT.P1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venha a citar sem menção em contrário.
Deste modo, embora a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, sempre que exista fundamento legal para a sua prolação, constitua um verdadeiro dever legal vinculado que impende sobre o juiz, um poder-dever ou dever funcionalizado deste, cuja omissão determina que incorra em nulidade processual, que quando se projeta na sentença final acaba por, inclusivamente, se converter numa nulidade da própria sentença, mais concretamente, na nulidade da sentença por omissão de pronúncia do art. 615º, n.º 1, al. d), o despacho de convite ao aperfeiçoamento não se destina a salvar petições ineptas, designadamente, por falta de alegação da causa de pedir em que o demandante faz assentar o pedido- cfr.Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 705 a 707 e 762; Teixeira de Sousa, in sítio da Internet https://blogippc.blogspo.com; e jurisprudência identificada pelos primeiros.
Porém, conforme já expendia Alberto dos Reis, para os efeitos que estamos a analisar, impõe-se distinguir entre petições ineptas, das petições meramente deficientes. “Claro que a deficiência pode implicar ineptidão: é o caso de a petição ser omissa quanto ao pedido ou à causa de pedir; mas aparte esta espécie, daí para cima são figuras diferentes a ineptidão da petição inicial. Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a ação naufraga”, devendo “julgar-se inepta a petição quando da narração ou conclusão não puder depreender-se: a) qual o pedido; b) qual o fundamento da ação”-cfr. Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil” Coimbra Editora, 1945, respetivamente, págs. 372 e 359.
O pedido “é o efeito jurídico que o autor se propõe obter com a ação” e “equivale, assim, ao objeto da ação”, ou dito por outras palavras, “ traduz-se na pretensão do autor”, consubstanciando o dictat autoritário que pretende seja emanado pelo tribunal por ser adequado à tutela do seu interesse- cfr. Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 362; Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 80.
Cumprindo ao autor, por força dos princípios gerais e nucleares de todos os ramos de direito processual, do dispositivo e do contraditório, deduzir, na petição inicial, o pedido (art. 78.º, n.º 1 e 2, al. g) do CPTA e art. 552º, n.º 1, al. e) do CPC), a omissão deste determina a ineptidão da petição inicial, por falta de pedido (art. 89.º, n.º3, al. b) do CPTA e art. 186º, nºs 1 e 2, al. a), primeira parte do CPC). E o autor não só tem de formular, no enunciado articulado base da ação o pedido, como o tem de deduzir com toda a precisão e clareza, de modo que seja apreensível tanto para o juiz como para o réu, ou seja, para um declaratário medianamente esclarecido, zeloso e sagaz que se encontrasse nas concretas condições em que estes se encontravam quando se depararam com a petição inicial e procederam à sua análise, sob pena desse articulado ser inepto por ininteligibilidade do pedido, dado não permitir depreender os termos em que o pedido foi formulado, isto é, o que o autor pretende que o tribunal efetivamente lhe reconheça, tornando-se esse articulado inicial imprestável para fundamentar uma ação judicial (art. 186º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC).
Não obstante, se o pedido padecer de imprecisões que o tornem obscuro, ainda assim “puder saber-se qual é o pedido, o tribunal não deverá julgar inepta a petição inicial. Petição inepta é uma coisa, petição incorreta é outra. Ou melhor, nem toda a incorreção, nem toda a imperfeição do requerimento inicial conduz à ineptidão. O autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter? A petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta”- cfr. Alberto dos Reis, ob. cit., págs. 364 e 365.
Além do pedido, o autor tem ainda de narrar, na petição inicial, qual os fundamentos de facto que servem de suporte ao pedido, ou seja, o ato ou facto jurídico em que se baseia para formular o pedido, isto é, a causa de pedir- art. 78.º, n.º2, al.f) e art. 83.º, n.º1, al.c) do CPTA
No art.º 5.º do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA, estabelece-se que “às partes cabe alegar os factos essenciais que consituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”.
A causa de pedir é constituída, assim, pelo conjunto de factos em que o autor estriba ou sustenta o direito a que se arroga titular e de onde faz derivar o pedido, sendo, na expressão de Lebre de Freitas, constituída por todos os factos “que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido pelo autor- cfr. Lebre de Freitas, citado por Paulo Pimenta, in “Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, pág. 137. Ainda Ferreira de Almeida, ob. cit., págs. 69 a 71, onde se lê que: “A causa de pedir (causa petendi ou origo petitionis) consiste no ato ou facto jurídico («simples ou complexo, mas sempre concreto) ou no específico vício invalidante, que constituem a fonte de que dimana o direito que o autor (ou o réu-reconvinte) pretende fazer valer em juízo. Tem de tratar-se, pois, de um ato ou facto legalmente idóneo a «condicionar ou a produzir o efeito jurídico que o pedido encerra». A causa de pedir é o facto juridicamente relevante do qual dimana a pretensão (pedido). Pode a causa de pedir (facto fonte da pretensão), para além da conduta ou omissão ilícitas e culposas subjacentes à responsabilidade contratual e extracontratual, assumir uma qualquer das modalidades plasmadas no n.º 4 do art. 581º”, e adianta: “Intimamente ligada ao princípio do dispositivo, a causa de pedir exerce uma função individualizadora do pedido e da conformação do objeto do processo; ao apreciar o pedido, o tribunal não pode basear a sua decisão de mérito em causa de pedir não invocada pelo autor (arts. 608º e 609º), sob pena de nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d))”.
No mesmo sentido Alberto dos Reis, ob. cit., págs. 369 a 372: A causa de pedir é “o ato ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido. (…), a lei não se limita a determinar que o autor apresente os factos que servem de suporte ao pedido; quer que ofereça também as razões de direito. Pergunta-se então: será inepta a petição quando o autor não indique as razões de direito em que assenta a sua conclusão ou o seu pedido? A resposta é negativa. O vício descrito na alínea b) do art. 193º (atual art. 186º, n.º 2, al. a) do CPC vigente) só se verifica quando não possa saber-se, pela petição, qual a causa de pedir; ora a omissão das razões de direito de que o autor quer fazer derivar o efeito jurídico a que aspira, não equivale à omissão de causa de pedir, uma vez que esta é o ato ou facto jurídico de que procede o pedido. O que importa, pois, sob o ponto de vista do afastamento da nulidade (…) é que a petição dê a conhecer o ato ou facto jurídico de que emerge o pedido; o não se encontrarem nela as razões de direito em que o autor pretende apoiar-se para chegar à conclusão ou conclusões apresentadas, não compromete a petição, não invalida esta, embora constitua um desvio do n.º 4 do art. 486º (atual vigente art. 552º, n.º 1, al. d)). As razões de direito poderá o autor oferecê-las mais tarde, nas alegações finais (…)”, e conclui: “(…), o que interessa, do ponto de vista da causa de pedir, é que o ato ou facto jurídico de que o autor quer fazer derivar o direito em litígio esteja suficientemente individualizado na petição”. .

Acrescente-se que, vigorando na ordem jurídica adjetiva portuguesa, nos termos do n.º 4, do art. 581º do CPC e n.º2, al.f) do art.º 78.º do CPTA, o princípio da substanciação, segundo a qual não é suficiente a indicação genérica pelo autor, na petição inicial, dos fundamentos de facto da ação, ou seja, da causa de pedir, mas antes é necessário que enuncie a causa especifica do pedido, ou seja, o concreto título aquisitivo do direito: um determinado contrato, um determinado ato jurídico de compra e venda, … o autor tem de alegar, na petição, os factos concretos que integram a causa de pedir de forma substanciada.
Acontece que, enquanto tradicionalmente se entendia que o ónus da substanciação que impedia sobre o autor, obrigava-o a narrar/alegar, na petição, não só os factos essenciais integrativos da causa de pedir em que se baseia o direito a que se arroga titular e de onde faz derivar o pedido, como também os factos complementares (concretizadores) e os instrumentais (indiciários), o legislador da reforma introduzida ao CPC pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, dando passos decisivos no sentido da prossecução de uma justiça mais material, mais justa e conforme à verdade material apenas impôs ao autor o ónus da alegação, na petição, dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e, bem assim, ao réu, o ónus de alegação, na contestação, dos factos essenciais em que se baseiam as exceções que suscite para impedir, extinguir ou modificar o direito invocado pelo autor, bem como ao último, o ónus da alegação, na réplica, não sendo esta admissível, na audiência prévia, ou não havendo lugar a ela, no início da audiência final, dos factos essenciais em que se baseiam as contra exceções que oponha às exceções invocadas pelo réu na contestação, mas já não lhes impôs o ónus de alegação dos factos complementares (concretizadores), nem dos instrumentais (indiciários) da causa de pedir ou das exceções invocadas – arts. 552º, n.º 1, al. d), 572º, al. c), 584º, n.º 1, 587º, n.º 1 e 5º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Precise-se serem factos essenciais os “que integram a causa de pedir ou o fundamento da exceção e cuja falta determina a inviabilidade da ação ou da exceção, por permitirem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção”. Os factos essenciais constitutivos da causa de pedir têm de ser alegados na petição e os factos essenciais integrativos das exceções têm de ser alegados pelas partes nos termos acima já enunciados, porquanto “são necessários à identificação da situação jurídica invocada pela parte e, por isso, relevam, desde logo, na viabilidade da ação ou da exceção: se os factos alegados pela parte não forem suficientes para se perceber qual a situação que ela faz valer em juízo (qual o crédito ou qual a propriedade, por exemplo, existe um vício que afeta a viabilidade da ação ou da exceção”. Já são factos complementares ou concretizadores “os que participam de uma causa de pedir ou de uma exceção complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência” da ação ou da exceção, mas que não servem para individualizar a concreta causa de pedir, isto é, o concreto direito a que o autor se arroga titular na petição inicial e de onde faz derivar o pedido e que, portanto, não têm de ser nela alegados, e que também não individualizam a exceção invocada e que, por isso, não têm de ser alegados pela parte que invoque essa concreta exceção. Finalmente, são instrumentais os factos que exercem uma função exclusivamente probatória ao indiciarem os factos essenciais e/ou os complementares-cfr. Teixeira de Sousa, ob. cit., págs. 70 a 73. Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro de 2014, Ediforum, págs. 592 e 593, citando Abrantes Geraldes, onde se lê que, mediante a norma do art. 552º, n.º 1, al. d), “pretendeu-se, acima de tudo, introduzir modificações importantes quer na forma de alegação, quer ao nível da exigência formal das alegações, sendo manifestamente inadequadas, extensas e prolixas alegações que se dispersem por afirmações de ordem instrumental ou meramente circunstancial, devendo as respetivas pretensões ser consubstanciadas na alegação do que é essencial e não daquilo que é acessório. Os articulados devem ser claros, concisos e completos, mas limitados aos factos essenciais da causa de pedir invocada. (…). Os factos complementares – isto é, aqueles que sirvam para aditar ou completar as ocorrências da vida real que configuram a causa de pedir – e os factos concretizadores – ou seja, aqueles que densificam ou pormenorizam a causa de pedir (…)”. Os factos instrumentais são os “factos cuja função é apenas probatória, sem substanciarem nem preencherem as pretensões jurídico-materiais do autor ou do réu”. .
Deste modo, na petição inicial, sob pena de ineptidão por falta de alegação de causa de pedir, o autor apenas tem de alegar os factos essenciais, ou seja, a facticidade que integra o núcleo essencial constitutivo do direito ou da situação jurídica concreta que invoca de onde emerge o direito a que se arroga titular, no qual faz assentar o pedido, isto é, os factos que individualizam o concreto contrato ou a concreta situação jurídica que constitui a fonte do direito que invoca e onde faz assentar o pedido, mas já não os factos complementares nem os instrumentais, o mesmo se dizendo quanto às exceções invocadas pelas partes, em relação às quais, quem as invoca apenas tem de alegar os factos essenciais integrativos dessa exceção e que a individualizam.
Não obstante, apesar de não terem de ser alegados pelas partes, o juiz, na sentença deve julgar provados os factos complementares que resultem da instrução da causa e em relação aos quais tenha observado o princípio do contraditório (art. 5º, n.º 2, al. b)) e, bem assim, em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto, os factos instrumentais que se provaram na sequência da instrução da causa (arts. 5º, n.º 2, al. a) e 607º, n.º 4).
Mais uma vez, apesar do ónus alegatório acabado de enunciar que recai sobre o autor quanto aos factos essenciais integrativos da causa de pedir por ele erigida e em que faz assentar o direito de que deriva o pedido que formula, que o obriga a alegar esses factos essenciais na petição inicial e, bem assim, o ónus alegatório que recai sobre as partes, que as obrigam a terem de alegar os factos essenciais em que se baseiam as exceções por elas invocadas, à semelhança do que acontece com o pedido, uma coisa é a falta de alegação dos factos essenciais integrativos da causa de pedir ou a ininteligibilidade de tais factos, vícios esses que, a verificarem-se, determinam a ineptidão da petição inicial por falta de alegação da causa de pedir ou por ininteligibilidade da causa de pedir, respetivamente, e outra bem diversa é a incompletude ou a insuficiência de alegação desses factos essenciais, os quais não determinam a ineptidão da petição do juiz, mas impõem ao juiz o poder-dever de convidar a parte a suprir essas imprecisões ou insuficiências.
Socorrendo-nos novamente dos ensinamentos de Alberto dos Reis, também em sede de causa de pedir, impõe-se distinguir, por um lado, falta de alegação de causa de pedir e alegação obscura desta e, por outro, alegação incompleta da causa de pedir.
“Com efeito, podem dar-se dois casos distintos: a) a petição ser inteiramente omissa quanto ao ato ou facto de que o pedido procede; b) expor o ato ou facto, fonte do pedido, em termos de tal modo confusos, ambíguos e ininteligíveis, que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir. Num e noutro caso a petição é inepta, porque não pode saber-se qual a causa de pedir. Importa, porém, não confundir petição inepta com petição deficiente. (…). Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a ação naufraga”. Concretizando esse raciocínio, dando como exemplificativo um contrato, escreve: “O autor há-de invocar o contrato, reproduzindo as suas cláusulas essenciais, para que possa saber-se, com precisão, qual o negócio jurídico celebrado pelas partes. Se não fizer referência ao contrato, ou fizer referência vaga e confusa que não permita reconstituir, com a necessária nitidez, a espécie de convenção que os outorgantes estabeleceram, a petição será inepta (…). Mas se o contrato estiver convenientemente esclarecido e caracterizado, não poderá invocar-se a referida alínea para se julgar inepta a petição”- cfr. Alberto dos Reis, ob. cit., págs. 370 e 371.
No sentido acabado de expor também se tem pronunciado a jurisprudência nacional: “Há falta de causa de pedir quando não são alegados os factos em que se funda a pretensão do autor; há insuficiência de causa de pedir quando aqueles factos são alegados, mas são insuficientes para determinar a procedência da ação. A petição inicial apenas é inepta, quando o autor não indica o núcleo essencial do direito invocado, tornando ininteligível e insindicável a sua pretensão; a insuficiência ou incompletude do concreto factualismo consubstanciador da causa petendi, não determina, em termos apriorísticos e desde logo formais, de inepta a petição, apenas podendo contender, em termos substanciais, com a atendibilidade do pedido. Só a falta total (e já não a escassez) ou ininteligibilidade da causa de pedir é que gera a ineptidão da petição inicial”- cfr. Ac. T.R.G., de 27/10/2022, Proc. 86/21.4T8GMR.G1; no mesmo sentido, ainda Acs. T. R.P., de 06/02/2023, Proc. 9043/20.7T8PRT; de 21/11/2019, Proc. 20935/18.3PRT.P1; de 11/06/1991, Proc. 9250223.
Voltando ao caso em apreciação, como vimos, o Tribunal a quo decidiu na sentença recorrida que, como não vinham alegados pelas partes nos seus articulados quaisquer factos essenciais atinentes à quantificação da receita global da sociedade ou do orçamento para os anos em causa, sendo a p.i. totalmente omissa a este respeito e não tendo tão-pouco resultado da instrução da causa factos instrumentais a tal respeito, não resultou provado nos autos que a receita global da apelante fosse, nesse ano, inferior à prevista no orçamento, o que constituía uma das condições contratualmente exigidas para a cobrança dos valores mínimos garantidos. E daí que, não tendo a Autora alegado e demonstrado os factos constitutivos do direito a que se arroga, conforme era seu ónus, face ao disposto nos artigos 5.º, n.º1 do CPC. e 342.º, n.º1 do Cód. Civil, decidiu que a sua pretensão de pagamento das faturas e notas de débito atinentes a valores mínimos garantidos, era improcedente.
A apelante contrapõe que, a admitir-se a falta de alegação destes factos, tendo sido omitida em sede de saneamento do processo o convite ao aperfeiçoamento, deverá considerar-se que a mesma se considerou suprida em fase de instrução, o mesmo afirmando quanto ao pedido de condenação no pagamento de juros de mora faturados. Mais alega que « a decisão recorrida sempre violará, também, a lei adjetiva, concretamente: [a] Preterição do convite ao aperfeiçoamento ( artigo 590.º/1, al.b) e n.º 4 do CPC), e, consequentemente tem de se declarar a nulidade da decisão recorrida, nos termos do artigo 195.º/1 e 2 do CPC”.
É inegável que na situação dos autos, o Tribunal a quo não proferiu despacho de convite ao aperfeiçoamento, tendo antes julgado em sede de despacho saneador que a p.i. não era inepta.
E não tendo o Tribunal a quo, por decisão expressa julgado a p.i. inepta por falta de alegação de causa de pedir, antes tendo julgado improcedente essa exceção, que, aliás, é de conhecimento oficioso, impendendo sobre o autor o ónus de alegação na p.i. dos factos essenciais integrativos da causa de pedir que elegeu e de onde faz derivar o direito a que se arroga titular e, em que faz assentar o pedido, em ver condenado o réu a pagar-lhe a quantia peticionada acrescida dos respetivos juros de mora ( artigos 552.º, n.º1, al.d) do CPC), tal significa que na perspetiva do Tribunal encontram-se alegados naquele articulado base da ação os factos essenciais integrativos daquela causa de pedir eleita pela autora de onde faz derivar o seu pedido, pelo que, uma vez proferida essa decisão expressa que assim julgou, por força do princípio do imediato esgotamento do poder jurisdicional do Tribunal, consagrado no artigo 613.º, n.º1 do CPC, não pode o Tribunal reapreciar o decidido, isto é, que a p.i. não padecia do vício da exceção dilatória de ineptidão da p.i. por falta de alegação da causa de pedir, uma vez que essa decisão apenas podia ser modificada em sede de recurso quando este fosse admissível por o processo admitir recurso ordinário, conforme é o caso, ou mediante incidente de reclamação quando não o comportasse.
Note-se que, do princípio do imediato esgotamento do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorrem dois efeitos: (i)Um positivo, que se traduz na vinculação do Tribunal à decisão que proferiu;(ii) outro negativo, consistente na insusceptibilidade de o Tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar- cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Pires de Sousa, in CPC anotado, Vol. I, 2.ª Ed, Almedina, pág. 760.
Nos termos do art.º 620º, n.º 1 do CPC “as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”.
“A força e a autoridade atribuídas à decisão transitada em julgado, quer ela se refira à relação processual, quer sobretudo quando respeita à relação material litigada, visam evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida mais tarde, em termos diferentes, por outro ou pelo mesmo tribunal (res judicata pro veritate habetur). Trata-se de acautelar uma necessidade vital de segurança jurídica e de certeza do direito, acima da intenção de defender o prestígio da administração da justiça” – cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e atualizada, 1985, Coimbra Editora, pág. 309.
Como explica Teixeira de Sousa- in Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 574- o efeito negativo do caso implica, que transitada em julgado uma decisão judicial, o mesmo tribunal (caso julgado formal, do artigo 620.º) ou todos os tribunais (caso julgado material, do artigo 619.º) ficarão sujeitos tanto a uma “proibição de contradição da decisão transitada”, como a “uma proibição de repetição daquela decisão”,
“Tal proibição constrói um sistema de estabilização das decisões judiciais que se resume ao enunciado seguinte: um tribunal não pode afastar ou confirmar uma anterior decisão já proferida ( artigo 580.º, n.º 2) independentemente de ser alheia ou ser sua (cf. artigo 613.º, n.º 1). Apenas em sede de impugnação de decisões judiciais
(maxime, por recurso) pode um tribunal afastar ou confirmar uma decisão anterior; mais: apenas em sede de recurso extraordinário (cf. artigos 627.º, n.º 2, segunda parte, e 696.º, por ex.) pode ser afastada ou confirmada uma decisão já transitada em julgado”.
Assim sendo, é incontornável que a decisão em que o Tribunal a quo julgou expressamente improcedente a exceção dilatória de ineptidão da p.i. transitou em julgado, operando caso julgado formal, tornando-se, por isso, obrigatória e incontestável dentro do processo.
Daí que, à data da prolação da sentença recorrida, por força do princípio do esgotamento do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão em que julgou improcedente a exceção dilatória da ineptidão da p.i., de onde deriva, necessariamente, o entendimento que a apelante na p.i. tinha alegado todos os factos essenciais integrativos da causa de pedir por si eleita e de onde faz derivar o pedido a obter a condenação do réu a pagar-lhe a quantia que dele reclama, o Tribunal a quo encontrava-se impedido de julgar a ação improcedente por falta de alegação de factos essenciais integrativos dessa causa de pedir, sob pena de entrar em contradição frontal com o que anteriormente fora decidido.
Por conseguinte, ao julgar improcedente aquela exceção o Tribunal julgou que a autora alegou todos os factos essenciais integrativos dessa causa de pedir, pelo que, na sentença sob sindicância apenas poderia ter concluído que a facticidade atinente às ditas Cláusulas Terceiras, de ambos os contratos, estava alegada naquele articulado inicial mas de forma imprecisa ou insuficiente.
E sendo assim, afigura-se-nos que se impunha ao Tribunal a quo ante a constatação da “insuficiência/imprecisão” na alegação de factos integrativos da causa de pedir em que a apelante estriba a sua pretensão, a prolação de despacho, convidando a autora ao aperfeiçoamento da p.i.- cfr. art. 590º, n.ºs 2, al. b) e 4 do CPC, e artigo 87.º, n.º1, al.b e n.ºs 2 e 3 do CPTA.
No caso, assinala-se que, se é certo que o segmento do despacho saneador em que a 1.ª Instância julgou expressamente improcedente a exceção dilatória de ineptidão da p.i. não faz parte do elenco das decisões previstas no n.º2 do art.º 644.º do CPC que são autonomamente recorríveis, essa decisão podia ter sido impugnada pelo apelado, designadamente, mediante a interposição de recurso subordinado, o que não fez, pelo que, também este Tribunal ad quem se encontra obrigado ao caso julgado (formal) formado pela mesma.
O ónus imposto ao julgador pelos identificados arts. 590, n.ºs 2, al. b) e 4 e 591º, n.º 1, al. c), do CPC, e artigo 87.º, n.º1 1, al.b) e n.ºs 2 e3 do CPTA, de ter de apontar às partes os defeitos em que incorreram na narração dos factos nos respetivos articulados e de as convidar ao suprimento das insuficiências ou imprecisões em que que incorreram nessa exposição ou na concretização da matéria de facto neles alegada, é um verdadeiro dever legal que impende sobre o juiz, ou seja, um dever funcional deste, que o mesmo tem de cumprir de modo vinculado, de modo que, sempre que o incumpra, incorre no cometimento de uma nulidade processual e no caso dessa nulidade processual se vir a projetar na sentença que venha a proferir, essa nulidade converte-se numa nulidade da própria sentença- cfr. Teixeira de Sousa, “Omissão do Dever de Cooperação: que consequências?”, in https://blogippc.blogspot.com; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”. 2ª ed., Almedina, págs. 703 e 707; Acs. RP., de 10/09/2019, Proc. 11226/16.5T8PRT-A.P1; de 08/01/2018, Proc. 1676/16.2T8OAZ.P1; RL. de 15/04/2021, Proc. 17803/15.4T8LSB.L1-8 (este inédito); de 15/05/2014, Proc. 26903/13.4T2SNT.L1-2.
Decorre do exposto que, sem prejuízo de se manter incólume o juízo sobre a aplicação aos autos do disposto nas Cláusulas Terceiras dos referidos contratos, impõe-se anular a sentença recorrida e determinar à 1ª Instância que convide a apelante para, no prazo de dez dias, concretizar a facticidade em falta e para que, no caso desta acatar esse convite, após decurso do prazo do contraditório que assiste ao apelado, e de se facultar às partes a possibilidade de apresentarem meios de prova quanto à matéria de facto que venha a ser concretizada, reabra a audiência final estritamente limitada à facticidade que venha a ser aditada, e produza prova em relação à mesma, seguindo-se após a prolação de nova sentença.
Destarte, em face do que se vem dizendo, com os fundamentos que se acabam de enunciar, impõe-se concluir pela procedência da presente apelação e, em consequência, anula-se a sentença recorrida, determinando-se a baixa dos autos à 1ª Instância para os fins que se acabam de enunciar no parágrafo que antecede.
IV-DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte, subsecção de Contratos Públicos, em conceder provimento ao recurso interposto pela apelante e, em consequência:
a. anula-se a sentença recorrida, determinando-se a remessa dos autos à 1ª Instância para que formule convite à apelante para, no prazo de dez dias, querendo, concretizar a facticidade em falta, supra referida;
b. caso esta acate esse convite, após decurso do prazo do contraditório que assiste ao apelado, e de se facultar às partes a possibilidade de apresentarem meios de prova quanto à matéria de facto que venha a ser concretizada, determina-se à 1.ª Instância que reabra a audiência final estritamente limitada à facticidade que venha a ser aditada, e produza prova em relação à mesma, seguindo-se após a prolação de nova sentença.
Custas pelo apelado ( artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 30 de novembro de 2023

Helena Ribeiro
Antero Pires Salvador
Ricardo de Oliveira e Sousa