Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00294/05.5BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/12/2018
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IVA
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
MÉTODOS INDIRECTOS
QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
CRITÉRIO
Sumário:I) A lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
II) A AT tem de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada e que permitam extrapolar uma adequada ponderação da decisão.
III) O critério utilizado pela Administração Tributária consistiu na aplicação do valor intermédio apurado sobre o montante de serviços prestados omitidos, considerando que 40% das situações registou devidamente os serviços prestados, matéria que não se apresenta justificada nem compreensível ao seu uso e aplicação, até porque, em sede de prova pericial, os peritos unanimemente, responderam que a amostragem efectuada pela fiscalização não tem fundamento estatístico nem matemático para concluir que apenas 40% dos serviços prestados pela impugnante correspondem à realidade, não sendo a amostragem explicita no Anexo IV (junta com a p.i.) representativa do universo dos clientes da impugnante, nomeadamente devido a esta incluir o cliente J… que é o cliente que possui a maior avença declarada, enviesando desta forma a amostra.
IV) Quando se analisa o Relatório na parte que aqui interessa, não pode deixar de notar-se que, tal como se aponta na decisão recorrida, contrariamente ao que a Administração Tributária parece fazer crer, não há qualquer justificação para o critério ali utilizado na quantificação da matéria tributável que, nesta medida, revela-se desadequado para o pretendido apuramento do volume de serviços prestados pela impugnante no ano de 2000.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:A..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 13-01-2015, que julgou procedente a pretensão deduzida por “A..., LDA.” na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com a liquidação adicional de IVA relativa ao período de 2001, no montante de € 33.295,68, acrescido de € 4.963,49, a título de juros compensatórios.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 156-164), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1) O tribunal a quo considerou que é ilegal o critério utilizado na quantificação da matéria tributável, e fundamenta a sua decisão na conclusão de que a AT não indica porque é que escolheu a percentagem de 40%, e ainda diz que o critério que foi usado é arbitrário.
2) A convição do tribunal baseou-se nos documentos e informações constantes do processo, mas foi desvalorizada totalmente a prova documental constituída pelos pontos D.4 e D.5 pág. 14 a 20 do relatório de inspeção e pelos anexos 11 e 16 do referido relatório, onde se relatam as omissões de prestações de serviços verificadas juntos dos clientes e onde se demonstra como é que foi apurado o indicador da taxa de omissão dos serviços prestados, e onde se descreve o comportamento do representante da impugnante donde decorre a violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo.
3) A sentença não fez um correto julgamento da matéria de facto, ao desconsiderar cada um estes factos.
4) Os únicos factos conhecidos pela inspeção é que a empresa impugnante emitia faturas a clientes relativas a avenças mensais com valores ridículos de € 1.00, € 5.00 e € 10.00.
5) O que levou a inspeção tributária de modo aleatório a selecionar 13 clientes, com vista a averiguar qual o montante de avença pago e o modo como o pagamento era efetuado.
6) A inspeção tributária recolheu o testemunho de vários clientes da impugnante no sentido de que o preço declarado na contabilidade da impugnante, não correspondia ao real, mas era substancialmente inferior.
7) A douta sentença sob recurso omitiu por completo estas diligências de prova.
8) De salientar que o comportamento do sócio gerente da recorrida foi pautado por falta de colaboração, conforme é relatado no relatório de inspeção.
9) De realçar ainda que estamos perante um contribuinte que exerce a atividade de TOC, profissão que se presume ser do interesse público e que tem um código deontológico a cumprir, tendo um especial dever de respeitar a lei fiscal, o que não se verifica no presente caso, com as comprovadas omissões de prestação de serviços.
10) Ora perante as lacunas de informação da contabilidade, a inspeção tributária teve que escolher um método para quantificar as operações omitidas á contabilidade.
11) O método adotado por um lado assenta na atividade de investigação da inspeção tributária;
12) Na medida em que esta parte de um indicador que assenta na percentagem de omissão de prestação de serviços que verificou.
13) Com efeito os cálculos foram efetuados com base na média ponderada da percentagem de omissão de proveitos.
14) Concretamente, as médias ponderadas encontram-se determinadas no quadro do anexo 16 do Relatório de Inspeção, a saber, Ano 2000 - 1237%, Ano 2001 – 450%, Ano 2002 – 467%.
15) Para efeito de determinação do montante de serviços prestados omitidos a inspeção utilizou o valor intermédio apurado, ou seja o coeficiente de 467%.
16) Em relação a 6 clientes, não foi possível á inspeção tributária obter elementos dos clientes com vista á confirmação dos valores efetivamente pagos ao SP, pelo que se considerou nestes casos que o valor que haviam pago pela realização dos serviços de contabilidade correspondia exatamente ao valor registado como proveitos, isto é que a taxa de omissão era de 0%. (Cfr. Relatório de inspeção pág. 17 a 18 e Anexo 16)
17) No método utilizado pela inspeção tributária foi relevado este facto, pelo que a percentagem adotada de 40%, resultou do seguinte raciocínio: Procedeu-se á quantificação dos proveitos “validados” colocando no numerador o número de casos “validados” num total de 6 e no denominador o número total de situações analisadas que foram 13. O valor daqui resultante ficou situado no intervalo entre os 40 e 50 pontos percentuais.
