Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00255/15.6BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/03/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR; PROVA; INJURIA; LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
Sumário:Tal como sumariado no Acórdão deste TCAN, proferido no Processo nº 257/15.2BEMDL, de 13.03.2020:
1- A decisão disciplinar constitui o culminar de um procedimento próprio e autónomo pelo qual, no exercício do poder disciplinar, se visa, na sequência de uma tramitação legalmente prevista, apurar a responsabilidade disciplinar do trabalhador e aplicar, quando seja o caso, uma sanção disciplinar pela prática da infração disciplinar.

2- A condenação disciplinar para se dar determinado facto como provado, não exige uma certeza absoluta, sendo admissível à Administração usar de presunções naturais, desde que as mesmas sejam adequadas.

3- Demonstrado que o agente da GNR estava na linha da frente de uma manifestação, entre manifestantes que gritavam palavras de ordem contra o Ministro da Administração Interna, que incluíam as expressões “Gatuno, Gatuno”, dos quais não se apartou antes permanecendo no local próprio daqueles que detêm uma posição de liderança, comando ou de destaque, não é credível, também perante as regras da lógica e da experiência comum, que nesse contexto, o mesmo fosse proferir outras expressões que não as palavras de ordem que estavam a ser verbalizadas pelos manifestantes e que foram captadas pelos vários canais de televisão.

4- Um militar da GNR não pode ignorar que, se como cidadão em geral, não pode proferir as expressões “Gatuno, gatuno” contra terceiros, muito menos o poderia fazer enquanto agente da autoridade a quem se impõem particulares deveres funcionais, nomeadamente, o da manutenção da ordem democrática, do estado de direito e da paz, segurança e tranquilidade públicas.

5- As expressões “Gatuno, gatuno” são injuriosas, provocam o achincalhamento público e o rebaixamento do titular do departamento governamental a quem são dirigidas.

6- A previsão constitucional e o consequente reconhecimento do direito à liberdade de expressão a qualquer pessoa (artigo 37.º da CRP) não é ilimitado perante o respeito que a todos se impõe pelo bom nome e reputação da pessoa visada (artigo 26.º da CRP), o que reclama contenção relativamente ao uso de expressões ofensivas e inaceitáveis no contexto em que são proferidas *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:H.
Recorrido 1:Ministério da Administração Interna
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
H., no âmbito da Ação Administrativa Especial que intentou contra o Ministério da Administração Interna, tendente, em síntese, a obter a declaração de nulidade ou anulação do Despacho da Ministra da Administração Interna, de 31.12.2014, que determinou a aplicação de uma pena de suspensão de 60 dias, com execução suspensa pelo período de um ano, no âmbito do processo disciplinar PND n.º 25/2013, inconformado com a Sentença proferida em 7 de Janeiro de 2020, no TAF de Mirandela, através da qual a Ação foi julgada improcedente a ação, mais tendo o Réu sido absolvido do pedido, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão.
Formula o aqui Recorrente/Horácio nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões:
“1 . Violou o Tribunal a quo ao dar provado no ponto 16 que o recorrente proferiu a expressão “Gatuno, Gatuno” dirigida ao Ministro da Administração Interna, errou na apreciação dos elementos probatórios, pois, de toda a prova, em especial, das gravações vídeo, não resulta com a mínima certeza, que tenha proferido esta ou aquela expressão.
2. Violou o Tribunal o Princípio fundamental da Presunção da Inocência e de Nulla Pena Sine Culpa, que tem como corolário a absolvição do réu pela aplicação da regra/principio in dúbio pro reu.
3. Violou, pois, o previsto nos artigos, 18, nº; art. 26, 1 (direito à palavra); art. 32, nº; art. 37, nº 1 (direito de se exprimir livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio) e nº2, todos da Constituição da República Portuguesa.
4. Violou-se o princípio fundamental da culpa, pois, a mesma não pode ser presumida, exceto nos casos legalmente previstos, sendo que no direito sancionatório não pode ser presumida em circunstância alguma, tem de ser individual, direta, e é intransmissível.
5. Violou o Tribunal a quo tal princípio, pois imputa ao recorrente uma conduta voluntária, ilícita e culposa, por “osmose”, ou seja, por que inserido num grupo não identificável, indeterminado donde ouviu-se a expressão Gatuno, Gatuno, sendo que o mesmo, por associação, também a proferiu.
6. Esta conclusão do Tribunal a quo, é, salvo o devido respeito, a negação da culpa, e dos mais elementares direitos de um Estado de Direito.
7. Mais ainda, mesmo que tivesse o recorrente proferido tal expressão, a mesma não violou o previsto no artigo 37, nº 3 da CRP, pois ao considerar que tal preceito foi violado pelo recorrente o Tribunal a quo errou, tanto mais, que não contextualizou o porque e a origem de tal expressão nem o sentido da mesma.
8. Violou-se, igualmente, o previsto nos artigo 11, nº 1 e 2 alínea a) do RDGNR, artigo 14, nº1 e 2 alíneas a), d), h) e i) do RDGNR, nem o previsto no artigo 8º do RDGNR, já que a conduta do recorrente não violou o dever de proficiência, nem e violou o dever de correção, nem o dever geral que sobre si recai.
Nestes termos alegados, e nos melhores de Direito que V. exas. Certamente suprirão, deve ser procedente o presente recurso, conforme conclusões formuladas e assim revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, por acórdão que condene a R. conforme peticionado, ou seja, existência de erro nos pressupostos de facto e na apreciação da prova, inexistindo quaisquer factos suscetíveis de integrarem qualquer ilícito disciplinar; e pela violação do Direito Fundamental ao uso da liberdade de expressão, manifestação e reivindicação de forma pública.”

O aqui Recorrido/MAI veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 3 de março de 2020, nas quais referiu:
“1. O Ministério entende que a douta sentença recorrida revelou profundo conhecimento dos factos ocorridos em 1 de março de 2012 e procedeu a uma cuidada aplicação do direito, devendo por isso ser mantida na ordem jurídica pelo Tribunal Central.
O Ministério sabe que a douta sentença não precisa de ser defendida nesta sede, mas considera que se pode revelar útil sublinhar agora o que se segue.
2. O Recorrente defende que a douta sentença “errou na apreciação dos elementos probatórios, pois, de toda a prova, em especial das gravações vídeo, não resulta a mínima certeza, que tenha proferido esta ou aquela expressão” (Conclusões, 1).
O Ministério entende o contrário e nota que na sua contestação deixou dito o seguinte: “Apontar uma “falta de prova” neste particular processo afigura-se-nos a falha mais deslocada que lhe poderá ser assacada, porque, como o Tribunal verificará, era provavelmente impossível à Instrutora ter sido mais meticulosa na prova dos factos constantes da Acusação” (cfr. 30º).
3. O Recorrente procura criar nos Venerandos Juízes Desembargadores a “dúvida” (cfr. Parte A da douta alegação) sobre a circunstância de ele ter “proferido as expressões «Gatuno, Gatuno»”. Mas em vão o faz.
De facto, existem registos fotográficos e excertos de programas de televisão – de vários canais – que revelam, sem margem para dúvidas, a presença do ora Autor nas primeiras linhas da manifestação (cfr., designadamente, fls. 52 e 53). E essas imagens revelam sem margem para dúvidas o Autor a acompanhar as palavras de ordem proferidas.
4. Mas mais: a douta sentença foi minuciosa na recolha da matéria de facto constante do processo disciplinar.
Ao elencar a matéria de facto provada, a douta sentença descreve a sucessão de factos ocorrida na manifestação naquele dia e atesta no nº 32: “Pelas 19,40 horas, aproximadamente, os manifestantes começaram a dispersar”.
Acontece, então, um facto que a douta sentença evidencia: “Pelas 20 horas, quando se aperceberam das reportagens em direto para os telejornais das cadeias de televisão presentes no local, um número indeterminado de manifestantes não identificados que, ainda, ali se encontrava, já em menor número, utilizou apitos e gritou, outra vez – Nós só queremos o que é nosso, por direito – e – Gatuno, Gatuno –, o que não durou mais de cinco minutos.
Entre esses manifestantes encontrava-se o arguido que gritou, em uníssono, com outros manifestantes não identificados – Gatuno, Gatuno” (cfr. nºs. 33 e 34).
5. A douta sentença identifica plenamente o momento em que ocorreu o uso das expressões em causa (“Pelas 20 horas, quando se aperceberam das reportagens em direto para os telejornais das cadeias de televisão presentes no local”); e esclarece que as referidas expressões foram pronunciadas por um número reduzido de manifestantes, entre os quais se encontrava o ora Recorrente.
Ora, na situação descrita, foi possível ao Tribunal de 1ª instância atestar que o ora Recorrente fora um dos elementos que, depois da dispersão da manifestação, se prestou a ser filmado pelos vários canais de televisão, proferindo as palavras de ordem assinaladas.
6. Em face do exposto, torna-se incontornável que a douta sentença apreciou com todo o rigor a prova constante do processo disciplinar e aplicou adequadamente o direito, não tendo violado qualquer das normas indicadas pelo Recorrente na sua douta alegação de recurso.
7. O Ministério lembra que o Recorrido não tem o ónus de formular Conclusões, conforme determina o artigo 639º, nºs. 1, 2 e 3, desde logo pela razão constante do artigo 635º, nº 4, ambos do Código de Processo Civil.
Termos em que, com o douto suprimento do Tribunal, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado improcedente, uma vez que a douta sentença não incorreu nos vícios doutamente assinalados.”

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 9 de março de 2020.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 19 de junho de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita, designadamente, que a decisão recorrida terá violado o princípio da presunção de inocência do arguido em processo disciplinar e violado o direito fundamental de liberdade de expressão previsto no artigo 37.º da Constituição.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:
1. O A., H., é militar da Guarda Nacional Republicana (GNR) (cf. documento de fls. 587 a 594 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
2. Em 01.03.2012, o A. participou numa manifestação, em Lisboa, promovida pela Associação dos Profissionais da Guarda, denominada “Passeio contra as injustiças”;
3. Em 02.03.2012, por despacho do Ministro da Administração Interna, foi determinada a instauração de um inquérito em face dos relatos de que, durante aquela manifestação, teria sido forçado o perímetro de segurança montado pela Polícia de Segurança Pública (PSP) defronte do Ministério da Administração Interna, tendo sido utilizadas palavras de ordem apelando à “invasão” daquele Ministério (cf. documento de fls. 01 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
4. Por despacho de 05.03.2012, foi aberto o processo de inquérito n.º 10/2012 pela Inspetora-geral da Administração Interna (cf. documento de fls. 01 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
5. Em 01.07.2013, sobre o relatório final do processo de inquérito, a Inspectora-Geral da Administração Interna proferiu despacho propondo a instauração de processo disciplinar ao A. (cf. documentos de fls. 542 a 566 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
6. Em 08.07.2013, o Ministro da Administração Interna determinou a instauração de processo disciplinar ao A. (cf. documentos de fls. 569 a 571 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
7. Em 29.07.2013, foi comunicada ao A. a instauração do processo disciplinar (cf. documento de fls. 585 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
8. Ouvido na qualidade de arguido, o A. declarou não desejar responder sobre os factos que lhe foram imputados (cf. documento de fls. 600 e 601 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
9. Os autos de processo disciplinar foram instruídos, entre o mais, com registos fotográficos e filmagens e com relatórios de reuniões efetuadas para identificação dos militares visionados nessas imagens (cf. documentos de fls. 52 e 53, 167 a 183, 280 a 292, 491 a 497 e 604 a 645-v.º do processo administrativo apenso aos presentes autos);
10. Em 06.11.2013, a Instrutora deduziu acusação, na qual descreveu os factos considerados provados e imputou ao A. a violação dos deveres de proficiência e correção e do disposto no art.º 2º, alínea h) da Lei n.º 11/89, de 1 de Junho (Lei de Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar), nos art.os 27º, n.º 1 e 28º, n.º 1, a contrario, da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de Julho (Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas), nos art.os 6º, n.º 2 e 16º, alíneas e) e i) do Decreto-Lei n.º 297/2009, de 14 de Outubro (Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana) e art.os 11º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a) e 14º, n.os 1 e 2, alíneas a), d), h) e i) do RDGNR (cf. documento de fls. 655 a 664 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
11. Da acusação consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(…)”
(cf. documento de fls. 655 a 664 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
12. Em 11.11.2013, foi comunicado ao A. o teor da acusação (cf. documento de fls. 669 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
13. Em 03.12.2013, o A. apresentou defesa escrita na qual arguiu a “caducidade do procedimento” e contestou os factos que lhe foram imputados, negando, designadamente, que tenha proferido a expressão “gatuno” dirigida ao Ministro da Administração Interna, recordando-se de ter proferido a expressão “o que é nosso por direito” ou outra semelhante, alegando ainda que a acusação está ferida de nulidade insanável porquanto nenhuma prova é relacionada na acusação que fundamente os factos nela vertidos, e arrolou três testemunhas: J., D. e C. (cf. documento de fls. 679 a 684 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
14. Ouvidas as testemunhas indicadas pelo A. na defesa, a Instrutora notificou o A. para, em 10 dias, informar se pretendia a realização de outras diligências de prova (cf. documentos de fls. 697 a 699, 715 a 717, 735 a 737 e 740 a 746-v.º do processo administrativo apenso aos presentes autos);
15. Em 03.08.2014, foi comunicado ao A. o fim das diligências e encerramento da fase da defesa e conferido um prazo de 10 dias para se pronunciar sobre a prova produzida (cf. documentos de fls. 747, 749 a 750 e 753 a 753-v.º do processo administrativo apenso aos presentes autos);
16. Em 03.12.2014, a Instrutora elaborou o relatório final, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(…)”
(cf. documento de fls. 754 a 784-v.º do processo administrativo apenso aos presentes autos);
17. Em 04.12.2014, o Subinspetor-Geral da Administração Interna apresentou proposta no sentido de ser aplicada ao A. uma pena de suspensão, pelo período de 60 dias, suspensa na sua execução pelo período de um ano (cf. documentos de fls. 785 a 787 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
18. Em 04.12.2014, a Inspectora-Geral da Administração Interna proferiu despacho de concordância com a proposta referida no ponto anterior (cf. documento de fls. 788 e 790-v.º do processo administrativo apenso aos presentes autos);
19. Por despacho da Ministra da Administração Interna de 31.12.2014, foi aplicada ao A. a pena de suspensão pelo período de 60 dias, com a execução suspensa pelo período de um ano (cf. documento de fls. 793 a 795 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
20. Em 16.02.2015, foi comunicado ao A., através do seu Advogado, o despacho referido no ponto anterior (cf. documentos de fls. 799 a 803 do processo administrativo apenso aos presentes autos).

IV – Do Direito
O aqui Recorrente, H., não se conformando com a Sentença proferida no TAF de Mirandela em 7 de janeiro de 2020, veio interpor o Recurso para a presente instância, que aqui cumpre analisar.

Antes de mais, infra se transcreverá o essencial da fundamentação de direito constante da decisão recorrida, para que melhor se possa visualizar o que aqui está em causa.
Da violação do direito fundamental ao uso da liberdade de expressão e reivindicação de forma pública e do erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por inexistência de factos suscetíveis de integrar qualquer tipo de ilícito disciplinar
Mais alega o A. que o ato impugnado viola o seu direito fundamental ao uso da liberdade de expressão e reivindicação de forma pública, sustentando também que a decisão erra nos seus pressupostos de facto e de direito, por inexistirem factos suscetíveis de integrar qualquer tipo de ilícito disciplinar.
Embora se refiram a dois vícios distintos, por a sua análise apresentar pontos de conexão que facilitam a exposição dos fundamentos decisórios, far-se-á uma análise conjunta dos mesmos.
O A. coloca em causa a factualidade dada como provada no procedimento disciplinar, que revela que o A. participou numa manifestação, na qual os participantes, apercebendo-se das reportagens em direto para as cadeias de televisão, gritaram, em uníssono “Gatuno, Gatuno”, dirigindo-se ao Ministro da Administração Interna.
No procedimento disciplinar ficou ainda provado que, entre os referidos manifestantes, se encontrava o A..
A questão deve ser enquadrada pelo conjunto de deveres, gerais e especiais, a que o A., na qualidade de militar da GNR, está legalmente sujeito e que são sumariados no art.º 8º do RDGNR:
“Artigo 8.º
Deveres
1 — O militar da Guarda deve ter sempre presente que, como agente de força de segurança e como autoridade e órgão de polícia criminal, fiscal e aduaneira, é um soldado da lei, devendo adotar, em todas as circunstâncias, irrepreensível comportamento cívico, atuando de forma íntegra e profissionalmente competente, por forma a suscitar a confiança e o respeito da população e a contribuir para o prestígio da Guarda e das instituições democráticas.
2 — Cumpre ainda ao militar da Guarda a observância dos seguintes deveres:
a) Dever de obediência;
b) Dever de lealdade;
c) Dever de proficiência;
d) Dever de zelo;
e) Dever de isenção;
f) Dever de correção;
g) Dever de disponibilidade;
h) Dever de sigilo;
i) Dever de aprumo.
2 - Constituem ainda deveres dos militares da Guarda os que constam quer das leis orgânica e estatutária por que os mesmos e a instituição se regem quer da demais legislação em vigor.”
A decisão sancionatória ora sub specie imputa ao A. a violação dos deveres especiais de proficiência e correção, enunciados nos art.os 11º e 14º do RDGNR, de cujo teor se destaca, com particular relevância para os autos, o seguinte:
“Artigo 11.º
Dever de proficiência
1 - O dever de proficiência consiste:
a) Na obrigação genérica de idoneidade profissional, a revelar-se no desempenho eficiente e competente, pelo militar, das suas funções;
(…)
2 — Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, deve o militar da Guarda, designadamente:
a) Assumir-se como exemplo de respeito pela legalidade democrática, agindo de forma a incutir na comunidade a confiança na ação desenvolvida pela instituição de que faz parte;
(…)”
“Artigo 14.º
Dever de correção
1 - O dever de correção consiste na boa convivencialidade, trato e respeito entre os militares da instituição, independentemente da sua graduação, e com o público em geral, tendo sempre presente que as relações a manter se devem pautar por regras de cortesia, justiça e integridade.
2 - No cumprimento do dever de correção, cabe ao militar da Guarda, designadamente:
a) Não adotar condutas lesivas do prestígio da instituição;
(…)
d) Não se referir aos seus superiores hierárquicos por qualquer forma que denote falta de respeito, nem consentir que subordinados seus o façam;
(…)
h) Fora de situação de serviço, quando de folga ou mesmo em gozo de licença no País ou no estrangeiro, não perturbar a ordem, nem transgredir os preceitos que vigorem no lugar em que se encontre, jamais maltratando os habitantes ou ofendendo os seus legítimos direitos, crenças, costumes e interesses;
i) Respeitar os membros dos órgãos de soberania e as autoridades judiciárias, administrativas e militares, prestando-lhes as devidas deferências, tratando por modo conveniente os seus agentes e cumprindo as ordens legítimas que destes emanem;
(…)”
Decorre destes preceitos um elenco de específicos deveres inerentes ao exercício das funções, e que subsistem ainda que o militar da GNR se encontre fora de situação de serviço.
Por outro lado, o exercício dos direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados, sofre restrições e limitações negativas, em particular quando em confronto com direitos fundamentais de outros cidadãos.
No caso concreto do direito à liberdade de expressão, a própria Constituição prevê que, embora não possa ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura, o seu exercício fica submetido aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, caso consubstanciem a prática de alguma infração (cf. art.º 37º da CRP).
Assim, e por maioria de razão, as infrações cometidas no exercício do direito à liberdade de expressão ficam também sujeitas ao específico regime disciplinar aplicável ao agente infrator, sem que esta sujeição constitua qualquer violação ao direito fundamental em causa.
Nesta medida, os factos explicitados no procedimento disciplinar foram enquadrados do âmbito de aplicação do específico regime disciplinar dos militares da GNR, à luz do qual foi apreciada a conduta do A. e determinada a aplicação da sanção disciplinar.
Deste modo, não considera o Tribunal que a sujeição do A. às disposições do regime disciplinar constitua uma violação do direito à liberdade de expressão, na estrita medida em que os factos que lhe são imputados configurem um ilícito disciplinar.
Ora, quanto à existência desse ilícito, ficou demonstrado no procedimento disciplinar que o A. participou numa manifestação, no âmbito da qual, e no momento em que esta era reportada em direto para as cadeias de televisão ali presentes, proferiu as palavras de ordem, em uníssono com outros manifestantes, “Gatuno, Gatuno”, dirigindo-se ao Ministro da Administração Interna.
De facto, analisado o processo administrativo, conclui-se que foram recolhidos suficientes elementos de prova da referida factualidade imputada ao A., nomeadamente da sua presença no específico grupo de manifestantes que proferiu as palavras de ordem.
Verifica-se que foram consideradas e ponderadas as imagens recolhidas no local e que foram encetadas as diligências necessárias para permitir identificar o A. como um dos intervenientes que pronunciou as referidas palavras.
Por esse motivo, não colhe a argumentação apresentada pelo A. de que, do visionamento das imagens, não é possível determinar se o próprio, no contexto de um coro uníssono, proferiu efetivamente as expressões em causa, pois, desse entendimento, sempre resultaria a impossibilidade de identificar qualquer concreto agente infrator no contexto de um aglomerado de manifestantes.
Acresce que, como vem expresso no relatório final, quer para a fixação dos factos essenciais, quer para a determinação da concreta sanção disciplinar aplicada, foram considerados os argumentos aduzidos na defesa e valorada toda a prova produzida, incluindo os depoimentos das testemunhas arroladas pelo A..
Por sua vez, a decisão que determinou a aplicação da sanção disciplinar teve por referência o referido relatório final elaborado pela Instrutora, remetendo expressamente para o seu teor e fundamentação [fundamentação per relationem].
Por fim, considera o Tribunal que esta factualidade dada como provada configura, efetivamente, uma violação dos deveres gerais de conduta, consagrados no art.º 8º, n.º 1 do RDGNR, bem como os deveres especiais de proficiência e de correção, previstos nos art.os 11º e 14º do mesmo Regulamento.
Em concreto, com a sua conduta, o A. violou o dever de se assumir como exemplo de respeito pela legalidade democrática e adotou uma conduta lesiva do prestígio da GNR, perturbadora da ordem e desrespeitosa para com um membro de um órgão de soberania.
Deste modo, improcedem os invocados vícios da decisão ora sob escrutínio.
IV.2.3 Da nulidade da prova produzida
Alega também o A. que a prova produzida é nula, por não resultar do processo disciplinar de que modo se procedeu à sua identificação por registos fotográficos, por não ter prestado consentimento para o uso da sua imagem e por a utilização de filmagens e fotografias constituírem meios de prova proibidos.
Apreciando e decidindo.
Quanto à primeira questão, foi já antecedentemente apreciado que o processo administrativo contém os elementos demonstrativos de que o A. estava integrado no grupo de manifestantes que proferiu as palavras de ordem dirigidas ao Ministro da Administração Interna, bem como as diligências que permitiram a sua identificação [cf. ponto 9. do probatório]. Pelo que, encontra-se solucionada.
Em relação às questões da falta de prestação de consentimento e de as imagens constituírem meios de prova proibidos, importa ter presente que os factos ocorreram durante um evento público, em concreto, durante uma manifestação que, por natureza, visa conferir expressão pública a uma posição defendida e partilhada pelos respetivos participantes.
Nesta medida, a recolha das imagens que vieram a ser utilizadas como meios de prova, não só foram tacitamente consentidas pelos participantes na manifestação, como foram por eles aproveitadas para veicular os motivos da sua reivindicação coletiva.
Assim, não só a recolha e posterior utilização das imagens não carece de consentimento expresso por parte de qualquer dos participantes da manifestação, como não constituem um meio de prova proibido, por não integram o elenco dos meios de prova proibidos, consagrado no art.º 126º do Código de Processo Penal (CPP).
Veja-se, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.09.2011 (proc. n.º 22/09.6YGLSB.S2) que, embora relativo à utilização de imagens recolhidas por meios de videovigilância, tem, no essencial, aplicação ao caso dos autos:
“(…)
XIV – O artigo 167 do CPP faz depender a validade da prova produzida por reproduções mecânicas da sua não ilicitude face ao disposto na lei penal. Significa o exposto que a admissibilidade da prova depende da sua configuração como um ato ilícito em função da integração de tipos legais de crime que visam a tutela de direitos da personalidade como é o caso do direito à intimidade. (…)
XV- É criminalmente atípica a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, designadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente, constituindo único limite a esta justa causa a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e integridade moral do visado.
(…)
XIX - A proteção da palavra que consubstancia práticas criminosas ou da imagem que as retrata têm de ceder perante o interesse de proteção da vítima e a eficiência da justiça penal: a proteção acaba quando aquilo que se protege constitui um crime.
(…)”
Em suma, as imagens fotográficas e as filmagens, na medida em que foram recolhidas de forma lícita no decurso da manifestação, constituem um meio de prova admissível (cf. art.º 167º, n.º 1 do CPP), pelo que a sua utilização e valoração, em conjunto com a restante prova produzida no procedimento disciplinar não configura qualquer nulidade.
Improcede, assim e sem mais, o invocado vício.
Deve, assim, a presente ação administrativa especial ser julgada totalmente improcedente, por não se verificar demonstrado qualquer dos vícios imputados pelo A. ao ato administrativo ora sub judice.

Vejamos:
Por ter natureza e objeto idêntico, ainda que se reporte a militar diverso, mas relativamente ao qual foram imputadas idênticas acusações e igual condenação disciplinar, seguir-se-á de perto o discurso fundamentador plasmado no Acórdão deste TCAN nº 257/15.2BEMDL, de 13 de março de 2020.

O militar Recorrente, discorda da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou improcedente a ação, absolvendo o Ministério da Administração Interna por entender que a mesma enferma de erro de julgamento decorrente de «erro notório na apreciação da prova e nos pressupostos de facto que levaram à aplicação da pena disciplinar» tendo violado o princípio fundamental da presunção de inocência concretizado no princípio in dúbio pro reo bem como no princípio nulla pena sine culpa e de erro de julgamento decorrente da violação do direito fundamental de liberdade de expressão.

Da Violação dos Princípios da Presunção de Inocência - princípio in dúbio pro reo - princípio nulla pena sine culpa.
Para sustentar o apontado erro de julgamento, o Recorrente aduz que contrariamente ao que foi decidido pelo tribunal a quo inexistem quaisquer factos suscetíveis de integrarem qualquer ilícito disciplinar, uma vez que, do visionamento das imagens relativas aos factos, não é possível identificar qualquer concreto agente que tivesse proferido a expressão “Gatuno, Gatuno”, em face do que o mesmo não pode o mesmo ser condenado, sob pena de inversão do princípio da inocência.

Tal como sustentou na petição inicial, reitera que não proferiu as expressões “Gatuno, Gatuno” e que inexiste qualquer prova nesse sentido.

Consequentemente, conclui o Recorrente que não violou os princípios da ética militar e de civismo nem desrespeitou o Governo e que, pelo contrário, se sente “humilhado e diminuído nos seus fundamentais Direitos e na sua função, pois, são-lhe imputadas afirmações que não proferiu”.

Preconiza o Recorrente que, perante a dúvida insanável sobre quem proferiu as supra referidas expressões, teria que ter sido absolvido, em obediência ao principio in dúbio pro reo, pelo que não tendo sido esse o entendimento do Tribunal a quo, a decisão recorrida deve ser revogada por estar eivada de erro de julgamento.

Nos presentes autos, o aqui Recorrente formula o pedido de declaração de nulidade ou a anulação do ato que lhe aplicou a sanção disciplinar de suspensão, começando por invocar que o ato impugnado viola o seu direito fundamental ao uso da liberdade de expressão e reivindicação de forma pública, sustentando também a inexistência de factos suscetíveis de integrarem qualquer tipo de ilícito disciplinar.
Foi posta em causa a factualidade dada como provada no procedimento disciplinar, de acordo com a qual o Recorrente participou numa manifestação, na qual os participantes, apercebendo-se das reportagens em direto para as cadeias de televisão, gritaram, em uníssono, “Gatuno, Gatuno”, dirigindo-se ao Ministro da Administração Interna, tendo ficado igualmente provado que, entre os referidos manifestantes, se encontrava o aqui Recorrente.

A questão deve ser enquadrada pelo conjunto de deveres, gerais e especiais, a que o Autor, na qualidade de militar da Guarda Nacional Republicana, está legalmente sujeito, e que são sumariados no artigo 8.º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana (aprovado pela Lei n.º 145/99, de 01.09):
“1 – O militar da Guarda deve ter sempre presente que, como agente de força de segurança e como autoridade e órgão de polícia criminal, fiscal e aduaneira, é um soldado da lei, devendo adotar, em todas as circunstâncias, irrepreensível comportamento cívico, atuando de forma íntegra e profissionalmente competente, por forma a suscitar a confiança e o respeito da população e a contribuir para o prestígio da Guarda e das instituições democráticas.
2 – Cumpre ainda ao militar da Guarda a observância dos seguintes deveres:
a) Dever de obediência;
b) Dever de lealdade;
c) Dever de proficiência;
d) Dever de zelo;
e) Dever de isenção;
f) Dever de correção;
g) Dever de disponibilidade;
h) Dever de sigilo;
i) Dever de aprumo.
2 — Constituem ainda deveres dos militares da Guarda os que constam quer das leis orgânica e estatutária por que os mesmos e a instituição se regem quer da demais legislação em vigor.”

A decisão sancionatória imputa ao aqui Recorrente a violação dos deveres especiais de proficiência e correção, enunciados nos artigos 11.º e 14.º do mesmo Regulamento, de cujo teor se destaca, com particular relevância para os autos, o seguinte:
“Artigo 11.º
Dever de proficiência
1 — O dever de proficiência consiste:
a) Na obrigação genérica de idoneidade profissional, a revelar-se no desempenho eficiente e competente, pelo militar, das suas funções;
[…]
2 — Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, deve o militar da Guarda, designadamente:
a) Assumir-se como exemplo de respeito pela legalidade democrática, agindo de forma a incutir na comunidade a confiança na ação desenvolvida pela instituição de que faz parte;
[…]”
“Artigo 14.º
Dever de correção
1 – O dever de correção consiste na boa convivencialidade, trato e respeito entre os militares da instituição, independentemente da sua graduação, e com o público em geral, tendo sempre presente que as relações a manter se devem pautar por regras de cortesia, justiça e integridade.
2 – No cumprimento do dever de correção, cabe ao militar da Guarda, designadamente:
a) Não adotar condutas lesivas do prestígio da instituição;
[…]
d) Não se referir aos seus superiores hierárquicos por qualquer forma que denote falta de respeito, nem consentir que subordinados seus o façam;
[…]
h) Fora de situação de serviço, quando de folga ou mesmo em gozo de licença no País ou no estrangeiro, não perturbar a ordem, nem transgredir os preceitos que vigorem no lugar em que se encontre, jamais maltratando os habitantes ou ofendendo os seus legítimos direitos, crenças, costumes e interesses;
i) Respeitar os membros dos órgãos de soberania e as autoridades judiciárias, administrativas e militares, prestando-lhes as devidas deferências, tratando por modo conveniente os seus agentes e cumprindo as ordens legítimas que destes emanem;
[…]”

Decorre destes preceitos um elenco de específicos deveres inerentes ao exercício das funções, e que subsistem ainda que o militar da Guarda Nacional Republicana se encontre fora de situação de serviço.

Por outro lado, o exercício dos direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados, sofre compressões, restrições e limitações negativas, em particular quando em confronto com direitos fundamentais de outros cidadãos.

No caso concreto do direito à liberdade de expressão, a própria Constituição prevê que, embora não possa ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura, o seu exercício fica submetido aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, caso consubstanciem a prática de alguma infração (cfr. artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa).

Assim, e por maioria de razão, as infrações cometidas no exercício do direito à liberdade de expressão ficam também sujeitas ao específico regime disciplinar aplicável ao agente infrator, sem que esta sujeição constitua qualquer violação ao direito fundamental em causa.

Nesta medida, os factos explicitados no procedimento disciplinar foram enquadrados do âmbito de aplicação do específico regime disciplinar dos militares da Guarda Nacional Republicana, à luz do qual foi apreciada a conduta do aqui Recorrente e determinada a aplicação da sanção disciplinar.

Deste modo, não se afigura que a sujeição do Autor às disposições do regime disciplinar constitua uma violação do direito à liberdade de expressão, na estrita medida em que os factos que lhe são imputadas configurem um ilícito disciplinar.

Ora, quanto à existência desse ilícito, ficou demonstrado no procedimento disciplinar que o Autor participou numa manifestação, no âmbito da qual, e no momento em que esta era reportada em direto para as cadeias de televisão, proferiu as palavras de ordem, em uníssono com outros manifestantes, “Gatuno, Gatuno”, dirigindo-se ao Ministro da Administração Interna. De facto, analisado o processo administrativo, no qual vem materializado o procedimento disciplinar, conclui-se que foram recolhidos suficientes elementos de prova da referida factualidade imputada ao Autor, nomeadamente da sua presença no específico grupo de manifestantes que proferiu as palavras de ordem.

Verifica-se que foram consideradas e ponderadas as imagens recolhidas no local e que foram encetadas as diligências necessárias para permitir identificar o Autor como um dos intervenientes que pronunciou as referidas palavras.

Por esse motivo, não colhe a argumentação apresentada pelo Recorrente, de acordo com a qual, do visionamento das imagens, não é possível determinar se o próprio, no contexto de um coro uníssono, proferiu efetivamente as expressões em causa, pois, desse entendimento, sempre resultaria a impossibilidade de identificar qualquer concreto agente infrator no contexto de um aglomerado de manifestantes.

Acresce que, como vem expresso no relatório final, quer para a fixação dos factos essenciais, quer para a determinação da concreta sanção disciplinar aplicada, foram considerados os argumentos aduzidos na defesa e valorada toda a prova produzida, incluindo os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Autor.

Por sua vez, a decisão que determinou a aplicação da sanção disciplinar teve por referência o referido relatório final do procedimento disciplinar, remetendo expressamente para o seu teor e fundamentação.

Afigura-se, por fim, que esta factualidade dada como provada configura, efetivamente, uma violação dos deveres gerais de conduta, consagrados no artigo 8.º n.º 1 do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, bem como deveres especiais de proficiência e de correção, previstos nos artigos 11.º e 14.º do mesmo Regulamento.

Em concreto, com a sua conduta, o Autor violou o dever de se assumir como exemplo de respeito pela legalidade democrática e adotou uma conduta lesiva do prestígio da Guarda Nacional Republicana, perturbadora da ordem e desrespeitosa para com um membro de um órgão de soberania.
Nestes termos, sempre improcederia, quer a suscitada violação do direito fundamental à liberdade de expressão, quer a alegada inexistência de factos subsumíveis a um tipo de ilícito disciplinar.

O objetivo imediato do direito disciplinar público são os interesses da boa organização e do eficaz funcionamento dos serviços da Administração Pública, sem que se esqueça, no entanto, que ele representa também um instrumento de proteção do trabalhador contra o arbítrio da hierarquia administrativa, assegurando-lhe um conjunto de garantias essenciais.

Por isso, a decisão disciplinar constitui o culminar de um procedimento próprio e autónomo pelo qual, no exercício do poder disciplinar, se visa, na sequência de uma tramitação legalmente prevista, apurar a responsabilidade disciplinar do trabalhador e aplicar, quando seja o caso, uma sanção disciplinar pela prática da infração disciplinar.

O Supremo Tribunal Administrativo tem sustentado, em relação à prova pela entidade administrativa, no âmbito do processo disciplinar, que a condenação disciplinar (na linha daquela que era já a posição de Manuel Andrade) para se dar determinado facto como provado, não exige uma certeza absoluta, sendo admissível à Administração usar de presunções naturais, desde que as mesmas sejam adequadas- cfr. Ac. do STA, de 21/10/2010, Proc. 0607/10.

Este entendimento foi também afirmado pelo STA no seu acórdão de 15.03.2012, proferido no processo nº 0426/10, onde se sumariou o seguinte:
“I - A condenação do arguido em processo disciplinar não exige uma certeza absoluta, férrea ou apodítica da sua responsabilidade, bastando que os elementos probatórios coligidos a demonstrem segundo as normais circunstâncias práticas da vida e para além de uma dúvida razoável.
II - Não incorre em violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, a deliberação punitiva, que se baseia em factos, cuja existência é demonstrada por elementos de prova com o alcance indicado supra em I.»
Este TCAN tem vindo a adotar idêntico entendimento, nomeadamente no Acórdão de 20.05.2016, proferido no processo nº 03132/11.6BEPRT onde se diz que «em relação à apreciação da prova pela entidade administrativa, no âmbito do processo disciplinar, o STA já firmou o entendimento pacífico de que a condenação disciplinar não exige uma certeza absoluta, sendo admissível à Administração usar de presunções naturais, desde que as mesmas sejam adequadas (vide, por todos, o acórdão do STA, de 21/10/2010, Proc. 0607/10).»

Também, no acórdão de 15.06.2018, proferido no processo n.º03073/12.0BEPRT, se sumariou o seguinte:
«I) - A fixação dos factos materiais do processo disciplinar encontra justificação no material probatório recolhido, alcançada que seja uma racional certeza.
II) - Se o ato punitivo não desconsiderou razões de defesa, tal pecha não lhe pode ser imputada.»

É incontornável que a decisão disciplinar tem de estar fundamentada, devendo conter a apreciação crítica das provas produzidas, revelando a apreciação lógica e racional das provas em confronto, à luz de critérios de racionalidade objetiva e com justo critério lógico, realizada pelo instrutor, contendo as razões da valorização e/ou da desvalorização das provas e permitindo ao arguido ficar ciente e apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo que levou o instrutor do procedimento disciplinar a fundamentar a sua convicção relativamente aos meios probatórios existentes.

Tal significa que o princípio da presunção de inocência do arguido se impõe ao decisor disciplinar, sendo sobre a Administração que impende o ónus da prova dos factos que integram as infrações disciplinares que imputa ao trabalhador.

A este respeito, o STA, no seu acórdão de 07.06.2005, proferido no processo n.º 0374/05] afirma que a “… prova dos factos integrantes da infração disciplinar cujo ónus impende sobre a entidade administrativa que exerce o poder disciplinar, através do instrutor do processo, tem de atingir um grau de certeza que permita desferir um juízo de censura baseado em provas convincentes para um apreciador arguto e experiente, de modo a ficar garantida a segurança na aplicação do direito sancionatório», o que, de todo, se confunde com uma prova apodítica.”

Quanto à valoração da prova, escreveu-se no acórdão deste TCAN, proferido no processo 827/07.2BEPRT: “(…) a fase da apreciação da prova, atividade que tem por fim extrair de cada um dos meios de prova o máximo de conclusões com o máximo de probabilidades e do conjunto do material probatório uma determinada conclusão. Produzida a prova, o órgão instrutor deve fazer uma interpretação das provas, dizendo o que se deve concluir delas, e uma avaliação ou valoração, indicando qual o grau de probabilidade que reveste essa conclusão.
Dada a natureza inquisitória do procedimento disciplinar e em conjugação com o princípio da verdade real (cfr. arts. 56º e 86º do CPA), em regra, nesta fase vigora o princípio da livre apreciação das provas, segundo o qual o órgão instrutor tem a liberdade de, em relação aos factos que hajam servir de base à aplicação do direito, os apurar e determinar como melhor entender, interpretando e avaliando as provas de harmonia com a sua própria convicção.
Todavia, esta “liberdade probatória” não é total e completa, pois evidentemente que está condicionada pela finalidade de se obter o mais elevado grau possível de aproximação à verdade. O instrutor não pode avaliar as provas simplesmente segundo as suas opiniões individuais, mas segundo as regras da verdade histórica e com fundamentação da decisão. A «livre convicção», sob pena de não ter qualquer conteúdo lógico, não significa ausência de motivos de convicção, mas apenas que o juízo em que se traduz a apreciação não decorre diretamente de regras legalmente impostas.
[…] Na apreciação das provas, não se trata de decidir através da impressão ou intuição que se tem, mas segundo a persuasão racional que o órgão administrativo tem das provas recolhidas através do processo. A autonomia que o órgão administrativo tem na apreciação das provas está pois submetida a um princípio de racionalidade, cuja violação é controlável pelo tribunal. A função de controlo judicial limita-se assim a detetar se a apreciação das provas tem uma base racional, se o valor das provas produzidas foi pesado com justo critério lógico, não enfermando de erro de facto ou erro manifesto de apreciação.
É através da fundamentação da decisão que se deve averiguar se a valoração das provas está racionalmente justificada e se ela é capaz de gerar uma convicção de verdade sobre a prática dos ilícitos disciplinares imputados ao recorrente.”
«O nosso ordenamento jurídico não consagra uma conceção substancialista ou objetivista da fundamentação, que confunde esta com a justificabilidade objetiva da decisão ou a conformação desta com a normação jurídica, mas sim uma conceção formalista ou instrumentalista, no sentido de que a exigência de fundamentação diz respeito ao modo de exteriorização formal do ato administrativo e não à validade substancial do respetivo conteúdo ou pressupostos, sendo relevante o esclarecimento das razões da decisão, no sentido da sua determinabilidade e não no sentido da sua indiscutibilidade substancial ou da sua conveniência - cfr. Ac. do STA, de 04-07-2002, proc. nº 0616/02; de 20-01-2005, proc. nº 0857/04; de 05-02-2005, proc. nº 01753/03; Ac. do TCAN, de 19-12-2014, proc. nº 00907/12.2BEAVR.» - vide citado Ac. deste TCAN de 15/06/2018.

À luz de citada jurisprudência, a decisão punitiva aqui em questão está adequada e suficientemente fundamentada, quer de facto, quer de direito.

A prova recolhida e que foi considerada para acusar o Recorrente e, posteriormente para decidir a aplicação da pena de suspensão, é exaustiva.

Note-se que as imagens colhidas pelos diversos canais de televisão são elucidativas da participação do Recorrente nas palavras de ordem que naquele momento estavam a ser proferidas.

E tal como foi entendido no âmbito disciplinar, os factos imputados ao arguido foram demonstrados cabalmente, para além de qualquer dúvida lógica ou racional, resultando que o mesmo terá praticado efetivamente os factos que lhe são assacados.

Na realidade, no processo existem autos de registos fotográficos e excertos de programas de televisão de vários canais que revelam a presença do Recorrente nas primeiras linhas da manifestação, constando igualmente do processo relatórios das reuniões efetuadas nos comandos para identificação dos militares visionados nos programas televisivos. Trata-se de matéria provada.

Não obstante a prova recolhida, o Recorrente sustentou, no âmbito do processo disciplinar, que não pronunciou as expressões que lhe são assacadas, mas tendo sido ouvidas as testemunhas que indicou, aquelas não lograram fazer infletir o sentido da convicção do instrutor do processo disciplinar.

E na ação intentada, o Recorrente não trouxe novos elementos de prova que pudessem infirmar a valoração que foi efetuada pelo instrutor do processo, face aos elementos probatórios recolhidos, que claramente fundamentam a decisão disciplinar proferida, pretendendo uma nova apreciação da prova produzida, a realizar pelo tribunal a quo, sem que, da prova produzida pela Administração resulte uma situação de erro, muito menos, grosseiro, na ponderação/valoração que foi realizada.

Efetivamente, os elementos de prova que foram recolhidos, máxime, as imagens colhidas pelos diversos canais de televisão que comprovam a presença do Recorrente na linha da frente da dita manifestação, por si e quando submetidas ao crivo da experiência de vida não deixam dúvidas sobre a participação do Recorrente na manifestação nos termos em que ela se estava a processar, ou seja, nas palavras de ordem que estavam a ser proferidas.

Estando o recorrente entre os manifestantes que gritavam as imputadas palavras de ordem, e sendo ele um dos manifestantes, não é credível que também não tivesse gritado tais palavras, contra o Ministro da Administração Interna.

Note-se, o Recorrente não se se afastou dos manifestantes, não se apartou dos mesmos, como seria expectável se perfilhasse uma posição de discordância ou de repúdio pelo que se estava a passar, antes ali permaneceu, mantendo-se na frente dessa manifestação, isto é, no local próprio daqueles que detêm uma posição de liderança, comando ou de destaque.

Assim, não é crível, também perante as regras da lógica e da experiência comum, que nesse contexto, o mesmo fosse proferir outras expressões que não as palavras de ordem que estavam a ser verbalizadas pelos manifestantes e que foram captadas pelos vários canais de televisão.

Quem não se limita a intervir numa manifestação mas nela participa ativamente incluindo-se na linha da frente da mesma, está não só imbuído do espirito de contestação que mobiliza os demais manifestantes mas determinado a contribuir ativamente para que essa manifestação siga um determinado rumo na expressão das respetivas reivindicações.

Assim, a decisão disciplinar não enferma de erro nos pressupostos de facto, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao confirmar a validade daquela decisão, não colocando em crise que o Recorrente proferiu contra o Ministro da Administração Interna as expressões “Gatuno, Gatuno”, tidas como demonstradas pela Administração no competente processo disciplinar.

Da Violação do Direito Á Liberdade de Expressão.
Alega ainda o Recorrente que mesmo que tivesse proferido contra o Ministro da Administração Interna as palavras “Gatuno, Gatuno”, não podia ser punido disciplinarmente uma vez que no âmbito do seu direito á liberdade de expressão aquelas expressões não podiam ser havidas como constituindo infração disciplinar, por aquele estar no contexto de uma manifestação pública, reivindicativa, sob pena de violação do direito fundamental de expressão.

Advoga que o Tribunal não podia deixar de considerar que «num contexto de reivindicação pública, numa manifestação, existe como que “descompressão” dos limites aos direitos fundamentais nomeadamente e in casu, a quem se dirigia a reivindicação. Isto é, não é toda e qualquer expressão que leva a violação de direitos fundamentais de terceiros».

Acrescenta que se está a falar de cidadãos que, à data da manifestação, estavam particularmente afetados nas suas progressões na carreira e com elevados “cortes” nas suas remunerações e que se exprimiam publicamente para “reivindicar o que era por direito deles” e que entendiam que tinham sido defraudados pela tutela, MAI, que não estava a dar cumprimento em tempo útil a várias disposições legais que permitiriam atenuar os efeitos de recessão que viviam os Militares da GNR.

Por isso, na sua ótica, a expressão “gatuno” deve ser interpretada cum grano salis, pois, tal “excesso” não representa qualquer ofensa aos direitos fundamentais dos cidadãos, nem configura um crime ou a violação de qualquer disposição legal, tratando-se de uma expressão utilizada num contexto próprio e onde naturalmente tem o sentido de não lhe ser imputado o significado normal.

Diferente seria, na ótica do Recorrente, se tivessem afirmado que o Ministro da Administração Interna era corrupto, ou um filho da puta ou outra palavra semelhante, em que, aí sim, se estaria perante um ilícito não só disciplinar como criminal, não sendo esse o caso.

Por conseguinte, é seu entendimento que mesmo provando-se que proferiu a expressão gatuno, a mesma nunca configuraria um ilícito disciplinar, pois, desde logo, lhe faltaria o elemento fundamental, o ato voluntário e ilícito.

Ao assim não ter considerado, a decisão recorrida padece de erro de julgamento por violação do direito fundamental da liberdade de expressão.

Vejamos finalmente:
O Ministério da Administração Interna (MAI), é o departamento governamental que tem por missão a formulação, coordenação, execução e avaliação das políticas de segurança interna, do controlo de fronteiras, de proteção e socorro, de segurança rodoviária e de administração eleitoral, conforme redação do art.º 1.º da lei orgânica daquele ministério, vigente ao tempo dos factos - o D. Lei n.º 126-B/2011, de 29.11.

O MAI prossegue as suas atribuições através das forças e serviços de segurança e de outros serviços integrados na administração direta do Estado, bem como de entidades integradas no sector empresarial do Estado (art.º 3.º do DL n.º 126-B72011, de 29.11).

Nos termos do art.º 4, nº 1, al. a) do referido diploma integram a administração direta do Estado, no âmbito do MAI, além de outros serviços centrais de natureza operacional «As forças de segurança».

Por sua vez, prevê-se no art.º 6.º, n.º 1 daquele diploma que «As forças de segurança têm por missão defender a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, nos termos do disposto na Constituição da República e na lei» e no seu n.º2 estabelece-se que «As forças de segurança organicamente dependentes do MAI são a Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública».

A Guarda Nacional Republicana é uma força de segurança de natureza militar, constituída por militares organizados num corpo especial de tropas estando institucionalmente posicionada no conjunto das forças militares e das forças e serviços de segurança, sendo a única força de segurança com natureza e organização militares, caracterizando-se como uma Força Militar de Segurança.

De acordo com o Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, ao tempo vigente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 297/2009, de 14 de Outubro, os militares da GNR são agentes da força pública e de autoridade, encontrando-se obrigados “a manter em todas as circunstâncias um bom comportamento cívico e a proceder com justiça, lealdade, integridade, honestidade e competência profissional, por forma a suscitar a confiança e o respeito da população e a contribuir para o prestígio da Guarda e das instituições democráticas.”

Nos termos do disposto no n.º1 do artigo 8.º do RDGNR «o militar da Guarda deve ter sempre presente que, como agente de força de segurança e como autoridade e órgão de polícia criminal, fiscal e aduaneira, é um soldado da lei, devendo adotar, em todas as circunstâncias, irrepreensível comportamento cívico, atuando de forma íntegra e profissionalmente competente, por forma a suscitar a confiança e o respeito da população e a contribuir para o prestigio da Guarda e das instituições», estando sujeito à observância dos deveres de proficiência e de correção consagrados nos artigos 11.º e 14.º do referido regulamento.

Dito isto, não obstante ser compreensível que numa manifestação os seus protagonistas profiram palavras de ordem incisivas, considerando que estão em ação de luta por objetivos que consideram ser direitos que lhe devem ser reconhecidos ou garantidos, e por conseguinte, num ambiente agreste, tal não pode justificar que se permita ou condescenda no insulto sob a justificação do contexto em que certas expressões são proferidas, sob pena de se consolidar um clima funcional de impunidade permissiva, sempre pernicioso, mormente no âmbito de forças de segurança.

No caso, está em causa o comportamento de um agente de autoridade, que é órgão de policia criminal, como são os agentes da Guarda Nacional Republicana, e, por isso, com especiais responsabilidades ao nível da manutenção da ordem e da segurança públicas.

Não é tolerável que um militar recorra à injúria e à difamação e, em especial, numa manifestação contra o membro de governo que tutela a respetiva área, como sucede no caso em juízo, fazendo-o publicamente e à frente de câmaras de televisão, bem sabendo a notoriedade pública que tal determinará.

O Recorrente não é um cidadão comum e, note-se, também não estava naquela manifestação como cidadão comum mas como agente de autoridade ainda que reivindicando pretensões legitimas do seu estatuto profissional, mais especificamente, remuneratório.

O aqui Recorrente não pode ignorar que, se como cidadão em geral, não pode proferir tais expressões contra terceiros, muito menos o poderia fazer enquanto agente da autoridade a quem se impõem particulares deveres funcionais, nomeadamente, o da manutenção da ordem democrática, do estado de direito e da paz, segurança e tranquilidade públicas.
Igualmente não pode ignorar que se tais expressões não podem ser dirigidas em relação a um qualquer cidadão em geral, por maioria de razão, não podem ser dirigidas em relação à pessoa do Ministro da Administração Interna, porquanto este é a entidade politica, legalmente detentora dos poderes de direção sobre a GNR, a quem incumbe fazer as opções politicas que em cada momento tenham que ser feitas.

O Recorrente não pode ignorar que o MAI é o topo da sua hierarquia, logo, não só está sujeito a especiais deveres funcionais que lhe impõem o respeito estrito pelo princípio da legalidade que indiscutivelmente infringiu ao proferir as expressões “gatuno, gatuno” como não pode ignorar, que se encontra sujeito a especiais deveres de respeito em relação a quem dirigiu as referidas expressões.

Tais expressões por injuriosas, provocam o achincalhamento público e o rebaixamento do titular daquele departamento governamental, pelo que, para além da falta de respeito que traduzem para com aquele superior hierárquico, configuram-se como um comportamento lesivo do prestígio da instituição, implicando a violação dos deveres de proficiência e correção, previstos nos artigos 11.° e 14.° do mesmo Regulamento.

O exercício dos direitos consagrados na Constituição, como o direito á liberdade de expressão (artigo 37.º), que o Recorrente diz ter sido violado pela decisão sob recurso, sofrem limitações e compressões, e no caso, também por força do regime disciplinar aplicável ao Recorrente.

A previsão constitucional e o consequente reconhecimento do direito à liberdade de expressão a qualquer pessoa não é ilimitado perante o respeito que a todos se impõe pelo bom nome e reputação da pessoa visada (artigo 26.º da CRP), o que reclama contenção relativamente ao uso de expressões ofensivas e inaceitáveis no contexto em que são proferidas.

Em anotação ao artigo 26º da CRP, referem os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira: “(…)Tal como sucede em relação a outros direitos o âmbito do direito ao bom nome e reputação não é menos intenso na esfera política do que na esfera pessoal, devendo ser harmonizado e balanceado com a liberdade do debate político e com a liberdade de crítica política, que são inerentes à democracia. Neste aspeto, o TEDH tem adotado um critério assaz liberal na proteção da liberdade de expressão e opinião e do direito de crítica política em desfavor do bom nome e reputação política dos titulares de cargos políticos ou dos agentes políticos. No contexto constitucional português, os direitos em colisão devem considerar-se como princípios suscetíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infravaloração abstrata- cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª edição, Coimbra Editora, página 46.

Não pode, pois, o direito à liberdade de expressão comprimir o direito à honra e consideração do ofendido, pois a isso se opõe, desde logo, o artigo 18º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, que limita a restrição dos direitos, liberdades e garantias, as quais não podem “(…) diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.

In casu, a conduta do Recorrente foi apreciada à luz do Regulamento de Disciplina aplicável aos militares da GNR, constituindo os factos dados como provados claramente ilícito disciplinar, não configurando violação do direito constitucional à liberdade de expressão.

Termos em que improcedem todos os invocados fundamentos do recurso.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença objeto de Recurso.

Custas pelo Recorrente (artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).

Porto, 3 de julho de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Rogério Martins (Em substituição)