Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00361/11.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/17/2011
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:DISPENSA DA PRESTAÇÃO DE GARANTIA
AUDIÇÃO PRÉVIA
RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I. Não padece de nulidade por falta de especificação dos fundamentos que a justificam, a decisão judicial que, invocando, além do mais, o artigo 170.º, n.º 4, do C.P.P.T. e sublinhando o prazo de dez dias para a resolução do pedido de dispensa de garantia, extrai daí que o incidente respectivo não está sujeito a audição prévia, visto que é possível reconstituir a partir destes dados o itinerário cognoscitivo que presidiu à decisão;
II. Não padece de nulidade por omissão de pronúncia a decisão judicial que omite o conhecimento do vício de falta de fundamentação da decisão do Órgão de Execução Fiscal se este vício não foi oportunamente alegado na reclamação dessa decisão, visto que a falta de fundamentação não é vício de que o tribunal possa oficiosamente conhecer;
III. Não viola o direito de audição do executado consagrado nos artigos 55.º e 60.º da L.G.T. a decisão de indeferimento da dispensa de garantia, visto que a execução fiscal tem natureza judicial – artigo 103.º, n.º 1, da L.G.T. – e estes dispositivos legais não são aplicáveis aos processos judiciais;
IV. Não carece de audição prévia a decisão do Órgão de Execução Fiscal que conhecendo do pedido de dispensa de garantia, não o indefere com base em questão nova suscitada por outrem ou de que devesse aferir oficiosamente, visto que não está, então, em causa a salvaguarda do princípio do contraditório – artigo 3.º, n.º 3, do C.P.C.;
V. O Tribunal não tem o dever de indagar oficiosamente sobre a manifesta falta de meios económicos se o requerente do pedido de dispensa de garantia não alega factos suficientes que sustentem tal conclusão e não invoca sequer que a sua insuficiência não é da sua responsabilidade – artigo 52.º, n.º 4, da L.G.T.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:F...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
1.1. F…, n.i.f. …, com residência na Rua…, n.º …, …, Tondela, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a presente reclamação de actos do órgão de execução fiscal, interposta a coberto do disposto nos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (adiante sob a abreviatura «C.P.P.T.»), que teve por objecto o despacho proferido pelo Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Tondela no processo de execução fiscal n.º 2704201101001604, que indeferiu o requerimento ali entrado em 2011.05.13, onde pedia a dispensa da prestação de garantia.
1.2. Formulando as seguintes conclusões:
1. O Serviço de Finanças de Tondela instaurou o processo de execução fiscal nº 2704201101001604 contra o aqui recorrente.
2. Foi apresentada oposição à execução supra referida.
3. Sendo, em seguida, notificado para prestar garantia com vista a suspender a execução.
4. O executado apresentou um requerimento a solicitar a isenção da prestação da garantia.
5. O Serviço de Finanças de Tondela indeferiu o pedido de dispensa de garantia
6. Para além disso, o Exmo. Sr. Chefe do Serviço de Finanças entendeu dispensar a audição, prévia à decisão, do executado.
7. Pelo que o ora recorrente apresentou uma petição inicial de uma reclamação de actos do órgão da execução fiscal.
8. Na qual pugnou pela ausência de meios económicos e bens livres e desembaraçados que possa dar de garantia à execução, invocando, ainda, a invalidade da decisão por manifesta violação do dever de audição do executado.
9. Por último, o aqui recorrente protestou juntar todos os elementos de prova que a AF julgasse pertinentes.
10. No entanto, em momento algum, o executado foi notificado para que apresentasse tais elementos, violando-se, assim, os deveres de colaboração e informação a que a AF se encontra adstrita.
11. Foi agora proferida douta sentença onde se julgou a reclamação improcedente, mantendo-se integralmente o despacho reclamado.
12. Todavia, não pode o agora recorrente conformar-se com a douta decisão proferida.
13. Começando, desde já, pelo não conhecimento da ilegalidade resultante da falta de audição prévia do aqui recorrente, realça-se, mais uma vez, que não se acha cumprido o dever de audição do sujeito passivo do acto.
14. O que, implica a ilegalidade do respectivo procedimento, conduzindo à ilegalidade da decisão.
15. A Administração Tributária desrespeitou os princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade, uma vez que, está por demais consagrada a obrigatoriedade da audição prévia do interessado.
16. Assim, a par do desrespeito da igualdade das partes, cuja ratio entronca nos artigos 13.º e 20.º da CRP, é clara e inequívoca a violação dos artigos 55.°, 60.º n.° 5 e 98.° da LGT.
17. Sendo, igualmente pacífico, que a inobservância do dever de audição constitui uma ilegalidade por vício de violação da lei.
18. De facto, a Administração Tributária não actuou em obediência à lei e ao direito, em clara e inequívoca violação dos artigos 56.°, n.°1, 74.º, n.° 1, 77°, n.°s 1, 2 e 4 da LGT, 124.°, n.° 1 e 125°, n.°s 1 e 2 do CPA.
19. No que toca à douta decisão judicial, não se pode o recorrente conformar com a mesma, pois não só não reconheceu da ilegalidade invocada, como ainda não apresentou qualquer fundamentação para a legalidade da dispensa da audição do interessado.
20. Efectivamente, não há qualquer justificação legal para a dispensa de audição do interessado.
21. Aliás, pior do que a falta de fundamentação é a consideração que a audição do interessado constitui um enxerto perturbador.
22. Também aqui, a par do desrespeito da igualdade das partes (artigos l3.º e 20.º da CRP), houve a manifesta violação dos artigos 55.º, 60.º, n.° 5 e 98.° da LGT.
23. Para além disso, considerou-se que não houve prova da insuficiência de meios económicos do executado, nomeadamente, a inexistência de bens desonerados.
24. Contudo, o ora recorrente prova da extensa lista de execuções contra si pendentes e dos seus fracos recursos económicos.
25. Acresce que, sempre se disponibilizou para juntar todos os elementos necessários.
26. Pior, nem a AF, nem o Tribunal a quo, solicitaram ao aqui recorrente qualquer elemento probatório, muito embora caiba ao Tribunal, ao abrigo do princípio da descoberta da verdade material, da colaboração das partes e tia oficiosidade providenciar por se munir de todos os elementos essenciais para a boa solução da causa.
27. Assim, para além de não se ter tido tal cautela, o Tribunal a quo muniu-se de elementos que não estão correctos. Porquanto, e diferentemente do que se afirma na decisão aqui posta em crise, o recorrente não tem qualquer bem desonerado.
28. Assim, por aqui se prova a impossibilidade de prestar a garantia requerida por manifesta carência de meios económicos.
29. Por último, cumpre realçar que, a decisão de que se recorre padece de manifesta falta de fundamentação.
30. A douta sentença de que se recorre para além de não conhecer da invocada falta de fundamentação da decisão da AF, ainda se apoiou na decisão reclamada para tentar fundamentar essa mesma reclamação.
31. Resultando, assim, que a fundamentação desta decisão é inexistente e incongruente em termos de direito. Já que, não contém a legislação pertinente e adequada.
32. E, dúvidas não restam que a decisão recorrida, ao decidir da forma como decidiu, continua a pecar por falta de fundamentação, persistindo o ora recorrente no desconhecimento total da fundamentação da decisão tomada pela Administração Tributária.
33. Pois a douta decisão recorrida limita-se a anuir na decisão de indeferimento do pedido de dispensa da garantia, apoiando-se na mesma para a sua justificação.
34. Assim sendo, a douta decisão é, salvo o devido respeito, nula por não ter especificado os seus fundamentos de facto e de direito, de acordo com o disposto no artigos 125.°, n.° 1 do CPPT..
34.1. Não houve contra-alegações.
34.2. O Mm.º Juiz “a quo” lavrou despacho de sustentação, na parte em que se invocava a nulidade da decisão recorrida.
34.3. Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.
34.4. Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos – «C.P.T.A.» – e 707.º, n.º 4, do Código de Processo Civil – «C.P.C.»), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.
34.5. São as seguintes as questões a decidir:
a) Saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que a decisão do Órgão de Execução Fiscal não preteriu a formalidade legal a que aludem os artigos 55.º, 60.º, n.º 3, e 98.º, todos da Lei Geral Tributária (falta de audição prévia);
b) Saber se a decisão recorrida é nula por falta de especificação dos fundamentos que a justificam, na parte em que sustentou a legalidade da dispensa da audição do interessado ou por falta de pronúncia sobre questão de que devesse conhecer (saber se a decisão do Órgão de Execução Fiscal padece de falta de fundamentação);
c) Saber se ocorreu violação do princípio da colaboração, por não terem sido solicitados ao Recorrente elementos probatórios;
2. Fundamentação de Facto
2.1. É o seguinte o acervo dos factos que em primeira instância foram dados como provados (que aqui optamos por ordenar por alíneas):
a) No Serviço de Finanças de Tondela, em 02-02-2011, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 2704201101001604 e apenso contra o Reclamante F…, por dívida referente a IVA do período de Nov/2010, no montante global de €1.732,24, acrescida dos respectivos juros de mora e custas, cfr. fls. 3, 4 e 5 dos presentes autos, aqui dadas como reproduzidas, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos;
b) Porque se apurou que o executado apresentou oposição, em 12-04-2011, sem que prestasse garantia, foi notificado em 27 de Abril de 2011 e 2 de Maio de 2011 (na pessoa do seu Mandatário e directamente) para, em 15 dias, apresentar garantia com vista a suspender a execução, garantia calculada em € 2.554,10, vide fls. 9, 11 e 12, as últimas duas, frente e verso, dos presentes autos;
c) O Executado/reclamante apresentou, em 12-05-2011, requerimento, a solicitar a isenção de prestação de garantia porque alegadamente: “… estamos perante um caso de manifesta falta de meios económicos.”. Resumidamente alegou estar a atravessar graves dificuldades económicas; os seus bens já estarem penhorados à ordem de diversas execuções; ter um filho menor, estudante; encontrar-se a pagar vários empréstimos; não dispõe de meios para prestar garantia, cfr. fls. 14 a 21 dos autos;
d) O Órgão de Execução Fiscal analisando o requerido, fazendo o seu enquadramento jurídico-factual indeferiu, por despacho de 23 de Maio de 2011, o pedido de isenção com os fundamentos: “… da falta de produção de prova da insuficiência de bens penhoráveis e… da falta de produção de prova da irresponsabilidade do executado pela situação de insuficiência/inexistência de bens”. Quanto à participação prévia à decisão mais referiu: “Está superiormente esclarecido que a audiência dos interessados pode ser dispensada, para além de outras situações, quando a administração tributária, apenas aprecie, os factos que lhe foram dados pelo contribuinte, limitando-se na sua decisão a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis ao caso (al. a) do ponto 3 da Circular nº 13/99, de 08/07, da Direcção Geral dos Impostos).”, vide fls. 25 e 26, ambas frente e verso, dos autos;
e) Despacho comunicado ao executado, bem como ao seu Mandatário, em 01-06-2011 e 25-05-2011, respectivamente, tendo, posteriormente, o Mandatário do Reclamante sido novamente notificado, em 15-06-2011 para suprir a invocada falta de indicação de meio de reacção ao indeferimento e respectivo prazo, reagindo a ele, através da reclamação que deu origem aos presentes autos, apresentada, no dia 28-06-2011, cfr. fls. 27 e 28, ambas frente e verso, 34 frente e verso e 35 a 48 dos presentes autos;
f) A Entidade reclamada pronunciando-se sobre a reclamação manteve o despacho reclamado e remeteu os autos a Tribunal, vide fls. 92 a 96 dos autos.
3. Fundamentação de Direito
3.1. Merece prioridade o conhecimento das nulidades apontadas à decisão recorrida (cfr. artigos 125.º, n.º 1, do C.P.P.T. e 668.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C.) visto que a sua procedência poderá conduzir à remessa dos autos à primeira instância para o seu suprimento.
Alega, nesta parte, o Recorrente que a douta decisão recorrida não apresentou qualquer fundamentação para a legalidade da dispensa da audição do interessado.
Mas não tem razão: analisada a pág. 6 daquele douto aresto, verifica-se que, logo no 2.º §, o Mm.º Juiz invoca, além do mais, a redacção do artigo 170.º, n.º 4, do C.P.P.T.. E o que ali se pretende claramente dizer é que o facto de o legislador ter fixado dez dias para a resolução deste incidente indica que pretendeu dispensar a audição prévia, neste caso.
Pode, naturalmente, questionar-se esta argumentação e pode o Recorrente não concordar com ela. Mas não pode defender-se que não podia alcançar os fundamentos da decisão. Porque qualquer declaratário normal perceberia o que o M.mº Juiz pretendeu sustentar naquele segmento.
Saber se a legislação invocada é a pertinente e adequada (como defende o Recorrente no artigo 31.º da doutas conclusões) já não releva do ponto de vista formal (o de saber qual foi o itinerário cognoscitivo do órgão decisor) mas do ponto de vista material (o de saber se o órgão decisor interpretou e aplicou correctamente o direito).
Adiante, o Recorrente parece apontar – de passagem – a outra nulidade: a omissão de pronúncia (cfr. artigos 125.º, n.º 1, do C.P.P.T. e 668.º, n.º 1, alínea d), do C.P.C.). Alegando que o M.mº Juiz não conheceu da invocada falta de fundamentação da decisão do Órgão de Execução Fiscal.
Analisada, porém, a douta p.i. de fls. 35 e seguintes dos autos (que fixa o objecto da reclamação) não se descortina que alguma vez tenha sido ali invocada a falta de fundamentação da decisão ali reclamada. Aliás, a douta p.i. respectiva até está bem organizada, facultando rápida apreensão dos seus fundamentos, e em lado algum se individualizou o vício de falta de fundamentação da decisão reclamada. Que, como se sabe, não é do conhecimento oficioso.
Do que, para o caso, é possível retirar duas consequências desde já: de um lado, que a decisão recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia, porque não tinha que apreciar vício que não é invocado e que não é do conhecimento oficioso. De outro lado, que o tribunal de recurso também não pode apreciar ex novo a mesma questão. Porque o âmbito objectivo do recurso também é delimitado perimetralmente pelo âmbito da decisão recorrida – artigo 684.º, n.º 2, do C.P.C.
Pelo que o recurso improcede nesta parte.
3.2. A segunda questão a decidir é a de saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento na parte em que concluiu não existir o dever de audição prévia antes da decisão do Órgão de Execução Fiscal que indefere o pedido de dispensa de garantia.
Considera o Recorrente que foram desrespeitados os artigos 55.º, 60.º, n.º 5 e 98.º da Lei Geral Tributária.
No entanto, os artigos 55.º e 60.º citados são normas que instruem o procedimento tributário. Não aplicáveis, por isso, aos processos judiciais tributários, salvo disposição em contrário.
Ora, o processo de execução fiscal é um processo judicial tributário, como decorre do artigo 103.º, n.º 1, da L.G.T. Os órgãos de administração tributária têm nele intervenção apenas para a prática de actos materialmente administrativos, isto é, actos que em si não comportam nenhum resolução de natureza jurisdicional, que consiste sempre numa resolução de um conflito de interesses, tendo como desiderato a realização do direito e da justiça.
A expressão «actos materialmente administrativos», utilizada no n.º 2 daquele artigo 103.º sugere fortemente que, do ponto de vista formal, os actos praticados pelo Órgão de Execução Fiscal são também jurisdicionais e estão, por isso, subordinados às mesmas regras processuais a que se sujeitam os demais processos judiciais tributários. E não, por conseguinte, às regras do procedimento tributário.
O que não sucede com a decisão de reversão em processo fiscal. Mas porque traduz um instrumento procedimental de natureza declarativa enxertado no processo executivo. Isto é, embora a Administração Tributária devesse, no rigor dos princípios, aferir da responsabilidade pelas dívidas tributárias no procedimento tributário respectivo, a lei permite-lhe que seja aferida a responsabilidade subsidiária em plena execução da dívida correspondente, através de um meio incidental denominado «reversão».
A dispensa da prestação de garantia, porém, visa apenas disciplinar os termos em que a execução pode ficar suspensa ou prosseguir, integrando o quadro normativo que disciplina o seu andamento. Tem, por isso, uma função incidental intrínseca na execução.
Assim sendo, não lhe são aplicáveis as regras procedimentais insertas nos artigos 54.º e seguintes da L.G.T., nomeadamente os seus artigos 55.º e 60.º da L.G.T. E, já agora, também não lhe são aplicáveis subsidiariamente – em nosso entender – as regras correspondentes do Código do Procedimento Administrativo, pela mesma razão.
Que, de qualquer modo, não lhe seriam facilmente adaptáveis, visto que o prazo para o exercício do direito de audição não poderia ser inferior a 8 dias, o que por si só inviabilizaria a observância do prazo de decisão fixado no artigo 170.º, n.º 4, do C.P.P.T., como bem se observou na douta sentença sob recurso.
Assim sendo, na tese que aqui propugnamos, a audição prévia do impetrante justifica-se em todos os casos em que, de acordo com o artigo 3.º, n.º 3, do C.P.C., seja necessária para salvaguardar o contraditório.
Deste princípio decorre que, em princípio, a parte deve ser ouvida para se pronunciar sobre questões suscitadas pela parte contrária ou de que o tribunal se proponha conhecer oficiosamente, em termos inovatórios.
Aplicando este preceito ao objecto de análise, a audição do ora Recorrente antes de decisão desfavorável quanto ao pedido de dispensa de prestação de garantia justificava-se se a parte contrária tivesse tido a oportunidade de se pronunciar sobre essa pretensão e invocasse questão nova em que o Órgão de Execução Fiscal se pretendesse sustentar para o decidir. Ou se o Órgão de Execução Fiscal se preparasse para indeferir o pedido de dispensa com base em questão que devesse aferir oficiosamente (por exemplo, a intempestividade do pedido).
Manifestamente, não é o caso. O Órgão de Execução Fiscal indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia porque, divergindo do peticionado no requerimento respectivo e com base nos elementos fornecidos pelo próprio Recorrente, considerou que não estavam reunidos os pressupostos para tal. Pelo que, em nosso entender, não se justificava ouvir previamente o Recorrente para salvaguardar o contraditório.
E também não se vê que tenha sido violado o princípio da igualdade. Aliás, o Recorrente não explica como foi concluir tal, tendo-se limitado, nesta parte, a invocar o artigo 98.º da L.G.T. E, em abstracto, só se conceberia a violação deste princípio se, num processo de partes, só tivesse sido dada a oportunidade a uma delas para se pronunciar sobre a questão.
Razão porque o recurso também não merece provimento nesta parte.
3.3. A última questão suscitada no recurso prende-se com a violação dos princípios da descoberta da verdade material, da colaboração das partes e da oficiosidade. Queixa-se o Recorrente de que nem a Administração Tributária nem o Tribunal “a quo” lhe solicitaram qualquer elemento probatório, apesar de se ter sempre disponibilizado para os apresentar e de caber ao Tribunal, ao abrigo dos supra citados princípios, providenciar por se munir de todos os elementos essenciais para a boa solução da causa.
Importa começar por referir que o dever de indagação oficiosa se circunscreve aos factos concretamente alegados e aos que o Tribunal deva oficiosamente conhecer – artigo 13.º, n.º 1, do C.P.P.T.
Sendo que no requerimento de dispensa de garantia o ora Recorrente dispensou-se de consubstanciar a maior parte do alegado a propósito da falta de meios económicos, remetendo-se repetidamente para observações vagas e descontextualizadas, insusceptíveis de confirmação. Assim, alega que se encontra «a atravessar sérias dificuldades económicas», mas nunca explicou em que se traduzem essas dificuldades, qual o montante global das dívidas e os rendimentos de que dispõe para lhes fazer frente. Clama que «os encargos sobre este agregado familiar são muto elevados», mas nem sequer os enunciou. Remete-nos para a «grave crise económica que tem vindo a assolar o país e a economia global» sem nunca explicar de que modo o afectou e porquê. Justifica-se com a canalização dos «escassos recursos económicos de que dispõe para cumprir pontualmente as suas obrigações» sem, mais uma vez, consubstanciar os recursos de que dispõe e as obrigações que enfrenta, pela sua natureza, origem ou valor. Embora acrescente adiante que «não tem um rendimento sequer superior ao ordenado mínimo nacional», volta a não especificar a sua natureza, origem e valor.
De concreto, apenas alega que tem um filho a seu cargo e que tem todo o seu património penhorado em execuções, sendo que nenhum destes factos evidencia falta de meios económicos. Como é lógico, ter um dependente a seu cargo e ter pendentes execuções contra si não significa por si só que não possa pagar as despesas e dívidas que enfrenta, e os rendimentos necessários para garantir uma dívida não têm necessariamente que provir de património imobiliário.
Mas ainda que tivesse alegado factualidade suficiente para concluir – como concluiu – pela manifesta falta de meios económicos, não alegou absolutamente nada a propósito de um outro requisito da dispensa da garantia que emana do artigo 52.º, n.º 4, da L.G.T., a saber: a inexistência de responsabilidade pela insuficiência do património para a prestação da garantia. O que o M.mº Juiz “a quo” também não deixou de assinalar na douta sentença recorrida.
De onde decorre que o Tribunal “a quo” também por esta razão se poderia dispensar de indagar sobre a os meios económicos de que o ora Recorrente dispõe. Ainda que se provasse tudo o que o Recorrente alega nesta parte e ainda que se concedesse que daí resultava a manifesta falta de meios económicos, nem por isso a decisão poderia ser diferente, agora por falta deste segundo requisito da dispensa de garantia.
Tanto basta, a nosso ver, para concluir que o recurso jamais poderia proceder, também por aqui.
4. Conclusões
4.1. Não padece de nulidade por falta de especificação dos fundamentos que a justificam, a decisão judicial que, invocando, além do mais, o artigo 170.º, n.º 4, do C.P.P.T. e sublinhando o prazo de dez dias para a resolução do pedido de dispensa de garantia, extrai daí que o incidente respectivo não está sujeito a audição prévia, visto que é possível reconstituir a partir destes dados o itinerário cognoscitivo que presidiu à decisão;
4.2. Não padece de nulidade por omissão de pronúncia a decisão judicial que omite o conhecimento do vício de falta de fundamentação da decisão do Órgão de Execução Fiscal se este vício não foi oportunamente alegado na reclamação dessa decisão, visto que a falta de fundamentação não é vício de que o tribunal possa oficiosamente conhecer;
4.3. Não viola o direito de audição do executado consagrado nos artigos 55.º e 60.º da L.G.T. a decisão de indeferimento da dispensa de garantia, visto que a execução fiscal tem natureza judicial – artigo 103.º, n.º 1, da L.G.T. – e estes dispositivos legais não são aplicáveis aos processos judiciais;
4.4. Não carece de audição prévia a decisão do Órgão de Execução Fiscal que conhecendo do pedido de dispensa de garantia, não o indefere com base em questão nova suscitada por outrem ou de que devesse aferir oficiosamente, visto que não está, então, em causa a salvaguarda do princípio do contraditório – artigo 3.º, n.º 3, do C.P.C.
4.5. O Tribunal não tem o dever de indagar oficiosamente sobre a manifesta falta de meios económicos se o requerente do pedido de dispensa de garantia não alega factos suficientes que sustentem tal conclusão e não invoca sequer que a sua insuficiência não é da sua responsabilidade – artigo 52.º, n.º 4, da L.G.T.
5. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao presente recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 17 de Novembro de 2011
Ass. Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Ass. Irene Isabel Gomes das Neves
Ass. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (Concordo com a decisão discordando no entanto com a aplicação no caso concreto do disposto no artº 3º, nº3 do CPC, por entender que o mesmo só é aplicável a actos exclusivamente praticados pelo juiz.)