18) E admitiu-se em abono do contribuinte que 40% dos serviços prestados declarados correspondiam á realidade.
19) Aplicando aos restantes 60% dos serviços prestados declarados a percentagem de omissão de proveitos que foi adotada de 467%.
20) O método adotado para além de partir da atividade de investigação da inspeção tributária, também resultou de um raciocínio quantitativo, ao considerar-se que 40% dos serviços prestados declarados tinham a probabilidade de corresponder á realidade e que os restantes 60% tinham a probabilidade de conter uma taxa de omissão de proveitos de 467%.
21) A lei no artº 90º da LGT indica um certo número de índices – margens médias do lucro, taxas médias de rentabilidade, coeficientes técnicos, e elementos e informações relativos a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte, que podem ser utilizados isoladamente ou articulados entre si, para proceder á quantificação.
22) Ora se considerarmos os critérios de decisão propostos no artº 90º da LGT, podemos verificar como eles têm implícita uma remissão para a prova probabilística, com base em estatísticas.
23) No caso concreto foram utilizados os elementos e informações declarados á administração tributária pelos vários clientes da ora recorrida, no sentido de que o preço declarado nas vendas a dinheiro e refletido na contabilidade, não correspondia ao real, mas era substancialmente inferior.
24) E ao ser utilizado um indicador que parte da percentagem de omissão de prestação de serviços que foi verificada é utilizado um método que relaciona de uma forma congruente e justificada os factos apurados e a situação concreta do contribuinte.
25) Ao contrário do entendido pelo Mº Juiz do Tribunal a quo, o método utilizado é proporcional á situação concreta do sujeito passivo, e nada tem de arbitrário.
26) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter entendido que a percentagem de 40% não se encontra justificada em lugar algum, provindo apenas do livre arbítrio da inspeção tributária, pois tal percentagem resulta da atividade de investigação da inspeção tributária junto dos clientes da impugnante conjugada com a aplicação de um raciocínio quantitativo.
27) A AT teve a preocupação de averiguar junto dos clientes da impugnante acerca do montante da avença pago e o modo como o pagamento era efetuado.
28) A AT teve o cuidado de solicitar ao contribuinte o fornecimento de informações e a exibição de registos, livros e demais documentação.
29) Mas conforme se refere no relatório de inspeção é ostensiva a violação dos deveres de cooperação por parte do representante da impugnante.
30) O que acarretou a escassez de meios disponíveis para realizar a determinação da matéria tributável.
31) Pois é indiscutível que a violação dos deveres de cooperação praticada pelo contribuinte na fase do procedimento de inspeção vai acarretar que a decisão de quantificação assente num raciocínio quantitativo e que a decisão tomada leve em conta um elevado grau de probabilidade.
32) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ao não relevar este facto, está a favorecer a violação dos deveres de cooperação.
33) Demonstra-se que a inspeção tributária utilizou elementos objetivos e concretos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da atividade do contribuinte, conduziram á quantificação das prestações de serviços omitidas.
34) A liquidação do IVA não podia assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte, e a quantificação efetuada pela AT tem bases suficientemente seguras e adequadas a sustentar o apuramento dos serviços prestados omitidos.
35) A administração fiscal está obrigada a fundamentar as suas decisões e no que ao caso interessa, ao abrigo do artº 77º da LGT, que prescreve no seu número 4, que deve indicar os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.
36) Conforme resulta do relatório de inspeção, nas páginas que temos vindo a salientar, encontram-se demonstradas todas as diligências efetuadas pela inspetora tributária, e espelha-se o critério que foi adotado para o apuramento das prestações de serviços omitidas, pelo que se encontra cumprido o artº 77º nº 4 e artº 90º da LGT, não estando o ato administrativo impugnado viciado por ilegalidade.
37) Por conseguinte a decisão do Meritíssimo Juiz pode e deve ser alterada, porquanto tal é permitido pela aplicação subsidiária do artº 712º do CPC, pois do processo constam todos os elementos de prova da matéria de facto em causa.
38) Deve ser alterada a referida decisão considerando-se que o relatório de inspeção junto aos autos e seu anexos explicam com clareza e justificadamente o critério utilizado pela inspeção.
39) A douta sentença sob recurso, fez uma incorreta apreciação da prova e violou os artigos 77º nº 4 e 90º da LGT
TERMOS EM QUE, deve ordenar-se a revogação da douta sentença, como é de LEI E JUSTIÇA.

A recorrida apresentou contra-alegações (cfr. Fls. 165-170), tendo concluído da seguinte forma:
“(…)
1ª As alegações do Recurso não lograram refutar o irrefutável. Tal sucedendo não só para a matéria estritamente apreciada pela sentença recorrida, como também para a restante matéria de facto que foi objecto de perícia colegial unânime. Sendo significativo que a Recorrente não faça qualquer alusão à perícia e respectivas conclusões.
2ª Sendo incontornável, por exemplo, que o próprio perito da Fazenda Pública sufrague uma resposta demolidora em que uma percentagem de 467% é corrigida para 11% por via da adopção do cálculo matemático e estatístico correcto.
No ano de 2001 a adopção do cálculo correcto reduz a percentagem de 450%apurada pela AT, para 91%. Ou seja cerca de 5 vezes menos.
3ª A percentagem de 40% utilizada pela IT é também obviamente arbitrária. Como é dito na sentença, poderia ter sido escolhida qualquer outra percentagem!.
E a própria tentativa esforçada para a justificar em sede de recurso ainda realça mais a evidência do arbítrio, como se demonstra nestas contra-alegações.
4ª A decisão de anular a Liquidação adicional de IVA do ano de 2001 é pois juridicamente correcta e era inevitável face aos erros crassos da quantificação operada pela A.T. Correcção e inevitabilidade que se acentuariam se fosse objecto de apreciação e julgamento toda a matéria de facto resultante da perícia colegial realizada e admitida nos autos.
5ª No caso de a matéria objecto da sentença merecer entendimento diverso neste Tribunal Superior, haverá que - como já foi requerido - ampliar a matéria de facto e julgar a mesma em conformidade com o direito aplicável, nos termos do art. 636º do CPC.
6ª A AT não tem legitimidade para censurar o comportamento da impugnante (ou do seu representante) já que o seu comportamento na inspecção em causa, particularmente no que respeita aos métodos quantificativos utilizados é muito mais grave do que aquele.
E de resto não existe qualquer nexo de causalidade entre a conduta do representante da impugnante e o anómalo procedimento quantificativo efectuado pela inspecção tributária.
Termos em que, se requer a V Exas. que julguem improcedente o recurso da Fazenda Pública.
Subsidiariamente, na mera hipótese de procederem os fundamentos do recurso, requer-se que seja ampliada a matéria de facto provada de forma a abarcar os factos apurados pela impugnante na PI - com o concomitante julgamento em sede de direito.”

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 181-183, no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos, vem o processo à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar o alcance do exposto quanto ao erro de julgamento de facto, tendo presente que a decisão recorrida desvalorizou prova documental constante dos autos, com referência ao exposto no RIT e bem assim indagar do apontado erro de julgamento de direito com referência ao critério utilizado na quantificação em termos do seu enquadramento quer em função do exposto no RIT quer de acordo com o teor do art. 90º da LGT.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A). A Impugnante foi objecto de acção inspectiva, relativa aos períodos de 2000 a 2002, cf. Relatório da Inspecção Tributária de fls. 1 a 28 do Processo Administrativo (PA).
B). Foi seguidamente elaborado o respectivo Relatório, que se encontra junto a fls. 1 a 141 do PA, e aqui se dá por integralmente reproduzido, bem como os seus anexos, do qual consta o seguinte:
(…)
- imagens omissas -
C). Em 01-09-2004, e após pedido de revisão da matéria tributável, o Director de Finanças de Aveiro manteve os valores apurados em sede de inspecção tributária, tendo aplicado um agravamento à colecta no valor de € 8.600, cfr. teor do doc. de fls. 449 a 467 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde consta o seguinte:
- imagens omissas -
D).A Impugnante foi notificada da liquidação de IVA de 2001, nº 04301371, no valor de € 33.295,68, acrescida de juros compensatórios no montante de € 4.963,49, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 30-11-2004, cfr. teor de fls. 53 a 59 dos autos.
E). A presente impugnação foi apresentada no TAF de Viseu em 18-02-2005, cf. teor de fls. 1 dos autos.
III-B – Factos não provados
Inexistem, com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A factualidade supra referida, foi apurada com base nos documentos juntos aos autos e no Processo Administrativo apenso.”
3.2 DE DIREITO
Nas suas alegações, a Recorrente refere que a convicção do tribunal baseou-se nos documentos e informações constantes do processo, mas foi desvalorizada totalmente a prova documental constituída pelos pontos D.4 e D.5 pág. 14 a 20 do relatório de inspecção e pelos anexos 11 e 16 do referido relatório, onde se relatam as omissões de prestações de serviços verificadas juntos dos clientes e onde se demonstra como é que foi apurado o indicador da taxa de omissão dos serviços prestados, e onde se descreve o comportamento do representante da impugnante donde decorre a violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo, sendo que a sentença não fez um correcto julgamento da matéria de facto, ao desconsiderar cada um estes factos.

Neste ponto, diga-se que a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, verificando-se que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Com este pano de fundo, a realidade apontada pela Recorrente não se traduz na invocação de um verdadeiro erro de julgamento ao nível da matéria de facto, até porque estão em causa elementos que constam do RIT que o Tribunal a quo acolheu no âmbito do probatório, mas sim a sua consideração na discussão do núcleo essencial da matéria em análise nos autos, o que nos remete para o erro de julgamento no domínio agora descrito.

Assim sendo, e avançando para aquilo que verdadeiramente interessa aos autos, temos que a Recorrente coloca em crise a decisão do Tribunal a quo que se pronunciou pela ilegalidade do critério utilizado na quantificação da matéria tributável, e fundamenta a sua decisão na conclusão de que a AT não indica porque é que escolheu a percentagem de 40%, e ainda diz que o critério que foi usado é arbitrário, olvidando um conjunto de elementos vertidos no RIT.
Na verdade, os únicos factos conhecidos pela inspecção é que a empresa impugnante emitia facturas a clientes relativas a avenças mensais com valores ridículos de € 1.00, € 5.00 e € 10.00, o que levou a inspecção tributária de modo aleatório a seleccionar 13 clientes, com vista a averiguar qual o montante de avença pago e o modo como o pagamento era efectuado, tendo recolhido o testemunho de vários clientes da impugnante no sentido de que o preço declarado na contabilidade da impugnante, não correspondia ao real, mas era substancialmente inferior, situação que a decisão a quo não considerou.
Além disso, o comportamento do sócio gerente da recorrida foi pautado por falta de colaboração, conforme é relatado no relatório de inspecção, sendo que estamos perante um contribuinte que exerce a actividade de TOC, profissão que se presume ser do interesse público e que tem um código deontológico a cumprir, tendo um especial dever de respeitar a lei fiscal, o que não se verifica no presente caso, com as comprovadas omissões de prestação de serviços.
Ora perante as lacunas de informação da contabilidade, a inspecção tributária teve que escolher um método para quantificar as operações omitidas á contabilidade e o método adoptado por um lado assenta na actividade de investigação da inspecção tributária, na medida em que esta parte de um indicador que assenta na percentagem de omissão de prestação de serviços que verificou, pois que os cálculos foram efetuados com base na média ponderada da percentagem de omissão de proveitos, concretamente, as médias ponderadas encontram-se determinadas no quadro do anexo 16 do Relatório de Inspeção, a saber, Ano 2000 - 1237%, Ano 2001 – 450%, Ano 2002 - 467% e para efeito de determinação do montante de serviços prestados omitidos a inspecção utilizou o valor intermédio apurado, ou seja o coeficiente de 467%.
Em relação a 6 clientes, não foi possível á inspecção tributária obter elementos dos clientes com vista á confirmação dos valores efectivamente pagos ao SP, pelo que se considerou nestes casos que o valor que haviam pago pela realização dos serviços de contabilidade correspondia exactamente ao valor registado como proveitos, isto é que a taxa de omissão era de 0%.
No método utilizado pela inspecção tributária foi relevado este facto, pelo que a percentagem adoptada de 40%, resultou do seguinte raciocínio: Procedeu-se á quantificação dos proveitos “validados” colocando no numerador o número de casos “validados” num total de 6 e no denominador o número total de situações analisadas que foram 13. O valor daqui resultante ficou situado no intervalo entre os 40 e 50 pontos percentuais e admitiu-se em abono do contribuinte que 40% dos serviços prestados declarados correspondiam á realidade, aplicando aos restantes 60% dos serviços prestados declarados a percentagem de omissão de proveitos que foi adoptada de 467%.
O método adoptado para além de partir da actividade de investigação da inspecção tributária, também resultou de um raciocínio quantitativo, ao considerar-se que 40% dos serviços prestados declarados tinham a probabilidade de corresponder á realidade e que os restantes 60% tinham a probabilidade de conter uma taxa de omissão de proveitos de 467%.
A lei no artº 90º da LGT indica um certo número de índices - margens médias do lucro, taxas médias de rentabilidade, coeficientes técnicos, e elementos e informações relativos a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte, que podem ser utilizados isoladamente ou articulados entre si, para proceder á quantificação e se considerarmos os critérios de decisão propostos no artº 90º da LGT, podemos verificar como eles têm implícita uma remissão para a prova probabilística, com base em estatísticas.
No caso concreto foram utilizados os elementos e informações declarados á administração tributária pelos vários clientes da ora recorrida, no sentido de que o preço declarado nas vendas a dinheiro e reflectido na contabilidade, não correspondia ao real, mas era substancialmente inferior e ao ser utilizado um indicador que parte da percentagem de omissão de prestação de serviços que foi verificada é utilizado um método que relaciona de uma forma congruente e justificada os factos apurados e a situação concreta do contribuinte.
Ao contrário do entendido pelo Mº Juiz do Tribunal a quo, o método utilizado é proporcional á situação concreta do sujeito passivo, e nada tem de arbitrário, pelo que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter entendido que a percentagem de 40% não se encontra justificada em lugar algum, provindo apenas do livre arbítrio da inspecção tributária, pois tal percentagem resulta da actividade de investigação da inspecção tributária junto dos clientes da impugnante conjugada com a aplicação de um raciocínio quantitativo.
A AT teve a preocupação de averiguar junto dos clientes da impugnante acerca do montante da avença pago e o modo como o pagamento era efectuado e teve o cuidado de solicitar ao contribuinte o fornecimento de informações e a exibição de registos, livros e demais documentação, mas conforme se refere no relatório de inspecção é ostensiva a violação dos deveres de cooperação por parte do representante da impugnante, o que acarretou a escassez de meios disponíveis para realizar a determinação da matéria tributável, pois é indiscutível que a violação dos deveres de cooperação praticada pelo contribuinte na fase do procedimento de inspecção vai acarretar que a decisão de quantificação assente num raciocínio quantitativo e que a decisão tomada leve em conta um elevado grau de probabilidade, sendo que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ao não relevar este facto, está a favorecer a violação dos deveres de cooperação.
Demonstra-se que a inspecção tributária utilizou elementos objectivos e concretos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da actividade do contribuinte, conduziram á quantificação das prestações de serviços omitidas, verificando-se que a liquidação do IVA não podia assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte, e a quantificação efectuada pela AT tem bases suficientemente seguras e adequadas a sustentar o apuramento dos serviços prestados omitidos e a administração fiscal está obrigada a fundamentar as suas decisões e no que ao caso interessa, ao abrigo do artº 77º da LGT, que prescreve no seu número 4, que deve indicar os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável e conforme resulta do relatório de inspecção, nas páginas que temos vindo a salientar, encontram-se demonstradas todas as diligências efectuadas pela inspectora tributária, e espelha-se o critério que foi adoptado para o apuramento das prestações de serviços omitidas, pelo que se encontra cumprido o artº 77º nº 4 e artº 90º da LGT, não estando o ato administrativo impugnado viciado por ilegalidade.

Que dizer?
Como é sobejamente sabido, o nosso ordenamento jurídico consagra o princípio do sistema declarativo, como meio de apuramento do valor tributável, surgindo as outras vias da sua determinação, da iniciativa da AF, como meios subsidiários ou residuais.
De facto e como é bem de ver o sistema jurídico tinha, necessariamente de prever meios alternativos ao apuramento da matéria colectável dos impostos, no caso daquele princípio não operar por motivos imputáveis ao contribuinte. É que, se por um lado o sistema parte do princípio da boa fé dos contribuintes na revelação dos seus reais e efectivos rendimentos tributáveis, por outro, não pode ignorar que a simples existência de regras parte do pressuposto da possibilidade do seu incumprimento que, nessa medida, não pode deixar de se mostrar acautelada pelo legislador.
Por isso que o referido sistema do princípio da veracidade do declarado pelos distintos sujeitos passivos seja «temperado» velo verdadeiro dever de cooperação que, sobre eles, impende de prestarem todos os esclarecimentos e revelarem todos os elementos que, nos casos menos “transparentes”, desde logo por inusuais, permitam esclarecer e eventualmente confirmar, dentro do que lhes seja exigível, a aderência do declarado à realidade. Daí que, nos casos em que se mostre ilegitimamente violado aquele dever de cooperação, como será, v.g. e designadamente, o caso de não se não disponibilizar, sem justificação atendível, os elementos necessários ao controlo da sua situação tributária, por parte da AT, no exercício do poder vinculado que a esta está conferido por lei, se dê a automática legitimação desta entidade no recurso aos referidos meios alternativos disponibilizados por lei, desde que com observância dos restantes pressupostos, por esta, estipulados.
Ou seja e sinteticamente, o alcançar da tributação dos rendimentos reais auferidos, por via do aludido sistema declarativo pressupõe que os contribuintes disponibilizem à AT todos e quaisquer elementos que lhes sejam exigíveis e que se apresentem como indispensáveis ao correcto apuramento dos mesmos.
E, como se referiu, quando assim não suceda, isto é, quando ocorra a quebra daquele dever de colaboração, designadamente pela não apresentação daqueles referidos elementos, cujo ónus impende sobre o contribuinte como meio de assegurar a presunção de aderência á realidade do declarado, inviabilizando a concretização, por parte da AT, do dever estritamente vinculado a que esta, por seu turno, está obrigada pelo princípio da legalidade, do controle e apuramento do efectivo valor tributável, a AF ficará legitimada automaticamente a recorrer a meio alternativo de tributação.
Isto tendo presente que nos movemos no âmbito tributário, em que, por um lado e por força de aí imperarem os princípios do inquisitório e, por consequência, o da oficialidade na investigação, tendo por desiderato último, a descoberta da verdade material é inexistente uma particular incumbência de provar, por parte de quem quer que seja, por outro, tal não significa que neste contencioso, em particular, não exista um direito probatório que regulamente quem tem que provar o quê para que se alcance uma qualquer pretensão formulada. Daí que, porque a questão que se controverte não pode deixar de ser objecto de definição, se os factos relevantes se não provarem, seja por iniciativa das partes, seja por iniciativa do Tribunal, ela não possa deixar de ser decidida de forma que seja desfavorável àquele sobre quem impender, nos termos legais, o respectivo ónus probatório (1)
Assim, por princípio e sempre que a conduta da AT se consubstancie na prática de actos positivos e constitutivos do direito a que se arrogue com consequências negativas na esfera dos direitos dos contribuintes, é a ela que cabe a obrigação de demonstrar da factualidade relevante ou dito de outra forma é à AT que cabe fazer a “...prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ...” pertencendo, por contrapartida, “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos ...” (2).
Do que resulta que, tendo os elementos contabilísticos do contribuinte de se encontrar organizados segundo os sãos princípios da lei comercial e fiscal, quer do ponto de vista da forma, quer do ponto de vista substancial, casos em que gozam de uma presunção de veracidade, tal não implica, no entanto e “a contrario”, como já acima se referiu, - pela circunstância de tais elementos se encontrarem organizados correctamente do ponto de vista meramente formal -, a inibição da AT, no uso daqueles poderes de controlo, de se servir dos meios legais alternativos ao declarativo no apuramento da matéria colectável, já que o que importa é apurar, tanto quanto possível e ao que aqui releva, o rendimento tributável efectivo.
Tal, contudo não preclude o princípio de que o lançar mão de qualquer dos meios alternativos disponíveis, - correcções técnicas/avaliação indirecta -, e de um deles em detrimento do outro, não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado, sendo que, ao que aqui nos importa considerar, a AT se encontra vinculada ao recurso às correcções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos a tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, não pode, então, deixar de lançar mão da metodologia indirecta, o que vale por dizer que esta pressupõe uma situação que se mostre “Marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação”, revelando-se como “uma última ratio fisci, ...”(3).
Importa, também, referir que a demonstração dos necessários pressupostos legais ao recurso a metodologia alternativa, designadamente a indiciária, cabe à AF (4) (5), sendo certo que, em caso de utilização de metodologia indirecta, ainda e apesar da opção do legislador em abdicar de um grau de certeza na tributação - inerente á maior subjectividade própria da mesma em que, só por circunstâncias meramente fortuitas, a quantificação apurada será aderente à realidade - ela não deixa, no entanto, de ter como baliza, o princípio, com assento constitucional, de que a sua utilização há-de permitir alcançar, na medida do possível, as circunstâncias de facto mais próximas da realidade, com susceptibilidade de apreciação, nomeadamente, jurisdicional.
E, quando se verifiquem – isto é, quando a AT demonstre a ocorrência - (d)os necessários e legais pressupostos para se lançar mão da avaliação indirecta, o eventual excesso da quantificação, por tal via, operada passa a impender sobre o contribuinte.
Contudo o que se vem de dizer não esgota o tema relativo aos princípios que regem o regime jurídico da avaliação indirecta, particularmente no que concerne ao ónus que vincula a AT.
Isto porque, em sede de avaliação indirecta, o ónus da AT não se consome na necessidade do elencar, e provar, das razões que lhe subjazem, enquanto conduta vinculada que lhe está imposta. Na realidade, o ónus que impende sobre a AF, em tais casos, para além do da demonstração dos necessários e legais pressupostos do recurso à avaliação indirecta, exige, ainda e também, que, simultânea e complementarmente, fundamente adequada e criteriosamente as circunstâncias em que faça suportar a matéria tributável que, no uso daqueles, vier a quantificar.
Na realidade e como já acima se teve oportunidade de referir, sendo embora, em tais casos, opção do legislador abdicar de um grau de certeza na tributação, por falta de colaboração do contribuinte, como única solução de evitar a evasão fiscal e de fazer repartir, na medida do possível, a carga fiscal entre todos os súbditos nacionais que revistam, casuisticamente, a qualidade de sujeitos passivos, não deixa, a actuação da AT, neste domínio, no entanto, de ter como baliza, o princípio de que a metodologia em causa há-de permitir alcançar, na medida do possível, a tributação daquele pelo seu lucro real/efectivo.
Apelando, à jurisprudência do TCA Sul (7) (8) “... cabendo à AF o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, é a ela que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários [...].
Na verdade, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AF tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da actividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
A AF tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.” (sublinhados da nossa responsabilidade), e que, acrescentamos agora, que permitam extrapolar uma adequada ponderação da decisão.
Só então passará a caber, ao contribuinte e como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada.

Como vimos, e este é o elemento nuclear no âmbito da discussão que envolve os autos, a AT tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada e que permitam extrapolar uma adequada ponderação da decisão.

Neste particular, a decisão recorrida ponderou que:
“…
Por análise ao relatório da inspecção tributária, lê-se o seguinte, a fls. 23: “Para efeito de determinação do montante de serviços prestados omitidos iremos utilizar o valor intermédio apurado, ou seja, o coeficiente de 467% e admitir, em abono do contribuinte, que em 40% das situações, registou devidamente os serviços que efectivamente prestou”.
Ora, aquela percentagem de 40% não se encontra justificada em lugar algum, provindo apenas do livre arbítrio da inspecção tributária, que escolheu aquela percentagem como poderia ter escolhido outra qualquer.
Como plasmado no Acórdão supra citado, trata-se aqui de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, já que o critério utilizado para quantificar a matéria tributável não é adequado à conclusão alcançada, nem constitui “uma forma válida de aproximação à realidade” que indique “de forma clara, precisa e suficiente, os factos conhecidos de que partiu e que lhe permitiram, à luz das regras de experiência, segundo critérios de razoabilidade e tendo em conta as concretas circunstâncias do exercício da actividade, fixar o critério de quantificação da matéria tributável e qual o raciocínio que lhe está subjacente.
De forma alguma se pode considerar adequado e justificado um critério de determinação da matéria tributável que tenha sido aplicado por mera vontade do inspector tributário, sem nenhum elemento factual ou legal que o suporte, mesmo que se justifique tal utilização com o facto de ser em “abono do contribuinte”. A Autoridade Tributária, na qualidade de órgão da administração pública, deverá sempre prosseguir critérios de legalidade e de interesse público, devendo justificar devidamente as opções tomadas com critérios objectivos, que não podem ser de mero arbítrio.
Aliás, saliente-se que nem em sede de Reclamação para a Comissão de Revisão se encontrou qualquer justificação para aquela percentagem de 40%, tendo antes o perito nomeado pela Autoridade Tributária proposto outro critério, que não foi aceite pela Impugnante, mantendo-se, mesmo assim, as correcções efectivadas no relatório da inspecção tributária.
Nesses termos, considera-se procedente o vício invocado, que é de violação de lei, designadamente, do disposto nos artºs 77º, nº 4 e 90º da LGT, sendo pois, em consequência a liquidação impugnada anulável, ficando prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados. …”.

Na sequência do exposto, o que importa verdadeiramente é aferir se o critério eleito se revelou nas circunstâncias concretas ajustado e adequado ao fim tido em vista e se essa adequação e justeza de mostra comprovada pelos factos apurados, ou seja, tudo está em perceber se a utilização daquele critério constituiu no caso concreto uma forma válida de aproximação à realidade que se visa determinar (pressuposto e objectivo da consagração deste recurso de fixação da matéria tributável) ou, pelo contrário, como defende a decisão recorrida, conduziu a erro de quantificação da matéria tributável.

Pois bem, tal como se aponta no Ac. deste Tribunal de 22-03-2018, Proc. nº 292/05.9BEVIS, ainda inédito, que envolve as mesmas partes e está relacionado com o IVA de 2000, “… Sobre esta matéria vigorava o art. 52º do C.I.R.C. (“ex vi” do n.º5 do art. 38º do CIRS), e atualmente o artº 90º da L.G.T. no qual, se estabelece que: na determinação do lucro tributável por métodos indiciários, basear-se-á em todos os elementos de que a administração fiscal disponha, e, designadamente, em:
_margens médias de lucro bruto ou líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos e serviços de terceiros, al. a) e art. 90º,nº1, al. a) da LGT) que fala apenas em margens médias de lucro líquido;
_taxas médias de rentabilidade do capital investido (al. b) e art. 90º, nº1, al. b) da LGT);
_coeficientes técnicos de consumo ou utilização de matérias-primas ou de outros custos diretos al. c) e art. 90º, nº1, al. c) ad LGT;
_elementos e informações declarados à administração, incluindo os relativos a outros impostos e, bem assim, os obtidos em empresas ou entidades que tenham relações com o contribuinte, al. d) e art. 90º, nº1, al. d) da LGT;
_A localização e dimensão da atividade exercida (art. 90º, nº1, al. e);
_ os custos presumidos em função da condições concretas do exercício da atividade (art. 90º, nº1, al. f) da LGT);
_A matéria tributável do ano ou anos mais próximos que se encontre determinada pela administração fiscal (art. 90º, nº1, al.g) da LGT).
São estes, a título meramente exemplificativo, na LGT, os fatores a atender na, impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável, não sendo obrigatório atender a todos os fatores mas recorrer-se apenas aos que, em cada caso, se afigurem como mais seguros para permitir com maior rigor aquele desiderato.
A Fazenda Pública no seu recurso entende que o critério utilizado está explicitado, com base nos elementos e informações declarados à AT pelos vários clientes da Recorrida, no sentido de que o preço declarado nas vendas a dinheiro e refletido na contabilidade não correspondia ao real, mas era substancialmente inferior.
Reitera, assim, que foi utilizado um indicador que parte da percentagem de omissão de prestação de serviços que foi verificada, sendo um método que relaciona de forma congruente e justificada os factos apurados e a situação concreta do contribuinte.
Malgrado o esforço da Recorrente em justificar, em pleno recurso, a razão de tal critério certo é que não se encontra explicitado no discurso fundamentador do relatório inspetivo.
Com efeito, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação.
Para tanto, a AT tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da atividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
A AT tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, de modo a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua atividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada e que permitam extrapolar uma adequada ponderação da decisão.
Só então passará a caber, ao contribuinte demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria coletável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada.
No caso presente, o critério utilizado pela Administração Tributária consistiu na aplicação do valor intermédio apurado sobre o montante de serviços prestados omitidos, considerando que 40% das situações registou devidamente os serviços prestados, ora tal consideração não se apresenta justificada nem compreensível ao seu uso e aplicação.
Não esquecendo, ainda, que no âmbito da presente impugnação foi junta prova pericial, efetuada no processo 1055/05.7, respeitante à liquidação do IRC de 2002 proveniente do mesmo relatório inspetivo, na qual os peritos unanimemente, responderam que a amostragem efetuada pela fiscalização não tem fundamento estatístico nem matemático para concluir que apenas 40% dos serviços prestados pela impugnante correspondem à realidade, não sendo a amostragem explicita no Anexo IV (junta com a p.i.) representativa do universo dos clientes da impugnante, nomeadamente devido a esta incluir o cliente João Simões Pandeirada & Filhos que é o cliente que possui a maior avença declarada. Enviesando desta forma a amostra.
Pois bem, nos presentes autos, junto com a p.i., encontra-se o dito anexo [fls. 17], donde resulta que em todos os anos de 2000, 2001 e 2002 se encontra o aludido cliente com a avença declarada mais elevada.
Ora, quando se analisa o Relatório na parte que aqui interessa, não pode deixar de notar-se que, tal como se aponta na decisão recorrida, contrariamente ao que a Administração Tributária parece fazer crer, não há qualquer justificação para o critério ali utilizado na quantificação da matéria tributável.
Naturalmente, e sem mais, é manifesto que o critério utilizado pela Administração Tributária revela-se, assim, desadequado para o pretendido apuramento do volume de serviços prestados pela impugnante no ano de 2000.
Nesta medida, perante a realidade aqui sistematizada ficou demonstrado que a AT não lançou mão de critérios credíveis, por coerentes e adequados à quantificação exata e justa, ou seja, não existe aqui qualquer dúvida sobre a atuação da AT; antes existe uma certeza total sobre a desadequação do seu procedimento, o que significa que a decisão recorrida, que assim entendeu, não merece qualquer censura. …”.

Perante a bondade do que fica exposto, e por referência ao caso dos autos, tem de entender-se que a fixação da matéria tributária por recurso a métodos indirectos está bem longe de ser entendida como susceptível de corresponder a uma aproximação do real valor de tributação na medida em que o critério eleito pela AT para esse efeito se revelar manifestamente desajustado ao fim tido em vista e ter sido determinante do erro de quantificação invocado e que os autos evidenciam claramente.
Neste ponto, cabe ainda notar que, estabelecida a legitimidade do recurso aos métodos indirectos, que nos autos, bem ou mal, está assente, é sobre quem impugna que recai o ónus de comprovar o erro ou manifesto excesso na quantificação da matéria tributável, do mesmo modo que, em caso de dúvida deve esta ser negativamente valorada contra a Impugnante por não ser de aplicar à prova indirecta o regime de dúvida razoável na medida em que a avaliação indirecta é sempre menos exacta da que é feita, nos termos legais, pelo contribuinte.

Como quer que seja, é à AT que cabe escolher o critério para o fim descrito competindo à impugnante provar, sem que a dúvida lhe seja aproveitável, o excesso de quantificação, sem prejuízo da aludida legitimação para a escolha do critério não ser ilimitada, antes controlável pela sua fundamentação, adequação e razoabilidade.
Ora, é em função dos elementos presentes nos autos que temos por adquirida a prova do erro de quantificação por ter ficado demonstrado, mercê do desajuste no caso concreto do critério utilizado pela AT nos termos acima descritos para determinar a matéria tributável, situação que conduz à afirmação da ilegalidade do acto impugnado, matéria que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 12 de Abril de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos


(1) Neste sentido, entre muitos outros e a título meramente exemplificativo, veja-se o Ac. do TCA Sul de 99.12.14, Rec. Nº. 2.467/99.
(2) Cfr. Ac. do TCA Sul, de 02.06.04, tirado no Rec. 3.279/00.
(3) Cfr. JLSaldanha Sanches em “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 302/303.
(4) Uma vez que nos termos das regras do ónus da prova em sede de direito administrativo tributário, -onde, há luz dos vigentes princípios de descoberta da verdade material e, da consequente, oficiosidade de investigação e indagação das provas, não há uma particular incumbência de provar, por parte de quem quer que seja, sem embargo de, pela impossibilidade de manutenção de um “non liquet”, a ausência de prova de factos relevantes não possa deixar de desfavorecer quem com ela estava onerado-, é à AT que cabe a obrigação “... da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ...” pertencendo, por contrapartida, “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos ...”.
(5) Cfr. Ac. de 02.06.18, Rec. Nº. 6.388/02.
(6) Cfr. Prof. Saldanha Sanches in “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 305.
(7) Cfr. Ac. de 02.06.18, Rec. nº. 6.388/02.
(8) Ainda que por reporte ao aludido art.º 81.º do CPT, mas, como decorre do que acima se mencionou, com aplicabilidade ao preceituado no art.º 84.º/3 da LGT.