Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02235/19.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/19/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA; OBEDIÊNCIA À CONSTITUIÇÃO; N.º 2 DO ARTIGO 266º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; PRINCÍPIO HIERARQUIA DAS LEIS;
ARTIGO 112º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE (DECRETO-LEI N.º 139-A/90, DE 28.04); ARTIGO 9.º, N.º 8, DO DECRETO-LEI N.º 132/2012, DE 27.06, E ARTIGO 16.º DO DECRETO-REGULAMENTAR N.º 1-A/2011, DE 03.01
Sumário:1. A Administração não pode aplicar leis ou regulamentos incompatíveis com a Constituição da República Portuguesa; é o que cristalinamente resulta do n.º 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa.

2. Concluindo que a lei ou o regulamento são inconstitucionais, a Administração Pública deve pura e simplesmente desaplicá-los em obediência ao disposto no n.º 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, e face ao princípio da legalidade, consagrado também neste preceito e no artigo 3º do Código de Procedimento Administrativo.

3. O que não pode fazer, no entanto, é preencher eventual lacuna normativa mesmo por via interpretativa, dado que aí estaria a legislar e, portanto, a desrespeitar o princípio constitucional da separação de poderes, consignado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa; a não ser que a Entidade Administrativa que praticou o acto tenha poderes normativos nesse âmbito.

4. Convencida pelo destinatário do acto que a norma aplicada é inconstitucional, a Administração Pública não só pode como deve, face ao disposto no n.º2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, alterar a norma criada de forma a torná-la compatível com a Lei Fundamental e depois praticar acto em conformidade.

5. Norma ou interpretação de norma que leve a solução diferente, está ela própria ferida de inconstitucionalidade, por violação do disposto no n.º2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa.

6. O mesmo se diga na relação entre uma norma aplicada no acto impugnado e outra norma de valor superior; se constatar que a norma aplicada é contrária a norma de valor superior deve desaplicá-la e, se estiver dentro do âmbito dos seus poderes normativos, alterá-la de forma a torná-la compatível com a norma de valor legal superior; só assim se respeita o princípio da hierarquia das leis, consignado no artigo 112º da Constituição da República Portuguesa.


7. As disposições combinadas dos artigos 76.º e 77º do Estatuto da Carreira Docente (Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28.04), artigo 9.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27.06, e artigo 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03.01, na medida em que impõem uma solução legal na declaração de dias de trabalho dos docentes contratados com horário incompleto diversa da solução legal consagrada para os docentes com horário completo, não padecem de inconstitucionalidade por violação de qualquer norma ou princípio constitucional, em particular do princípio da igualdade previsto nos artigos 13º e 63º da Constituição da República Portuguesa.

8. Trata-se, pelo contrário de uma solução que respeita o princípio da igualdade por tratar de forma diferente duas situações que são materialmente diferentes.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Sindicato Independente de Professores e Educadores
Recorrido 1:Ministério da Educação.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Sindicato Independente de Professores e Educadores, em representação de C. e outras veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de 31.03.2020, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa interposta contra o Ministério da Educação para condenação do Réu, ora Recorrido, a declarar junto da segurança social que as associadas do Autor prestaram mensalmente 30 dias de trabalho por cada mês nos anos lectivos de 2015 a 2019 e a adoptar os actos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se não fosse a omissão em causa.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida se mostra deficiente quanto à matéria de facto relevante, não indicando a componente não lectiva do trabalho prestado pelas suas Associadas, apesar de ser matéria de facto alegada e não impugnada; quanto ao enquadramento jurídico, entende que a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 76º, 79º, 82º do Estatuto da Carreira Docente, artigo 16º, nº 4 do Decreto Regulamentar 10-A/2011 de 03.01, o artigo 150º do Código do Trabalho e os artigos 13º e 63º da Constituição da República Portuguesa.

O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Púbico neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

I. Entende a Recorrente que deverá ser alterada a matéria de facto sendo acrescentada ao tempo de trabalho de cada uma das docentes a expressão “às quais acrescia a carga horária relativa à componente não lectiva” tal como detalhadamente se explanou no ponto I das alegações.

II. Efectivamente tal matéria é essencial à causa de pedir do Autor, foi alegada na sua petição e não foi impugnada pelo Réu na sua contestação.

III. Para uma adequada apreciação do objecto do presente processo, é necessário antes de tudo analisar a componente não lectiva do trabalho prestado pelos docentes, questão que foi em absoluto esquecida na decisão sob análise.

IV. A componente não lectiva, prevista nos artigos 76, nº 2 e 82º do Estatuto da Carreira Docente, divide-se em duas realidades: a individual, da responsabilidade e gestão do professor, e a do estabelecimento de ensino, da responsabilidade do director.

V. A primeira terá a duração de 13 horas, sendo que a segunda terá a duração máxima de 150 minutos a incluir na referida duração.

VI. Todas as representadas do Recorrente estiveram sujeitas a esta prestação de trabalho na sua componente não lectiva. Sendo que a sua duração, ou disponibilidade, não variou em função da componente lectiva prevista no contrato de trabalho a termo resolutivo.

VII. A sentença confunde horário lectivo com horário de trabalho!!! Comparando as horas lectivas contratadas (“se cifram entre o mínimo de 7 horas e o máximo de 20 horas semanais”) com a duração máxima da prestação do serviço de 35 horas prevista no artigo 76º do Estatuto da Carreia Docente.

VIII.A decisão ignora de forma inexplicável, ao logo da sua exposição, a componente não lectiva do horário de trabalho.

IX. Esta componente não lectiva, na falta de disposição expressa que o esclareça, há-de fazer-se por exclusão de partes. Aquelas horas que “sobram” entre a componente lectiva e o máximo das 35 horas seriam a componente não lectiva.

X. O Recorrente entende, na situação dos docentes com horário incompleto, que a componente não lectiva seriam sempre as horas que mediariam entre o número de horas lectivas e as 35 horas semanais (como acontece aliás no caso da redução da componente lectiva prevista no artigo 79º do Estatuto da Carreira Docente).

XI. Nos casos analisados nos autos não estamos perante num contrato de trabalho a tempo parcial!!

XII.E não estamos, desde logo, porque tal referência não é feita no contrato de trabalho.

XIII.A única referência diz respeito à duração da componente lectiva que, como já vimos, não esgota o período de trabalho do professor.

XIV. Na falta desta indicação expressa é lícito interpretar o contrato no sentido de que a componente não lectiva seria a correspondente à subtração às 35 horas da componente lectiva do contrato.

XV.O artigo 82, nº 3 do Estatuto da Carreira Docente prevê as actividades na componente não lectiva. Estas actividades, não previstas ou indicadas no horário do professor, obrigam a que este esteja disponível em qualquer dia da semana. Esta disponibilidade total é ignorada por completo se nos ativermos ao critério da proporcionalidade da componente não lectiva.

XVI. A uma dedicação exclusiva e total corresponderia uma protecção social de segunda (não cuidaremos aqui sequer de discutir as implicações que esta realidade tem ao nível da legalidade da diminuição da retribuição com referência apenas à componente lectiva).

XVII. Os docentes, como funcionários públicos, estão sujeitos a regra de exclusividade que se retira dos artigos 22º e 23º da Lei 35/2014 de 20.06, do artigo 111º do Estatuto da Carreira Docente e do artigo 2º da Portaria 814/2005 de 13.09.

XVIII.O exercício de funções no sector privado, mesmo para os professores com horário incompleto, depende de autorização do Ministério da Educação.

XIX. Estes professores, que têm um horário que lhes ocupa todos os dias da semana, que estão sujeitos a ser chamados para efectuar actividades pelo director em qualquer dia da semana e que, para exercer outras funções no horário que lhe sobraria, no caso de enveredarmos pelo caminho da proporcionalidade, tem que pedir autorização ao Ministério da Educação teriam uma protecção social manca pelo simples facto do horário da componente lectiva não ser completo.

XX. Esta interpretação, para além de injusta, seria sempre de considerar inconstitucional por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, constituindo ainda uma violação do artigo 63º do mesmo diploma.

XXI. Entende assim o Recorrente que todas as suas representadas respeitam o requisito do artigo 16º, nº 2 do Decreto Regulamentar 1-A/2011 de 03.01 uma vez que todas tiveram uma actividade que correspondeu a um mínimo de seis horas de trabalho diário reportado a todos os dias do mês.

Sem prescindir,

XXII.E mesmo que se entenda que a componente não lectiva é proporcional à lectiva, andou mal o tribunal porque não teve em consideração aquela componente na sua decisão.

XXIII. Aplicando este critério as docentes representadas pelo Autor teriam tido a seguinte carga horária:

- A docente C. teria 20 horas semanais de componente lectiva o que equivale a 12 horas de componente não lectiva, num total de 32 horas semanais. Assim, com uma média diária superior a 6 horas preenche os requisitos do artigo 16º, nº 2 do Decreto Regulamentar 1-A/2011 de 03.01.

- A docente C., teria 8 horas semanais de componente lectiva o que equivale a 5 horas de componente não lectiva, num total de 13 horas semanais.

- A docente S., teria 8 horas semanais de componente lectiva o que equivale a 5 horas de componente não lectiva, num total de 13 horas semanais.

- A docente M., teria 18 horas semanais de componente lectiva o que equivale a 11 horas de componente não lectiva, num total de 29 horas semanais. Assim, com uma média diária de 6 horas preenche os requisitos do artigo 16º, nº 2 do Decreto Regulamentar 1-A/2011 de 03.01.

- A docente C., teria, no ano lectivo 2017/2018, 16 horas semanais de componente lectiva o que equivale a 10 horas de componente não lectiva, num total de 26 horas semanais. Assim, com uma média diária de 6 horas preenche os requisitos do artigo 16º, nº 2 do Decreto Regulamentar 1-A/2011 de 03.01. No ano lectivo 2018/2019, teria 13 horas semanais de componente lectiva o que equivale a 8 horas de componente não lectiva, num total de 21 horas semanais.

- A docente M., teria um total 19 horas semanais de componente lectiva o que equivale a 12 horas de componente não lectiva, num total de 31 horas semanais. Assim, com uma média diária superior a 6 horas preenche os requisitos do artigo 16º, nº 2 do Decreto Regulamentar 1-A/2011 de 03.01.

- A docente A., teria 10 horas semanais de componente lectiva o que equivale a 6 horas de componente não lectiva, num total de 16 horas semanais.

- A docente C., no ano lectivo 2015/2016, 12 horas semanais de componente lectiva o que equivale a 8 horas de componente não lectiva, num total de 20 horas semanais. No ano lectivo 2017/2018, teria 9 horas semanais de componente lectiva o que equivale a 6 horas de componente não lectiva, num total de 15 horas semanais. No ano lectivo 2018/2019, teria 18 horas semanais de componente lectiva o que equivale a 11 horas de componente não lectiva, num total de 29 horas semanais. Assim, com uma média diária de 6 horas preenche os requisitos do artigo 16º, nº 2, do Decreto Regulamentar 1-A/2011 de 03.01.

XXIV. Tendo em conta este critério as docentes C., M., C. (relativamente ao ano 2017/2018) , M. e C. (relativamente ao ano 2018/2019) teriam sempre direito a que fosse comunicado à Segurança Social a prestação mensal de 30 dias de trabalho.

XXV.A decisão recorrida viola o disposto nos artigos 76º, 79º, 82º do Estatuto da Carreira Docente, artigo 16º, nº 4 do Decreto Regulamentar 10-A/2011 de 03.01, o artigo 150º do Código do Trabalho e os artigos 13º e 63º da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que se requer a V. Exas. que alterem a decisão sobre a matéria de facto nos termos acima expostos, e revoguem a decisão recorrida substituindo-a por outra que condene o Réu a declarar junto da Segurança Social a prestação mensal de 30 dias de trabalho das docentes representadas pelo A. nos anos lectivos de 2015/2016, 2016/2017, 2017/2018 e 2018/2019, sendo o Réu condenado à adopção de actos e operações necessárias para reconstituir a situação que existiria não fosse a omissão em causa, explicitando, se for o caso, as vinculares a observar pela administração no sentido de se considerar os 30 dias por cada mês de trabalho, para efeitos de comunicação à Segurança Social

Ainda que assim não se entenda sempre se requer a V. Exa. que, com base na matéria dada como provada na primeira instância, revoguem a decisão recorrida substituindo-a por outra que condene o Réu a declarar junto da Segurança Social a prestação mensal de 30 dias de trabalho das docentes representadas pelo A. nos anos lectivos de 2015/2016, 2016/2017, 2017/2018 e 2018/2019, sendo o Réu condenado à adopção de actos e operações necessárias para reconstituir a situação que existiria não fosse a omissão em causa, explicitando, se for o caso, as vinculares a observar pela administração no sentido de se considerar os 30 dias por cada mês de trabalho, para efeitos de comunicação à Segurança Social

Sem prescindir, e a ser seguido o entendimento explanado no ponto II. 2, sempre se requer a V. Exa. que revoguem a decisão recorrida substituindo-a por outra que condene o Réu a declarar junto da Segurança Social a prestação mensal de 30 dias de trabalho das docentes representadas pelo A. nos anos lectivos de 2015/2016, 2016/2017, 2017/2018 e 2018/2019, sendo o Réu condenado à adopção de actos e operações necessárias para reconstituir a situação que existiria não fosse a omissão em causa, explicitando, se for o caso, as vinculares a observar pela administração no sentido de se considerar os 30 dias por cada mês de trabalho, para efeitos de comunicação à Segurança Social relativamente às docentes C., M, C. (relativamente ao ano 2017/2018), M. e C. (relativamente ao ano 2018/2019).
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II –Matéria de facto.

Começa o Recorrente por invocar que Entende a Recorrente que deverá ser alterada a matéria de facto sendo acrescentada ao tempo de trabalho de cada uma das docentes a expressão “às quais acrescia a carga horária relativa à componente não lectiva”; tal matéria é essencial à causa de pedir do Autor, foi alegada na sua petição e não foi impugnada pelo Réu na sua contestação.

E tem razão nesta parte.

Trata-se, com efeito, de matéria relevante para a decisão do pleito, segundo uma das soluções possíveis, precisamente a defendida pelo Autor, pelo que deve ser levada aos factos provados.

Mostra-se, no entanto, mais adequado fixar apenas um facto relativo a todas as Associadas do Autor, ao invés de alterar cada uma das alíneas, porque assim fica mais claro e porque se trata e um facto com autonomia.

Deveremos assim dar como provados os seguintes factos:

1.º - A associada do Autor C., no ano lectivo 2018/2019, em quatro contratos de trabalho a termo resolutivo, foram-lhe atribuídos pelo Réu um total de 20 horas semanais (cf. folhas 73 e seguintes do processo físico).

2.º - A associada do Autor C., no ano lectivo 2018/2019, num contrato de trabalho a termo resolutivo, foi-lhe atribuído pelo Réu o horário de 8 horas semanais (cf. folhas 101 e seguintes do processo físico).

3.º - A associada do Autor S., no ano lectivo 2018/2019, num contrato de trabalho a termo resolutivo, foi-lhe atribuído pelo Réu o horário de 8 horas semanais (cf. folhas 111 e seguintes do processo físico).

4.º - A associada do Autor M., no ano lectivo 2018/2019, num contrato de trabalho a termo resolutivo, foi-lhe atribuído pelo Réu o horário de 18 horas semanais (cf. folhas 122 e seguintes do processo físico).

5.º - A associada do Autor C., no ano lectivo 2017/2018, em três contratos de trabalho a termo resolutivo, foram-lhe atribuídos pelo R. horários semanais de 14, 15 e 16 horas, e no ano lectivo 2018/2019 foi-lhe atribuído um contrato de trabalho a termo resolutivo inicial de 8 horas semanais e, depois, de 13 horas semanais (cf. folhas 137 e seguintes do processo físico).

6.º - A associada do Autor M., no ano lectivo 2018/2019, em dois contratos de trabalho a termo resolutivo, foram-lhe atribuídos pelo Réu os horários de 7 e 12 horas semanais, respectivamente (cf. folhas 164 e seguintes do processo físico).

7.º - A associada do Autor A., no ano lectivo 2018/2019, num contrato de trabalho a termo resolutivo, foi-lhe atribuído pelo Réu o horário de 10 horas semanais (cf. folhas 186 e seguintes do processo físico).

8.º - A associada do Autor C., no ano lectivo 2015/2016, num contrato a termo resolutivo, foi-lhe atribuído um horário de 12 horas semanais, no ano lectivo 2017/2018, num contrato de trabalho a termo resolutivo, foi-lhe atribuído pelo Réu o horário semanal de 9 horas, e, no ano lectivo 2018/2019, foi-lhe atribuído um contrato de trabalho a termo resolutivo de 18 horas semanais (cf. folhas 216 e seguintes do processo físico).

9º - A cada um destes horários acrescia a componente não lectiva.
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III - Enquadramento jurídico.

Em primeiro lugar cabe afirmar que a Administração não pode aplicar leis ou regulamentos incompatíveis com a Constituição da República Portuguesa.

É o que cristalinamente resulta do n.º 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa:

“Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.

Dizer que não cabe à Administração verificar se a lei ou o regulamento são conformes à Constituição é inverter as posições, subalternizando a Constituição face à lei ordinária, e retirar qualquer sentido útil ao citado normativo constitucional pois a Administração não aplica a Constituição, mas antes a lei ordinária aos casos concretos.

Para além de se traduzir em violação de lei, porque as normas constitucionais são lei, até de valor superior às leis ordinárias.

Concluindo que a lei ou o regulamento são inconstitucionais, a Administração Pública deve pura e simplesmente desaplicá-los em obediência ao disposto no n.º 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, e face ao princípio da legalidade, consagrado também neste preceito e no artigo 3º do Código de Procedimento Administrativo.

O que não pode fazer, no entanto, é preencher eventual lacuna normativa mesmo por via interpretativa, dado que aí estaria a legislar e, portanto, a desrespeitar o princípio constitucional da separação de poderes, consignado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.

A não ser que a Entidade Administrativa que praticou o acto tenha poderes normativos nesse âmbito.

Aí, convencida pelo destinatário do acto que a norma aplicada é inconstitucional, não só pode como deve, face ao disposto no citado n.º 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, alterar a norma criada de forma a torná-la compatível com a Lei Fundamental e depois praticar acto em conformidade.

Norma ou interpretação de norma que leve a solução diferente, está ela própria ferida de inconstitucionalidade, por violação desta norma constitucional.

Em todo o caso, o Tribunal sempre deve apreciar a legalidade do acto à luz das normas constitucionais e, portanto, a eventual inconstitucionalidade das normas aplicadas no acto em juízo – artigo 204º da Constituição da República Portuguesa.

Como se sustenta no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11.05.2006, no processo 03973/00, com o mesmo Relator:

“Com efeito a validade dos actos administrativos também se afere, melhor, aprecia-se em primeira linha, pela conformidade com a Constituição – art.º 266º, n.º 2, do Diploma Fundamental”.

O mesmo se diga na relação entre uma norma aplicada no acto impugnado e outra norma de valor superior.

Se constatar que a norma aplicada é contrária a norma de valor superior deve desaplicá-la e, se estiver dentro do âmbito dos seus poderes normativos, alterá-la de forma a torná-la compatível com a norma de valor legal superior.

Só assim se respeita o princípio da hierarquia das leis, consignado no artigo 112º da Constituição da República Portuguesa.

Dito isto, vejamos as normas aplicadas ao caso concreto.

O artigo 76.º do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28.04:

“1 - O pessoal docente em exercício de funções é obrigado à prestação de 35 horas semanais de serviço.

2 - O horário semanal dos docentes integra uma componente lectiva e uma componente não lectiva e desenvolve-se em cinco dias de trabalho.”.

O artigo 77.º do mesmo Estatuto:

“1 - A componente lectiva do pessoal docente da educação pré-escolar e do 1º ciclo do ensino básico é de vinte e cinco horas semanais.

2 - A componente lectiva do pessoal docente dos restantes ciclos e níveis de ensino, incluindo a educação especial, é de vinte e duas horas semanais.”.

O artigo 9.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27.06:

“Os candidatos à contratação a termo resolutivo previstos nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 6.º podem manifestar preferências para cada um dos intervalos seguintes:

a) Horário completo;
b) Horário entre quinze e vinte e uma horas;
c) Horário entre oito e catorze horas.

O artigo 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03.01, sob a epígrafe: “Declaração de tempos de trabalho”:

“1 - Os tempos de trabalho são declarados em dias, independentemente de a actividade ser prestada a tempo completo ou a tempo parcial.

2 - Nos casos em que a actividade corresponda a um mínimo de seis horas de trabalho diário e se reporte a todos os dias do mês, o tempo declarado corresponde a 30 dias.
(…)
4 - Nas situações de trabalho a tempo parcial, de contrato de muito curta duração e de contrato intermitente com prestação horária de trabalho, é declarado um dia de trabalho por cada conjunto de seis horas.
(…)”.

Nenhuma destas normas, adianta-se, fere qualquer norma ou princípio constitucional, em particular o princípio da igualdade previsto nos artigos 13º e 63º da Constituição da República Portuguesa.

A solução legal em apreço trata de forma diferente situações diferentes, o que respeita o princípio da igualdade.

Solução desigual e, por isso, injusta, é precisamente a que preconiza, em primeira linha, o Autor: tratar situações como a dos autos, de horário incompleto, como se de horário completo se tratasse, desfavorecendo relativamente os docentes com horário completo, e atribuir uma maior componente não lectiva a docentes com menor componente lectiva no exercício de funções docentes idênticas.

A solução que se afigura legal será a de atribuir uma componente não lectiva, como o próprio Ministério demandado reconhece, proporcional à componente lectiva.

Fazendo, entendemos nós, o cálculo pela “regra de três simples”, a partir dos números de horas a que aludem os artigos 76º e 77º do Estatuto da Carreira Docente.

Verificamos, a partir deste pressuposto, que face os horários semanais que constam dos contratos celebrados com as Associadas do Autor, na melhor das hipóteses, a de pessoal docente dos restantes ciclos e níveis de ensino que não da educação pré-escolar e do 1º ciclo do ensino básico, por ser a quem tem maior componente não lectiva, apenas a Associada do Autor C., com 20 horas semanais de componente lectiva, superaria no computo global, 31,8 horas semanais, o mínimo de seis horas de trabalho diário (31,8 horas : 5 dias) para se integrar a sua situação no n.º 2 do artigo 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03.01.

Sucede que esta Associada do Autor, como se pode verificar da cópia do contrato junto com a petição inicial como documento n.º 12, foi contratada para exercer a função de docente no nível pré-escolar.

Ora ao nível pré-escolar corresponde uma componente não docente menor, de 10 horas semanais para um horário completo de 35 horas – cfr. n.º 1 do artigo 76º e n.º 1 do artigo 77º do Estatuto da Carreira Docente.

Pela mesma “regra de três simples” teria um horário semanal de 28 horas a que corresponde de 5,6 horas trabalho diário (28 horas: 5 dias), inferior, portanto, ao número de horas de trabalho diário a que alude n.º 2 do artigo 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03.01.

Não cabendo nesta previsão legal, apenas se pode integrar no n.º 4 o mesmo artigo, sendo indiferente a classificação como trabalho a tempo parcial ou docência em horário incompleto porque materialmente a realidade é a mesma: um número de horas de trabalho diário inferior a seis horas.

Como se concluiu na decisão recorrida:

““In casu”, como facilmente se observa, os horários semanais praticados pelas associadas do A., porque incompletos ou reduzidos, quando comparados aos horários completos de outros docentes, não perfazem os mínimos de prestação laboral diária e mensal exigidos pela mencionada norma regulamentar.

Deste modo, não podem as associadas do A. alcançar um direito para cujo exercício não satisfazem os requisitos mínimos de prestação semanal e mensal no que toca aos respectivos horários de trabalho, devendo o seu caso recair noutra norma regulamentar, que não o já citado n.º 2, mas sim o n.º 4, por ser aquela que melhor se presta à duração semanal do trabalho contratado às associadas do Autor”.

Termos em que, apesar do aditamento à matéria de facto, se impõe manter a decisão recorrida.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.
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Não e devida tributação por dela estar isento o Recorrente.
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Porto, 19.02.2021

Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco