Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00644/17.1BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/14/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ACTO DEVIDO, REPETIÇÃO DE NOTIFICAÇÃO, AVISO DE RECEPÇÃO ASSINADO POR TERCEIRO, ILISÃO DE PRESUNÇÃO,
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO, PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO, DECLARAÇÕES DE PARTE, PROVA INDIRECTA, DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I – A liberdade na formação da convicção do julgador deverá assentar em elementos probatórios, em presunções judiciais, em regras da experiência comum e/ou em critérios lógicos que, de forma sustentada e segura e tendo em conta as regras da repartição do ónus da prova, permitam uma fundada convicção quanto à verificação dos factos que se tenham como provados.

II – Nos termos do artigo 466.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.

III – As declarações de parte integram um testemunho de parte; a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente.

IV – O depoimento indirecto não se confunde com o depoimento “por ouvir dizer”, sendo que aquele, ao contrário deste, tem uma fonte concretamente identificada, revelando, pese embora não tenha um conhecimento presencial do facto, o conhecimento de quem o teve e que lho transmitiu.

V – Não sendo o depoimento indirecto proibido, situa-se a sua valoração no âmbito da avaliação da credibilidade (maior ou menor conforme as circunstâncias de cada caso concreto) que o mesmo possa merecer ao julgador.

VI – Tal não se confunde com a prova indirecta. No recurso a provas indirectas ou a «factos indiciantes dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados», tais indícios devem ser «suficientemente sólidos para criar no órgão de aplicação do direito a convicção da verdade».

VII – Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

VIII – A aplicação do princípio do aproveitamento do acto para obstar à sua anulação, praticado em violação do princípio do inquisitório e da verdade material, depende de um juízo de prognose póstuma no sentido da inexistência de qualquer possibilidade da sua influência no conteúdo daquele acto.

IX – Este juízo não pode nem deve ser influenciado pelo resultado da acção ou pela improcedência dos demais vícios invocados no processo em que o acto foi impugnado, sob pena de esvaziamento do princípio em análise e de impossibilidade prática de verificação do vício resultante da preterição do princípio do inquisitório.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:J.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

J., contribuinte n.º (…), na qualidade de cabeça de casal da herança de M., ambos melhor identificados nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 16/09/2020, que julgou improcedente a acção administrativa, e, em consequência, absolveu a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos formulados na presente acção, na qual impugnou o acto de indeferimento do recurso hierárquico interposto do despacho de indeferimento do pedido de notificação da avaliação de dois imóveis realizada em sede de IMI e solicitou a condenação da entidade demandada a considerar que o pedido de segunda avaliação foi tempestivamente apresentado e a proceder à tramitação do respectivo procedimento; subsidiariamente, solicitou a condenação da entidade demandada a proceder de novo àquela notificação, a fim de ser iniciado prazo para deduzir reclamação ao abrigo do artigo 76.º do Código do IMI, despoletando procedimento de segunda avaliação dos prédios urbanos em apreço.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso com as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1.
Nos termos expostos no artº 8º destas Alegações, foi alegado pelo aqui A., nos artºs. 26 e 27 da PI que:
E no âmbito do RH começou infelizmente um verdadeiro calvário já que a AT, de forma grosseiramente ilegal veio em 27.08.2012 (Dois anos depois) notificar a então recorrente da proposta de decisão em sede de recurso hierárquico.
Alegando imagine-se que o RH interposto era intempestivo porque considerou como data de apresentação do mesmo a data da recepção do mesmo no Serviço de Finanças e não a data do registo do mesmo no correio, sendo que o mesmo tinha sido enviado por correio registado, proposta de decisão grosseiramente ilegal e mesmo incompreensível, da autoria da Directora dos Serviços do IMI, em violação dos artigos 26º/2 do e 103º, nº 6 do CPPT aqui aplicável por remissão dos artºs. 67º, 70º do CPPT, artº. 2º do CPPT, artº 23º do CPTA e artº 150º, nº2 b) do Código de Processo Civil,
Este facto consta dos docs juntos aos autos e daqueles que deveriam constar do PA e que agora se juntam, e deveria assim ser dado como provado já que constitui um facto essencial para permitir a elaboração, em conjunto com outros factos a dar como provados e não provados, uma solução jurídica distinta da propugnada na DS.
Assim e nos termos dos artºs. 100º, 281º do CPPT, 640º e 662º do CPC, elaborando uma adequada análise da prova produzida ao contrário do decidido na DS aqui recorrida o D. Ac. a proferir por Vª. Exªs. deve assim dar como provado que:
E no âmbito do RH começou infelizmente um verdadeiro calvário já que a AT, de forma grosseiramente ilegal veio em 27.08.2012 (Dois anos depois) notificar a então recorrente da proposta de decisão em sede de recurso hierárquico.
Alegando imagine-se que o RH interposto era intempestivo porque considerou como data de apresentação do mesmo a data da recepção do mesmo no Serviço de Finanças e não a data do registo do mesmo no correio, sendo que o mesmo tinha sido enviado por correio registado, proposta de decisão grosseiramente ilegal e mesmo incompreensível, da autoria da Directora dos Serviços do IMI , em violação dos artigos 26º/2 do e 103º, nº 6 do CPPT aqui aplicável por remissão dos artºs. 67º, 70º do CPPT, artº. 2º do CPPT, artº 23º do CPTA e artº 150º , nº2 b) do Código de Processo Civil,
2.
Nos termos expostos no artº 9º destas Alegações:
Foi Alegado pelo A. na Pi que:
A Direcção dos Serviços do IMI esteve até ao passado dia 05.04.2017 para proferir a decisão neste procedimento de RH, portanto 4 anos e 6 meses depois do exercício do DA por parte da então recorrente e 6 anos e 6 meses desde a interposição do RH
Este facto está documentalmente provado pelos docs juntos ao PA, resulta dos factos 11º e 15º dados como provados pela DS e deveria assim ser dado como provado já que constitui um facto essencial para permitir a elaboração, em conjunto com outros factos a dar como provados e não provados, uma solução jurídica distinta da propugnada na DS.
Assim e nos termos dos artºs. 140º, nº3 do CPTA, 100 do CPPT (281º do CPPT), 640º e 662º do CPC, elaborando uma adequada análise da prova produzida ao contrário do decidido na DS aqui recorrida o D. Ac. a proferir por Vª. Exªs. deve assim dar como provado que:
29º
A Direcção dos Serviços do IMI esteve até ao passado dia 05.04.2017 para proferir a decisão neste procedimento de RH, portanto 4 anos e 6 meses depois do exercício do DA por parte da então recorrente e 6 anos e 6 meses desde a interposição do RH
3.
Sem prescindir nos termos expostos no artº. 11º a 24º destas alegações e no que se refere ao facto dado como não provado em sede da DS ou seja:
A. Que M. não tenha entregue a M. nem ao Autor as comunicações mencionadas no ponto 3 dos factos provados.
Entende o aqui A. que
Mais uma vez a DS padece de ilegalidade e vícios que justificam a sua substituição por D. Ac. que dê tal facto como provado, o que desde já se requer,
Já que a DS procedeu a uma errónea e infundada análise da prova produzida, vício relevante por força dos artºs. 140º, nº3 do CPTA, 100 do CPPT (281º do CPPT), 640º e 662º do CPC, mas também procedeu a uma errónea e incorrecta aplicação do direito, erro relevante para efeitos dos artºs. 639 do CPC aplicável por força do artº. 140, 3 do CPTA ( 281º CPPT) e assim ao contrário do decidido na DS aqui recorrida o D. Ac. a proferir por Vª. Exªs. deve assim dar como provado que, nos termos alegados na PI :
que efectivamente M. não entregou a J. enquanto procurador da D. M., nem a esta, as comunicações mencionadas no ponto 3 dos factos provados.
Vejamos:
a) Nos termos expostos no ponto 12º destas alegações questão aqui em análise prende-se assim com a adequada aplicação e interpretação do regime dos artºs 39º, 3 do CPPT e 350, 2 do CC que definem uma presunção ilidível em sede das notificações efetuadas por carta regista com aviso de recepção quando o recibo foi assinado por pessoa diferente da pessoa notificar,
Sendo que a data em que se considere que os actos aqui em causa foram (No) validamente notificados aos interessados é crucial para aferir a tempestividade para o exercício do direito fundamental de recurso e acesso aos tribunais já que a reclamação prevista no artº 76º do CIMT é condição necessária para que em sede judicial se possa discutir a VPT dos imóveis de cuja alienação resultou a mais valia artºs 46º do CIRS e 76º e 77º do CIMT.
b) Nos termos alegado em 13º destas Alegações uma interpretação constitucionalmente adequada da norma do artº 39º, 3 do CPPT e do 350., 2 do CC que consagra uma presunção ilidível de notificação e que para ser ilidida pressupõe a prova de um facto negativo deve se abster de exigir a prova expressa direta desses factos negativos e antes deve aceitar como válida para ilidir a referida presunção uma prova indireta e por dedução de outros factos dados como provados e com um critério de razoabilidade em sede da sua valoração, sob pena de ser considerada inconstitucional por violação do regime jurídico constitucional do exercício e restrições de Direitos Liberdades e Garantias (DLG) artºs 18º da CRP, já que estamos aqui a analisar o direito de acesso aos tribunais artº 20º da CRP, o .P da proibição da indefesa consagrado no artº 20º da CRP e da tutela judicial efectiva consagrado no artº 268º, 3 da CRP, como critério fundamental a utilizar em sede da valoração da prova e do posterior enquadramento jurídico dos factos apurados,
Ora e nesta sede o A. considera que a DS ao decidir como decidiu e ao considerar que a fls 19 a prova de que as comunicações não foram disponibilizadas não foi, nem sequer de modo indireto, produzida nos autos, razão pela qual se deu como provado esse mesmo facto.
Decidiu mal e em resultado de uma interpretação e aplicação dos referidos preceitos legais artº 39º, 3 do CPPT e 250, 2 do CC, que é inconstitucional por violação do regime jurídico constitucional do exercício e restrições de Direitos Liberdades e Garantias (DLG) artºs 18º da CRP, já que estamos aqui a analisar o direito de acesso aos tribunais artº 20º da CRP, o da proibição da indefesa consagrado no artº 20º da CRP e da tutela judicial efectiva consagrado no artº 268º, 3 da CRP.
Porque:
c) Nos termos expostos em 16º destas alegações, a DS não teve em conta que o regime do artº 39º, 3 do CPPT é menos exigente que o do arº. 228º do CPC em sede da validade de notificações postais com aviso de recepção em que é um terceiro a assinar o registo e portanto logo por esta razão é efetivamente necessário ter maiores cautelas em sede da força da presunção e o que é necessário e adequado provar para se considerar que essa presunção foi ilidida sob pena de se cometer uma inconstitucionalidade nos termos já aqui expostos.
d) Nos termos expostos no pontos 18º a 22º destas alegações a DS elaborou um enquadramento truncado em relação a várias circunstâncias e factos que na prática condicionaram de forma errada a valoração dos factos e a aplicação do direito nesta sede.
e) Em sede da valoração da prova produzida:
i. Nos termos expostos no ponto 23 destas Alegações ao contrário do decido na DS que o Sr. J. não declarou de forma expressa, espontânea e verdadeira que em 2006 nunca a sua esposa lhe entregou as referidas duas notificações e que assim não teve acesso às mesmas, da análise das declarações do mesmo deve-se retirar exactamente o contrário e portanto o argumento apresentado na DS, para pretensamente fundamentar a sua decisão de que o aqui A. não ilidiu a presunção do artº 39º, 3 do CPPT, salvo o devido respeito não é válido e bem pelo contrário no âmbito dos elementos a ter em conta na decisão quanto a dar ou não como provado que o A. ilidiu a presunção deve se ter em conta que no seu depoimento o Sr. J. declarou de forma expressa, espontânea e verdadeira que em 2006 nunca a sua esposa lhe entregou as referidas duas notificações.
ii. Por outro lado está dado como provado na DS que foi a D. M. quem recepcionou as duas notificações e quem assinou os avisos de recepção, cfr ponto 3 da DS.
E está ainda dado como provado na DS ponto 17º que a D. M.
17. À data em que recebeu as comunicações mencionadas no ponto 3, M. padecia da doença mencionada no ponto anterior, em razão da qual, com frequência, manifestava estados de alheamento e falta de consciência;
E assim e nos termos dados como provados pela DS se foi a D. M. que recepcionou as duas notificações e sofrendo ela de uma doença que nas palavras da DS com frequência, manifestava estados de alheamento e falta de consciência,
Ao contrário do decidido na DS e efectuando aqui uma adequada análise desta prova enquanto prova indirecta em relação ao tema da ilisão da presunção
Sempre se teria que considerar, ao contrário do decidido na DS, valorando adequadamente esses dois factos dados como provados que a D. M. sofrendo dessa doença não tinha consciência do que fazia na maior parte do seu tempo, e tendo ainda em conta tudo o que já aqui se alegou, deve assim, ao contrário do decidido na DS, dar-se como provado que efectivamente M. não entregou a J. enquanto procurador da D. M., nem a esta as comunicações mencionadas no ponto 3 dos factos provados e que assim o aqui A. ilidiu a presunção do artº. 39, 3 do CPPT,
iii. Sem prescindir e analisando o depoimento das testemunhas que naturalmente nunca poderiam vir testemunhar sobre os factos em análise porque não os praticaram nem os presenciaram, e que a DS desvaloriza já que parte do pressuposto errado de que o seu depoimento só mereceria ser valorado para ilidir a presunção do artº 39º, 3 do CPPT, se as testemunhas viessem testemunhar o facto negativo necessário a essa ilisão
– que M. não entregou as notificações ao Sr. J. –
Como esse pressuposto é inconstitucional e ilegal à luz dos P. orientadores defendidos pelo TC supra citados, bem pelo contrário o depoimento dessas testemunhas constitui um elemento probatório enquanto prova indireta essencial para em conjunto com tudo o que já aqui se alegou e se virá nesta sede justificar a uma decisão contrária proferida pela DS nesta sede.
E portanto estes testemunhos devem assim ser valorados como prova indirecta perfeitamente atendível nesta sede de ilidir uma presunção através da prova de um facto negativo e sob pena de se incorrer numa inconstitucionalidade por violação do regime jurídico constitucional do exercício e restrições de Direitos Liberdades e Garantias (DLG) artºs 18º da CRP, já que estamos aqui a analisar o direito de acesso aos tribunais artº 20º da CRP, o .P da proibição da indefesa consagrado no artº 20º da CRP e da tutela judicial efectiva consagrado no artº 268º, 3 da CRP, como critério fundamental a utilizar em sede da valoração da prova e do posterior enquadramento jurídico dos factos apurados,
3. f) Resumo.
Assim e conjugando tudo Alegado nos pontos 12º a 24º destas alegações
Ao abrigo do regime dos artºs. 140º, nº3 do CPTA, 100 do CPPT (281º do CPPT), 640º e 662º do CPC, mas também ao abrigo do regime do artºs. 639 do CPC aplicável por força do artº. 140, 3 do CPTA ( 281º CPPT) já que nos termos alegados a DS procedeu a uma errónea e incorrecta e mesmo inconstitucional aplicação do direito, valorando os factos provados e a prova indirecta produzida nos autos e efectuando uma interpretação do regime dos artºs 39º, 3 do CPPT e 350º do CC constitucionalmente adequado e sob pena de inconstitucionalidade por violação do regime jurídico constitucional do exercício e restrições de Direitos Liberdades e Garantias (DLG) artºs 18º da CRP, já que estamos aqui a analisar o direito de acesso aos tribunais artº 20º da CRP, o .P da proibição da indefesa consagrado no artº 20º da CRP e da tutela judicial efectiva consagrado no artº 268º, 3 da CRP, como critério fundamental a utilizar em sede da valoração da prova e do posterior enquadramento jurídico dos factos apurados, ao contrário do decidido na DS aqui recorrida o D. Ac. a proferir por Vª. Exªs. deve assim dar como provado que:
M. não entregou a J. enquanto procurador da D. M.s, nem a esta as comunicações mencionadas no ponto 3 dos factos provados
e que assim o aqui A. ilidiu a presunção do artº. 39, 3 do CPPT e 350, 2 do CC
E em consequência o acto aqui impugnado - indeferimento do Recurso Hierárquico Proc. nº 0051201010000030, Oficio nº 3/4117, 20175000090902 proferido pelo Director de Serviços da Direcção de Serviços do Imposto Municipal Sobre Imóveis.
Deve ser anulado, por ilegalidade nos termos aqui alegados na PI, por violação dos artº 39º/3 do CPPT e do artº 350º do CC,
Devendo assim ser considerado que o aqui recorrente ilidiu a presunção do artº 39º/3 do CPPT,
E deve assim ser considerado que a reclamação deduzida ao abrigo do artº 76º do CIMI foi tempestivamente deduzida.
E ordenar assim que a AT leve a cabo a tramitação do referido procedimento para que seja fixado um VPT legal e válido para os referidos imóveis.
Ou ordenar à AT que efectue de novo essa mesma notificação, nos termos requeridos, começando aí a correr novo prazo para se deduzir a reclamação ao abrigo do artº 76º do CIMI.
O que desde já se requer.
4. Da falta de fundamentação e da violação do P. do inquisitório.
Nos termos expostos no ponto 25º destas alegações entende o aqui A. que a DS padece de erro no enquadramento jurídico dos factos apurados, já que
Em sede da decisão tomada pela DS nesta sede a mesma dá como provada a ilegalidade do acto aqui recorrido invocada pelo A. preterição de formalidade essencial em violação dos artºs. 58º e 60º/7 da LGT, mas depois invocando jurisprudência do STA vem considerar que estaríamos perante um caso de
Todavia, como é jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo, nem sempre a verificação de uma ilegalidade tem eficácia invalidante, por força do princípio do aproveitamento do ato administrativo, à luz do qual não se justifica a anulação de um ato, mesmo que enferme de um vício de violação de lei ou de forma, quando a sua ocorrência não teve qualquer reflexo no sentido e conteúdo da decisão do procedimento administrativo (cfr. neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 11.10.2007, proc. 01521/02).
Acontece que nos termos alegados à luz de uma correta interpretação e aplicação do P. do aproveitamento como aquela que resulta da jurisprudência invocada pela DS a fundamentação apresentada na mesma
- Ora, no caso dos autos, estando já explicitado na presente decisão que a prova testemunhal produzida não foi apta a ilidir a presunção - não é válida porque o tribunal não pode impor a sua posição quando a AT poderia dentro de quadro legal de soluções possíveis, tomado outra posição em sede da valoração da prova testemunhal produzida em sede da ilisão da presunção do art º 39. 3 do CPPT.
E assim a DS nunca poderia, mesmo à luz do P. do aproveitamento do acto, optar por não declarar a ilegalidade invocada pelo A. na P I que a própria DS reconhece existir no acto aqui impugnado
Assim sendo mais uma vez a DS padece de ilegalidade e vícios que justificam a sua substituição
Já que procedeu a uma errónea e incorrecta aplicação do direito, erro relevante para efeitos dos artºs. 639 do CPC aplicável por força do artº. 140, 3 do CPTA ( 281º CPPT)
e assim ao contrário do decidido na DS aqui recorrida o D. Ac. a proferir por Vªs. Exªs. deve assim dar como provado e procedente o pedido formulado pelo A. na PI.
E assim a decisão em sede do RH aqui recorrida ao ter recusado a audição das testemunhas arroladas sem qualquer fundamento ou justificação, é ilegal e mesmo inconstitucional, nos termos alegados na PI
E deve assim ser anulada por preterição de formalidade essencial em violação dos artºs. 58º e 60º/7 da LGT, por falta de fundamentação em violação, nos termos alegados dos 77º da LGT e 163º do CPA, nos termos da PI.
Nestes termos deve assim o acto aqui recorrido acto de indeferimento do Recurso Hierárquico Proc. nº 0051201010000030, Oficio nº 3/4117, 20175000090902 proferido pelo Director de Serviços da Direcção de Serviços do Imposto Municipal Sobre Imóveis, ser anulado
5. Da violação do Direito de audição.
Sem prescindir e nos termos expostos no ponto 26 destas alegações, mais uma vez, o aqui A. salvo o devido respeito considera que a DS padece de vicio de errónea aplicação do direito e de valoração da prova,
A DS considera que o Vício alegado de preterição do Direito de audição prévia antes da decisão final do RH em violação do artº 60º da LGT, não está presente na decisão aqui recorrida porque tendo em conta o artº. 60º, 3 da LGT e como
- o direito de audição foi exercido no procedimento de primeiro grau, assim é dispensável no RH;
- No âmbito do RH não foi colocada nenhuma nova questão e assim mais uma vez não é obrigatório o exercício do DA antes da tomada da decisão final.
No entanto e tendo em conta os factos dados como provados na DS pontos 6 a 10º e o PA junto aos autos em sede do procedimento decisório de primeiro grau não foi respeitado o direito de audição ou de participação do interessado em violação do artº 60º da LGT, já que a decisão foi tomada sem que o mesmo tenha sido notificado para o exercício do mesmo,
E assim o primeiro requisito que a própria DS define como necessário para que o vicio invocado não procedesse ao abrigo do regime do artº. 60º, 3 da LGT, no caso concreto não está presente
Por outro lado como resulta do ponto 8 dos factos dados como provados na DS e pela consulta desse documento a fls. 121 a 125 do SITAF a AT em sede da decisão do procedimento decisório de primeiro grau não se pronunciou sobre o pedido de audição de testemunhas formulado, ou seja foi totalmente omissa,
Sendo que essa questão, sempre seria nova já que agora é colocada em sede do RH, e em sede da decisão do RH a AT já se pronunciou sobre a mesma, cfr. ponto 12 dado como provado na DS a fls 11
Sem que mais uma vez tenha permitido o exercício do direito de audição por parte do aqui A.
E assim mais uma vez o segundo requisito que a própria DS define como necessário para que o vício invocado não procedesse no caso concreto não está presente
Assim sendo mais uma vez a DS padece de ilegalidade e vícios que justificam a sua substituição
Já que procedeu a uma errónea e infundada análise da prova produzida, vício relevante por força dos artºs. 140º, nº3 do CPTA, 100 do CPPT (281º do CPPT), 640º e 662º do CPC, mas também procedeu a uma errónea e incorrecta aplicação do direito, erro relevante para efeitos dos artºs. 639 do CPC aplicável por força do artº. 140, 3 do CPTA ( 281º CPPT) e assim ao contrário do decidido na DS aqui recorrida o D. Ac. a proferir por Vªs. Exªs. deve assim dar como provado e procedente o pedido formulado pelo A. na PI.
E assim e mais uma vez sem prescindir o acto aqui recorrido em sede do RH é ainda ilegal por violação do direito de audição artº 60º da LGT e artº 121º do CPA,
Já que a AT sem qualquer fundamentação em violação do artº 60º da LGT e artº 121º do CPA, não permitiu ao aqui recorrente o exercício do DA em relação à decisão tomada em sede do RH de que aqui se recorre
Nestes termos deve assim o acto aqui recorrido acto de indeferimento do Recurso Hierárquico Proc. nº 0051201010000030, Oficio nº 3/4117, 20175000090902 proferido pelo Director de Serviços da Direcção de Serviços do Imposto Municipal Sobre Imóveis, ser anulado
6. Em resumo e face ao alegado:
A DS padece de ilegalidade e vícios
Já que procedeu a uma errónea e infundada análise da prova produzida, vício relevante por força dos artºs. 140º, nº3 do CPTA, 100 do CPPT (281º do CPPT), 640º e 662º do CPC, mas também procedeu a uma errónea e incorrecta aplicação do direito, erro relevante para efeitos dos artºs. 639 do CPC aplicável por força do artº. 140, 3 do CPTA (281º CPPT) que justificam a sua substituição por D. Ac. que dê como provado que o acto aqui impugnado - indeferimento do Recurso Hierárquico Proc. nº 0051201010000030, Oficio nº 3/4117, 20175000090902 proferido pelo Director de Serviços da Direcção de Serviços do Imposto Municipal Sobre Imóveis.
Deve ser anulado, por ilegalidade nos termos aqui alegados na PI, por violação dos artº 39º/3 do CPPT e do artº 350º do CC,
Por falta de fundamentação em violação dos artº. 77º da LGT e 163º do CPA
Por violação do princípio do inquisitório e da verdade material a que a AT está vinculada artº 58º da LGT,
Devendo assim ser considerado que o aqui recorrente ilidiu a presunção do artº39º/3 do CPPT,
E deve assim ser considerado que a reclamação deduzida ao abrigo do artº 76º do CIMI foi tempestivamente deduzida.
E ordenar assim que a AT leve a cabo a tramitação do referido procedimento para que seja fixado um VPT legal e válido para os referidos imóveis.
Ou ordenar à AT que efectue de novo essa mesma notificação, nos termos requeridos, começando aí a correr novo prazo para se deduzir a reclamação ao abrigo do artº 76º do CIMI
Termos em com o Douto Suprimento de Vossas Excelências deve ser revogada a referida sentença e a final ser substituída por Acórdão que julgue provada e procedente a acção interposta nos termos peticionados na PI,
Pois só dando provimento ao recurso, nos termos propostos, se fará a habitual,
Justiça!”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), tendo-se abstido de qualquer pronúncia.
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Com dispensa dos vistos legais, segundo o disposto no artigo 92.º, n.º 1 do CPTA, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC); submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao manter na ordem jurídica o acto impugnado, em sede de recurso hierárquico, de indeferimento do pedido de notificação da avaliação de dois prédios urbanos realizada no âmbito de IMI e ao não condenar a entidade demandada a repetir essa notificação.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Em 14.06.2006, M. entregou as declarações modelo 1 de IMI refentes às frações AP e AS do artigo 4740 da freguesia (...) (010506), indicando como motivo “Prédio Melhorado / Modificado” – cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, de fls. 117 a 120 do sitaf;
2. Em 27.07.2006, a administração fiscal procedeu à avaliação dos imóveis mencionados no ponto anterior, ambos inscritos em nome de M., apurando os valores patrimoniais tributários de € 153.952,00, para a fração AP, e € 138.730,00, para a fração AS – idem;
3. Para comunicação das avaliações mencionadas no ponto anterior, foram dirigidos a M., para a morada Rua Dr. (…), dois ofícios, remetidos por correio registado com aviso de receção, dos quais constam como data de receção o dia 14.08.2006 e a assinatura “F.” – cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, a fls. 106 e teor dos documentos a 117 a 120 do sitaf;
4. A morada mencionada no ponto anterior era, à data, o domicílio fiscal do Autor;
5. Mediante ofício datado de 25.03.2010, o Serviço de Finanças de Aveiro 1 comunicou a M. que, relativamente ao ano de 2006, se apurou uma divergência entre os rendimentos da categoria G correspondente a mais-valias na alienação dos imóveis correspondentes às frações AP e AS do artigo 4740 da freguesia 010506 – cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 107 do sitaf;
6. Em 05.07.2010, deu entrada no Serviço de Finanças um requerimento apresentado por M. com o seguinte teor:
“[…]
1. A requerente é uma pessoa de idade avançada (90 anos), razão pela qual tem como seu procurador e representante junto do Fisco, há vários anos, o seu filho, J., contribuinte fiscal nº (…) […];
2. A requerente além da sua idade avançada, está severamente diminuída há cerca de quinze anos, na sequência de um atropelamento […] em que sofreu traumatismo craniano, com hemorragia intracerebral que lhe causou demência traumática;
3. Desde então e por via da sua incapacidade e da completa dependência de terceiros, vive num lar para idosos da Santa Casa da Misericórdia, em (...);
4. Pelas razões expostas, a requerente passou, em 12.04.96, uma procuração ao seu filho J., concedendo-lhe os mais amplos poderes […];
5. A partir daquela data e apesar da requerente viver no lar da Santa Casa da Misericórdia de (...), toda ou quase toda a sua correspondência passou a ser endereçada para a residência do seu referenciado filho, na Rua Mário Sacramento, Edifício Colombo 2, Bloco 1, 4º Z, 3810 – 000 Aveiro;
6. Assim aconteceu em meados de 2006, quando – sabe-se agora – o Serviço de Finanças de Aveiro-1 pretendeu notificar (citar) a requerente […];
7. E sabe-se agora porque, em Abril deste ano, a requerente foi notificada do teor do documento […] do qual decorre que a Administração Fiscal entende que a requerente foi notificada da avaliação fiscal de duas fracções e que a aceitou, por não ter reagido contra a avaliação, designadamente pedindo segunda avaliação […];
8. Porém, o filho e procurador da requerente, J. , jamais recebeu qualquer correspondência respeitante ao talão de registo […];
9. O talão […] contém a assinatura de F., mais precisamente de M., que foi cônjuge de J. e que faleceu em 3 de Março de 2007 […];
10. Sucede que a falecida M., nora da requerente, padecia de grave enfermidade do foro psiquiátrico, – sofria de doença bipolar, havendo também quem classificasse o seu estado como maníaco-depressivo –, tendo estado internada em Psiquiatria, em Coimbra;
11. Por via da sua grave doença, a falecida M. vivia quase sempre num estado de profunda depressão, em que se alheava de tudo o que a rodeava;
12. Fruto desse quadro psiquiátrico de M., aconteceu que, a ter sido entregue o referido expediente postal respeitante à avaliação em sede de IMI, foi aquela que o recebeu e nunca dele deu conhecimento a quem quer que fosse, mormente ao seu marido e procurador da requerente;
13. De contrário, se tivesse chegado ao conhecimento de J. tal notificação (citação) da avaliação dos imóveis em causa, pelo valor de 292.680,00 € – 60.469 € superior ao valor real e declarado – a requerente não deixaria de reclamar, nos termos legais, designadamente pedindo segunda avaliação […], o que aliás não prescinde de fazer, se for atendido, como se espera, o que consta desta exposição-requerimento;
14. E a requerente jamais deixaria de reclamar porque os valores constantes das escrituras correspondem rigorosamente aos valores da transmissão dos imóveis declarados em sede de IRS, tal como consta das respectivas escrituras públicas de compra e venda, outorgadas em 20/12/2006 e 14/11/2006 […];
15. A requerente embolsou única e exclusivamente, por cada um dos negócios jurídicos em causa, as quantias de 112.500,00 € e 119.711,00 € […];
18. Porque a requerente, pelas razões expostas, não chegou a ter conhecimento do acto (avaliação) […], houve falta de notificação (citação) […];
19. Assim, a requerente roga a Vossa Excelência se digne notificar (citar) a requerente, através do seu filho e procurador, da avaliação feita em sede de IMI, porque, realmente, nunca a recebeu, por forma que a requerente se possa pronunciar sobre a avaliação, nos termos legais.
[…]” – cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, de fls. 95 a 99 do sitaf;
7. No requerimento mencionado no ponto, visando a prova dos factos alegados, foram indicadas como testemunhas M. , J. e C. – idem;
8. Em 29.09.2010, para apreciação do requerimento mencionado no ponto 6, foi elaborada informação da qual consta, além do mais, o seguinte:
“[…]
Da consulta efectuada aos elementos existentes neste Serviço de Finanças, constata-se que:
a) – Em 14.06.2006, foram apresentadas pela requerente duas declarações Mod. 1 de IMI com os nºs 1051190 e 1051210, respeitantes às fracções autónomas “AP” e “AS” do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia (...) sob o artigo nº 4740;
b) – Com base na apresentação daquelas declarações, promoveu-se em 27.07.2006 e em 28.07.2006 a avaliação das referidas fracções (fichas de avaliação nºs 1188905 e 1188906);
c) – Visando a notificação da requerente e tendo como fim o disposto no nº 1 do art. 76º do Código do IMI, em 02.08.2006 foram emitidos os ofícios nºs 2610267 e 2610268, os quais foram remetidos para o domicílio constante da base de dados da administração fiscal;
d) – Da consulta efectuada ao sistema informático constata-se que as notificações referidas em c) foram recepcionadas em 14.08.2006, conforme prints que se anexam;
e) - Após consulta efectuada aos avisos de recepção existentes em arquivo neste Serviço de Finanças, nomeadamente os que respeitam às notificações efectuadas através dos ofícios nºs 2610267 e 2610268, de 02.08.2006, verifica-se que os dados constantes dos mesmos confirmam que a recepção das referidas notificações foi efectuada em 14.08.2006, constatando-se ainda que as mesmas foram recepcionadas por “F.”, portadora do documento de identificação com o nº 7674548, emitido por Avr, em 22.05.2006.
3 – O DIREITO:
- Determina o art. 38º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (C.P.P.T.), no seu nº 1 que “As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências”;
- De conformidade com o nº 3 do art. 39º do mesmo Código as notificações consideram-se perfeitas sempre que “Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificado, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicilio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário”, devendo o distribuidor do serviço postal, tal como determina o nº 4 do referido art. 39º do C.P.P.T. “proceder à notificação das pessoas referidas no número anterior por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial”;
- Atento o art. 19º da Lei Geral Tributária sobre o conceito de «DOMICÍLIO FISCAL», refere-nos este nos seus nºs 1, 2 e 3, o seguinte:
- 1 – “O domicilio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:
a) – Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;
b) – Para as pessoas colectivas, ....
- 2 – É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.
- 3 – É ineficaz a mudança do domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.”;
- Consultado ainda o art. 43º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e os seus nºs 1, 2 e 3, podemos ler nestes que:
- 1 – “Os interessados que intervenham ou possam intervir em quaisquer procedimentos ou processos nos serviços da administração tributária ou nos tribunais tributários comunicam, no prazo de 15 dias, qualquer alteração do seu domicílio ou sede”:
- 2 – “A falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos dos artigos anteriores, devido ao não cumprimento do disposto no nº 1, não é oponível à administração tributária, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade de citação e da notificação e dos termos porque devem ser efectuadas.”:
- 3 – “A comunicação referida no nº 1 só produzirá efeitos, sem prejuízo da possibilidade legal de a administração tributária proceder oficiosamente à sua rectificação se o interessado fizer prova de já ter solicitado ou obtido a actualização fiscal do domicílio ou sede”;
- Relativamente à função da «NOTIFICAÇÃO» e da «CITAÇÃO», determina o art. 228º do Código de Processo Civil, nos seus nºs 1 e 2, que:
- 1 – “A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender. Emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa.”;
- 2 – “A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto.”;
- Sobre este mesmo assunto refere-nos também o art. 35º do Código de Procedimento e de Processo Tributário nos seus nºs 1 e 2, que:
- 1 – “Diz-se notificação o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo.”;
- 2 – “A citação é o acto destinado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução ou a chamar a esta, pela primeira vez, pessoa interessada”;
4 – CONCLUSÕES:
[…] a requerente pretende que lhe seja feita nova notificação (citação), através de seu filho e procurador, relativamente ao resultado da avaliação feita em sede de IMI, argumentando que nunca a recebeu, havendo mesmo falta de notificação (citação), nos termos do disposto na alínea e) do nº 1 do art. 195º do Código do Processo Civil.
Todavia, analisados os procedimentos adoptados pela administração fiscal […], constata-se que no caso em apreço foram cumpridos todos os requisitos impostos pela lei.
Nestes termos, sou de opinião que as notificações efectuadas em 14.08.2006 através dos ofícios nºs 2610267 e 2610268, de 02.08.2006, deverão considerar-se válidas para todos os devidos e legais efeitos, não sendo de atender a pretensão formulada pela requerente.
Cumpre ainda referir, que tal como se encontra determinado por lei (veja-se arts 228º do Código de Processo Civil e art 35º do Código de Procedimento e de Processo Tributário […]), a requerente foi alvo de «NOTIFICAÇÃO» e como tal os procedimentos adoptados foram os previstos para a «NOTIFICAÇÃO» e não para a «CITAÇÃO».
[…]” – cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzidos, de fls. 121 a 125 do sitaf;
9. Em 30.09.2010, foi proferida decisão concordante com o teor da informação mencionada no ponto anterior e de indeferimento do pedido – cfr. documento a fls. 121 do sitaf;
10. Por ofício datado de 07.10.2010, foi comunicada a M. a decisão mencionada no ponto anterior – cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, de fls. 126 a 129 do sitaf;
11. Em 08.11.2010, foi instaurado o procedimento de Recurso Hierárquico, mediante o qual M. peticionou o seguinte:
“[…] deve o presente recurso hierárquico ser deferido sendo a decisão aqui recorrida anulada nos termos expostos,
1. Devendo ser aceite a reclamação efectuada nos termos do artº 76º do CIMI, dando como provado o alegado pela requerente que, tendo em conta a grave doença mental de que padecia a pessoa que efectivamente recepcionou a notificação - M. - a mesma não foi comunicada ao contribuinte e este não teve conhecimento da mesma dando-se como ilidida a presunção e assim a reclamação como tempestiva.
2. Ou, sem prescindir deve a AF efectuar de novo a notificação, das fichas de avaliação das fracções AP e AS do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia (...)s, sob o arº 4740, nos termos do artº 78º do IMI, nos termos requeridos, começando aí a correr novo prazo para reclamação.
3. Ou e mais uma vez sem prescindir deve a decisão ser revogada e deve a AF realizar as diligências probatórias requeridas pelo contribuinte – audição das testemunhas arroladas – no sentido de provar a alegada grave doença mental de que padecia a pessoa que efectivamente recebeu a notificação - M..
E que por essa razão efectivamente a requerente não recebeu a notificação efectuada, Ilidindo-se assim e mais uma vez nos termos legais artº 350/2 do CC, a presunção do nº 3 do artº 39º do CPPT.
dando-se como ilidida a presunção e assim a reclamação como tempestiva, ou devendo a AF efectuar de novo a notificação, das fichas de avaliação das fracções AP e AS do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia (...)s, sob o artº 4740, nos termos do artº 78º do 1MI, nos termos requeridos, começando aí a correr novo prazo para reclamação.” – cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, de fls. 133 a 141 do sitaf;
12. Em 10.01.2013, no âmbito do procedimento de Recurso Hierárquico, foi elaborada informação com o seguinte teor:
“[…]
No que respeita ao ponto 22 da petição, que se refere à audição das testemunhas arroladas pela contribuinte, importe referir que, não é possível à Administração Tributária aferir tal elemento probatório no âmbito do procedimento tributário em curso, sendo para tal analisados e com força probatória todos os elementos documentais e constantes dos autos.
Quanto ao VPT, importa referir que nos termos do artigo 76º do CIMI, não concordando com os valores, poderia no prazo de 30 dias a contar da notificação, requerer uma 2ª avaliação, matéria referida nos ofícios de notificação. Acontece que a recorrente pretende apresentar o pedido de 2ª avaliação em prazo muito posterior ao determinado pela norma legal tipificada no nº 1 do artigo 76º do Código do CIMI, ou seja fora de prazo, pelo que não é possível a realização da mesma.
Sobre as questões aqui apresentadas em sede de recurso hierárquico já a recorrente tinha sido devidamente informada pelo SF de Aveiro 1, nomeadamente no ponto 3 da informação que mereceu o despacho de 30 de Setembro de 2011, também notificado e que aqui se corrobora.
Assim, da petição do recurso hierárquico e respectivas alegações, não veio ao processo qualquer fundamentação ou facto novo que motive a alteração do sentido da decisão.
Conclusão
Do vertido, na presente Informação, afigura-se ser de manter o acto recorrido, negando-se, assim, provimento ao recurso hierárquico.
[…].” – cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, de fls. 24 a 26 do sitaf;
13. Sobre a informação referida no ponto anterior, foi, em 30.03.2017, proferido parecer com o seguinte teor:
“Constata-se que as notificações dos atos de avaliação ora controvertidas foram realizadas em conformidade com o legalmente disposto quanto à forma e conteúdo, tendo sido observado o seu envio ao domicílio fiscal do sujeito passivo, em face de informação que tinha sido comunicada à administração tributária e constante no sistema de registo de contribuintes.
Logo, a decisão do órgão recorrido, suportada na perfeição dessas notificações, valorou todas as alegações e a prova oferecida pela recorrente, a qual se mostrou insuscetível de abalar a mencionada perfeição e eficácia das notificações em análise, posição que ora se acompanha.
Assim, atentos os factos e fundamentos aduzidos na informação, considero ser de indeferir o recurso hierárquico, subsistindo válido e eficaz o ato recorrido.
Propõe-se a dispensa da participação do recorrente […], por a fundamentação se cingir à interpretação normativa e à valoração da prova constante dos autos. […]” – cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 24 do sitaf;
14. Na mesma data foi proferido despacho concordante com a informação e parecer mencionados nos dois pontos anteriores e de indeferimento do recurso hierárquico – idem;
15. Mediante ofício datado de 03.04.2017 e dirigido ao mandatário do Autor, a Direção de Serviços de IMI comunicou a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico – cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 23 do sitaf;
Mais se provou que:
16. Entre abril de 2003 e abril de 2004, M. esteve sujeita três períodos de internamento no Serviço de Psiquiatria do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, num total de 64 dias, com o diagnóstico de Perturbação Afetiva Bipolar, em fase depressiva – cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, de fls. 165 a 168 do sitaf;
17. À data em que recebeu as comunicações mencionadas no ponto 3, M. padecia da doença mencionada no ponto anterior, em razão da qual, com frequência, manifestava estados de alheamento e falta de consciência;
18. M. faleceu em 03.03.2007, no estado de casada com o Autor – cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 110 do sitaf;
19. M. nasceu em 14.10.1919 e faleceu em 09.08.2016 – cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, a fls. 101 e 179 do sitaf;
20. Em 12.04.1996, M. outorgou uma procuração, mediante a qual constitui seu procurador o Autor, concedendo-lhe:
“os necessários poderes para, pelo preço e nas demais condições que o procurador entender, prometer partilhar, partilhar, prometer vender, vender, prometer permutar e permutar ainda que a outra contraprestação seja constituída por bens futuros, designadamente por parte de construção a efectuar ou efectuada, onerar, receber tornas, dar quitação e, enfim, administrar e dispor livremente de todos os direitos que a mandante detém sobre os imóveis sitos em Aveiro, no Gaveto da Rua (…) e inscritos na matriz predial urbana sob os artigos mil oitocentos e dezoito, mil oito centos e dezanove e mil oitocentos e vinte e na matriz predial rústica sob o artigo mil oitocentos e noventa e dois, todas da freguesia (...), concelho de Aveiro.
Mais concede à procuradora poderes para relativamente aos seus direitos sobre os discriminados imóveis, e representar junto de quaisquer repartições públicas ou administrativas, designadamente Repartições de Finanças e Conservatória do Registo Predial, pagar impostas, contribuições ou taxas, reclamar dos indevidos ou excessivos, receber os títulos de anulação respectivos e as suas correspondentes importâncias e requerer inscrições matriciais ou a sua alteração, fazer manifestos, alterá-los ou cancelá-los, requerer a aprovação de quaisquer projectos de construção, proceder a quaisquer actos de registo predial, provisórios ou definitivos, cancelamentos ou averbamentos e, finalmente, para o representar em juízo, usando, para o efeito, os poderes forenses em direito permitidos, os mais poderá substabelecer em advogados ou outro procurador habilitado.” – cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, de fls. 103 a 105 do sitaf;
21. Por instrumento assinado em 13.10.2010, o Autor substabeleceu em A., advogado, os poderes que lhe foram concedidos pela procuração mencionada no ponto anterior – cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, de fls. 116 do sitaf;
22. Em agosto de 2006, M. não residia com seu filho na morada indicada nos pontos 3 e 4, mas sim num lar da Santa Casa da Misericórdia, em (...);
23. O domicílio fiscal declarado de M. era a morada mencionada nos pontos 3 e 4, a fim de o seu filho tratar dos assuntos fiscais da mesma.
*
Com relevância para a decisão da causa, considera-se não provado o seguinte facto:
A. Que M. não tenha entregue a M. nem ao Autor as comunicações mencionadas no ponto 3 dos factos provados.
*
Não se deram como provados ou não provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
*
A maioria dos factos dados como provados teve por base a análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme se encontra especificado em cada um desses pontos do probatório.
O facto constante do ponto 4 foi dado como provado por acordo, atenta a posição coincidente assumida pelas partes na presente causa.
Para fixação dos factos provados e não provados teve-se ainda em consideração as declarações de parte prestadas pelo Autor, bem como os depoimentos de quatro testemunhas: M. , C. , C. e J..
O Autor começou por assegurar que teve conhecimento das cartas referentes às avaliações dos imóveis apenas em 2010, quando foi interpelado sobre a questão de IRS (mencionada no ponto 5 dos factos provados).
Acrescentou que vivia na morada para a qual foram remetidas as cartas em causa, juntamente com o seu filho, a sua filha e a sua esposa.
Afirmou também que sua mãe residia no Lar da Misericórdia da Moita, em (...), e que era ele próprio quem tratava dos assuntos da mãe, designadamente dos relacionados com as finanças, mas que não era seu representante legal para tal efeito.
Assegurou que foi a única vez que a sua esposa assinou qualquer correspondência dirigida a sua mãe.
Relativamente ao estado de saúde da sua esposa, garantiu que a mesma padecia de uma doença que lhe retirava consciência sobre os seus atos.
M. , médica e irmã do Autor, referiu que a cunhada padecia de bipolaridade, doença que lhe toldava a consciência.
Quanto à questão das cartas, reconheceu que não teve conhecimento direto dos factos, mas apenas através do que lhe foi transmitido pelo irmão.
Confirmou que, à data, a mãe residia num lar, e não na morada do Autor, e que acordou com seu irmão que a morada declarada para efeitos fiscais fosse a deste, porque era quem tomava conta dos assuntos da mãe que não estivessem relacionados com o seu estado de saúde, sendo que este aspeto era tratado pela própria testemunha.
C. , filho do Autor, afirmou que residia na morada dos pais, apesar de à data estar na Marinha, e confirmou o estado da saúde da mãe.
Relativamente à correspondência, referiu que, em 2006 e ao contrário do que acontecera até então, a sua correspondência passou a ser aberta, mas reconheceu que não sabe por quem.
Referiu que a prática em casa era cada um colocar a correspondência que não lhe era diretamente dirigida em cima de uma mesa para que o respetivo destinatário a recolhesse.
C., amigo do Autor, referiu-se à doença da esposa deste, afirmando que a mesma denotava falta de consciência sobre as suas ações e sobre o que a rodeava.
J., médico de família do Autor e da esposa durante cerca de 30 anos, afirmou que esta padecia de doença bipolar, a qual se manifestava por humor variável, perda de razoabilidade e desfasamento com a realidade.
Perante o referido estado clínico, afirmou considerar possível que a esposa do Autor praticasse atos como os da não entrega de correspondência aos destinatários.
No entanto, reconheceu que a mesma também tinha momentos de lucidez, pelo que também é possível que tenha procedido à entrega da correspondência em causa.
Com base nestes depoimentos, foi possível dar como provado os factos constantes dos pontos 17, 22 e 23.
No entanto, os mesmos depoimentos foram manifestamente insuficientes para o tribunal poder dar como provado que M. não entregou a M. ou ao Autor as comunicações mencionadas no ponto 3 dos factos provados.
Com efeito, as testemunhas ouvidas apenas manifestaram conhecimento direto sobre o estado de saúde de M. , sem revelarem qualquer conhecimento sobre o destino que a mesma terá dado às comunicações em causa nos autos.
Ora, do estado de saúde M. não pode extrair-se a convicção de que a correspondência em causa não tenha sido entregue ao Autor.
Note-se que não vem alegado nos autos, nem foi mencionado por qualquer testemunha, que tivesse ocorrido o extravio de qualquer outra correspondência rececionada por M. .
Quanto às declarações prestadas pelo próprio Autor, não se mostraram igualmente aptas a criar a convicção sobre o mencionado facto, porquanto as mesmas se centraram no aspeto de só ter tido conhecimento das comunicações aquando da receção da comunicação relativa ao IRS.
Ora, o facto relevante que caberia ao Autor demonstrar era que M. não disponibilizou a si próprio ou a M. as comunicações em causa, e não se o Autor desconhecia o seu conteúdo, pois tal alegado desconhecimento pode decorrer de circunstâncias várias.
Sublinhe-se que as declarações do Autor nem sequer são, nesta parte, merecedoras de credibilidade, na medida em que o mesmo assegurou ter sido a única vez que a sua esposa assinou qualquer correspondência dirigida a sua mãe. Ora, em coerência, o Autor apenas poderia afirmar não ter conhecimento de qualquer outra circunstância em que M. tenha assinado correspondência dirigida a sua mãe e não que, com toda a certeza, foi a única vez em que tal aconteceu.
Em suma, a questão determinante para a presente ação não é saber se o Autor teve ou não conhecimento das comunicações em causa – até porque as mesmas não lhe eram pessoalmente dirigidas –, mas sim se M. disponibilizou ou não as mencionadas comunicações.
Ora, a prova de que as comunicações não foram disponibilizadas não foi, nem sequer de modo indireto, produzida nos autos, razão pela qual se deu como provado esse mesmo facto.”

2. O Direito

O Recorrente começa por se insurgir contra a decisão da matéria de facto, pretendendo aditar ao probatório a seguinte matéria, conforme consta da primeira e segunda conclusões das alegações do recurso:
“E no âmbito do RH começou infelizmente um verdadeiro calvário já que a AT, de forma grosseiramente ilegal veio em 27.08.2012 (Dois anos depois) notificar a então recorrente da proposta de decisão em sede de recurso hierárquico.
Alegando imagine-se que o RH interposto era intempestivo porque considerou como data de apresentação do mesmo a data da recepção do mesmo no Serviço de Finanças e não a data do registo do mesmo no correio, sendo que o mesmo tinha sido enviado por correio registado, proposta de decisão grosseiramente ilegal e mesmo incompreensível, da autoria da Directora dos Serviços do IMI, em violação dos artigos 26º/2 do e 103º, nº 6 do CPPT aqui aplicável por remissão dos artºs. 67º, 70º do CPPT, artº. 2º do CPPT, artº 23º do CPTA e artº 150º , nº2 b) do Código de Processo Civil.”
“A Direcção dos Serviços do IMI esteve até ao passado dia 05.04.2017 para proferir a decisão neste procedimento de RH, portanto 4 anos e 6 meses depois do exercício do DA por parte da então recorrente e 6 anos e 6 meses desde a interposição do RH.”
Sustenta o Recorrente que estes factos são essenciais para permitir uma solução jurídica distinta da propugnada pela sentença recorrida.
Contudo, não podemos alhear-nos do objecto desta acção administrativa. Compulsando o teor da petição inicial, verificamos que os pedidos na presente acção foram formulados do seguinte modo: (i) anulação do acto de indeferimento, com fundamento em violação do princípio do inquisitório (e da verdade material) e do direito de audição prévia e (ii) condenação da entidade demandada a tramitar procedimento ao abrigo do disposto no artigo 76.º do Código do IMI e proceder a nova notificação da avaliação dos dois prédios urbanos em causa, por se considerar ilidida a presunção ínsita no artigo 39.º, n.º 3 do CPPT.
Ora, é notório que esta matéria que o Recorrente pretende levar ao probatório é totalmente irrelevante para a decisão da causa. Este pedido do Recorrente surge para tentar demonstrar que a entidade demandada, Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), não terá actuado da melhor forma nos procedimentos graciosos prévios à presente acção administrativa. Mas, a verdade é que o recurso hierárquico acabou por ser apreciado, não estando em discussão a tempestividade da interposição do mesmo.
No fundo, o Recorrente não compreendeu que a sentença recorrida tivesse efectuado juízos de valor acerca dos seus comportamentos, aquando do envio das cartas registadas com aviso de recepção, contendo a avaliação dos prédios urbanos, e não tivesse procedido de igual maneira quanto à actuação da AT. Porém, não poderá o Recorrente esquecer que o motivo da falta de recepção de cartas devidamente remetidas não lhe poderá ser imputável, sob pena de se apresentar inviabilizada a eventual ilisão da presunção prevista no artigo 39.º, n.º 3 do CPPT. Como veremos através da sentença recorrida, os juízos de censura ao Recorrente pretendiam demonstrar o seu grau de culpa por não ter recepcionado as notificações da AT.
Com efeito, o modo menos célere como a entidade demandada tramitou o procedimento relativo ao recurso hierárquico não está em apreciação nos presentes autos.
Por outro lado, os pontos 11 a 15 do probatório já revelam o tempo que a AT demorou a proferir decisão final no recurso hierárquico.
Impõe-se lembrar que o Recorrente instou a AT (cfr. pontos 6 e 7 do probatório) e que em 30/09/2010 já tinha recaído uma decisão definitiva de indeferimento do seu pedido (cfr. pontos 8 e 9 da decisão da matéria de facto), pelo que teve ao seu dispor o meio processual adequado para obter o acto administrativo que considera devido – a acção administrativa para condenação à prática do acto devido – tendo antes optado por interpor recurso hierárquico dessa decisão desfavorável.
Conforme se extrai do preceituado no artigo 66.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a condenação à prática de actos devidos pode ocorrer quer nas situações em que exista uma omissão por banda da Administração, quer exista uma recusa da prática de um acto, exigindo, o n.º 1 do referido preceito, como requisito para a condenação à prática de acto devido que a recusa ou omissão sejam ilegais.
O facto de o Recorrente não ter feito uso atempado desse meio e ter optado por aguardar mais de seis anos por uma nova decisão desfavorável expressa, apenas contende com eventual excepção de caducidade do direito de acção, que, obviamente, não pretende nem nunca pretendeu suscitar e que, embora seja de conhecimento oficioso, o artigo 88.º, n.º 2 do CPTA impede que tal questão prévia seja agora decidida, dado que não foi apreciada no despacho saneador, logo não pode ser suscitada nem decidida em momento posterior do processo.
Todo o exposto para concluir que a matéria vertida nas conclusões 1 e 2 das alegações do recurso é ostensivamente irrelevante para conhecer o recurso, sendo que, em parte, até já consta da decisão da matéria de facto; pelo que se desatende ao pedido formulado de aditamento ao probatório.

O Recorrente continua a sua impugnação dirigida à decisão da matéria de facto, desta feita, na terceira conclusão das alegações do recurso, tendo em vista a factualidade considerada não provada; solicitando que se dê como provado “que efectivamente M. não entregou a J. enquanto procurador da D. M.s, nem a esta, as comunicações mencionadas no ponto 3 dos factos provados”.
Para tanto, o Recorrente faz apelo à necessidade de realização de uma interpretação constitucionalmente adequada da norma do artigo 39.º, n.º 3 do CPPT e do artigo 350.º, n.º 2 do Código Civil, que consagra uma presunção ilidível de notificação e que para ser ilidida pressupõe a prova de um facto negativo, devendo abster-se de exigir a prova expressa directa desses factos negativos e antes deve aceitar como válida para ilidir a referida presunção uma prova indirecta e por dedução de outros factos dados como provados e com um critério de razoabilidade em sede da sua valoração.
Importará assentar a nossa análise na motivação da decisão da matéria de facto e na valoração das provas que o tribunal recorrido ponderou criticamente.
O tribunal “a quo” pronunciou-se sobre a factualidade alegada e a matéria de facto fixada na decisão recorrida contemplou toda a prova produzida nos autos, incluindo as declarações de parte prestadas pelo autor, bem como os depoimentos das quatro testemunhas arroladas pelo mesmo. Como se constata da leitura da sentença recorrida, o tribunal recorrido enunciou os factos apurados, assim como o facto não provado, e fundamentou essa sua decisão ao considerar que a prova apresentada pelo autor era insuficiente para provar que M. tivesse entregado as cartas em crise, fazendo um exame crítico do depoimento das testemunhas arroladas, bem como das declarações do autor; concluindo que a prova de que a comunicações não foram disponibilizadas não foi, nem sequer de modo indirecto, produzida nos autos.
Neste âmbito, não podemos deixar de lembrar que o reexame da decisão em matéria de facto em sede de recurso não se confunde com um segundo julgamento, impossível pela inexistência de oralidade e imediação. Corresponde a um remédio jurídico para eventuais erros de procedimento ou de julgamento, mas que passa pela apreciação efectiva de cada uma das questões concretamente colocadas.
Contudo, não podemos deixar de alertar que somente a concatenação integral das provas produzidas permitem ao tribunal formar a sua convicção, não tendo o tribunal recorrido descurado nem as declarações de parte nem a prova testemunhal produzida.
Recordamos: “o princípio da imediação limita a tarefa de reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, que só pode ser modificada se ocorrer erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi anteriormente considerado (…)” - cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15/05/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07623/14.
O erro de julgamento de facto ocorre quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.
Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
O Meritíssimo Juiz a quo exarou a motivação da decisão da matéria de facto, da qual se retira a sua convicção, designadamente quanto ao depoimento de parte e às testemunhas indicadas pelo autor.
Reconhecemos que a prova de um facto negativo encerra sempre maiores dificuldades, mas, ainda assim, importará que se forme uma convicção firme no julgador. O que, in casu, não aconteceu, porque as testemunhas ouvidas apenas manifestaram conhecimento directo sobre o estado de saúde de M. , sem revelarem qualquer conhecimento sobre o destino que a mesma terá dado às comunicações em causa nos autos; entendendo o tribunal “a quo” que do estado de saúde mental de F. não se poderia extrair a convicção de que a correspondência não tenha sido entregue ao autor. Também as declarações prestadas pelo próprio autor, na óptica do tribunal recorrido, não se mostraram aptas a criar a convicção sobre a falta de entrega das cartas, porquanto se centraram no aspecto de só ter tido conhecimento das comunicações aquando da recepção da comunicação relativa ao IRS, sublinhando o Meritíssimo Juiz “a quo” que não foram merecedoras de credibilidade.
No fundo, salvo algumas excepções, o Recorrente não coloca em causa esta motivação, alertando para a importância das declarações prestadas pelo autor, que afirmou não ter recebido tal correspondência, e para a necessidade de valorar uma prova indirecta, já que, de facto, directamente, nenhuma prova foi produzida da entrega ou não entrega das comunicações em apreço. Na medida em que a pessoa (terceiro) que assinou o aviso de recepção já faleceu (cfr. ponto 18 do probatório) e, mesmo que assim não fosse, alega o Recorrente que o seu depoimento não seria prestável, dada a doença mental de que padecia (maníaco-depressiva/perturbação afectiva bipolar, em fase depressiva) – cfr. ponto 16, sempre teria que ser valorada de outra forma esta circunstância que levava à manifestação de estados de alheamento e falta de consciência (cfr. ponto 17 do probatório).
Ora, como o nosso sistema processual consagra o princípio da livre apreciação das provas no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, tal significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência, o que, como veremos, se verifica no caso em apreço.
Pelas razões constantes da fundamentação da decisão da matéria de facto, o tribunal recorrido considerou que as declarações de parte e os depoimentos das testemunhas não serviram os propósitos do autor, pois não demonstraram que F. não tivesse entregado a M. nem ao autor as comunicações mencionadas no ponto 3 da decisão da matéria de facto.
Não obstante reconhecermos a importância da produção de meios de prova distintos, não podemos deixar de tecer algumas considerações sobre como valorar as declarações de parte.
Nos termos do artigo 466.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.
O texto deste artigo não degradou o valor probatório das declarações de parte, nem pretendeu vincar o seu carácter subsidiário e/ou meramente integrativo e complementar de outros meios de prova.
Sintetizando, diremos que: (i) as declarações de parte integram um testemunho de parte; (ii) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (iii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente – cfr. Luís Filipe Pires de Sousa in “As Malquistas Declarações de Parte”, Julho de 2015.
É importante repudiar um qualquer pré-juízo de desconfiança e de desvalorização das declarações de parte. De todo o modo, não vislumbramos na motivação da decisão da matéria de facto uma postura infundada e incorrecta do julgador de degradação prematura do valor probatório das declarações de parte. Antes pelo contrário, denota-se a ponderação das declarações prestadas pelo autor, descrevendo as suas afirmações, tendo sido explicada a razão para não terem sido aptas a criar convicção no julgador: “(…) Quanto às declarações prestadas pelo próprio Autor, não se mostraram igualmente aptas a criar a convicção sobre o mencionado facto, porquanto as mesmas se centraram no aspeto de só ter tido conhecimento das comunicações aquando da receção da comunicação relativa ao IRS.
Ora, o facto relevante que caberia ao Autor demonstrar era que M. não disponibilizou a si próprio ou a M. as comunicações em causa, e não se o Autor desconhecia o seu conteúdo, pois tal alegado desconhecimento pode decorrer de circunstâncias várias. (…)”
Como vimos, todas as provas (também as declarações de parte) estão sujeitas à livre apreciação do tribunal, sendo que o interesse da parte (que presta declarações) na sorte do litígio não é uma realidade substancialmente distinta da testemunha interessada: a diferença é de grau apenas. De qualquer maneira, nada indica na sentença recorrida que o tribunal recorrido tenha valorado primeiro a pessoa, enquanto parte, e só depois a declaração em si. Tudo aponta que a credibilidade das declarações da parte foi, in casu, aferida em concreto: “(…) Sublinhe-se que as declarações do Autor nem sequer são, nesta parte, merecedoras de credibilidade, na medida em que o mesmo assegurou ter sido a única vez que a sua esposa assinou qualquer correspondência dirigida a sua mãe. Ora, em coerência, o Autor apenas poderia afirmar não ter conhecimento de qualquer outra circunstância em que M. tenha assinado correspondência dirigida a sua mãe e não que, com toda a certeza, foi a única vez em que tal aconteceu. (…)”
Com efeito, ao contrário do Recorrente, não observamos nesta fundamentação da credibilidade das declarações prestadas pelo autor qualquer erro notório, pois, como se desconhece o que terá acontecido à correspondência, o mais natural seria afirmar não ter conhecimento de outras situações idênticas ou, pelo menos, dar o benefício da dúvida que possam ter ocorrido outras em circunstâncias semelhantes, dado o estado de saúde mental de F..
De facto, a prevalência ou primazia deste meio de prova, desacompanhado de outros elementos mais sólidos, inviabiliza a formação de convicção, com a segurança e certeza exigíveis, principalmente porque tais declarações de parte se centraram mais no momento do conhecimento do que no facto da entrega/não entrega da correspondência.
Quanto à prova testemunhal, a sua essência encontra-se nas declarações que uma pessoa efectua sobre o que percepcionou pessoal e directamente. A prova testemunhal caracteriza-se pela imediação com o acontecimento que se presenciou visual ou auditivamente.
Logo, compreende-se a motivação do tribunal quanto ao facto considerado não provado, dado que os depoimentos foram manifestamente insuficientes para o tribunal poder dar como provado que M. não entregou a M. ou ao Autor as comunicações mencionadas no ponto 3 dos factos provados. Consta da decisão da matéria de facto, que as testemunhas ouvidas apenas manifestaram conhecimento directo sobre o estado de saúde de M. , sem revelarem qualquer conhecimento sobre o destino que a mesma terá dado às comunicações em causa nos autos.
O Recorrente aponta para a importância a dar a uma prova indirecta, atendendo à morte e à anomalia psíquica da pessoa que recebeu a correspondência.
Julgamos que o Recorrente na alegação deste recurso não teria em mente o depoimento indirecto, que consiste na revelação processual de factos que não foram objecto de conhecimento directo da testemunha que os vai relatar em Tribunal, tendo origem numa informação que lhe foi transmitida por outra pessoa; que perante a morte ou anomalia psíquica que impedia a inquirição da fonte originária ou primária da informação, seria admissível a sua valoração.
Desde logo, cumpre dizer que a lei processual civil não proíbe o depoimento indirecto, sendo que a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal – cfr. artigo 396.º, do Código Civil.
Acresce que as testemunhas podem narrar factos por elas próprias praticados, mas, em regra, narram factos que observaram, incluindo narrações que lhes tenham sido feitas por quem directamente observou ou praticou os factos a provar. Assim, além do relato valora-se a razão de ciência da testemunha, ou seja, de como os factos relatados chegaram ao seu conhecimento.
Por fim, releva o modo como o depoimento é produzido, realçando-se a necessidade de audiência contraditória, a fim de ser consolidada a reprodução dos factos trazida ao tribunal. Tanto quanto o objecto do depoimento (incluindo a razão do conhecimento dos factos) interessa à livre apreciação do julgador o modo como o depoimento é produzido, razão por que o interrogatório da testemunha decorre em audiência contraditória - neste sentido, vide José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, pág. 609.
Como é sabido “O depoimento é directo quando a testemunha percepciona os factos pelos próprios sentidos e o relata com base em tal fonte de conhecimento. É indirecto quando a testemunha tem conhecimento de um facto através do que lhe transmitiu um terceiro (através de uma representação oral, escrita ou mecânica), não provindo o conhecimento da testemunha sobre o facto da sua percepção sensorial imediata. Comummente a testemunha que presta depoimento indirecto é designada de testemunha de ouvir-dizer.”- cfr. Luís Filipe de Sousa, in “Prova testemunhal”, 2013, Almedina, pág. 177.
Inexistindo em processo civil norma expressa equivalente à do artigo 129.º do Código de Processo Penal, ponto é que, “o juiz pode formar a sua convicção através do depoimento de testemunha auricular e em sentido contrário ao do depoimento de testemunha ocular” – cfr. Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. IV, pág. 358. Também Luís Filipe Pires de Sousa, in “Prova testemunhal”, 2013, Almedina, pág. 197, concluiu que “não pode ser afastada a admissibilidade da testemunha indirecta porquanto tal colidiria com um sistema misto, mas em que a livre apreciação da prova é preponderante.”
Assim, acompanhamos, sem reservas, o Recorrente quando parece querer transmitir a ideia de que perante a necessidade de prova de um facto negativo, não entrega de correspondência, e a morte/doença mental de quem recebeu essa correspondência, o tribunal não poderá deixar de valorar livremente as declarações de parte favoráveis ao próprio autor e depoimentos indirectos, sob pena de uma concreta e intolerável ofensa do direito à prova, no quadro do direito de acesso aos tribunais e ao direito e de uma tutela jurisdicional efectiva, segundo o disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Efectivamente, perante situações insusceptíveis de outros meios de prova, o julgador apenas poderá socorrer-se das declarações de parte e das testemunhas que prestaram um depoimento indirecto. Deste modo, e no limite, admitimos que o juiz possa fundar a sua convicção quanto a tal tipo de factualidade apenas nas declarações de parte e/ou nos depoimentos indirectos. Necessário é que a valoração dos mesmos, feita segundo as singularidades do caso concreto e as máximas da experiência convocáveis, permita ao julgador atingir o patamar da convicção suficiente – cfr. no mesmo sentido Luís Filipe de Sousa, in “Prova testemunhal”, 2013, Almedina, pág. 198.
Ora, in casu, o julgador em primeira instância não atingiu tal patamar de convicção exigível, referindo-se, por exemplo, ao depoimento da testemunha, M. , médica e irmã do autor, onde reconheceu que não teve conhecimento directo dos factos, mas apenas através do que lhe foi transmitido pelo irmão.
Note-se que o depoimento indirecto não se poderá confundir com as ilações de facto que possam ser retiradas de outros factos provados; por vezes, até as testemunhas, ao invés de se aterem a factos simples, são tentadas e conduzidas a depor através de conclusões. Mas, não olvidemos que é ao tribunal que caberá retirar quer ilações de facto, quer ilações de direito, a partir dos factos provados.
À pessoa que assinou o aviso de recepção das cartas foi diagnosticada “Perturbação Afetiva Bipolar, em fase depressiva”, e, à data em que recebeu as comunicações mencionadas no ponto 3, essa pessoa, M., padecia da doença mencionada no ponto anterior, em razão da qual, com frequência, manifestava estados de alheamento e falta de consciência – cfr. pontos 16 e 17 do probatório. A prova indirecta a que o Recorrente alude redunda em, com base nestes factos, concluir que F. não entregou a correspondência em apreço.
O tribunal recorrido decidiu que do estado de saúde de M. não pode extrair-se a convicção de que a correspondência em causa não tenha sido entregue ao Autor. Acrescenta não vir alegado nos autos, nem ter sido mencionado por qualquer testemunha, que tivesse ocorrido o extravio de qualquer outra correspondência recepcionada por M. .
Realmente, se tivesse acontecido, noutra situação, um aviso de recepção ter sido assinado por F. e a respectiva carta também não ter sido entregue, perante uma situação semelhante, talvez o tribunal pudesse presumir que também na situação presente o mesmo ocorreu. Mas, nas suas declarações, o autor, aqui Recorrente, afirmou ser a situação dos autos caso único.
Por outro lado, as testemunhas inquiridas nada sabiam sobre o destino que a mesma terá dado às comunicações em causa nos autos. No fundo, este é o cerne da questão, pois se a correspondência tivesse sido destruída ou deitada ao lixo, por exemplo, já o tribunal, com segurança, podia retirar a ilação de que a carta não foi entregue nem a Maria de Soledade nem ao ora Recorrente.
Na medida em que inexistem outros factos, complementares ou instrumentais, que possam coadjuvar na formação da convicção sobre esse facto, como refere a sentença recorrida, a prova de que as comunicações não foram disponibilizadas não foi, nem sequer de modo indirecto, produzida nos autos, acentuando que a questão determinante para a presente acção não é saber se o Autor teve ou não conhecimento das comunicações em causa – até porque as mesmas não lhe eram pessoalmente dirigidas –, mas sim se M. disponibilizou ou não as mencionadas comunicações.
Ora, não é pelo simples facto de F. sofrer de doença do foro psiquiátrico que o tribunal poderá presumir, com a segurança e certeza exigíveis, que a carta não foi entregue, tanto mais que a testemunha, J., médico de família do Autor e da esposa durante cerca de 30 anos, apesar de ter afirmado que esta padecia de doença bipolar, a qual se manifestava por humor variável, perda de razoabilidade e desfasamento com a realidade, sendo possível que praticasse actos como os da não entrega de correspondência aos destinatários, porém, reconheceu que a mesma também tinha momentos de lucidez, pelo que igualmente teria sido possível que tivesse procedido à entrega da correspondência em causa.
Nesta conformidade, nas circunstâncias concretas, não é possível deduzir do facto provado, de que a pessoa que assinou o aviso de recepção padecia de doença bipolar, mesmo apelando a um critério de razoabilidade em sede de valoração, que as cartas não foram entregues. O tribunal é confrontado com uma dúvida, um “non liquet”, mas importava que o Recorrente demonstrasse, de forma inequívoca, que a correspondência não foi entregue, como vimos, de molde a ilidir a presunção constante do artigo 39.º, n.º 3 do CPPT, não bastando a mera contraprova, mas antes a prova em contrário – cfr. artigo 350.º do Código Civil.
Salvo melhor opinião, ao invés do defendido pelo Recorrente, a força da presunção legal prevista no artigo 39.º, n.º 3 do CPPT não é diferente da força da presunção prevista no artigo 228.º do CPC, pelo facto de o regime consagrado no CPPT ser menos exigente.
Em geral, as regras de distribuição do ónus da prova destinam-se a evitar que, quem tem a obrigação de decidir (no âmbito do procedimento tributário, a administração, e, em sede de processo judicial, o tribunal), seja colocado numa situação de non liquet perante determinado facto, implicando que aquele non liquet se transforme num liquet contra quem está onerado com a prova.
O autor, aqui Recorrente, estava onerado com essa prova, não tendo conseguido desembaraçar-se dela. Mesmo recorrendo a provas indirectas ou como diz Alberto Xavier, a «factos indiciantes dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados», o certo é que tais indícios devem ser, como acrescenta, «suficientemente sólidos para criar no órgão de aplicação do direito a convicção da verdade» - cfr. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário», Coimbra, 1972, pág. 154.
Neste sentido, apesar de toda a prova produzida, nomeadamente, testemunhal e declarações de parte, não existem condições para alterar a decisão da matéria de facto, concretamente a matéria não provada, pois não foi possível, nomeadamente, formar convicção, com a segurança e certeza exigíveis, de que o terceiro que assinou o aviso de recepção não tenha procedido à entrega da respectiva correspondência. Saliente-se que tal conclusão seria fulcral para, eventualmente, inverter a decisão recorrida acerca do mérito da causa quanto ao pedido de condenação à prática do acto devido; não se vislumbrando que o tribunal recorrido tenha cometido qualquer erro grosseiro na apreciação e valoração da prova, que foi amplamente ponderada, sem que tivesse, ainda assim, sido possível ilidir a presunção prevista no artigo 39.º, n.º 3 do CPPT, e, consequentemente, não foi violado o regime jurídico constitucional do exercício e das restrições de direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa), nomeadamente, do direito de acesso aos tribunais, o princípio da proibição da indefesa e da tutela jurisdicional efectiva, na vertente da valoração da prova (artigos 20.º e 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa); improcedendo, globalmente, a conclusão 3 das alegações de recurso.
Como já ficou claro, não tendo sido ilidida a presunção legal, as notificações em causa encontram-se válida e regularmente efectuadas, como foi julgado em primeira instância:
“(…) Na presente ação, está em causa determinar se o Autor tem direito a ver apreciado o requerimento, apresentado pela falecida M., relativo aos atos de determinação do valor patrimonial tributário das frações AP e AS do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia (...) sob o artigo 4740, com fundamento na ilisão da presunção de notificação dos referidos atos.
Sobre esta questão importa ter presente a disposição contida no artigo 39.º n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, segundo a qual “[h]avendo aviso de receção, a notificação considera-se efetuada na data em que ele for assinado e tem-se por efetuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário”.
Decorre deste preceito que a entrega da carta registada com aviso de receção pelo distribuidor do serviço postal a terceiro, presente no domicílio fiscal do destinatário da mesma, faz operar a presunção de que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.
Trata-se de uma presunção legal que admite prova em contrário (cfr. artigo 350.º n.º 2 do Código Civil). Em concreto, para ilidir tal presunção, recai sobre o interessado o ónus de prova de que a carta não foi entregue ao destinatário pelo terceiro recetor da carta.
No caso dos autos, o Autor alega que as comunicações relativas aos atos de determinação do valor patrimonial tributário, as quais foram rececionadas por M. , não lhe foram entregues, a fim de que, em nome de sua mãe, pudesse apresentar atempadamente o pedido de segunda avaliação dos imóveis.
Sucede que o Autor não logrou produzir a prova necessária para ilidir a presunção de notificação contida no citado artigo 39.º n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, porquanto apenas ficou demonstrado que M. foi efetivamente recetora das comunicações – como decorre da assinatura constante dos respetivos avisos de receção – e que a mesma padecia de Perturbação Afetiva Bipolar, em fase depressiva, doença que, com frequência, se manifestava num estado de alheamento e falta de consciência.
Ora, do estado de saúde de M. não se pode de modo algum inferir que a mesma não procedeu à entrega das comunicações em causa, sendo este o facto relevante, em relação ao qual recaia sobre o Autor o ónus probatório.
Deste modo, tendo sido cumpridos os formalismos referentes à entrega das cartas a terceiro, e não tendo o Autor logrado ilidir a presunção de entrega das mesmas ao destinatário, é forçoso concluir que as notificações foram validamente realizadas e, como tal, que o prazo para requerer a segunda avaliação dos imóveis teve o seu termo inicial em 14.08.2006, data de assinatura dos avisos de receção. (…)
No caso dos autos, ficou demonstrado que a morada para a qual foram remetidas as comunicações em causa – Rua (…) – não era efetivamente o local da residência habitual de M., e que esta morada foi declarada como domicílio fiscal por coincidir com a residência de seu filho, que assumira a responsabilidade de tratar dos seus assuntos fiscais.
Embora se compreenda esta opção – atenta a idade avançada de M. –, a verdade é que tal circunstância fazia recair sobre o Autor uma especial obrigação de garantir que qualquer correspondência dirigida a sua mãe fosse efetivamente recebida e entregue a si próprio para que pudesse salvaguardar os interesses da mesma.
A tese do Autor nos presentes autos, é que as comunicações em causa não lhe foram entregues em resultado do estado de saúde de sua esposa. Sucede que tal estado de saúde era conhecido do Autor desde, pelo menos, abril de 2003, mês em que, segundo decorre dos elementos carreados para os autos, M. foi sujeita ao primeiro período de internamento, em virtude do mencionado estado de saúde.
Ora, se, como o próprio Autor sustenta, tal estado de saúde implicava o risco de extravio de qualquer correspondência, deveria o mesmo ter providenciado no sentido de salvaguardar que tal não ocorresse, o que passaria, mormente, por garantir que fosse declarado o efetivo domicílio fiscal de sua mãe; circunstância que não impediria que continuasse a tratar dos respetivos assuntos fiscais.
Assim, em coerência com a tese do próprio Autor, a causa da alegada falta de entrega das comunicações não seria a doença da qual padecia a sua esposa, mas sim a circunstância de, por um lado, não ter sido declarado o domicílio fiscal efetivo de M. e, por outro, na morada declarada não estarem reunidas as circunstâncias para que a correspondência chegasse efetivamente à destinatária ou a quem assumiu a responsabilidade de tratar dos respetivos assuntos fiscais.
Assim sendo, e recordando que foram cumpridos os formalismos legalmente previstos para a perfeição das notificações, não pode o Autor invocar como eventual causa para a não entrega das cartas uma circunstância que há muito era do conhecimento do Autor e, portanto, um contexto factual que lhe é imputável.
Pelo exposto, atendendo a que o termo inicial para requerer a segunda avaliação dos imóveis se deu em 14.08.2006, é forçoso concluir que o respetivo pedido – recebido apenas em 05.07.2010 –, foi apresentado manifestamente fora de prazo.
Nesta medida, deverá improceder o pedido de condenação a que a Entidade Demandada considere que o pedido foi tempestivamente apresentado e a proceder à tramitação do respetivo procedimento.
À luz de todo o exposto, mormente à perfeição das notificações realizadas, será igualmente de improceder o pedido de condenação da Entidade Demandada a efetuar nova notificação a fim de se iniciar novo prazo para requerer segunda avaliação dos prédios em causa. (…)”
Em face da prova produzida e mostrando-se estabilizada a decisão da matéria de facto, confirmamos esta parte do julgamento realizado pelo tribunal recorrido, não sendo, com efeito, possível condenar a entidade demandada à prática do acto devido.
Todavia, como o acto de indeferimento impugnado não foi, por esta via, eliminado da ordem jurídica, haverá que apreciar se o tribunal “a quo” analisou correctamente os vícios que foram assacados ao acto desfavorável praticado em sede de recurso hierárquico; isto apesar de o novo contencioso administrativo apontar que o meio processual adequado para reagir contra actos administrativos de indeferimento passou a ser a acção administrativa de condenação à prática de acto devido, deixando de ser, como até 2003, o processo de impugnação com vista à mera anulação ou declaração de nulidade do acto em causa.
No entanto, o Recorrente pode, ainda assim, ter interesse em eliminar da ordem jurídica o acto de estrito indeferimento. In casu, é evidente que o seu ganho, na prática, é amplamente diminuto, pois não conseguiu pela presente via judicial que as notificações em crise fossem repetidas, mostrando-se, por isso, caducada a possibilidade de requerer e discutir uma segunda avaliação dos prédios urbanos em apreço.

Contudo, não deixaremos de enfrentar a quarta conclusão das alegações do recurso, referente à violação do princípio do inquisitório.
Para melhor compreensão, vejamos o teor, nesta parte, da sentença recorrida:
“(…) Resta, por fim, apreciar o pedido de anulação da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, com fundamento nos invocados vícios de i) falta de fundamentação; ii) violação do principio do inquisitório e da verdade material; e iii) violação do direito de audição.
Sobre estes invocados vícios, importa começar por explicitar que os primeiros dois estão estreitamente relacionados, porquanto o Autor considera, por um lado, que a falta de audição das testemunhas arroladas no procedimento configura uma violação do princípio do inquisitório e da verdade material e, por outro, que a entidade administrativa não fundamentou tal recusa.
Sobre estes vícios não pode deixar de se reconhecer que, nos termos do disposto no artigo 58.º da Lei Geral Tributária, a Administração Fiscal está sujeita ao princípio do inquisitório – “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido” –, à luz do qual está obrigada a proceder a todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material.
Na questão em apreço, tal obrigação é ainda reforçada pela circunstância de a mesma Administração pretender valer-se de uma presunção legal que admite prova em contrário, sendo que a interessada pretendia precisamente socorrer-se da prova testemunhal para lograr ilidir tal presunção.
Nesta medida, não era legítimo recusar a audição das testemunhas arroladas naquele procedimento, pelo que, ao não proceder a tal diligência de prova relevante, a Administração violou o disposto no mencionado princípio, incorrendo em preterição de formalidade essencial.
Todavia, como é jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo, nem sempre a verificação de uma ilegalidade tem eficácia invalidante, por força do princípio do aproveitamento do ato administrativo, à luz do qual não se justifica a anulação de um ato, mesmo que enferme de um vício de violação de lei ou de forma, quando a sua ocorrência não teve qualquer reflexo no sentido e conteúdo da decisão do procedimento administrativo (cfr. neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 11.10.2007, proc. 01521/02).
Ora, no caso dos autos, estando já explicitado na presente decisão que a prova testemunhal produzida não foi apta a ilidir a presunção de que as cartas recebidas por M. não foram efetivamente entregues ao Autor ou a M., pode-se concluir, com inteira segurança, que a audição das testemunhas no âmbito do procedimento não modificaria a ponderação a realizar e, consequentemente, o conteúdo da decisão a proferir – note-se que todas as testemunhas arroladas no procedimento foram ouvidas no decurso dos presentes autos.
Consequentemente, não deve reconhecer-se eficácia invalidante aos mencionados vícios, pelo que deverá, também nesta parte, improceder a presente ação. (…)”
Resulta notório que o julgamento em primeira instância reconhece a verificação de um vício no acto, sendo que tal conclusão não se mostra atacada, tendo, portanto, transitado em julgado: não era legítimo recusar a audição das testemunhas arroladas no procedimento gracioso, pelo que, ao não proceder a tal diligência de prova relevante, a AT violou o princípio do inquisitório e da verdade material.
Insurge-se o Recorrente quanto à aplicação, in casu, do princípio do aproveitamento do acto, na medida em que nunca poderia o tribunal optar por não declarar a ilegalidade invocada e reconhecida, dado que não podia impor a sua posição, quando a AT poderia, dentro do quadro legal de soluções possíveis, ter tomado outra posição em sede da valoração da prova testemunhal produzida para ilisão da presunção do artigo 39.º, n.º 3 do CPPT.
A sentença recorrida apoiou-se na prova que foi, entretanto, produzida em sede contenciosa, nos presentes autos, para aproveitar o acto, tendo subjacente a ideia de que sempre seria o mesmo o resultado em sede graciosa se tivesse ocorrido instrução e audição das testemunhas no procedimento.
Salientamos que apesar da aplicação do princípio do aproveitamento do acto implicar necessariamente um juízo a posteriori, este deve ser um juízo de prognose póstuma, pelo que não pode nem deve ser influenciado pelo resultado da acção ou pela improcedência dos demais vícios invocados no processo em que o acto foi impugnado, sob pena de esvaziamento do princípio em análise e de impossibilidade prática de verificação do vício resultante da preterição do princípio do inquisitório.
A verdade é que estamos perante a invocação de factos novos em sede de procedimento gracioso, tendo em vista ilidir uma presunção legal (que admite prova em contrário), sendo legítimo que o interessado possa desencadear a prova dos mesmos, ocorrendo instrução e inquirição das testemunhas oferecidas (cfr. artigo 72.º do CPPT), sob pena de a decisão nesse âmbito surgir desfasada da realidade e da verdade material.
Ora, se para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento podem ser utilizados todos os meios de prova admitidos em direito, temos que a apreciação dos depoimentos prestados pelas testemunhas está igualmente sujeita ao princípio da livre apreciação das provas. Isto significa que a AT, em sede de instrução de procedimento gracioso, terá uma margem de livre apreciação da prova testemunhal aí produzida, motivo pelo qual não poderá ser aplicável o princípio do aproveitamento do acto.
Em suma, neste aspecto, assiste razão ao Recorrente, levando o vício detectado pelo tribunal recorrido à eliminação da ordem jurídica do acto de indeferimento impugnado.
Realçamos, porém, que entretanto já o tribunal se pronunciou judicialmente, como vimos, de forma definitiva e final sobre a mesma questão nestes autos, por isso, será totalmente inútil equacionar, sequer, uma retoma do procedimento gracioso por força da anulação do acto aqui impugnado, na medida em que o processo de contencioso administrativo e tributário tem prevalência sobre o procedimento gracioso, conforme decorre das situações previstas no CPTA de modificação objectiva da instância (cfr. artigos 63.º, 64.º, 65.º e 70.º), à semelhança do que se passa em sede de impugnação judicial (cfr. artigo 111.º, n.º 3, n.º 4 e n.º 5 do CPPT).
O que já ficou julgado determina que o conhecimento das restantes questões colocadas no recurso se mostre prejudicado, designadamente, a matéria vertida na quinta e última conclusão concernente à violação do direito de audição.
Pelo exposto, forçoso será conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida, julgar a acção administrativa parcialmente procedente, anulando o acto de indeferimento do recurso hierárquico impugnado e absolvendo a entidade demandada dos pedidos condenatórios de tramitação de procedimento tendo em vista segunda avaliação para fixação de valor patrimonial tributário e de repetição das notificações efectuadas em 14/08/2006, para os efeitos consignados no artigo 76.º do Código do IMI.

Conclusões/Sumário

I – A liberdade na formação da convicção do julgador deverá assentar em elementos probatórios, em presunções judiciais, em regras da experiência comum e/ou em critérios lógicos que, de forma sustentada e segura e tendo em conta as regras da repartição do ónus da prova, permitam uma fundada convicção quanto à verificação dos factos que se tenham como provados.

II – Nos termos do artigo 466.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.

III – As declarações de parte integram um testemunho de parte; a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente.

IV – O depoimento indirecto não se confunde com o depoimento “por ouvir dizer”, sendo que aquele, ao contrário deste, tem uma fonte concretamente identificada, revelando, pese embora não tenha um conhecimento presencial do facto, o conhecimento de quem o teve e que lho transmitiu.

V – Não sendo o depoimento indirecto proibido, situa-se a sua valoração no âmbito da avaliação da credibilidade (maior ou menor conforme as circunstâncias de cada caso concreto) que o mesmo possa merecer ao julgador.

VI – Tal não se confunde com a prova indirecta. No recurso a provas indirectas ou a «factos indiciantes dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados», tais indícios devem ser «suficientemente sólidos para criar no órgão de aplicação do direito a convicção da verdade».

VII – Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

VIII – A aplicação do princípio do aproveitamento do acto para obstar à sua anulação, praticado em violação do princípio do inquisitório e da verdade material, depende de um juízo de prognose póstuma no sentido da inexistência de qualquer possibilidade da sua influência no conteúdo daquele acto.

IX – Este juízo não pode nem deve ser influenciado pelo resultado da acção ou pela improcedência dos demais vícios invocados no processo em que o acto foi impugnado, sob pena de esvaziamento do princípio em análise e de impossibilidade prática de verificação do vício resultante da preterição do princípio do inquisitório.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e julgar a presente acção administrativa parcialmente procedente, pelo que se anula o acto de indeferimento proferido no âmbito do recurso hierárquico e se absolve a entidade demandada dos pedidos condenatórios de tramitação de procedimento, tendo em vista segunda avaliação para fixação de valor patrimonial tributário, e de repetição das notificações efectuadas em 14/08/2006, para os efeitos consignados no artigo 76.º do Código do IMI.
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Custas a cargo de ambas as partes, nas duas instâncias, na proporção do decaimento, que se fixa em 50%, sendo que, nesta instância, as custas a cargo da Recorrida não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
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Porto, 14 de Outubro de 2021

Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares