Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00189/23.0BEBRG-A-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/30/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:DECRETAMENTO PROVISÓRIO DE UMA PROVIDÊNCIA; DECISÃO IRRECORRÍVEL;
N.ºS 1 E 2 DO ARTIGO 131º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
PARTE FINAL DO N.º 4 DO ARTIGO 152º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; N.º 1 DO ARTIGO 630º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário:1. A decisão a que o artigo 131º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de decretamento provisório de uma providência, é um despacho que pode ser liminar – n.º 1 deste preceito – ou proferido ao longo do processo – n.º2 deste preceito.

2. Trata-se de um despacho proferido em matéria confiada ao prudente arbítrio do juiz – parte final do n.º 4 do artigo 152º do Código de Processo Civil -, o que se depreende do termo “pode” utilizado no n.º 1 do artigo 131º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

3. Tratando-se de um despacho proferido no uso de um poder discricionário, não cabe desta decisão recurso – n.º 1 do artigo 630º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar para Adopção duma Conduta (CPTA) - Rec. Jurisdicional
Decisão:Não admitir o recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» e esposa, «BB», vieram interpor RECURSO JURISDICIONAL do despacho de 29.03.2023 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga pelo qual foi indeferido o requerimento para o decretamento provisório de providência cautelar intentada contra o Município ... para a suspensão da prática do desporto “padel” levada a cabo em prédio vizinho à habitação dos Requerentes. e em que foram indicadas como Contra-Interessadas a [SCom01...], Lda, e a [SCom02...], Lda..

Invocaram para tanto, em síntese, que: a decisão é recorrível; a decisão é nula face ao disposto no artigo 615º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, dado não conter contém os factos provados e não provados; houve omissão de pronúncia quanto à necessidade de produzir prova testemunhal; verifica-se uma nulidade por não ter sido produzida prova testemunhal; houve erro no julgamento de facto quanto à situação de doença dos Recorrentes; verifica-se também um erro no enquadramento jurídico, dado não se ter em conta a manifesta ilegalidade da situação a que os Recorrentes querem por termo, o funcionamento de um campo de “padel” em edifício vizinho à sua casa, em condições manifestamente ilegais, prejudicando gravemente o seu direito ao descanso e lhes tem provocado distúrbios psicológicos; finalmente, a decisão recorrida incorre em erro no enquadramento jurídico porque, ao contrário do decidido estão verificadas as condições para o decretamento provisório da providência - o artigo 131º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

O Município ... contra-alegou defendendo a irrecorribilidade da decisão recorrida e, em todo o caso, que seja negado provimento ao recurso.

A [SCom01...], por um lado, e a [SCom02...], por outro, também contra-alegaram, sustentado também a irrecorribilidade da decisão recorrida e que seja negado provimento ao recurso.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. O presente recurso vem interposto do douto despacho de fls. que indeferiu o pedido de decretamento provisório, o qual além de nulidade padece de erro de julgamento quanto aos factos e ao direito.

Por força do disposto nos artigos 140º, nº 1, 141º, nº 1, 142º, 143º, nº 1, b), e 147º, nº 1 do CPTA e 627º, 644º, nº 1 e nº 2, d) e h), 645º, nº 2 do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA é aquela decisão recorrível, mas também o é pelo que decorre do artigo 131º, nº 4 do CPTA (a contrário), além de que, a sua recorribilidade a final seria absolutamente inútil.

3. O pedido de decretamento provisório visa acautelar uma situação até que a providência seja decidida daí que, atento o disposto no 142º, nº 5 do CPTA e 644º, nº 2 h) do CPC, também sempre por aqui é admissível o presente recurso.

4. A douta decisão recorrido não contém factos provados e não provados, não tem fundamentação a especificar e a justificar porque é que considerou determinada matéria factual e essas omissões são geradoras de nulidade ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC, o que se requer

5. No pedido incidental de decretamento provisório, os Recorrentes indicaram prova a produzir, sendo que essa prova testemunhal seria essencial para o Tribunal poder aferir e decidir corretamente, mormente quanto à questão da urgência, da necessidade de haver ou não decretamento provisório, estando até arrolado como testemunha o médico que acompanha a situação e condição de saúde dos Recorrentes.

6. O Tribunal “a quo” omitiu pronúncia quanto à necessidade ou não de produção de prova, o que constitui nulidade que expressamente se invoca e, negou aos Recorrentes a possibilidade de produzirem essa prova e negou-lhes esse meio de prova o que também consubstancia nulidade que expressamente se invoca.

7. Era essencial e necessária a referida produção de prova testemunhal e sua impossibilidade decorreu de erro de julgamento e de nulidade em que incorreu a douta decisão recorrida e o Tribunal “a quo”.

8. O Tribunal “ a quo” na decisão recorrida, errou, na apreciação que fez do factualismo – a apreciação e conhecimento da situação de doença dos Recorrentes e do agravamento da mesma, da causa/origem da doença, das implicações que a continuidade da referida actividade de padel e do ruido pode ter no curto prazo para os Recorrentes e das condições de silêncio necessárias ao restabelecimento da saúde dos Recorrentes.

9. A(s) contra-interessadas têm a funcionar num armazém uma atividade de “padel” com campos para a prática de padel, e, onde se realizam jogos, aulas, torneios, num horário que vai das 07hAM às 23hPM, de 2ª a 6ª e também durante o fim de semana, sempre de forma ilícita pois que o fazem num imóvel cujo uso é apenas de armazém e, por outro lado, também as obras que lá realizaram não foram licenciadas.

10. Os Recorrentes residem num imóvel que confronta com o dito armazém onde a(s) contra-interessada(s) desenvolve(m) a referida atividade ilícita.

11. No referido armazém não pode lá decorrer aquela atividade, daí que a(s) contra-interessada(s) gerem ou não ruido, o certo é que não podem lá desenvolver a atividade que desenvolvem

12. Bastava cumprirem a lei, ou seja, cessarem o uso ilícito que fazem do armazém, para os Recorrentes não estarem sujeitos às relatadas sevicias.

13. A(s) contra-interessada(s) sabem que é ilícito mas continuam e o Município também nada faz e é conivente com aqueles comportamentos ilícitos (ao ponto de até recentemente patrocinar / apoiar a realização de torneio de padel em local que sabe que não pode ter essa actividade)

14. A atividade ilícita que lá é desenvolvida é geradora de ruido - o barulho das pancadas das bolas nas raquetes, nos vidros, nas estruturas dos campos e os gritos e barulhos próprios de quem joga são permanentes e durante todo o dia (das 07h am às 23h pm) - o qual é perfeitamente audível em casa dos Recorrentes (aliás, a PSP em auto de ocorrência junto a fls. refere ser audível a 70 metros)

15. Como consequência da proximidade da casa de habitação dos Recorrentes com o dito armazém e do ruido gerado pela atividade ilícita descrita, os mesmos deixaram de ter sossego, deixaram de conseguir dormir, deixaram de
conseguir descansar, e, a existência do referido ruido, durante todos os dias e durante o horário identificada, sujeitou os Recorrentes a um verdadeiro massacre psicológico, ao ponto de não conseguirem dormir, não conseguirem descansar, não conseguirem ter sossego na sua casa de habitação e até deixaram de poder receber em casa amigos, porque, o barulho torna impossível e desagradável qualquer convívio social

16. O ruido que resulta da actividade ilícita descrita (independentemente de violar ou não os limites do RGR) tem afetado e afecta a saúde dos Recorrentes conforme está documentado e relatado nos autos.

17. Os Recorrentes fruto dessa situação, desenvolveram doença grave do foro da saúde mental e, apesar do acompanhamento médico e da medicação, o certo é que, a sua condição de saúde agravou-se porque estão continuamente sujeitos ao ruido da referida actividade ilícita.

18. Atento o recente agravamento da sua condição de saúde, tornou-se urgente e necessário o decretamento provisório

19. O qual é essencial para poderem melhorar e para que o agravamento da doença pare.

20. A situação reconduz-se às seguintes opções:

Hipótese A - não haver decretamento provisório, o que sujeitará os Recorrentes que estão numa situação de doença, ao prolongamento desse sofrimento e dessa doença, impedindo a sua recuperação e cura, e com riscos de desenvolverem outras patologias associadas, premiando-se, assim, os infratores na medida em que a actividade ilícita prossegue

Hipótese B – o Tribunal revoga a decisão recorrida, decreta provisoriamente a providência, o que implica que o infractor não possa prosseguir no todo ou em parte com uma atividade ilegal, e, em contrapartida os Recorrentes, deixam de estar sujeitos às consequências da referida conduta ilícita o que lhes permite melhorar a saúde e a doença, travar o agravamento da doença, restabelecer as condições de vida na sua casa de habitação, com direito a dormir, descansar e sossegar e também com reflexo para a vida laboral de ambos (a qual também tem estado séria e gravemente prejudicada pela situação descrita).

21. À luz do disposto no artigo 131º do CPTA, impõe-se o decretamento provisório, pois que os pressupostos para o mesmo estão verificados, ao contrário do que foi erradamente decidido na decisão recorrida.

22. Portanto:

i) no referido imóvel confrontante com a casa de habitação dos Recorrentes não há licença para aí poder funcionar um estabelecimento desportivo (exploração de campos de padel),

ii) as CI apesar de não terem licença para o efeito, o que é certo é que aí iniciaram e prosseguem ilicitamente a atividade e têm ilicitamente em funcionamento campos de padel indoor,
iii) e apesar da intenção manifestada pelo Município de cessação de utilização o certo é que o Município continua atávico e sem nada fazer no sentido de haver efetivamente cessação da referida utilização ilícita e/ou despejo administrativo (antes pelo contrário é nítido que o Município anda a demorar e a protelar o procedimento administrativo aceitando prorrogações sucessivas e está tão conivente com a situação que apesar de reconhecer a ilicitude até recentemente apoiou a realização de torneio de padel no local onde reconhece que aquela actividade não pode ocorrer

iv) O funcionamento (ilícito) do dito padel ocorre durante todo o dia e durante todos os dias da semana e também ao fim de semana, com um horário das 07 am às 23horas pm. - ...

23. É do conhecimento público e decorre das regras da experiência comum que, o funcionamento da actividade de padel gera ruido, ruido decorrente das pancadas nas bolas, ruido dos jogadores e dos gritos dos jogadores, ruido do impacto das bolas e/ou dos jogadores nas estruturas, e tudo isto ocorre em imóvel que não está licenciado, nem insonorizado, para o efeito e que faz eco e amplia o ruido:
https://www.facebook.com/watch/live/?ref=watchpermalink&v=1577660572 592259 https://www.facebook.com/watch/live/?ref=watchpermalink&v=1094858907 738992
https://www.youtube.com/watch?v=RPLpVEuTRM8&t=58s
https://www.youtube.com/watch?v=FmZvCLWPPA

24. O ruido gerado pela dita atividade (durante todos os dias da semana, das 7 da manhã às 23h) está “a dar com os Recorrentes em doidos”, impedindo-os de ter sossego para descansar, para trabalhar, ler; impedindo-os de receber pessoas em casa (porque é infernal o referido ruido)

25. Após a interposição da providência cautelar a situação de saúde dos recorrentes agravou-se significativamente, o que os levou a ter de recorrer a consulta médica no dia 03.04.2023 (docs. ... e ... juntos as fls)

26.À Recorrente «BB» foi nessa consulta diagnosticada ansiedade, irritabilidade, perda de memória e fadiga mental permanente com insónias o que a obriga a tomas medicação com ansiolíticos e antidepressivo (doc. ...) e mais é atestado pelo Médio que “o estado geral da paciente agravou-se física e intelectualmente com alterações do ritmo cardíaco, dificuldade em dormir, fadiga em fazer as tarefas simples diárias, episódios de intensas dores na região torácica associadas a ansiedade”, sendo que, “a melhoria e reposição do estado de saúde mental só é possível, sem perigo de recidiva, eliminando a causa com suspensão da actividade ruidosa”. (doc....)

27. Ao Recorrente a situação ilícita supra descrita gerou-lhe “estado de ansiedade e insónias, com dificuldade na concentração na sua atividade profissional, fadiga física e mental com irritabilidade apesar da medicação” e, tal como a Recorrente, também o quadro clinico do Recorrente «AA» “agravou-se física e intelectualmente com dificuldade em memorizar e quebra na concentração, dificuldade em dormir, falta de energia e impossibilidade em trabalhar no período da manhã...” sendo que a melhoria e reposição do estado de saúde geral do Requerente também só é possível, sem perigo de recidiva, eliminando a causa com a suspensão da actividade ruidosa (doc. ...).

28. Tudo isto, porque, têm estado sujeitos a uma verdadeira tortura, a autênticas sevicias, decorrentes da actividade ilícita levada a cabo no imóvel contiguo por via dos jogos de padel, atividade essa que legalmente nem podia sequer estar a decorrer e, muito menos, quando gera danos na saúde dos Recorrentes e, mais recentemente, agravou-os nos termos supra descritos.

29. É público e sabido que as doenças mentais (com é o caso dos Recorrentes) são muito graves, muito complexas e de difícil tratamento e quanto mais tempo duram, mais se agravam e podem inclusive chegar a ponto sem retorno de se tronarem doenças crónicas, além de que, a toma prolongada de medicamentos – ansiolíticos e antidepressivas – gera problemas complicados de habituação e dependência.

30. E, a situação a que os Recorrentes têm estado sujeitos por culpa da inacção do Recorrido e da acção das CI, agravou-se e é potenciadora de outros problemas de saúde, como se vê, no aparecimento de arritmias cardíacas que já se notam, mas também, no desenvolvimento de outros problemas de saúde até do foro oncológico.

31. A protecção do direito à saúde e do direito à habitação dos Recorrentes também impõe o decretamento provisório de providência cautelar

32. O Município nada faz em concreto e até à presente data para assegurar a paragem daquela actividade ilícita e para o despejo administrativo

33. O decretamento provisório é, pois, imperioso e que ocorra de imediato, por forma a parar o agravamento da doença dos Recorrentes e por forma a permitir a recuperação e cura dos mesmos.

34. E é condição necessária para os Recorrentes poderem voltar a trabalhar normalmente, a poderem usar e gozar da sua habitação e poderem voltar a descansar e a ter silêncio.

35. Os Recorrentes por cada dia que passa sem haver a suspensão da causa da doença e dos danos sofridos e acima descritos, mais agravar-se-á o quadro clinico dos mesmos, com risco para lesões mais graves na sua saúde física e mental, podendo até ser irrecuperáveis além de já estarem a surgir outras sequelas, outras doenças na decorrência do prolongamento destas situações.

36. A situação já se arrastou tempo demais, já gerou danos e está a gerar danos ainda maiores aos Recorrentes (no uso e gozo da habitação, no trabalho a desenvolver, no direito ao descanso e ao sossego, na sua saúde mental e física) e o mesmos já chegaram a um ponto limite, e, já não aguentam mais tempo nesta situação, de massacre permanente e diário decorrente da atividade ilícita vizinha,

37. São evidentes, os sinais de agravamento dos seus quadros clínicos, o que, agravar-se-á ainda mais sem o presente decretamento provisório, daí que se impõe a revogação da decisão recorrida e o decretamento provisório da providência cautelar por forma a que cesse o agravamento da saúde dos Recorrentes e os mesmos possam voltar a usar e gozar em pleno a sua habitação, com o silencio necessário à recuperação da sua saúde.

38. É imperioso que, de uma vez por todas os Recorrentes possam voltar a ter sossego na sua habitação, possam voltar a descansar, possam voltar a ter saúde mental, possam voltar a ter qualidade de vida,

39. O caso em apreço é, pois, um caso lapidar de necessidade urgente do decretamento provisório e de erro de julgamento e violação do disposto no artigo 131º do CPTA.

*

II –Decisão recorrida.

Este é o teor da decisão recorrida:

“(…)

DO PEDIDO DE DECRETAMENTO PROVISÓRIO:

Os Autores intentaram a presente providência cautelar contra o Município ..., indicando como contra-interessados as empreas [SCom02...], Lda e a [SCom01...], Lda, peticionando a intimação daqueles para suspender todas as actividades de padel nas suas instalações, por serem geradoras de ruído, até à decisão final que vier a ser proferida na açcão principal.

Peticionando também o decretamento provisório da aludida providência cautelar nos termos do disposto no artigo 131.º do CPTA.

Indicam que na acção principal instaurada é peticionado que o Município seja condenado à prática do acto devido de despejo administrativo do aludido prédio por estar a ser utilizado para fim diverso do licenciado.

Para fundamentar o peticionado, os Autores invocam, em súmula, que: (i) o armazém onde o contra-interessado [SCom01...], Lda exerce a actividade de padel confronta com a habitação dos autores e não se encontrando licenciado para o exercício daquela actividade, tendo por isso o Município notificado as contra-interessados da intenção de ordenar a cessação da utilização do edifício, sob pena de se proceder ao despejo administrativo, (ii) o exercício de tal actividade é geradora de ruído, que perturba gravemente o sossego dos Autores, impedindo-os do direito ao descanso e afectando gravemente a sua saúde mental.

O Município pronunciou-se quanto ao pedido de decretamento provisório invocando que desde 12.10.2020 que os contra-interessados desenvolvem a actividade de padel, no horário habitual, também depois das 18h e durante os fins-de-semana, e que o torneio de padel é um evento pontual de apenas 3 dias, entre os dias 17 a 19 de Março de 2023, que será realizado dentro do horário habitual e não para além do mesmo e que os Autores não alegam factos nem justificam devidamente qualquer situação de especial urgência e que não possa aguardar pelo desfecho do processo cautelar.

Vejamos.

Nos termos do artigo 131.º, n.º 1, do CPTA, “Quando reconheça a existência de uma situação de especial urgência, passível de dar causa a uma situação de facto consumado na pendência do processo, o juiz, no despacho liminar, pode, a pedido do requerente ou a título oficioso, decretar provisoriamente a providência requerida ou aquela que julgue mais adequada, sem mais considerações, no prazo de 48 horas, seguindo o processo cautelar os subsequentes termos dos artigos 117.º e seguintes”.

Esta norma configura, como pressuposto do decretamento provisório, o reconhecimento de uma “situação de especial urgência”, exigindo, assim, que se conclua pela verificação de uma situação de iminência da produção de um dano irreversível (situação de facto consumado), durante a pendência do processo cautelar, para os direitos ou interesses que se visam acautelar com as providências requeridas, em termos que justificassem a antecipação provisória do juízo a formular nesse processo.

Visa-se, deste modo, através do decretamento provisório imediato de providências cautelares, evitar o perigo no retardamento (periculum in mora) do próprio processo cautelar, em situações de especial urgência, por forma a assegurar a utilidade e efectividade da decisão a proferir no processo cautelar, prevenindo a produção de danos iminentes de natureza irreversível.

O que significa que o decretamento provisório de uma providência cautelar tem como objectivo prevenir os danos que possam demorar do próprio processo cautelar, e quando seja a única solução apta a assegurar a tutela jurisdicional efectiva do Requerente.

Contudo, para além dos aludidos requisitos, os processos cautelares caracterizam-se pela sua instrumentalidade em relação à acção principal, na medida em que visam assegurar a utilidade da sentença a proferir nessa acção; evidenciando ainda traços de provisoriedade, por não poderem acautelar a título definitivo situações que só a acção principal pode determinar.

Assim, a regulação estabelecida pela providência cautelar não pode dar resposta, de forma definitiva, ao pedido que será formulado na acção principal, inutilizando dessa forma o processo principal.

Donde, sendo o decretamento provisório um incidente do processo cautelar, também não poderá ser decretada provisoriamente a providência cautelar requerida, quando se vise acautelar a título definitivo situações que só a acção principal pode determinar.

Revertendo ao caso dos autos, importa salientar, em primeiro lugar que, analisados o alegado pelas Partes e os documentos juntos aos autos constata-se que a notificação quanto à de cessação a utilização do imóvel data de 2021, tendo inclusivamente o Autor sido notificado por ofício da Câmara Municipal ... de 10.11.2021, para juntar o resultado da perícia acústica realizadas pelo Tribunal Judicial de Viana do Castelo, no âmbito da providência judicial intentada pelos Autores contra os aqui contra-interessados, tendo em vista a tutela da personalidade e do direito ao sossego, ao bem-estar à tranquilidade, à saúde física e mental, e no âmbito do qual foram designados os dias 22.11.2020, 04.11.2020 e 28.10.2021 para a realização das audiências de discussão e julgamento, bem como, fora ordenada a realização de perícia de avaliação acústica destinada a medir os níveis de ruído produzidos pelas actividades desportivas, uma vez que os relatórios acústicos produzidos por entidades acreditadas, conteriam resultados contraditórios entre si quanto à violação, ou não, dos níveis máximos de ruído legalmente admitidos, pela actividade desenvolvida no prédio em causa.

Acresce que o relatório médico que atesta que os Autores recorreram ao Hospital particular de ..., invocando estado de ansiedade, insónias, dificuldade de concentração, fadiga física e mental devido a ruídos provenientes de edifício contíguo, onde são exercidas actividades de padel, e que lhes fora prescrita terapêutica medicamentosa (não discriminada), data de 28.12.2020.

Consequentemente, atendo o decurso do tempo, que não fora comprovado um agravamento do referido quadro - baseando-se as alegações em meras conjeturas e meras hipóteses -, e que inclusivamente a situação em apreço também está a ser apreciada para afeito da tutela dos direitos de personalidade pelo Tribunal Judicial, não é possível reconhecer uma situação de urgência qualificada, justificativa do decretamento provisório imediato da dita providência.

Ou seja, não se afigurando no caso dos autos a existência de uma situação de especial urgência que mereça a tutela urgentíssima deste incidente, será de indeferir o pedido de decretamento provisório da providência cautelar requerida.

Sendo ainda certo que, nos termos do n.° 2 do artigo 131.° do CPTA, pode ser efectuado novo pedido de decretamento provisório, durante a pendência do processo cautelar, caso se verifique uma alteração superveniente dos pressupostos.

**

Nos termos e pelos fundamentos expostos, indefiro o pedido de decretamento provisório da providência cautelar requerida.

Custas pelos Autores [art. 527.°, n.°1, do CPC, ex vi o art. 1.° do CPTA, 7.°, n.° 4, Tabela II – 1Uc].

(…)”


*
III - Enquadramento jurídico.

1. Recorribilidade da decisão.

Dispõe o artigo 131º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sob a epígrafe “decretamento provisório da providência”:

“1 - Quando reconheça a existência de uma situação de especial urgência, passível de dar causa a uma situação de facto consumado na pendência do processo, o juiz, no despacho liminar, pode, a pedido do requerente ou a título oficioso, decretar provisoriamente a providência requerida ou aquela que julgue mais adequada, sem mais considerações, no prazo de 48 horas, seguindo o processo cautelar os subsequentes termos dos artigos 117.º e seguintes.

2 - O decretamento provisório também pode ter lugar durante a pendência do processo cautelar, com fundamento em alteração superveniente dos pressupostos de facto ou de direito.

3 - Quando as circunstâncias imponham que o decretamento provisório seja precedido da audição do requerido, esta pode ser realizada por qualquer meio de comunicação que se revele adequado.

4 - O decretamento provisório não é passível de impugnação.

5 - O decretamento provisório é notificado de imediato às pessoas e entidades que o devam cumprir, sendo aplicável, em caso de incumprimento, o disposto nos n.os 4 a 6 do artigo 128.º, com as adaptações que se mostrem necessárias.

6 - Mediante requerimento devidamente fundamentado, os requeridos, durante a pendência do processo cautelar, podem solicitar o levantamento ou a alteração da providência provisoriamente decretada, sendo o requerimento decidido por aplicação do n.º 2 do artigo 120.º, depois de ouvido o requerente pelo prazo de cinco dias e de produzida a prova que o juiz considere necessária
.
7 - As decisões proferidas ao abrigo do número anterior são passíveis de impugnação nos termos gerais.”

Como os próprios recorrentes reconhecem, a decisão recorrida é um despacho e não uma sentença. Não se decidiu aqui nem a providência cautelar nem qualquer incidente – n.º 2 do artigo 152º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativo. Trata-se de uma decisão proferida na própria providência, e não em qualquer incidente, mas que não lhe pôs termo, ou seja, interlocutória.

Podia ser um despacho liminar – n.º 1 deste preceito – ou um despacho proferido ao longo do processo – n.º2 deste preceito.

Por outro lado, trata-se de um despacho proferido em matéria confiada ao prudente arbítrio do juiz – parte final do n.º 4 do artigo 152º do Código de Processo Civil -, o que se depreende do termo “pode” utilizado no n.º 1 do artigo 131º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Ora, tratando-se de um despacho proferido no uso de um poder discricionário, não cabe desta decisão recurso – n.º 1 do artigo 630º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

À mesma conclusão se chega por não se tratar de uma decisão que tenha posto termo à providência cautelar nem a qualquer incidente – n.º1 do artigo 142º e alínea b) do n.º 2 do artigo 143º, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Neste contexto, a previsão de que “o decretamento provisório não é passível de impugnação” – n.º 4 do artigo 131º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – só pode ter o sentido de abranger tanto as decisões de decretamento provisório como as de indeferimento do decretamento provisório da providência.

O que sai reforçado pelo facto de o legislador ter estabelecido um regime próprio – diferente – para as decisões de levantamento ou alteração da providência decretada.

Aqui já se exige uma decisão de mérito, de ponderação de interesses em presença, depois de assegurado o contraditório e produzida prova – n.º 6 do artigo 131º que remete para o n.º 2 do artigo 120.º, do mesmo diploma.

Sendo aqui o legislador claro quanto à recorribilidade destas decisões - n.7 do artigo 131º do Código de Processo Civil.

Sendo certo que não é aplicável ao caso o disposto na alínea h) do n.º2, do artigo 644º do Código de Processo Civil, a absoluta inutilidade do recurso, porque esta disposição pressupõe que a decisão seja recorrível, não estabelece qualquer pressuposto de recorribilidade da decisão.

Não se prevê qualquer situação em que seja admissível o recurso de apelação, antes diz respeito à autonomia da apelação, como a própria epígrafe do preceito deixa claro, pressupondo, portanto, que a apelação é admissível.

Em todo o caso, tratando-se de um despacho interlocutório – n.º5 do artigo 142º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, nunca caberia desta decisão recurso autónomo.

Termos em que se julga procedente a invocada excepção da irrecorribilidade da decisão recorrida.

2. Restantes questões suscitadas; o mérito do recurso.

Concluindo-se, como se conclui, pela irrecorribilidade da decisão recorrida, fica prejudicado o conhecimento de todas as demais questões suscitadas e que se prendem, directa ou indirectamente, com o mérito dessa mesma decisão.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NÃO ADMITIR O RECURSO.

Custas pelos Recorrentes.

*

Porto, 30.06.2023

Rogério Martins
Nuno Coutinho
Conceição Silvestre