Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00400/14.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/16/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Vital Lopes
Descritores:AVALIAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL POR MÉTODO INDIRECTO
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
ACRÉSCIMOS PATRIMONIAIS – ART.º87.º, ALÍNEA F), DA LGT.
Sumário:1. Valem no procedimento e no processo tributário as limitações de prova decorrentes de proibições gerais de meios de prova.
2. Não pode ter-se por justificado o acréscimo patrimonial evidenciado se o contribuinte não demonstra que correspondem à realidade os rendimentos declarados no período de tributação em que ele se verifica, sendo outra a fonte de tal acréscimo patrimonial.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:N... e B...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

N… e B..., recorrem da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente o recurso interposto da decisão de avaliação da matéria colectável do IRS do ano de 2010 pelo método indirecto, nos termos do disposto no artº89.º-A, da Lei Geral Tributária.

Com a interposição do recurso, apresentaram alegações e formularam as seguintes «Conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida no processo n.º 400/14.9BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente o pedido formulado pelos Sujeitos Passivos, que aí pugnavam pela anulação do acto de fixação de matéria colectável em sede de IRS relativo ao períodos de tributação de 2010 que lhes foi determinado nos termos do artigo 89º-A da LGT.
B. A incompatibilidade entre o rendimento declarado e o facto catalogado como manifestação de fortuna não determina automaticamente o “direito a tributar”, mas, apenas, o “direito a questionar” o contribuinte, pedindo-se a demonstração de que os valores declarados são reais e que a titularidade dos bens ou direitos considerados manifestações de fortuna resultam de fontes de rendimento alternativas.
C. O Tribunal manteve o ónus da responsabilidade da produção de prova sobre o contribuinte, mas limitou a acção probatória do recorrente por entender não admitir a tal matéria a prova testemunhal, na medida em que o contrato de mutuo alegado como fonte geradora de rendimento carecia de forma legal.
D. Orientado o direito fiscal para a verdade material da operação o que na verdade importa saber é se a operação ocorreu nos termos que vêm descritos pelo contribuinte, independentemente de revestir a forma legal exigida pela lei civil.
E. Ao contrário do que sustenta a sentença recorrida, apesar da escritura ser uma formalidade ad substatiam, a sua falta não impede a possibilidade dos recorrentes demonstrarem a materialidade da operação de mútuo ocorrida em 2000, como nexo causal para o seu cumprimento, realizado em 2010 com o endosso dos cheques da S....
F. È inconstitucional, a regra do art. 89º A n.º 3 da LGT, quando interpretado no sentido de que aceita a exigência de prova nos casos em que é de impossível cumprimento por parte do contribuinte. E, sendo inconstitucional, não pode ser aplicada ao caso em apreço, na medida em que gera a ilegalidade da decisão recorrida.
G. Inconstitucionalidade que advém da violação do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18º da CRP, do princípio da proibição da indefesa, como corolário do direito ao acesso ao direito e aos Tribunais estabelecido no art. 20º da CRP, e bem assim o princípio da tutela jurisdicional efectiva a que faz apelo o artigo 268º da CRP.
H. Exigir-se, quer no âmbito da inspecção, quer no quadro da produção judicial da prova, a demonstração dos fluxos financeiros, quando os próprios bancos declararam não possuir tal informação, é introduzir um ónus de prova IMPOSSÍVEL de cumprir.
I. À luz do Direito constituído a Administração Tributária tem o direito de exigir que o contribuinte faça prova da origem do rendimento no ano em que ocorre a sua percepção, no caso vertente o ano de 2000, não podendo, contudo, exigir a demonstração da licitude ou regularidade dos capitais que deram origem a tais rendimentos, pois o que está em apreciação é apenas averiguar se os capitais em causa correspondem a rendimento omitido na declaração de rendimentos do ano a que respeita a prática dos factos (2010) e não relativamente a declaração de rendimentos de anos transactos (2000).
J. A única forma admitida para “validar” a prova que os € 525.000,00 constantes do cheque endossado ao Recorrente marido diziam respeito à restituição do mútuo é, objectivamente, impossível.

K. O acto recorrido é ilegal por violação do princípio do inquisitório, na medida em que após a comprovada impossibilidade de obter outros meios de prova para demonstrar a realização do mútuo, a A.T. não procurou por sua iniciativa trazer ao procedimento outros meios de prova.
L. Como resulta do documento n.º 2 junto com a P.I., cuja veracidade não foi posta em causa pela AT, o interveniente A... confessou-se devedor perante o recorrente marido da quantia de 105.000.000$00 a pagar nos termos que dele constam.
M. Apesar do contrato de mutuo ser nulo por vicio de forma, o certo é que a declaração de divida reveste a forma legal e constitui titulo executivo.
N. Mesmo sendo nulo o contrato de mutuo por falta de forma, a prova pode ser perfeitamente realizada através de uma declaração de confissão de divida cujo valor intrínseco não é afectado pela nulidade do empréstimo por falta de forma.
O. Os Recorrentes lograram demonstrar que (i) emprestaram em 2000 105.000.000$00 a A... e (ii) que o endosso ao recorrente dos dois cheques identificados no relatório da IT corresponde à restituição pelo dito A... do empréstimo de que se confessou devedor através de documento datado de 29/11/2000 junto com a PI como doc. n.º 2.
P. Em face dos depoimentos transcritos, conjugados com os docs. 1 e 2 da PI e bem assim com os demais fatos dados como provados, deverá dar-se como provado que os recorrentes entregaram a título de empréstimo o montante total de 105.000.000$00 em 2000 a A... e o endosso ao recorrente pela sociedade S... dos cheques referidos em 27) correspondem a restituição do montante de 105.000.000$00 de que A... se comprometeu devolver através do documento datado de 29/11/2000.
Q. E dando-se como provado estes factos, fica explicada a razão dos fluxos financeiros escrutinados, com o que o acto de fixação tem de ser anulado.
R. A sentença a quo para alem de ter incorrido em erro na apreciação da matéria de facto, procedeu a uma incorrecta aplicação do direito devendo em consequência, e ao abrigo do disposto no art. 640º do CPC ex vi art. 2º, al. e) do CPPT proceder-se à reapreciação da prova gravada, mormente, dos depoimentos das Testemunhas L..., F..., A... e A..., bem como o depoimento de parte do Recorrente marido.
S. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 18º, 20º, 268º da CRP, 58º e 89º-A da LGT.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deverá ser revogada a sentença a quo, com o que se fará a Sã e Habitual
Justiça!

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

A recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes «Conclusões:

A - Vêm os Recorrentes interpor recurso da douta sentença do Tribunal Administrativo e
Fiscal do Porto que negou provimento ao recurso interposto contra a decisão do Diretor
tributável por avaliação indirecta para o ano de 2010 em 516.777,08 € (Quinhentos e
dezasseis mil, setecentos e setenta e sete euros e oito cêntimos).
B - No âmbito de procedimento inspectivo verificou-se que o Recorrente obteve no ano de
2010 obteve um acréscimo de património no valor de 525,000,00 € correspondente ao depósito do cheque n.º 612761221 no valor de 225.000,00€ e o cheque n.º 6192761224 no valor de 300.000,00€.
C - Sucede que, em 2010, o valor do rendimento líquido declarado para efeitos de IRS dos
Recorrentes foi de 8.222,92 €.
DIREÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTADORIA JURÍDICA E
CONTENCIOSO
DIREÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTADORIA JURÍDICA E
CONTENCIOSO
DocBaseV/2014 17 / 21
D - Notificados em sede de audiência prévia os Recorrentes não se pronunciaram ou apresentaram quaisquer elementos, tendo posteriormente recorrido judicialmente da decisão de avaliação indirecta da matéria colectável
E - Considerou e bem a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que os Recorrentes não alegaram nem demonstraram factos concretos que demonstrassem a origem do referido acréscimo patrimonial.
F - Alegam os recorrentes, que o acréscimo patrimonial de € 525.000,00 constitui o reembolso de um empréstimo que em 2000 tinham efectuado ao Engº.- A....
G - Contudo não ficou provado que a situação patrimonial dos Recorrentes em data anterior a 2000 lhes permitiria conceder um mútuo ao Eng.º A....
H - Nos termos do artigo 1143.ºdo Cod. Civil de valor superior a €20.000 tem de ser celebrado por escritura pública, o que não sucedeu nos presentes autos.
I - Porque assim a falta de celebração de escritura pública não pode ser sanada através da
utilização de um documento particular e muito menos por prova testemunhal, neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal de Justiça, de 19/05/2005, Proc 05B1200 e de 20/09, Proc. 07B1963, disponíveis em www.dgsi.pt e citados na pág. 42 da douta sentença recorrida.
J - Por outro lado nenhuma das testemunhas ouvidas pode atestar com rigor a existência do referido contrato e se os pagamento foram efectivamente realizados em que datas em que locais e por que montantes.
K - Seria obviamente espectável que os Recorrentes tivessem documentado o valor das quantias que alegadamente iam sendo entregues ou até mesmo que ficasse prevista a remuneração de juros uma vez que se tratava da realização de um negócio e o Recorrente e o Engº A... eram conhecimentos recentes, não existindo entre eles uma relação de amizade ou de confiança.
DIREÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTADORIA JURÍDICA E
CONTENCIOSO
DIREÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTADORIA JURÍDICA E
CONTENCIOSO
DocBaseV/2014 18 / 21
L - Também o compromisso de pagamento do valor de 105.000.000$00 só por si não permite criar uma convicção inequívoca da existência do referido mútuo dado o contexto e a circunstância que envolveu todo o negócio, como bem refere a sentença recorrida nas pág, 46 e sgts .
M - Do exposto resulta assim evidente que não ficou provado que os Recorrentes em 2000
emprestaram 105.000.000$00 a A... e que o endosso dois cheques identificados no relatório de Inspeção, ponto 27 dos factos dados como provados correspondem à restituição por parte daquele do empréstimo.
N - Donde improcede o alegado pelos Recorrentes quanto ao erro na apreciação da matéria
de facto.
O - Como improcede igualmente todo o alegado quanto ao erro na apreciação da matéria
de direito.
P - Consideram os Recorrentes que a sentença a quo incorre em erro na aplicação do direito, artigos 18.º, 20.º, 268.º da CRP e artigo 58.º e 89.º-A da LGT, pese embora em sede de conclusões não fundamente a sua alegação.
Q - Ora, confundem os Recorrentes o princípio do inquisitório que enferma a actividade tributária tal como o princípio da colaboração do sujeito passivo na cobrança dos impostos, com as regras de repartição do ónus da prova legalmente prevista.
R - E neste âmbito a lei é muito clara quanto à repartição do ónus probatório.
S - A inversão do ónus da prova no caso das manifestações de fortuna e acréscimo patrimonial injustificado tem como objectivo o combate da evasão e fraude contributiva fazendo recair sobre o sujeito passivo a demonstração da origem do seu acréscimo patrimonial sempre que se verifique uma divergência com o montante declarado para efeitos fiscais.
DIREÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTADORIA JURÍDICA E
CONTENCIOSO
DIREÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTADORIA JURÍDICA E
CONTENCIOSO
DocBaseV/2014 19 / 21
T - As regras e critérios do ónus da prova não interferem com a actuação do princípio do
inquisitório, sendo que este actua funcionalmente antes de definida a matéria de facto, como dimensão aquisitiva dos elementos necessários à decisão.
U - Como não poderia deixar de ser a actuação inquisitória da administração tributária
está, pois, condicionada pelas regras do ónus da prova.
V - Entendimento este que é corroborado pela jurisprudência dos tribunais superiores, veja-se os Acórdão do STA recurso 583/09 de 21/10/2009 e no Acórdão do TCA Sul n.º 419/04 de 18/01/2005 publicados em www.dgsi.pt, citados a página 55 da sentença recorrida.
W - Na evidência do acréscimo patrimonial a Autoridade Tributária leva a cabo o procedimento inspectivo tendo realizado todas as diligências necessárias e adequadas à prova que lhe compete e no qual é assegurado ao sujeito passivo o direito do contraditório e de participação, cabendo, por força de lei ao sujeito passivo reunir os elementos probatórios relevantes para a determinação da quantificação da sua matéria colectável.
X - Resulta assim evidente que não há qualquer violação do princípio do inquisitório ou da
descoberta da verdade material.
Y - Também não se verifica qualquer violação dos os princípios constitucionais da proporcionalidade (artigo 18.º da CRP), da proibição da indefesa, que emana do direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20. da CRP), da tutela jurisdicional efectiva (artigo 268.º da CRP)
Z - Alegam os Recorrentes que a interpretação do n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT é inconstitucional nos casos em que a prova da relação directa de afectação de determinado rendimento a determinada manifestação de fortuna pode conduzir a
DIREÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTADORIA JURÍDICA E
CONTENCIOSO
DIREÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTADORIA JURÍDICA E
CONTENCIOSO
DocBaseV/2014 20 / 21
situações de prova muito difíceis, ou impossível, nos casos em que a doutrina e a jurisprudência denomina a prova negativa ou prova diabólica.
AA - Ora como bem refere a sentença recorrida no caso em apreço estamos perante a prova de factos positivos e todos eles possíveis de comprovar, a saber a entrega ao Eng.º A... das quantias alegadamente mutuadas no ano de 2000 pelo que não se verifica nenhuma situação de “prova diabólica” ou de prova objectivamente impossível .
BB - Como bem refere a sentença recorrida a impossibilidade de prova, a existir é apenas
imputável ao recorrente, aliás chamados a pronunciarem-se em sede de audiência prévia os
Recorrentes nada disseram o que pode evidenciar desde logo que a reclamada impossibilidade de prova não deriva da falta da impossibilidade de meios mas sim da ausência de factos.
CC - Improcede assim todo o alegado pelos Recorrentes relativamente à violação do princípio da proporcionalidade enquanto princípio do procedimento tributário previsto no artigo 55.º da LGT.
DD - Donde a decisão de mérito proferida em primeira instância configura, ao lado de uma
acertada e apurada valoração da prova e acertado julgamento da matéria de facto, uma correcta interpretação e aplicação do direito vigente aos factos em apreciação.
EE - Face ao exposto resulta que improcedem totalmente por infundados os vícios de apreciação da matéria de facto e de direito arguidos pelos Recorrentes na sua petição de Recurso.
FF - Destarte, não se vislumbra qualquer ilegalidade na aplicação dos métodos indirectos para a fixação da matéria tributável não merecendo, pois, qualquer censura, o ato praticado pela Director de Finanças de Porto de fixação do rendimento através de avaliação indirecta no ano de 2011 no montante de €71.269,10 correspondente ao rendimento padrão, como
DIREÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTADORIA JURÍDICA E
CONTENCIOSO
DIREÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTADORIA JURÍDICA E
CONTENCIOSO
DocBaseV/2014 21 / 21
rendimento da categoria G de acordo com a alínea d) do número 1 do artigo 9.º do CIRS,
como bem entendeu a sentença recorrida.
Nestes termos e nos mais de Direito, doutamente supridos por V.ªs
Ex.ªs, deverá ser negado provimento ao presente recurso,
mantendo-se a douta decisão recorrida, que se pronunciou pela
manutenção da decisão do Diretor de Finanças de Porto de fixação
do rendimento tributável para o ano de 2010, no valor de
516.777,08 € enquadrável na categoria G do IRS com recurso a
avaliação indirecta prevista no art.º 89.º-A da LGT, de acordo com a
correcta interpretação e aplicação da lei.

Remetidos os autos a este tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pelos Recorrentes (cf. art.º635.º, n.º4, do CPC), as questões subjacentes ao recurso consistem em indagar se a sentença incorreu em erro de direito na restrição dos meios de prova admissíveis para comprovação da realidade da alegada fonte do acréscimo patrimonial evidenciado; se tal erro de direito quanto à admissibilidade dos meios de prova a fez incorrer em erro na apreciação da matéria de facto.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

1. Em 23/04/2013, a Sra. Directora de Finanças Adjunta proferiu despacho de autorização de emissão de ordem de serviço interna para inspecção ao sujeito passivo N…, ora recorrente, em sede de IRS, ao ano de 2010, tendo por base a seguinte informação:
«No âmbito de procedimento inspectivo ao ano de 2009 a N… (a coberto da OI referida no Q04) e através do cruzamento de elemento com outras entidades, verificou-se que o sujeito passivo obteve, no ano de 2010, um acréscimo de património no valor de € 525.000,00 (pelo recebimento de dois cheques que totalizam essa quantia), sem que aos mesmos esteja associada uma operação económica conhecida e tributada. No sentido de se procederem às devidas análises e apuramentos de correcções, solicita-se OI interna para 2010.». – Cfr. fls. 2 do processo administrativo junto.
2. Através do ofício n.º 32 885/05.10, de 22/05/2013, da Divisão de Inspecção Tributária V, da Direcção de Finanças do Porto, remetido sob correio registado com aviso de recepção assinado em 24/05/2013, foram os recorrentes, N… e B…, notificados nos seguintes termos:
«No âmbito de diligências inspectivas a cargo da técnica supra referenciada, verificou-se que no ano de 2010, N… é beneficiário de dois cheques no valor total de € 525.000,00 [225.000,00 e €300.000,00], todos entregues pela sociedade S…– Sociedade Imobiliária Construção, Lda., datados de 2010.01.08.
Ao abrigo do Dever de Colaboração [LGT, art. 59.º n.º 4 e RCPIT, art. 37º e art. 48º], deverá V.ª(s) Ex.a(s) enviar, no prazo de 10 dias, para a Direcção de Finanças do Porto, os seguintes elementos e/ou esclarecimentos prestados por escrito:
1 – Justificar, com a apresentação de documentos comprovativos, inequívocos, a que titulo/qual a operação que esteve na base do recebimento da referida quantia de € 525.000,00.
– Apresentar fotocópia do extracto da conta bancária onde foi efectuado o depósito.
Alerta(m)-se V. Exa(s) para o facto de que, a falta de cumprimento da presente notificação, para além de constituir “Falta ou atraso na apresentação ou exibição de documentos ou de declarações” infracção prevista e punível pelo art. 117º do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), confere à Administração Fiscal a possibilidade de promover a liquidação adicional de IRS, pela aplicação do art. 87º nº 1 f) da LGT – Manifestação de Fortuna. (…)» - Cfr. fls. 4-6 do processo administrativo junto.
3. Em 04/06/2013, o recorrente remeteu à Direcção de Finanças do Porto, requerimento, com o seguinte teor:
«Assunto: V/ ofício n.º 32885/05.10, Proc. 220/5/2013, Cód. Assunto: OI201302681/2010
(…)
Com referência ao assunto referido em epígrafe e tal como requerido, venho reafirmar e confirmar o seguinte:
1.Reafirmar o que foi dito em reunião presencial tida que a operação assinalada teve por objectivo o reembolso de uma dívida do Sr. Eng.º A... para comigo, dívida essa que existia desde o ano de 2000, por conta e conforme contrato de aquisição de 8 frações em prédio, no concelho de Vila Nova de Gaia, de que a S... era o promotor;
2.Remeter, como prova, cópias (i) do referido contrato, (ii) da declaração de dívida devidamente assinada pelo devedor aquando da constatação da impossibilidade, por razões que o ultrapassavam, de concretizar a entrega das fracções prometidas, (iii) da declaração assinada por mim próprio, em 8 de Janeiro de 2010, aquando do ressarcimento, em singelo, do empréstimo concedido em 2000, e, ainda, (iv) de declaração assinada [com assinatura reconhecida no acto], no pretérito dia 31 de Maio, pelo Sr. Eng.º A..., em que este atesta do fim a que se destinou o pagamento de que dei quitação a coberto do documento já mencionado em (iii);
3.Remeter, ainda e por fim, cópia extracto bancário de conta pessoal detida sobre a CGD onde os depósitos dos cheques de €300.000,00 e de € 225.000.000,00 foram efectuados.
Certo de que o conteúdo da presente missiva esclarece, em definitivo, o processo em apreço, aproveito a oportunidade para endereçar os meus melhores cumprimentos. (…).
Em anexo: o referido. – Cfr. fls. 7-14 do processo administrativo junto.
4. Juntamente com o requerimento referido em 3), o recorrente remeteu os seguintes documentos:
a) Escrito denominado «Contrato», subscrito pelo recorrente (1.º contraente) e por A... (2.º contraente), com data de 28/01/2000, com o seguinte teor:
« Cláusula Primeira
O Segundo Contraente, no âmbito da sua actividade empresarial, necessita angariar meios financeiros para reforçar ao nível de suprimentos a estrutura da sua sociedade S... – Sociedade Imobiliária e de Construções, Lda., NIPC 5…com sede na Rua…, Porto, dispondo-se para isso a vender a preço especial fracções do Empreendimento Jardins do Poente, sito à Rua…, Freguesia de Vilar do Paraíso, Concelho de Vila Nova de Gaia, com o Alvará de Construção 453/97, que se encontra em processo de construção, e promovido precisamente pela sociedade aqui referida.

Cláusula Segunda
O Primeiro Contraente concede por via deste contrato, um financiamento ao Segundo Contraente no montante de 105.000.000$00 (cento e cinco milhões de escudos), cujo reembolso deverá ser concretizado através da entrega pela sociedade S..., controlada pelo Segundo Contraente, ao Primeiro Contraente, ou a quem ele indicar, até 30 de Dezembro de 2001 das seguintes fracções, situadas no empreendimento referido na cláusula Primeira:
a)Bloco A, Entrada A1, Apartamento (T1) 003 – R/C,
b)Bloco A, Entrada A1, Apartamento (T1) 301 – 3.º Andar,
c)Bloco A, Entrada A1, Apartamento (T2) 302 – 3.º Andar,
d)Bloco A, Entrada A2, Apartamento (T3) 001 – R/C,
e)Bloco A, Entrada A2, Apartamento (T1) 503 – 5.º Andar,
f)Bloco B, Entrada B2, Apartamento (T3) 105 – 1.º Andar,
g)Bloco B, Entrada B2, Apartamento (T2) 301 – 3.º Andar,
h)Bloco C, Apartamento (T1) 101 – 1.º Andar,

Cláusula Terceira
Em caso de incumprimento da entrega dos imóveis referidos na cláusula segunda, por parte da sociedade S..., e por razões que sejam estranhas à vontade da dita sociedade e do Segundo Contraente, compromete-se o Segundo Contraente, a devolver em singelo a verba referida na cláusula Primeira até 30-12-2001, garantindo para esse efeito pessoalmente o respectivo reembolso, respondendo nesse caso o seu património pessoal pela referida dívida.

Cláusula Quarta
O Segundo Contraente dá aqui quitação da totalidade do recebimento do montante referido na Clausula Primeira.

Porto, 28 de Janeiro de 2000.» – Cfr. fls. 8 frente e verso do processo administrativo junto.

b) Escrito denominado «Declaração/Confissão de Dívida e Compromisso de Pagamento», manuscrito e subscrito por A…, com data de 29/11/2000, com o seguinte teor:
«O abaixo assinado, A..., residente na Rua…– 4300 Porto, reconhece que a sua solicitação, o Sr. Dr. N…, casado, portador do BI n.º 3…, contribuinte fiscal n.º 1…, morador na Rua…,, Leça da Palmeira, lhe entregou, a título de empréstimos sucessivos, diversas quantias, reconhecendo que nesta data é devedor ao referido Sr. Dr. N…, da quantia global de 105.000.000$00 (cento e cinco milhões de escudos), de que expressamente se confessa devedor.
Mais declara que se compromete a pagar tal importância num prazo máximo de dez anos, ou seja, até à data limite de 30 de Novembro de 2010, àquele Sr. N…, data a partir da qual a referida quantia se considera definitivamente vencida. Todos e quaisquer pagamentos por conta da referida importância que sejam feitos ao referido Sr. Dr. N..., devem ser realizados contra recibo assinado pelo Sr. Dr. N..., não podendo o declarante invocar qualquer pagamento sem exibição do competente recibo, para além de cópia do respectivo meio de pagamento.
A obrigação de restituir a quantia mutuada é estabelecida no domicílio, em Leça da Palmeira, do referido Sr. Dr. N..., sita na Rua Helena Vieira da Silva, n.º 374, entrada 4, 6.º Esq., pelo que o pagamento deve ser feito nesse domicílio.
O declarante expressamente confere força executiva à presente declaração, nos termos dos artigos 45.º e 46.º 1 c) do C.P.C.
Porto, 29 de Novembro de 2000 (…)» – Cfr. fls. 9 frente e verso do processo administrativo junto.
c) Escrito denominado «Declaração», subscrita pelo recorrente com data de 08/01/2010, com o seguinte teor:
«O abaixo assinado, N..., casado, portador do BI nº 3699753 e contribuinte fiscal nº 156 647 257, morador na Rua helena Vieira da Silva, nº 374, Entrada 4, 6º E, 4450-590 Leça da Palmeira, declara para todos os devidos efeitos, que recebeu do Sr. Eng.º A..., residente na Rua Chaves de Oliveira, 96 – 3º H2, 4300 Porto, a quantia de € 525 000,00 (quinhentos e vinte e cinco mil Euros) correspondente a 105 000 000$00, a título de devolução de diversos empréstimos que o subscritor que lhe havia realizado, conforme declaração de confissão de dívida e compromisso de pagamento de 29 de Novembro de 2000, de que lhe dá definitiva e integral quitação
Porto, 8 de Janeiro de 2010 – Cfr. fls. 10 do processo administrativo junto.
d) Escrito denominado «Declaração», subscrita por A..., com data de 31/05/2013 e com reconhecimento presencial da assinatura, nessa data, por notário, com o seguinte teor:
«A…, residente na Rua…, Porto, declara a pedido de P… e de N..., que entregou a cada um, o valor de 525.000 euros em Janeiro de 2010, referente ao reembolso de 105.000.000$00 (cento e cinco milhões de escudos) respeitantes a empréstimos que lhe haviam sido concedidos no ano 2000.
Mais se declara que o acima referido pagamento, referente a reembolso, ocorreu através do endosso de cheques de que foi primeira beneficiária a sociedade S... limitada da qual o subscritor era credor por suprimentos.
Porto, 31 de Maio de 2013 – Cfr. fls. 11-12 do processo administrativo junto.
e) Consulta de movimentos em histórico em 11/01/2010, referente à conta n.º 0158017148330, detida junto da Caixa Geral de Depósitos, de onde consta o depósito, nessa data, do valor de € 525.000,00 – Cfr. fls. 13 do processo administrativo junto.
5. Através do ofício n.º 40847/05.10, de 25/06/2013, da Divisão de Inspecção Tributária V, da Direcção de Finanças do Porto, remetido sob correio registado com aviso de recepção assinado, por terceiro, em 28/06/2013, foram os recorrentes notificados nos seguintes termos:
«(…) O contribuinte alega, então, ter realizado um mútuo de ESC. 105.000.000$00 durante o ano de 2000, a A..., valor esse alegadamente reembolsado em 2010, pelo recebimento dos €525.000,00 em análise.
Porém, os documentos que o contribuinte logrou anexar, apresentam-se insuficientes para comprovar, inequivocamente, a efectividade das operações mencionadas.
Na sequência de tais pressupostos, consultou-se as declarações de rendimentos (DM3) entregues para os anos de 2000 e anteriores, assim como as Declarações Modelo 10 (Rendimentos e Retenções declarados por terceiros), no sentido de procurar validação declarativa para as alegações apresentadas: mútuo de ESC. 105.000.000$00 durante o ano de 2000.
Contudo, da análise histórica dos rendimentos declarados, despesas e rendimento disponível, não se verificam rendimentos susceptíveis de gerar uma poupança que suportasse tais empréstimos.
Assim, uma vez que, quer pelos elementos enviados, quer pelos elementos disponíveis na base de dados da AT, não nos foi possível obter elementos tendentes a validar o mútuo, alegadamente efectuado no ano de 2000 [indispensável para se considerar efectivo o recebimento dos €525.000,00 como reembolso do mesmo], solicita-se a V.ª(s) Ex.ª(s), ao abrigo do dever de colaboração [LGT, art. 59º nº 4 e RCPIT, art. 37º e art. 48º], o envio, no prazo de 10 dias, para a Direcção de Finanças do Porto, dos seguintes elementos e/ou esclarecimentos adicionais:
1)Apresentação dos fluxos financeiros, documentados, que comprovem, inequivocamente, o alegado mútuo efectuado a A... no ano 2000, designadamente, cópia de extractos bancários e outros, que evidenciem a origem e a mobilização/destino desses meios monetários.
Não se verificando como comprovado, o efectivo reembolso de um mútuo de €525.000,00, o recebimento das quantias em causa por parte de terceiro (como é o caso) poderão ter subjacente qualquer outra forma/fonte de rendimento, dos vários tipificados na lei.
Não se comprovando de forma directa a sua origem, remete-nos para a avaliação indirecta, conforme preceituado na LGT nos seus artigos 87.º - Realização de avaliação Indirecta e 89.ºA – Manifestações de Fortuna.
Alerta(m)-se V. Exa(s) para o facto de que, a falta de cumprimento da presente notificação, para além de constituir “Falta ou atraso na apresentação ou exibição de documentos ou de declarações” infracção prevista e punível pelo art. 117º do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), confere à Administração Fiscal a possibilidade de promover a liquidação adicional de IRS, pela aplicação do art. 87º nº 1 f) da LGT – Manifestação de Fortuna. (…) – Cfr. fls. 15-17 do processo administrativo junto.
6. Em 05/07/2013, o recorrente remeteu à Direcção de Finanças do Porto, requerimento, com o seguinte teor:
«Assunto: V/ ofício n.º 40847/25.10, Proc/Entrada Geral 25/06/2013, Cód. Assunto: OI201302681/2010
(…)
Acusa-se a receção da missiva em epígrafe, na qual, depois de descrição do histórico do processo se afirma - e citamos – “Contudo, da análise histórica dos rendimentos declarados, despesas e rendimento disponível, não se verificam rendimentos susceptíveis de gerar uma poupança que suportasse tais empréstimos”, sendo que todas as demais ilações e presunções derivam daqui. Ou seja, é nuclear não haver, no entendimento da AT, rendimentos que suportem a operação descrita, pelo que quer os testemunhos de ambas as partes a respeito, quer a abundante prova material feita, não será, novamente no entendimento da AT, bastante.
Está, porém, a AT equivocada. Importa desde logo assinalar que o signatário viveu e trabalhou no estrangeiro, concretamente pelo exercício do cargo de Secretário Adjunto do Governador de Macau por nomeação de Sua Excelência o Presidente da República [Decreto n.º 13/86, publicado no Diário da República n.º 119, 1.º suplemento, de 24 de Maio de 1986], auferindo salário vultuoso com níveis quase totais de poupança, isto porquanto todas as despesas atinentes à deslocação eram suportadas pela Administração daquele Território. E que aquando do seu regresso a Portugal manteve recursos em Praça financeira da Região da Ásia Pacífico, naturalmente aplicando-os, do que resultaram relevantíssimas mais-valias carreadas para oportunidades de negócios em anos subsequentes.
Porém e com mais aplicação ao caso em concreto, no ano de 2001, referente ao ano fiscal de 2000, o signatário apresentou declaração de IRS de rendimentos do trabalho no valor de €107.267,62, a que acresce, tal como constante do anexo G àquela, rendimento de mais-valias no montante de € 455.000,00. Faz-se notar que este valor se refere a transacção que, para além de fora de bolsa, o foi, em parte, com particulares – o que lhe retirava total visibilidade – mas que sendo a sua comunicação ao fisco mandatória porque tratando-se, como era o caso, de venda de ações com ágio detidas há menos de 12 meses, sobre ela impendia – como impendeu – o pagamento do imposto de 10% [o qual, naturalmente, foi liquidado].
Todos estes factos são/podem ser do conhecimento da AT mediante simples consulta dos elementos em sua posse histórica, pelo que se dispensa o envio de documentação que atesta a absoluta conformidade do descrito.
Do que fica dito e independentemente do momento temporal associado, fica provado que o signatário gerou e declarou perante as Autoridades Tributárias rendimentos superiores e bastantes para materializar a operação agora em equação,
Face ao que se elucida e tendo-se, sem margem para dúvidas, provado que o signatário obteve e declarou perante a Autoridade Tributária, (só) em 2000 um rendimento superior ao valor do contrato assinado com o Sr. Eng. A..., julga-se que o assunto fica definitivamente clarificado sem necessidade de mais prova material, nem sequer de esclarecer os termos concretos em que aquela transação se efectivou (…).» – Cfr. fls. 18-19 do processo administrativo junto.
7. Através do ofício n.º 48869/05.10, de 30/07/2013, da Divisão de Inspecção Tributária V, da Direcção de Finanças do Porto, remetido sob correio registado com aviso de recepção assinado em 02/08/2013, foram os recorrentes notificados nos seguintes termos:
«No âmbito da acção inspectiva em curso, credenciada pela Ordem de Serviço OI201302681, com extensão ao ano de 2010, ficam por este meio notificados, (…), nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 87º - Realização de Avaliação Indireta da Lei Geral Tributária (LGT), do seguinte:
De acordo com a liquidação de IRS referente ao ano de 2010, em resultado da Declaração Modelo 3 entregue, conforme previsto no art. 57º do Código do IRS, N… e B…, declararam ter auferido um rendimento global bruto de €14.222,92 ao que correspondeu um rendimento global líquido de €8.222,92. O referido valor resulta, na sua totalidade, de rendimentos de pensões (categoria H) de N..., pago pela Caixa Geral de Aposentações. Não obstante encontrar-se colectado na categoria B de rendimentos, na actividade de Consultores, apresentou um rendimento igual a zero.
(…)
Através do cruzamento de informações, obtidas em diligências inspectivas que decorreram sobre terceiros, nomeadamente na empresa S... – Sociedade Imobiliária e de construção, Lda. (de agora em diante designada apenas por S...), e na empresa A... – Empreendimentos e Investimentos, SA (de agora em diante, A...), verificou-se a existência de dois “contratos de cessão de bens e direitos” ocorridos no decurso de 2009, nos quais a primeira adquire determinados direitos [“…todos os direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis”], que cedeu à segunda (sociedade A...).
O valor dessa cedência foi recebido pela S... através de 12 cheques emitidos pela A... (cheques bancários), à ordem da S..., com data de 2010-01-08, e todos eles foram endossados por esta a terceiros (endosso efectuado com assinatura de A..., NIF 1…, sócio gerente da S...).
O contribuinte N...recebeu 2 desses cheques no valor total de €525.000 (…).
Na sequência dos factos descritos, notificou-se o sujeito passivo com o objectivo de esclarecer a que título/qual a operação conexa com o recebimento de tais valores (…)
Em resposta, vieram os contribuintes, na pessoa de N..., reafirmar o que já havia referido em reunião presencial (…)
Após a análise do histórico das declarações de rendimentos dos sujeitos passivos assim como dos elementos remetidos pelo mesmo, conclui-se que os dados existentes não eram suficientes para comprovar, de forma inequívoca, o mútuo alegadamente efectuado no decurso do ano 2000. Realce-se que os documentos apresentados, são documentos particulares cuja validação carece de prova adicional.
Assim, nestes moldes, com o objectivo de validar as afirmações e os contratos apresentados pelo contribuinte, solicitaram-se comprovativos dos movimentos bancários referentes ao mútuo efectuado em 2010: (…)
Por resposta recepcionada na DF Porto em 2013-07-08, vieram os contribuintes alegar, de igual modo, na pessoa de N..., que:
“… fica provado que o signatário gerou e declarou perante as Autoridades Tributárias rendimentos superiores e bastantes para materializar a operação agora em equação.”
(…)
Refira-se, desde já, que, em parte alguma da notificação foi referido, que a comprovação dos rendimentos e/ou poupanças é condição suficiente para validar o mútuo efectuado no ano 2000. Aliás, pela leitura completa da mesma, resulta claro que se solicita [ver alínea 1)] a “…apresentação dos fluxos financeiros…”.
Neste sentido, a resposta dos contribuintes não se coaduna com o que é solicitado.
Os contratos apresentados (particulares) sem qualquer tipo de certificação, os testemunhos dos envolvidos (com data atual), a obtenção de rendimentos e as nomeadas poupanças conseguidas ao longo dos anos, quer isoladamente, quer em conjunto, não aportam prova inequívoca da realização de um mútuo no decorrer do ano 2000 [não obstante serem considerados importantes e indispensáveis].
Refira-se também, no sentido de se esclarecer a importância dos documentos bancários, que os mesmos não serão entendidos como os únicos elementos de prova, uma vez que, isoladamente, seriam também considerados como insuficientes. No entanto, face aos elementos já apresentados, revelam-se indispensáveis para validar a operação, tal como foi expressamente solicitado na 2ª notificação. [Comprovativos exógenos às partes envolvidas].
Assim, por todo o exposto, não se encontra inequivocamente comprovado que o valor recebido, no total de €525.000, consubstancia o efectivo reembolso de um mútuo.
O recebimento das quantias em causa entregues por terceiro (como é o caso – cheques pertencentes à S... transferidos para N...), poderão ter subjacente qualquer outra forma/fonte de rendimento dos vários tipificados na lei.
Não se comprovando de forma directa e inequívoca a sua origem, como até agora ficou claro, somos remetidos para a avaliação indirecta, conforme preceituado na LGT nos seus artigos 87º-Realização de Avaliação Indirecta e 89.ºA-Manifestações de Fortuna, uma vez cumpridos os pressupostos aí exigíveis conforme se comprovará mais à frente.
(…)
Desta forma, para obstar ao procedimento de avaliação indirecta da matéria tributável nos termos da al. f) do nº 1 do art. 87º da LGT, ficam os sujeitos passivos notificados para, no prazo de 10 dias a contar da assinatura do aviso de recepção:
Fazer prova de que os rendimentos declarados correspondem à realidade e de que é outra a fonte da manifestação de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada (nº 3 do art. 89.ºA da LGT), mediante apresentação dos fluxos financeiros, documentados, que comprovem, inequivocamente, o alegado mútuo efectuado a A... no ano 2000, designadamente cópia de extratos bancários e outros, que evidenciem a origem e a mobilização/destino desses meios monetários
A não apresentação das provas referidas, constitui fundamento para a realização da avaliação indirecta da matéria tributável, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária.
Autorizar a Administração Fiscal a aceder junto do Banco de Portugal a todas as suas contas bancárias, bem como a aceder às mesmas junto das respectivas entidades bancárias, relativamente ao exercício de 2010. A autorização deverá ser remetida a esta Direcção de Finanças no prazo de 10 dias a contar do aviso de receção, podendo para o efeito ser utilizado o impresso que se junta em anexo à presente notificação.
A falta de apresentação ou envio da declaração de autorização, permitirá à Administração Fiscal accionar os mecanismos previstos no n.º 1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, com a redacção atrás referida. (…) – Cfr. fls. 30-36 do processo administrativo junto.
8. Em 07/08/2013, o recorrente remeteu à Direcção de Finanças do Porto, requerimento, com o seguinte teor:
«(…)
02 – vem o impetrante, por meio do presente documento, reiterar a prova (já efectuada perante a A.T.) de que os rendimentos declarados correspondem à verdade e que são justificadas as fontes da invocada “manifestação de fortuna”.
Ora vejamos:
03 – O impetrante, para o período de 2010, declarou e recebeu rendimentos no valor de €14.222,92, conforme a A.F. reconhece.
04 – Contemporaneamente, recebeu como reembolso de um mútuo realizado no ano de 2000 a A..., o valor de €525.000,00.
05 – Tal reembolso foi realizado por endosso de dois cheques bancários emitidos à beneficiária “S...”, representada pelo mutuário A... e, subsequentemente por este endossados ao aqui respondente.
06 – Concretizando, em 2000, o exponente celebrou com A... um contrato de mútuo, já disponibilizado à A.T.
07 – A restituição da quantia mutuada só foi concretizada em Janeiro de 2010, com endosso dos cheques identificados pela A.T.
08 – Pelo facto do reembolso corresponder ao valor do mútuo, foi emitida declaração de quitação da quantia mutuada, também como contrato já disponibilizado à AT.
09 – O valor mutuado justifica-se, entre outras, em operações de venda de ações em transacções fora de bolsa concretizadas pelo exponente no ano de 2000 de que resultaram mais-valias no montante de €455.000 devidamente declaradas, para além de rendimentos de trabalho no montante de €107.267,82, e de outros rendimentos de declaração não obrigatória, entre os quais os provenientes de aplicações financeiras resultantes de actividade no estrangeiro, nomeadamente do exercício de funções Governativas no Território de Macau, como é público e do conhecimento da AT.
10 – A fim de tentar identificar os fluxos a crédito e a débito, referentes às operações que vêm de se identificar, o sujeito passivo solicitou, atempadamente, a emissão de extractos bancários do ano de 2000,
11 – tendo obtido das instituições bancárias resposta negativa, pelo facto de não disponibilizarem elementos com antiguidade superior a 10 anos.
12 – Por esta única razão, na presente data, o contribuinte encontra-se objectivamente impossibilitado de fazer a demonstração dos fluxos de conta, para “financeiramente” sustentar o contrato de mútuo concluído no ano de 2000, com A..., pois que formal e substancialmente, em face dos elementos já disponibilizados à A.T. a operação não carece de qualquer demonstrabilidade adicional.
13 – Assim, realizada a prova de que os rendimentos declarados no período de tributação de 2010 refletem a verdadeira situação tributaria do contribuinte, em sede de IRS,
14 – resulta demonstrada a capacidade patrimonial e financeira do exponente que possibilitou a realização do mutuo a A..., no ano de 2000, com reembolso no ano de 2010, no valor de €525.000,00, ou seja, a dita “manifestação de fortuna” é fundada nos elementos objectivos já anteriormente explicados e até comprovados.
ASSIM,
15 – evidenciando que os rendimentos declarados pelo impetrante, no exercício de 2010, reflectem a sua verdadeira situação tributária e que é justificada a fonte da manifestação de fortuna, deve proceder-se ao arquivamento do procedimento gracioso, tendente à fixação do rendimento tributável nos termos da alínea f) do n.º 1 do art. 87º da LGT.
COLATERALMENTE,
16 – e satisfazendo a solicitação da A.T. anexa declaração de autorização do levantamento do sigilo bancário junto das entidades devidamente identificadas, para obtenção de informação relativas aos movimentos bancários realizados entre 1 de Janeiro de 2010 e 31 de Dezembro de 2010.
(…)» – Cfr. fls. 37-40 do processo administrativo junto.
9. Juntamente com o requerimento referido em 8), o recorrente remeteu «declaração de autorização de levantamento de sigilo bancário», referente a 2010 – Cfr. fls. 39 do processo administrativo junto.
10. Em 18/12/2003, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto elaboraram o Projecto de correcções, do qual foram os recorrentes notificados, através do ofício n.º 82667/05.10, de 23/12/2013, remetido sob registo postal de 27/12/2013, para querendo exercerem o direito de audição – Cfr. fls. 48-50 do processo administrativo junto.
11. Em 17/12/2013, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto elaboraram “relatório/conclusões” da inspecção tributária, de onde, além do mais, consta o seguinte:
«(…)
I.3. Descrição Sucinta das Conclusões da Ação de Inspeção
Como resultado da ação inspetiva efectuada a N..., NIF. 1…e cônjuge, B…, NIF. 1…, de agora em diante designados apenas por N… e B…, com incidência no ano de 2010, foram detectadas faltas que se traduziram em correções em matéria tributável (Rendimento Tributável), conforme se descreve nos e IV e V (métodos indiretos), deste relatório.

I.3. OBJECTIVOS, MBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA

II.1. Credencial e Período em que decorreu a acção
Ordem de Serviço: 01201302681 para o exercício de 2010 / Procedimento Interno.
II.2. Motivo, âmbito e Incidência Temporal
Motivo: Analise da declaração anual de rendimentos Mod. 3 de IRS (DM3), referente a 2010 -
Manifestações de Fortuna.
âmbito: Parcial IRS
Incidência Temporal: Exercício de 2010
II.3. Outras Situações
II.3.1 ELEMENTOS CADASTRAIS
Tal como consta, atualmente, das bases de dados da AT (Administração Tributária), para o ano de 2010, B...não declara exercer qualquer atividade profissional ou empresarial, em termos individuais. Também não apresenta rendimentos de trabalho dependente. N...encontrava-se colectado como Consultor, não apresentando, no entanto, qualquer rendimento derivado dessa atividade [no decurso de 2010]. Declarou cessação de atividade com data de 2011.04.08.
O único rendimento declarado pelo agregado familiar ascende a €14.222,92, e corresponde a pensões (Categoria H), recebidas por N...(da Caixa Geral de Aposentações).
Os rendimentos declarados revelam-se insuficientes para fazer face aos gastos anuais do agregado familiar, tendo em conta as despesas declaradas no anexo H - Benefícios Fiscais e Deduções.
Refira-se, que o agregado não possui qualquer bem imóvel na sua posse. A residência de família (casal e dois filhos), sita na Rua…., Leça da Palmeira, encontra-se em nome da sociedade G…, SA (NIPC. 5…), sociedade onde N...é administrador único desde Maio de 2010.
Trata-se de um bem imóvel de tipologia T6 com 287m2 e pela qual foram pagas rendas (em 2009) no valor de €12.000 [informação anexo H - Deduções à coleta]. Não há evidência declarativa do mesmo pagamento no ano 2010.
Declaram, contudo, no Anexo H, despesas com seguros de vida e saúde que ascendem a €4.222,53; despesas de saúde de cerca de €1.500,00, e de educação no total de €1 0.155,72 (o casal possui 2 filhos no seu agregado).

Seguem-se as relações Inter-Sujeito Passivo de N...:
Quadro 1



NIPC
Denominação Social
Domicilio/ Sede
Relação
INÍCIO
FIM
Rendimento Anual
503 082 562
R…
Maia
ADMINISTRADOR
1995
2011
0,00
507 947 878
G… SA
Matosinhos
ADMINISTRADOR
2010
Cont.
0,00
508 039 614
S… SGPS SA
Matosinhos
PRESIDENTE
2010
Cont.
0,00

Em destaque:
Consultada a liquidação de IRS referente ao ano 2010, verifica-se que o agregado declarou um rendimento líquido de €8.222,92 (ver Quadro 2 – Rendimento líquido de 2010), valor este insuficiente para acolher o recebimento de €525.000 titulados por dois cheques, como se fundamentará.

II.3.2. ENQUADRAMENTO E CUMPRIMENTO TRIBUTÁRIO
Da consulta ao sistema informático, verifica-se que os sujeitos passivos - de IRS - não apresentam faltas declarativas (entrega da Declaração modelo 3) e de pagamento.

II.3.3. ELEMENTOS DECLARATIVOS
Procedeu-se à análise dos rendimentos declarados pelo agregado na declaração de IRS entregue para o ano 2010, assim como Benefícios Fiscais e Deduções apresentados no Anexo H, mediante cruzamento dos mesmos dados com as declarações entregues por entidades que pagam ou colocam rendimentos à disposição, nomeadamente:
- Declaração Modelo 10 - Rendimentos e Retenções [alínea c) nº1 do art. 119º CIRS];
- Declaração Modelo 39 - Rendimentos e Retenções a Taxas Liberatórias [n° 12 do art. 119º CIRS].
- Declaração Modelo 37 - Juros e Amortizações de Habitação Permanente. Prémios de Seguros de Saúde, Vida e Acidentes Pessoais. PPR, Fundos de Pensões e Regimes Complementares [art.16°, 17° e 21 ° EBF].
- Declaração Modelo 13 - Valores mobiliários, warrants autónomos e instrumentos financeiros derivados [artº 124° CIRS].
Em resultado deste cruzamento, não foram verificadas divergências nos Anexo A - Rendimentos de Trabalho Dependente e Pensões e Anexo H - Benefícios Fiscais e Deduções.

II.3.4. DETERMINAÇÃO DO RENDIMENTO TRIBUTÁVEL
A determinação ou avaliação da matéria coletável pode ser obtida por duas vias distintas: determinação realizada pelos próprios contribuintes e determinação realizada pela administração tributária. Nesta ultima, é ainda possível separar como dois grandes métodos, a avaliação direta e a avaliação indireta (LGT, art. 54° nº1 aI. g) e CPPT, art. 44° nº1 al.f)9).
(…)
Pela análise a todos os elementos declarados pelos sujeitos passivos assim como por elementos obtidos por cruzamento de informação com terceiros, verificou-se existirem motivos para aplicação do procedimento de avaliação indireta (ponto IV e V) da matéria tributável, de acordo com os preceitos legais já mencionados.
(…)
IV. MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

IV.1 Ano 2010
IV.1.1. RENDIMENTOS DECLARADOS EM 2010
Os sujeitos passivos N...e B..., apresentaram em conjunto (como aliás já referido atrás), na qualidade de cônjuges, a declaração de rendimentos prevista no artigo 57° do Código do IRS relativa ao exercício de 2010 (DM3), na qual, de acordo com consulta à respetiva liquidação de imposto, foi apurado um rendimentos global líquido de €8.222,92.

Quadro 2 - Rendimento Liquido de 2010
Descrição
2010
RENDIMENTO GLOBAL
14.222,92
Deduções Específicas
6.000,00
RENDIMENTO LÍQUIDO DECLARADO
8.222,92

IV.1.2. MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA EVIDENCIADAS NO ANO DE 2010
o art. 87º nº1 da Lei Geral Tributária (LGT), vem determinar os casos susceptíveis de conduzirem a avaliação indirecta da matéria tributável, só podendo tal efetuar-se no caso de:
nº1 - A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de:
(…)
f) Acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados. [Redacção dada pela Lei n. ° 94/2009, de 1 de Setembro]
(…)
o art. 87° da LGT ao referir que a avaliação indireta "só pode efetuar-se", traduz o carácter taxativo da norma. Verificadas as condições, a Administração Tributária não tem decisão autónoma sobre o início do procedimento de avaliação indireta.

IV.1.2.1. Acréscimo de Património / LGT, art. 87° n.º1, al.f) e nº2
Através do cruzamento de informações, obtidas em diligências inspetivas que decorreram sobre terceiros, nomeadamente na empresa S... - Sociedade Imobiliária e de Construção, Lda (de agora em diante designada apenas por S...), e na empresa A... - Empreendimentos e Investimentos, SA. (de agora em diante, A...), verificou-se a existência de dois "contratos de cessão de bens e direitos" ocorridos no decurso de 2009, nos quais a primeira adquire determinados direitos [“... todos os direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis”], que cedeu à segunda (sociedade A...4).

O valor dessa da cedência foi recebido pela S... através de 12 cheques emitidos pela A... (cheques bancários), à ordem da S..., com data de 2010-01-08, e todos eles foram endossados por esta a terceiros (endosso efetuado com assinatura de A..., NIF 146.561.643, sócio gerente da S...).

O contribuinte N...recebeu 2 desses cheques no valor total de €525.000, conforme abaixo se identifica:
[4N..., detentor de 50% das ações representativas do capital social da A..., alienou 42,5% das mesmas em 28 de Dezembro de 2009 por €900.000, não tendo, até à data, recebido tal quantia (de acordo com "Contrato de Compra e Venda de Acções Sujeito a Condição" e demais informações prestadas pelo próprio contribuinte (01201202003 para 2009)].

Quadro 3 – Dados dos cheques
Data Valor
Data Movimento
Banco CGD
Cheque n.º
Valor €
2010-01-08
2010-01-13
9792761221
225.000,00
2010-01-08
2010-01-13
7092761224
300.000,00
Total
525.000,00

(…)
IV.1.3. PRESSUPOSTOS DA AVALIAÇÃO INDIRECTA DA MATÉRIA COLECTÁVEL
IV.1.3.1. Acréscimo de Património e Divergência com o Rendimento Declarado
Na sequência dos factos descritos, procedeu-se ao cálculo da divergência entre os rendimentos líquidos declarados e o acréscimo de património ou despesa efectuada, a qual se demonstra e quantifica no quadro seguinte:

Quadro 6 – Apuramento de divergência/2010
Declarado na DM3
Valores €
RENDIMENTO GLOBAL
14.222,92
Deduções Específicas
6.000,00
RENDIMENTO LÍQUIDO DAS DIVERSAS CATEGORIAS IRS [1]
8.222,92
Acréscimo de património e despesa efectuada
Valores €
Recebimento de quantia em dinheiro
525.000,00
DESPESA E ACRESCIMO PATRIMONIO [2]525.000,00

ACRÉSCIMOS PATRIMONIAIS NÃO JUSTIFICADOS (CAT. G DO IRS[3]=[2]-[1]516.777,08

Conforme quadro anterior, foi computado um "acréscimo de património ou despesa efetuada" de valor superior a €100.000,00 e, em simultâneo, a existência de uma divergência com os rendimentos declarados, a qual, não sendo justificada nos termos do nº 3 do art. 89°-A da LGT, constitui fundamento para a realização da avaliação indireta da matéria tributável nos termos da alínea f) do nº1 do art. 87° da LGT:

"A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de: acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a €1 00. 000,00, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justifica da com os rendimentos declarados." (redação dada pela Lei nº 94/2009, de 1 de Setembro, em vigor em 2010).5 (…)

Encontram-se assim reunidas as condições legais para se proceder à fixação do rendimento tributável respetivo que, conforme determina o n° 5 do art. 89°-A6, será considerado como rendimento da categoria "G" (Incrementos Patrimoniais7), (…) no ano em causa, e será calculado pela diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efetuada e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo, no mesmo período de tributação, conforme se demonstra:

Quadro 7 – Apuramento do Rendimento Tributável
Manifestações de Fortuna
Rendimento Líquido Declarado
Correcção Devida
(1)
(2)
(3) = (2)-(1)
Acréscimo de património e/ou despesa efectuada – 525.000,00
8.222,92
516.777,08

IV.1.4. ÓNUS DA PROVA – ELEMENTOS APRESENTADOS PELO SUJEITO PASSIVO
Foi pois verificada a ocorrência, no exercício 2010, de uma previsão legal para avaliação indireta da matéria tributável:
- A prevista no art. 87° aI. f) da LGT, uma vez verifica da a existência de acréscimo de património e despesa efetuada de valor superior a €100.000,00, e em simultâneo, a existência de uma divergência com os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação;

Define o n.º 3 também do art. 89.º-A que "cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados", nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito.

À Administração tributária cabe a prova dos factos que fazem deflagrar o procedimento de avaliação indireta que, como já referido, estão tipificados no art. 87° da LGT, verificando-se neste caso os pressupostos da alínea f).
Aos contribuintes cabe toda a prova destinada a elidir a presunção que a lei atribui a esses indícios.

Neste sentido, o agregado familiar foi notificado nos termos do n.º 3 do art. 89.º-A da LGT, para apresentar os elementos probatórios da origem do acréscimo do património atrás referido, ou seja, para demonstrar a que titulo/qual a operação conexa com o recebimento de tais valores, comprovando que os mesmos não estariam sujeitos a tributação em sede de IRS justificando-se a sua não inclusão na declaração de rendimentos DM3 referente a 2010.

IV.1.4.1. Diligências Inspetivas
Foram os contribuintes notificados para, no prazo de 10 dias:
" 1. Justificar, com a apresentacão de documentos comprovativos, inequívocos, a que título/qual a operação que esteve na base do recebimento da referida quantia de €525.000
2. Apresentar fotocópia do extrato da conta bancária onde foi efetuado o depósito.

Em resposta, através de carta recebida em 2013.06.058 (…), vieram, na pessoa de N..., referir, resumidamente, o seguinte:
" ... a operação assinalada teve por objetivo o reembolso de uma dívida do Sr. Eng. A... ... , divida essa que existia desde o ano de 2000 (no valor de ESC.105.000.000$00), por conta e conforme contrato de aquisição de 8 frações em prédio, no concelho de Vila Nova de Gaia, de que a S... era o promotor."
No sentido de apresentar comprovação da operação, anexou:
1. Cópia de Contrato alegadamente efetuado em 28 de Janeiro de 2000 com A...;
2. Cópia de Confissão de Divida/Compromisso de Pagamento datada de 29 de Novembro de 2000 em nome do pretenso devedor;
3. Cópia de Declaração datada de 8 de Janeiro de 2010 (mesma data dos cheques) assinada pelo sujeito passivo, dando quitação do recebimento dos €525.000,00;
4. Cópia de Declaração de A..., com data de 31 de Maio de 2013 (data da resposta), atestando o fim a que se destinou a entrega dos €525.000,00 em Janeiro de 2010: “… referente ao reembolso de 105.000.000$00 (cento e cinco milhões de escudos), respeitantes a empréstimos que lhe haviam sido concedidos no ano 2000. [em anexo, reconhecimento notarial da assinatura de A...].
5. Para além destes, remeteu cópia do extrato bancário de conta pessoal detida sobre a Caixa Geral de
Depósitos, na qual se verifica o depósito do total de €525.000,00.
Analisada a resposta e os elementos remetidos pelo sujeito passivo, concluiu-se que os dados apresentados não eram suficientes para comprovar, de forma inequívoca, o mútuo alegadamente efetuado no decurso do ano 2000, para atestar o alegado reembolso em 2010. Veja-se que os documentos apresentados são documentos particulares cuja validação carece de prova adicional - Comprovativos exógenos às partes envolvidas.

Assim, com o objetivo de validar e contextualizar as afirmações e os contratos apresentados pelo contribuinte (prova factual), solicitaram-se os comprovativos dos movimentos bancários referentes ao mútuo efetuado em 2000, conforme se segue:

Notificação – Nosso ofício nº 40847/0510
Resumidamente, solicitou-se

“1. Apresentação dos fluxos financeiros, documentados, que comprovem, inequivocamente, o alegado mutuo efetuado a A... no ano 2000, designadamente, cópia de extratos bancários e outros, que evidenciem a origem e a mobilizaçãoldestino desses meios monetários.

Por resposta recepcionada em 2013-07-089 (…), vieram os contribuintes alegar, de igual modo na pessoa de N..., que:
“…fica provado que o signatário gerou e declarou perante as Autoridades Tributárias rendimentos superiores e bastantes para materializar a operação agora em equação."
Porquanto:
“… o signatário viveu e trabalhou no estrangeiro ... auferindo salário vultuoso com níveis quase totais de
poupança .... aquando do seu regresso a Portugal manteve recursos em Praça financeira da região da Ásia Pacifico, naturalmente aplicando-os, do que resultaram relevantíssimas mais valias carreadas para oportunidades de negócio em anos subsequentes .... No caso concreto de 2000 apresentou declaração de IRS com rendimentos de trabalho no valor de €107.267,62, a que acresce .... Rendimento de mais valias no montante de €455.000,00 ..."

IV.1.4.2. Análise das respostas
1. Refira-se, desde logo, que a alegada acumulação de capitais (poupanças) assim como a declaração de rendimentos obtidos não basta apara afastar o procedimento de avaliação indireta face aos indícios tipificados no art. 87° da LGT. Tal não seria suficiente para validar o suposto mútuo efetuado no ano
2000 nem o seu suposto reembolso em 2010. Aliás, pela leitura da 2ª notificação, resulta claro que se solicita [ver novamente alínea 1)] a " ... apresentação dos fluxos financeiros ... ".
Se assim não fosse e nos reduzíssemos a uma interpretação simplista dos requisitos de prova exigidos pelo art. 89°-A nº3 da LGT, o próprio mecanismo de avaliação indireta seria posto em causa, bastando aos contribuintes alegar que (em determinado tempo) haviam obtido determinados incrementos patrimoniais cuja soma supera o valor da manifestação de fortuna verificada (em determinado ano).
2. Para além do mais, alegando rendimentos constantes da declaração de rendimentos do ano 2000, não vieram apresentar provas do efetivo recebimento desses mesmos rendimentos e da sua mobilização no alegado mútuo a A....
Ora, nem sempre a declaração de rendimentos coincide com a obtenção de meios financeiros/de recebimentos. A exemplo, o próprio agregado declarou, na DM3 de 2009, a alienação de participação social na sociedade A... - Empreend. e Investimentos, SA., por €900.000,00 (adquirida pouco mais
de um ano antes por €2.125), sem que a mesma tivesse gerado qualquer liquidez, porquanto o contrato
possui características que condicionaram o facto tributário gerador do imposto para o ano 2009 e projetaram o recebimento para momentos futuros, perante o cumprimento de determinadas
condições10 (…).

No que respeita aos rendimentos de trabalho, o sujeito passivo refere ter auferido €107.267,62. No entanto, pela consulta à declaração entregue em Maio de 2001, em mão, no SF Matosinhos 1 (referente ao ano 2000), encontram-se declarados rendimentos brutos de trabalho dependente no valor de 4.040,26 e rendimentos brutos de pensões no valor de €12.428,92, contrariando o valor indicado pelo sujeito passivo.

3. Conforme se pode concluir pelas respostas às notificações, não é apresentado qualquer comprovativo capaz de validar, incontestavelmente, o alegado mutuo a A.... Sobre esta operação, existem apenas meras alegações, e documentos particulares que se revelaram exíguos.

4. Assim, não se encontrando inequivocamente comprovado que o valor recebido, no total de €525.000, consubstancia o efetivo reembolso de um mútuo, fomos remetidos para a avaliação indireta, conforme preceituado na LGT nos seus artigos 87° - Realização de Avaliação Indireta e 89°A­Manifestações de Fortuna, uma vez cumpridos os pressupostos aí exigíveis.

Note-se que o recebimento das quantias em causa entregues por terceiro (como é o caso - cheques pertencentes à S... transferidos para N...), poderão ter subjacente qualquer outra forma/fonte de rendimento, dos vários tipificados na lei.
IV.1.5. NOTIFICAÇÃO EFETUADA NOS TERMOS DO ART. 87° DA LGT - REALIZAÇÃO DE AVALIAÇÃO INDIRETA
Uma vez evidenciado um acréscimo de património, conforme já atrás demonstrado, e não se comprovando, inequivocamente, a sua origem, nos termos e para os efeitos do art. 87° da LGT - Realização de Avaliação Indireta, notificou-se11 (…) os sujeitos passivos para:

" 1. Fazer prova de que os rendimentos declarados correspondem à realidade e de que é outra a fonte da manifestação de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada (nº3 do art. 89°-A da LGT), mediante apresentação dos fluxos financeiros, documentados, que comprovem, inequivocamente, o alegado mútuo efetuado a A... no ano 2000, designadamente, cópia de extra tos bancários e outros, que evidenciem a oriqem e a mobilizacão/destino desses meios monetários

A não apresentação das provas referidas, constitui fundamento para a realização da avaliação indirecta da matéria tributável, nos termos da alínea a) do n. o 5 do artigo 89°-A da Lei Geral Tributária.

2. Autorizar a Administração Fiscal a aceder junto do Banco do Portugal a todas as suas contas bancárias, bem como a aceder às mesmas junto das respectivas entidades bancárias, relativamente ao exercício de 2010. A autorização deverá ser remetida a esta Direção de Finanças no prazo de 10 dias a contar do aviso de receção, podendo para o efeito ser utilizado o impresso que se junta em anexo à presente notificação.

Em resposta 12(…), vieram os sujeitos passivos, na pessoa de N..., reiterar tudo o que anteriormente haviam referido.

Reforçam, mais uma vez: ... a obtenção de mais valias no montante de €455.000 para além de rendimento de trabalho no montante de €107.267, 82, no ano 2000 ...

Acrescentam ainda: ... assim como outros rendimentos de declaração não obrigatória, entre os quais os
provenientes de aplicações financeiras resultantes de proveitos de atividade no estrangeiro, nomeadamente do exercício de funções governativas no território de Macau, como é publico e do conhecimento da AT.

Mais uma vez, a defesa não foi acompanhada de qualquer meio de prova.
• Não foi comprovado o recebimento dos €455.000. Para além deste facto, de acordo com os dados inscritos na DM3 de 2000, a transação terá ocorrido em 2000.12.09 e, de acordo com o contrato de mutuo apresentado, o mutuo terá ocorrido em 2000.01.28 (quase 1 ano antes).
• Não foi comprovado o recebimento de €107.267,82 a título de trabalho dependente, face aos valores inscritos na DM3 apresentada;
Não foi comprovado o recebimento de outros rendimentos de declaração não obrigatória;
Ainda assim, e ainda que tivesse sido comprovado o recebimento efetivo de tais quantias, não seria condição suficiente para comprovar o mútuo a A...: não se verifica, aqui, uma relação causal (causa I efeito) entre os montantes alegadamente recebidos e o mútuo alegadamente efetuado.

Com referência aos fluxos financeiros a crédito e a débito, referentes às operações enumeradas, referem ter solicitado, atempadamente, a emissão de extratos bancários para o ano 2000, tendo obtido das instituições bancárias, resposta negativa, pelo facto de não disponibilizarem elementos com antiguidade superior a 10 anos ... pelo que se encontram impossibilitados de fazer a demonstração dos fluxos de conta ...
Defendem ainda que, impossibilitados de sustentar "financeiramente" o contrato de mutuo concluído no ano de 2000, com A..., este se encontra formal e substancialmente sustentado ... (negrito nosso).

Vejamos:
- Financeiramente, não se encontra comprovado o mútuo a A..., como reconhece o próprio sujeito passivo.
- Formalmente, os documentos apresentados são peças particulares, cujas partes envolvidas, quer em 2000 quer em 2010 são as mesmas (N...e A...), pelo que a própria forma se revela frágil.

Para além destes factos, e sob o ponto de vista legal, uma vez regulados pelo Código Civil, os contratos de mútuo só produzem efeitos legais se celebrados por escritura publica - o que, na situação defendida pelos contribuintes, não aconteceu. Tal situação vem também revelar-se inverosímil face aos montantes envolvidos (€525.000).
CÓDIGO CIVIL
ARTIGO 1142.º
(Noção)
Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.
ARTIGO 1143.º
(Forma)
O contrato de mútuo de valor superior a 20 000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública e o de valor superior a 2000 euros se o for por documento assinado pelo mutuário. (redação dada pelo Decreto-Lei n. o 343/98, de 6 de Novembro, em vigor no ano 2000).

- Em substância, quer o avultado valor em causa, quer o contexto em que a alegada transação do mesmo se insere, não acolhem incontestavelmente, a justificação apresentada. Senão, vejamos:

Referem os sujeitos passivos que:
No ano 2000, emprestaram a A... a quantia de €525.000 (valor aproximado uma vez que o contrato apresentado menciona 105.000.000$00 = €523.737,79), para que este último reforçasse, ao nível de suprimentos, a estrutura da sua sociedade S... - Sociedade Imobiliária e de Construções, Lda. NIPC.5…, dispondo-se para isso a vender a preço especial 8 frações do empreendimento Jardins do Poente, sito à Rua…, Freguesia de Vilar do Paraíso, concelho de Vila Nova de Gaia, com o alvará de construção 453/97, e se encontra em processo de construção, e promovido precisamente pela sociedade aqui referida (clausula 1a e 2a do contrato).
A cláusula 4a dá quitação da entrega do dinheiro.
O contrato tem data de 28 de Janeiro de 2000.

Através dos dados disponíveis na base de dados da AT, consultou-se as declarações fiscais da S... com o objetivo de circularizar a operação descrita pelos contribuintes. Verificou-se que a sociedade é não declarante desde o ano 2000, inclusive, tendo sido efetuada a sua cessação oficiosa à data de 1999.12.31 por falta de entrega sucessiva de declarações de rendimento DM22.
Também nunca procedeu à entrega da IES (Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal).

Pelo exposto, também não foi possível validar a operação de mútuo a A..., alegadamente ocorrida em 2000, para reforço financeiro da sociedade S....

Finalmente, no que se refere ao reembolso efetuado no ano 2010, descreve-se de seguida o contexto em que o mesmo se insere, segundo informações obtidas por circularização junto de terceiros envolvidos, e apuradas no âmbito de procedimentos inspetivos [inclusive aos próprios sujeitos passivos (ano 2009)]:

1. No âmbito do Despacho 01201301729 para 2009 e 2010 em nome de A...
Agostinho Manuel de Oliveira Caetano13 (…), construtor imobiliário desde 1994 [como adquirente de ações da A... que lhe foram alienadas por N...e B…], veio prestar esclarecimentos transcritos em Auto de Declarações datado de 2013.04.18, no que diz respeito à Aquisição das ações da A... - Empreendimentos e Investimentos, SA e à Aquisição dos Terrenos do Rio, através da A...:
O negócio de aquisição dos terrenos do rio (3 imóveis: art. 3821, 3825, 4362 na freguesia de Lordelo do Ouro, Porto - localizados na margem do Rio Douro, junto à Ponte D'Arrábida) foi-lhe proposto por N...e B... (que surgiram como intermediários no negócio), pelo valor total de €10.300.000,00. Os imóveis eram detidos pela Q...(2 dos imóveis tinham sido por esta adquiridos à I..., por sua vez adquiridos a Maria L... e marido).
Os terrenos seriam comprados pela sociedade A..., detida a 100% por N...e B… (50% cada), sendo que A… compraria em primeiro lugar 85% da sociedade (42,5% a cada) por €1.800.000, 00 (€900.000,00 a cada), e de seguida a sociedade compraria, já com o seu aval, os 3 imóveis à Q...por €10.300.000,00.
No que se refere à aquisição dos 85% das ações da A... [contratos datados de 2009.12.28], A… refere que, nesta data, ainda nada foi pago. As cláusulas do contrato determinam prazos de pagamento que ainda não ocorreram.

Associado à aquisição dos 3 imóveis por €10.300.000,00 à Q…, N...e B… apresentaram em simultâneo a aprovação da CGD (Caixa Geral de Depósitos), de financiamento à aquisição, assim como documento a manifestar a intenção de financiamento à construção, ou seja, os tramites para a aquisição e para o financiamento já estavam tratados.
A... apenas avaliou a viabilidade do negócio que lhe apresentaram, N...e B.... Considerou um negócio viável e decidiu avançar.

Como já referido, adquiriu os 85% da A... em 2009.12.28 e em 2010.01.08 foi efetuada a escritura de aquisição dos terrenos e o financiamento da CGD, passando a A... a deter um ATlVO de €10.300.000,00 e um PASSIVO do mesmo valor.

Dias antes da escritura foi informado por N...e B... que, o total a pagar pelos terrenos, seria dividido em 2 valores: €7.375.000 seriam entregues à Q...para aquisição da propriedade dos terrenos e os restantes €2.925.000 seriam entregues a uma sociedade de nome S... que detinha "certos direitos e créditos" sobre os mesmos bens imóveis, sendo que tal quantia seria para pagar a esses credores, que se referiam a Maria L... e Maria Rosa Pena14 e aos seus advogados). O conhecimento destes novos dados, dias antes da formalização do negócio, não o fez desistir do mesmo uma vez que tinha acordado pagar €10.300.000, mantendo-se, pela totalidade, este valor. No dia da escritura dos terrenos (2010.01.08), ficou a conhecer A... (NIF- 146.561.643), como representante da S..., e que se apresentara para receber os €2.925.000. Segundo refere, este valor seria para pagar os tais "outros direitos" sobre os bens imóveis.

[14] Iniciais proprietárias dos terrenos, Maria L... e filha, Maria Rosa Pena, cedem à sociedade S... pelo valor de €1.125.000,0014,todos os direitos que lhes assiste - direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis - nomeadamente a processos em tribunal contra a I... (e outras empresas que a esta sucederam), sem qualquer reserva ou exclusão, desonerando-se do pagamento de despesas e honorários dos advogados que acompanhavam os processos assim como das custas dos tribunais

Aquando da elaboração deste auto de declarações, A... mostrou-se surpreendido com os beneficiários dos 12 cheques que totalizam os €2.925.000. Na datada escritura, a CGD creditou na conta da A... €10.300.000 e emitiu cheques bancários (acima discriminados), assinados pelo próprio banco, que nem lhe terão passado pela mão. Desconhece a que título, N..., B..., P… e A… [(estes últimos filho e ex-conjuge de A... (representante da S...)], receberam as quantias evidenciadas nos cheques pois a informação que lhe foi transmitida, foi que o valor seria na totalidade para credoras, ex­proprietárias dos terrenos, que teriam créditos sobre os mesmos, e para os seus advogados.

A... vem qualificar a S... como um veículo utilizado para comprar os créditos das senhoras, autoras dos processos em tribunal contra a I....

Acrescentou ainda o facto de o contrato de cessão de direitos entre a S... e a A..., ter sido efetuado, como já referido, com data de 2009.07.10, sendo assinado por A... (da parte da S...) e por B... (na altura accionista da A... em 50% e administrador únioo da mesma).

A..., limitou-se a receber o contrato, para que o mesmo justificasse uma parte do valor de aquisição dos imóveis.

2. No âmbito das credenciais 01201204933 (M…) e 01201204932 (M…), ambas para 2009
Ex-proprietárias dos referidos terrenos, Maria L... e filha, Maria Rosa Pena, cederem à sociedade S... pelo valor de €1.125.000,00 todos os direitos que lhes assistiam - direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis - nomeadamente a posição de autoras nos processos em tribunal contra a I... (e outras empresas que a esta sucederam), na sequência de litígios após a alienação dos mesmos. Segundo Maria L..., B... ter-Ihe-á tentado convencer a efetuar tal negócio.

3. No âmbito das credenciais 01201202003 (N...) e 01201202001 (B...), ambas para 2009
Auto de Declarações de 2012.11.13 - sobre a "Aquisição e Alienação das ações representativas da A... - Negociações e Valorização". Referiram, expressamente, o seguinte:

"O único ativo da A... à data da aquisição das ações [tinham-nas adquirido em 2008 pelo valor nominal do capital social, ou seja, €5.000], resultava da sociedade ter, tão só, o benefício do protelamento do pagamento do IMI. Com negociações havidas com terceiros, mormente com a CGD, para a aquisição de imóveis na cidade do Porto, no montante de €10.300.000,00 a sociedade passou a ser valorizada de forma substancialmente diferente, tendo mesmo assim o valor estabelecido para as ações ficado o seu pagamento condicionado ao efetivo financiamento do fomento à construção que ainda não se concretizou (a esta data nada ainda foi recebido). Após a aquisição da A..., foram desenvolvidas diversas negociações com múltiplos proprietários de terrenos no Porto entre as quais se inclui a Q...e as entidades que detinham ónus sobre os terrenos que vieram a ser adquiridos (Banco Santander, a própria CGD e S...)".(negrito nosso)

Como se verifica pelas declarações de ambos os contribuintes, para além de terem procedido à alienação de 85% das ações da A... por €1.800.000, que ainda não receberam (confirmado pelas declarações de A...), desenvolveram um conjunto de negociações com várias entidades com o objetivo de a A... adquirir os bens imóveis, adquirir os restantes direitos inerentes aos mesmos imóveis, conseguir financiamento junto da CGD para a aquisição desses imóveis e para a futura construção (nos mesmos).

Nota: N...e B...15(…) eram sócios da sociedade A... (50% cada), a qual adquiriram em 2008 e alienaram em 2009:

Face ao exposto, N...e B... manifestam-se como parte ativa em todas as negociações.
Quanto aos 12 cheques bancários emitidos pela A... no valor total de €2.925.000, N...recebeu 2 deles totalizando €525.000.

Neste contexto, e em substância, os elementos disponibilizados pelos contribuintes à AT carecem de demonstrabilidade adicional - Necessidade de comprovativos exógenos às partes envolvidas, coincidentes com os argumentos apresentados.

Conclusão
Conforme já referido, uma vez cessada a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes por todos os motivos já invocados, cada um de per si e todos conjuntamente, e invertido o ónus da prova, fará sentido que, aquando da apresentação de defesa por parte dos contribuintes, não bastem meras alegações e documentos particulares, mas seja imperiosa a prova cabal, através de documentos concretos, inequívocos e exógenos à vontade das partes envolvidas.

Assim, os elementos apresentados pelos sujeitos passivos não se revelam suficientes para afastar a
presunção de Manifestação de Fortuna, face ao acréscimo de património verificado.

IV.1.6. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO
O sujeito passivo, juntamente com a última resposta, entregou Declaração de Autorização de Levantamento de Sigilo Bancário, em seu nome e para o ano 2010.
Remeteu ainda fotocópia de extrato da Caixa Geral de Depósitos, referente ao dia 2010.01.11.

IV.1.6.1. Análise dos documentos bancários remetidos pelos Bancos e outras Instituições Financeiras
Da análise efetuada às contas bancárias dos sujeitos passivos, validou-se a entrada dos €525.000 na instituição CGD, conta nº 0158017148330, por depósito efetuado com data valor de 2010.01.11.

IV .1. 7. CONCLUSÃO GERAL DA ANÁLISE
Assim sendo, no que diz respeito ao acréscimo de património evidenciado:

- Verificados os pressupostos exigidos por lei para o recurso à avaliação indirecta da matéria colectável, em conformidade com o disposto no art. 87° aI. f) da LGT e,
- Não tendo os contribuintes apresentado documentos concretos para efetuar a prova exigida pelo n.º3 do art. 89°-A da LGT por forma a elidir a presunção de evasão fiscal,

Encontram-se reunidas as condições legais para se proceder à fixação do rendimento tributável respetivo que, conforme determina o nº 5 do art. 89°-A, será considerado como rendimento da categoria "G" (Incrementos Patrimoniais16),(…) no ano em causa, e será calculado pela diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciado e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo, no mesmo período de tributação, conforme se computará.

V. CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

V.1. Ano 2010
V.1.1. RENDIMENTOS E CONSUMOS
Como fundamentado, encontram-se reunidas as condições legais para se proceder à fixação do rendimento tributável que, conforme determina o nº 5 do art. 89°-A, será considerado como rendimento da categoria "G" (Incrementos Patrimoniais), no ano em causa, e será calculado pela diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciado e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo, no mesmo período de tributação, conforme se demonstra:

Quadro 8 - Apuramento Rendimento Tributado Categoria G / Consumos
APURAMENTO DO RENDIMENTO TRIBUTÁVEL
ART. 87° nº 1 aI. f) da LGT
Valor
Acréscimo de Património (i)
525.000,00
Rendimento líquido declarado (ii)
8.222,92
RENDIMENTO TRIBUTÁVEL – Categoria G (i) – (ii)
516.777,08

Resulta, do quadro acima, um rendimento a enquadrar na categoria G (Incrementos Patrimoniais), a imputar ao ano de 2010 de €516.777,08, apurado conforme segue:

V.1.2. TOTAL DO RENDIMENTO TRIBUTÁVEL EM 2010/ DEMONSTRAÇÃO

Correcção a efectuar, em sede de IRS, ao rendimento global tributável de N...e B...:
Quadro 9 - Rendimento Global Tributável 2010
2010
Rendimento Global
Líquido Tributável
Valores declarados I
8.222,92
Correcção [Incremento Patrimonial – LGT, art.
87º nº 1 f)] II
516.777,08
Valores finais III=I+2
525.000,00



Do exposto, resulta uma correção ao Rendimento Tributável de €516.777,08.
(…)
IX – DIREITO DE AUDIÇÃO
Notificamos o sujeito passivo em 2013.12.27 - data inscrita no registo dos CTT, através do nosso ofício n.º 82667/0510, com data de 2013.12.23, nos termos do n.º 3 do art. 38° do CPPT, para exercer o direito de audição relativamente aos elementos propostos no projecto de conclusões, no prazo de 15 dias, nos termos do art. 60.° da LGT e do RCPIT. Nos termos do nº 1 do art. 39° do CPPT, o sujeito passivo presume-se notificado no dia 2013.12.30 - 3° dia posterior ao do registo, ou no 1° dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

Decorrido o prazo concedido para o contribuinte se pronunciar e não tendo este apresentado qualquer resposta,
mantêm-se as correções constantes do referido Projecto Relatório. (…)» – Cfr. fls. 51-61 do processo administrativo junto.
12. Em 27/01/2014, o Sr. Director de Finanças do Porto emitiu nota de decisão de fixação do conjunto dos rendimentos líquidos dos recorrentes, no montante de € 525.000,00, apurado como se segue:



Categoria A€ 14.222,92
Categoria G€ 516.777,08
Totais€ 531.000,00
Rendimento bruto total€ 531.000,00
Deduções específicas€ 6.000,00
Rendimento líquido total€ 525.000,00
– Cfr. fls. 62 frente e verso do processo administrativo junto.
13. Através do ofício n.º 8075/0510, de 05/02/2014, da Divisão de Inspecção Tributária V, da Direcção de Finanças do Porto, remetido sob correio registado com aviso de recepção assinado por terceiro em 11/02/2014, foram os recorrentes notificados «das conclusões do procedimento inspectivo, conforme processo (relatório/conclusões e nota(s) de fixação) em anexo» – Cfr. fls. 68-70 do processo administrativo junto.
14. Em 20/02/2014, foi interposto o presente recurso judicial – Cfr. fls. 1 dos autos.
*
Mais se provou, o seguinte:
15. Através do Decreto Presidencial n.º 13/86, de 24 de Maio, publicado no Diário da República, I série, n.º 119, foi o recorrente nomeado Secretário Adjunto do Governador de Macau – Cfr. o documento 10 junto com a petição inicial, a fls. 76 dos autos.
16. Por escritura pública de «Constituição de Sociedade» outorgada em 07/12/2000, pelo recorrente (Primeiro), A… (Segundo), J…, em representação da sociedade “S…– Empreendimentos Imobiliários, Lda.” (Terceiro), M…, em representação da sociedade “S…– Imobiliária e Construção, S.A.” (Quarto) e N…, em representação da sociedade “E…– Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.” (Quinto), os primeiro e segundo outorgantes e as sociedades representadas pelos terceiro, quarto e quinto celebraram um contrato de sociedade anónima, sob a firma de “D…– SGPS, S.A.”, com o capital social de cinquenta mil euros, representado por cinquenta mil acções do valor nominal de um euro cada uma, tendo declarado que no capital da referida sociedade subscreve o accionista N... quarenta e cinco mil euros, ou seja, quarenta e cinco mil acções e cada um dos restantes accionistas, mil duzentos e cinquenta euros, ou seja, mil duzentas e cinquenta acções – Cfr. o documento junto no decurso da diligência de inquirição de testemunhas, a fls. 353-357 dos autos.
17. o início do ano 2000, o recorrente foi apresentado, por um conhecido comum, de nome M…, a A... que se dedicava à promoção imobiliária – Factos alegados nos artigos 178.º e 179.º, corroborados pelo depoimento prestado pela testemunha M….
18. No início do ano 2000 e tendo a possibilidade de adquirir, com um desconto especial de 30%, oito apartamentos num empreendimento em Gaia, em fase de construção, de que era promotora a sociedade S..., o recorrente pediu a J…, promotor imobiliário, que avaliasse os apartamentos em causa, tendo este indicado ao recorrente que se trataria de um negócio interessante – Facto alegado no artigo 182.º da petição inicial corroborado pelo depoimento prestado pela testemunha L….
19. O empreendimento veio a ser tomado pelo Montepio Geral – Facto alegado nos artigos 184.º e 186.º da petição inicial, corroborado pelo depoimento prestado pela testemunha A....
20. Corre termos contra o Montepio um processo judicial com o n.º 2726/03.8TVPRT, em que a S... e A... peticionam indemnizações – Facto alegado no artigo 188.º da petição inicial, corroborado pelos depoimentos prestados pelas testemunhas F... e A....
21. Por escrito denominado «Contrato de Compra e Venda de Acções», subscrito por R… (1.º Contraente), P… de B... (2.º Contraente) e pelo recorrente, N... (3.º contraente), com data de 01/03/2008, o 1.º contraente declarou vender aos 2.º e 3.º contraentes que declararam comprar, cada um, 50% das acções representativas do capital social da sociedade A... – Empreendimentos e Investimentos, S.A., pelo valor de € 2.500,00, no valor global de € 5.000,00. Mais declararam o 2.º e 3.º contraentes ter entregue, cada um, na referida data, o valor de €1.000,00 de cuja entrega o 1.º contraente deu quitação, devendo os remanescentes € 1.500,00 (x2) ser pagos em 30/07/2008 – Cfr. o documento 11 junto com a petição inicial, a fls. 77-85 dos autos.
22. Por escrito denominado «Contrato», subscrito por D. M… e D. M… (Primeiras Outorgantes), Eng. A..., na qualidade de representante legal da sociedade “S...-SOCIEDADE IMOBILIÁRIA E DE CONSTRUÇÃO, LDA.” (Segunda Outorgante), pelo liquidatário nomeado da sociedade “I... – INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, SA” (Terceira Outorgante), com data de 15/05/2009, e tendo por base os seguintes pressupostos:
«I – A 1ª Outorgante, D. M… e seu falecido marido A…, foram donos e legítimos proprietários do prédio urbano sito na Rua…, freguesia de Lordelo do Ouro, sem número, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 3… (antigo art. 513) e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º 6…, livro nº B-19.
II – Nessa qualidade celebraram em 21.12.1995, com a 3.ª Outorgante, “I... – Investimento Imobiliário, SA", um negócio tendo por objecto o referido prédio conforme documento junto ao presente contrato e rubricado pelas partes.
III – Na sequência e no âmbito de tal contrato a 18 Outorgante, D. M… e seu falecido marido permutaram, por escritura do mesmo dia – 21.12.1995 – lavrada no 5° Cartório Notarial do Porto a fls. 4 a 6 do Livro 136-A, o referido imóvel com a 3.ª Outorgante, "I... - Investimento Imobiliário, SA".
IV – Ainda a 1.ª Outorgante, D. M… e seu falecido marido, por escritura de 12.06.1996, exarada a fls. 61 a 62 do Livro 250B, do 2° Cartório Notarial de V. N. de Gaia, procederam à justificação da sua qualidade de proprietários, de um terreno destinado a construção urbana, sito na freguesia de Lordelo do Ouro com a área de 4.004 m2, inscrito na matriz no art. 3821 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob a ficha nº 410/19960930, prédio este contíguo ao prédio identificado no pressuposto I).
V – A 1.ª Outorgante D. M...e seu falecido marido incluíram também no referido contrato de parceria o prédio aludido no pressuposto IV tendo celebrado em 17.04.1998, com a 3ª Outorgante, eles como vendedores e esta como compradora, escritura de compra e venda, tendo por objecto o referido prédio.
VI – Sucede que, em 21.01.2001, faleceu o marido da 1.ª Outorgante, Sr. A..., tendo-lhe sucedido como suas universais herdeiras, sua mulher, a aqui 1.ª Outorgante D. M...e sua filha, a aqui 1ª Outorgante, D. M....» -
as primeiras outorgantes declararam ceder, definitiva e irrevogavelmente, à 2.ª Outorgante, “S... – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA E DE CONSTRUÇÃO, LDA.” que declarou adquirir-lhes, na sua integralidade, livre de ónus e encargos, sem qualquer reserva ou exclusão, «todos os direitos que se arrogam e/ou sejam titulares respeitantes aos contratos melhor identificados nos pressupostos II, III, IV e V e/ou aos prédios que deles foram objecto», pelo preço de € 1.125.000,00 (um milhão, cento e vinte e cinco mil Euros) que a 2.ª Outorgante pagará às 1.ªs Outorgantes até 15.01.2010, através de cheque visado – Cfr. o documento junto no decurso da diligência de inquirição de testemunhas, a fls. 347-351 dos autos.

23. Por escrito denominado «CONTRATO», subscrito por A..., na qualidade de representante da sociedade “S...-SOCIEDADE IMOBILIÁRIA E DE CONSTRUÇÃO, LDA.” (1.ª outorgante) e por representante não identificado da sociedade “A... – EMPREENDIMENTOS E INVESTIMENTOS, S.A.” (2.ª outorgante), com data de 10/07/2009, a 1.ª outorgante declarou ceder à 2.ª outorgante, que declarou adquirir, «livres de ónus e encargos, sem qualquer reserva ou exclusão, todos os direitos/interesses que adquiriu às Srªs D. M...e D. M...», pelo preço de «€ 2.925.000,00 (dois milhões, novecentos e vinte e cinco mil euros) que a 2.ª Outorgante pagará à 1.ª Outorgante em 31.12.2009, através de um ou mais cheques visados, conforme instruções da 1ª Outorgante» – Cfr. o documento 3 junto com o requerimento de fls. 266 dos autos.
24. Por escrito denominado «CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ACÇÕES SUJEITO A CONDIÇÃO», subscrito pelo recorrente, N... (1.º Contraente) e A...(2.º Contraente), com data de 28/12/2009, o 1.º contraente, enquanto titular de 50% das acções representativas do capital social da sociedade “A... – EMPREENDIMENTOS E INVESTIMENTOS, S.A.” declarou vender ao 2.º contraente, que declarou comprar, 42,5% das referidas acções, pelo valor de € 900.000,00, a ser pago em três prestações dependentes de eventos futuros e de verificação incerta – Cfr. o documento 12 junto com a petição inicial, a fls. 86-101 dos autos.
25. Por escritura pública de «COMPRA E VENDA» outorgada em 08/01/2010, na Nota Privativa da Caixa Geral de Depósitos, S.A., à Rua Trinta e Um de Janeiro, por Administradores e Representantes da sociedade “Q...– PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, S.A.” (Primeiro) e P... de B..., na qualidade de Administrador único da sociedade “A... – EMPREENDIMENTOS E INVESTIMENTOS, S.A.” (Segundo), os primeiros declararam vender e o segundo declarou comprar, pelo preço global de € 7.375.000,00 (sete milhões trezentos e setenta e cinco mil euros), os seguintes prédios urbanos:
a) Pelo preço de € 4.000.000,00, o prédio urbano, composto por terreno, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, freguesia de Lordelo do Ouro, sob o n.º 7…, inscrito na matriz sob o artigo 3…, com o valor patrimonial tributário de € 316.940,00;
b) Pelo preço de € 3.000.000,00, o prédio urbano, composto por terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, freguesia de Lordelo do Ouro, sob o n.º 4…, inscrito na matriz sob o artigo 3…, com o valor patrimonial tributário de € 666.018,36;
c) Pelo preço de € 375.000,00, o prédio urbano, composto por terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, freguesia de Lordelo do Ouro, sob o n.º 2…7, inscrito na matriz sob o artigo 4…, com o valor patrimonial tributário de € 255.400,00.
– Cfr. o documento 2 junto com o requerimento de fls. 266 dos autos.
26. Por instrumento avulso nos termos do §1.º do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 35.982, de 23/11/1946 e alínea a) do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto, intitulado «EMPRÉSTIMO COM HIPOTECA, PENHORES E FIANÇA», outorgado em 08/01/2010, no Cartório do Porto do Notariado Privativo da Caixa Geral de Depósitos, por representantes da Caixa Geral de Depósitos, S.A. (Primeiro), P... de B..., na qualidade de autor de penhor e fiador e de administrador único da sociedade em representação da sociedade A... – EMPREENDIMENTOS E INVESTIMENTOS, S.A. (Segundo) e Agostinho Manuel de Almeida Caetano, detentor de 85% do capital social da sociedade representada do segundo outorgante e mulher A..., (Terceiro), a Caixa Geral de Depósitos, S.A. declarou conceder à sociedade “A... – EMPREENDIMENTOS E INVESTIMENTOS, S.A.”, um empréstimo no montante de dez milhões e trezentos mil euros de que esta declarou confessar-se devedora – Cfr. o documento 1 junto com o requerimento de fls. 266 dos autos.
27. Com o financiamento referido em 26.º, a sociedade “A... – EMPREENDIMENTOS E INVESTIMENTOS, S.A.” pagou o montante de € 2.925.000,00 à sociedade “S... – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA E DE CONSTRUÇÃO, LDA.”, através de 12 cheques, emitidos em 08/01/2010, que esta endossou, na mesma data, a diversas entidades, tendo dois desses cheques – o cheque n.º 9792761221, no valor de € 225.000,00 e o cheque n.º 7092761224, no valor de € 300.000,00 – sido endossados a favor do aqui recorrente – Cfr. o relatório/conclusões corroborado pelos recorrentes nos artigos 216.º a 219.º da petição inicial.
28. Com data de 21/01/2010, a sociedade “A... – EMPREENDIMENTOS E INVESTIMENTOS, S.A.” procedeu aos seguintes registos contabilísticos:
a) débito e crédito na conta 2211100020 com o descritivo “Q...– PROMOÇÃO” do montante de € 7.375.000,00;
b) débito e crédito na conta 2211100021 com o descritivo “S...-SOCIEDADE IMOBILIÁRIA E DE” do montante de € 2.925.000,00;
c) crédito na conta 25111 com o descritivo “CGD-Empréstimo-854978565” do montante de € 10.300.000,00.
– Cfr. os documentos 4,5 e 6 juntos com o requerimento de fls. 266 dos autos.

29. Em 31/05/2013, a colaboradora C…, por expressa delegação da notária A…, reconheceu a assinatura de A..., feita pelo próprio perante si, no documento com o seguinte conteúdo:
«DECLARAÇÃO
A..., residente na Rua…, Porto, declara a pedido de P... de B... e de N..., que entregou a cada um, o valor de 525.000 euros em Janeiro de 2010, referente ao reembolso de 105.000.000$00 (cento e cinco milhões de escudos) respeitantes a empréstimos que lhe haviam sido concedidos no ano 2000.
Mais se declara que o acima referido pagamento, referente a reembolso, ocorreu através do endosso de cheques de que foi primeira beneficiária a sociedade S... limitada da qual o subscritor era credor por suprimentos.
Porto, 31 de Maio de 2013 (…)»– Cfr. o documento 5 junto com a petição inicial, a fls. 48-49 dos autos.
30. Em 08/07/2013, o recorrente solicitou ao Banco BPI os extractos da conta de que é titular junto dessa entidade referentes ao ano de 2000, tendo sido informado de que não era possível facultar os extractos solicitados pelo facto de o banco apenas manter em arquivo os últimos 10 anos desse tipo de documentação – Cfr. o documento 7 junto com a petição inicial, a fls. 67 dos autos.
31. Solicitada em 21/01/2014, ao Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos-1, a certificação dos rendimentos declarados pelo recorrente no ano 2000, da certidão emitida por aquele Serviço de Finanças em 23/01/2014, consta que os documentos fornecidos – impressões do sistema informático de consulta de declarações, efectuadas no ano de 2007, com o conteúdo infra descrito - foram extraídos do processo administrativo n.º 28/2007, organizado para fundamentação do processo de impugnação n.º 1770/05.0BEPRT e que «no sistema de consultas ao conteúdo das declarações do sistema informático da Autoridade Tributária, todos os dados relativos ao ano de 2000 foram expurgados»:

Rendimentos do trabalho dependente (Categoria A)
Rend. bruto€ 4.040,26
Reten. fonte€ 181,56
Seg. Social€ 404,03
Rendimentos de Pensões (Categoria H)
Rend. Bruto€ 12.428,93
Reten. fonte€869,60


Anexo G - Alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários
Realização
Aquisição
Ano Mês Dia
Valor
Ano Mês Dia
Valor
2000 12 09
€ 455.000,00
2000 12 07
€ 10.000,00

– Cfr. o documento 6 junto com a petição inicial, a fls. 50-60 dos autos.

32. Em 21/01/2014, a Direcção de Serviços do IRS emitiu certidão da liquidação de IRS do ano 2000, respeitante aos recorrentes, de onde resulta o seguinte:
      Rendimento global
€ 16.469,19
Deduções específicas€ 10.141,72
Rendimento colectável€ 6.327,47
Rendimento para determinação de taxa€ 6.327,47
Importância apurada (coef. Conj, 2,00 Taxa 14%)€ 442,93
Valor apurado€ 885,86
Imp. Mais-Valias€ 44.500,00
Colecta total€ 45.385,86
Deduções à colecta885,86€
Retenções na fonte€ 43.448,83
Valor a pagar€ 43.448,83

– Cfr. ainda o documento 6 junto com a petição inicial, a fls. 61 dos autos.

33. Em resultado da abordagem informal do recorrente ao Banco Credit Suisse, por não ser cliente desta instituição à data da interposição do presente recurso contencioso, foi-lhe facultado o regulamento interno do banco de onde resulta que os registos se mantêm em arquivo por um período de 10 anos – Cfr. o documento 8 junto com a petição inicial, a fls. 69 dos autos, tradução a fls. 106-115 e pontos 01 e 02 do requerimento de fls. 266 dos autos».

E mais se deixou consignado na sentença:

«III.2 – Factos não provados
1. Que, nos anos de 1986 e 1987 e na década de 90, o recorrente tenha constituído um significativo nível de aforro patrimonial – Facto alegado nos artigos 159.º e 160.º da petição inicial.
2. Que, nesse período, o recorrente tenha realizado investimentos vultuosos, nomeadamente no mercado bolsista da região da Ásia Pacífico e que tais investimentos tenham gerado rendimento que foi aforrado e aplicado e que, por sua vez, gerou rendimentos suplementares ao casal – Facto alegado nos artigos 161.º e 162.º da petição inicial.
3. Que o valor de € 455.000,00, resultante da alienação pelo recorrente, no final de 2000, de acções da sociedade D…, SGPS, S.A., tenha sido recebido ao longo desse ano – Facto alegado nos artigos 164.º e 165.º da petição inicial.
4. Que os recorrentes tenham entregue, a título de empréstimo, o montante total de 105.000.000$00 (€ 523.737,29) ao Eng. A... – Facto alegado no artigo 177.º da petição inicial.
5. Que o endosso ao recorrente, pela sociedade “S...”, dos cheques referidos em 27) corresponda à restituição do montante de 105.000.000$00 de que o Eng. A... se confessou devedor através de documento datado de 29/11/2000 – Facto alegado no artigo 220.º da petição inicial.
*

III.3 – Motivação
O Tribunal formou a sua convicção quanto à matéria de facto controvertida através da ponderação crítica dos documentos juntos aos autos e dos constantes do processo administrativo junto - conforme indicado em cada um dos itens do probatório, os quais se dão por inteiramente reproduzidos, não tendo sido impugnados -, do depoimento das testemunhas inquiridas (à excepção da testemunha comum a ambas as partes, A..., cujo depoimento versou sobretudo sobre a matéria já constante do relatório de conclusões) e, ainda, da consideração das regras de experiência, da lógica e da livre valoração da prova, não tendo as parcas clarificações resultantes das declarações de parte produzidas sido especialmente valoradas, por não terem alterado o resultado das provas anteriormente produzidas.
No que concerne, em particular:
Ao item 17) dos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se no depoimento prestado pela testemunha M... que, muito embora não tenha conhecimento directo desse facto, teve um contacto próximo com quem teria esse conhecimento, uma vez que M..., já falecido, era então seu marido.
Ao item 18) dos factos provados, a convicção do Tribunal assentou no depoimento prestado pela testemunha L... que, neste ponto particular, mostrou ter conhecimento directo do facto em questão.
Aos itens 19) e 20) dos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se nos depoimentos prestados pelas testemunhas A... e F… que, mostraram ter conhecimento directo dos factos em questão, a primeira, por ser o representante legal da sociedade S..., promotora do empreendimento e a segunda, por força do exercício profissional das funções de advogado.
Aos itens 1) e 2) dos factos não provados, não constituem factos mas conclusões a extrair de factos não alegados, as afirmações de que, nos anos de 1986 e 1987 e na década de 90, o recorrente tenha constituído um significativo nível de aforro patrimonial e de que, nesse período, tenha realizado investimentos vultuosos que lhe permitiram subsequentemente gerar poupanças, pelo que a convicção do Tribunal sobre tais conclusões resultou da total ausência de consubstanciação e de prova.
Ao item 3) dos factos não provados, a convicção do Tribunal resultou da inconsistência da única prova produzida a este respeito, concretamente, do depoimento da testemunha F…, a qual, todavia, demonstrou ter conhecimento directo e privilegiado dos factos, por ter acompanhado, na qualidade de advogado do recorrente, todo o processo de constituição da sociedade D… SGPS, S.A. e delineado o respectivo plano de investimentos.
Assim, a testemunha em questão começou por explicar ao Tribunal, em discurso livre e de forma clara e segura, que, através da assinatura de “contratos de compromisso” ao longo do ano 2000, o recorrente, sócio fundador da sociedade em questão, foi adquirindo o direito a vir a receber de cada um dos restantes quatro sócios co-fundadores um “prémio inicial” de entrada de € 113.750,00, totalizando € 455.000,00, afirmando que, em momento anterior à constituição da sociedade, os apports de capital “já estavam assegurados”, o que era condição sine qua non para o arranque do projecto com a constituição da sociedade, mas que esse valor foi apenas recebido no momento da constituição da sociedade, como referiu “no mesmo dia ou no dia seguinte”, através da venda de acções representativas do capital daquela sociedade - o que, aliás, coincide com o declarado pelo recorrente no anexo G à declaração modelo 3 de IRS referente ao ano 2000 (cfr. o item 31) dos factos provados), onde é mencionada uma aquisição de acções, pelo valor de € 10.000,00, em 07/12/2000 (data da constituição da sociedade, cfr. o item 16) dos factos provados) e uma alienação dessas acções, pelo valor de € 455.000,00, em 09/12/2000.
Subsequentemente, a mesma testemunha - depois de insistentemente interpelada pelo Mandatário da parte, que, afirmando estar “baralhado”, pretendia ver confirmado que as entregas de capital teriam ocorrido ao longo do ano - mostrando alguma atrapalhação no discurso, acabou por confirmar, pese embora sem transparecer grande convicção e sem saber precisar quaisquer datas ou quantias, que o pagamento dos prémios de entrada havia ocorrido ao longo do ano, no momento da assinatura dos “documentos de compromisso”.
Nesta conformidade, mostrando-se inconsistente o depoimento prestado e não tendo sido produzida qualquer outra prova, designadamente, apresentados os tais “contratos de compromisso” e/ou o(s) contrato(s) de venda das acções, acompanhada da demonstração dos alegados dos fluxos financeiros, o Tribunal só poderia dar como não provado o facto alegado.
Ao item 4) dos factos não provados, a convicção do Tribunal teve como ratio decidendi a inexistência de prova admissível. Obiter dictum, e pese embora a total ausência de consubstanciação quanto às datas de entrega das quantias, montantes entregues e meio de pagamento, foi ponderada a prova testemunhal produzida e foram ainda consideradas as regras da experiência comum.
Assim, é sabido existirem limitações à regra da livre admissibilidade dos meios de prova (cfr. o artigo 607.º, n.º 2 do actual Código de Processo Civil), designadamente, as provenientes da lei substantiva, nomeadamente, das normas excepcionais que, por razões de ordem pública e de segurança jurídica, prescrevem a observância, para certos actos, de formalidades ad substantiam (e não apenas ad probationem), de entre as quais se destacam, por assumirem relevância para o caso dos autos, as normas que só por escritura pública permitem a celebração de negócios de constituição ou de alienação de direitos sobre imóveis (cfr. os artigos 875.º e 947.º, n.º 1 do Código Civil e 80.º, n.º 1 do Cód. Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei nº 207/95, de 14 de Agosto, na redacção inicial), bem como a norma segundo a qual «O contrato de mútuo de valor superior a 20 000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública e o de valor superior a 2 000 euros se o for por documento assinado pelo mutuário» (cfr. o artigo 1143.º do Código Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 343/98, de 6 de Novembro), normas essas que têm em consideração a circunstância de a função notarial visar precisamente conferir fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais (artigo 1.º, n.º 1 do Código do Notariado).
Como observam, a este respeito, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Limitada, pág. 616-617, «Mesmo quando se trate de formalidades ad substantiam, nada impede entretanto que se prove por testemunhas a realidade material do acto sem observância das formalidades legais, para se obter qualquer dos efeitos provenientes da nulidade do negócio. De nada adiantará, porém, o recurso às testemunhas para prova da celebração (válida) do acto, porque este não se considera validamente realizado e eficazmente provado, sem a documentação exigida.».
É também este o entendimento que se colhe da jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente, dos Acórdãos do STJ de 19/05/2005, Proc. 05B1200, e de 20/09/2007, Proc. 07B1963, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
No último destes arestos escreveu-se o seguinte:
«Se a lei exige determinada forma escrita para a validade de uma declaração negocial, a sua falta não pode ser suprida senão nos termos limitados do disposto no n.º 1 do artigo 364.º do Código Civil: o documento não pode “ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”. Isto significa, como se sabe, que a falta de escritura pública não pode ser sanada através da utilização de um documento particular, e muito menos, por exemplo, por prova testemunhal (cfr. ainda o n.º 1 do artigo 393.º do Código Civil).
Essa impossibilidade de substituição, todavia, apenas releva para não permitir que se façam valer os efeitos do negócio, como se fosse válido; não para, por exemplo, provar a celebração de um negócio nulo por falta de forma – porque não foi reduzido a escritura pública, no caso –, e pretender os efeitos, justamente, da nulidade.
Assim, nada obsta à utilização de documento particular, nem sequer da prova testemunhal ou por presunções judiciais, para a demonstração de que foi celebrado um mútuo nulo por falta de forma e, por essa via, fazer operar os efeitos da respectiva nulidade.».
Na situação em análise, alegam os recorrentes, no artigo 177.º e seguintes da petição inicial, ter realizado um empréstimo ao Eng. A..., no montante total de 105.000.000$00, documentado por escrito particular datado de 28/01/2000 e por declaração de confissão de dívida manuscrita e assinada pelo mutuário, com data de 29/11/2000, onde o mesmo lhe confere força executiva (cfr. os documentos referidos no item 4, alíneas a) e b) dos factos provados). Como prova do alegado empréstimo, juntam aos presentes autos os referidos documentos particulares (anteriormente juntos no procedimento administrativo) e arrolam testemunhas.
Desde logo, e pese embora, sob o ponto de vista económico, a entrega ao Eng. A... da quantia de 105.000.000$00 - seja como antecipação do pagamento do preço da aquisição das fracções, seja como empréstimo -, não deixe de configurar um financiamento, o certo é que, do ponto de vista jurídico, o documento datado de 28/01/2000 titula uma união de contratos alternativos – i.e, uma compra e venda de bens imóveis futuros pelo preço de 105.000.000$00 ou um mútuo no mesmo montante -, pois que, à luz do que nele se mostra consignado, no termo final acordado, apenas um desses contratos subsistiria.
Importa, em todo o caso, circunscrever a nossa análise ao contrato de mútuo pois, de acordo com o que vem invocado, foi o contrato que subsistiu.
Ora, para ser válido – seja em união alternativa com o contrato de compra e venda de bens imóveis futuros, seja isoladamente -, o alegado mútuo civil, atenta a circunstância de o seu valor ser superior a € 20.000, teria de ter sido celebrado por escritura pública (cfr. o já referido artigo 1143.º do Código Civil), o que não se mostra verificado.
Assim sendo, não pode a falta desta escritura pública ser sanada através de documento particular, por prova testemunhal ou por confissão (judicial ou extrajudicial) do mutuário. Com efeito, exigindo a lei determinada forma escrita para a validade de uma declaração negocial, a mesma não pode ser substituída por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior (artigo 364.º, n.º 1 do Código Civil).
É certo que nada obstaria a essa substituição probatória, num processo judicial inter partes, para provar a celebração de um negócio nulo por falta de forma e pretender os efeitos, justamente, dessa nulidade, designadamente, a restituição das quantias entregues.
No entanto, não é isso o que se pretende nos presentes autos. O que aqui se pretende é apenas comprovar – perante um terceiro, alheio ao negócio – a celebração de um contrato de mútuo, nada se dizendo sequer quanto à (in)validade deste.
Ora, se é razoável admitir a prova testemunhal para prova da “realidade material do acto”, i.e. da entrega do dinheiro, num processo inter partes envolvidas no negócio, tendo em vista obter os efeitos da respectiva nulidade e, assim, impedir o indevido locupletamento com coisa alheia, já que, nessa lide, a parte contrária poderá oferecer contra-prova da mesma natureza, já o mesmo não se poderá sustentar num processo em que uma das partes é totalmente alheia ao negócio alegadamente celebrado e, dessa forma, não pode oferecer qualquer contra-prova.
Com base no que acima ficou exposto, resta, assim, concluir, que sendo a escritura pública uma formalidade ad substantiam do alegado contrato de mútuo e não estando em causa, nos presentes autos, a invocação da respectiva (in)validade para dela retirar os respectivos efeitos perante a parte contrária, na falta daquela, não é admissível qualquer outro meio de prova (v.g. testemunhal ou confissão) nem a prova por documento de força probatória inferior, pelo que o alegado contrato de mútuo não resulta provado.
Em todo o caso, sempre se dirá que, sendo o mútuo, pela sua natureza, um contrato real quoad constitutionem, no sentido de que apenas se completa pela entrega material da coisa, in casu, do montante de 105.000.000$00, da prova testemunhal produzida também não resultou minimamente demonstrada essa entrega, já que nenhuma das testemunhas inquiridas soube descrever, com um mínimo de precisão, a(s) data(s) em que a(s) entrega(s) terá(ão) ocorrido, o(s) montante(s) entregue(s), sendo que duas delas desconheciam mesmo os termos do acordo e outra apenas teve intervenção posterior (de resto, a própria petição inicial era já omissa quanto às datas de entrega das quantias, montantes entregues e meio de pagamento).
Assim, a testemunha M... apenas referiu ter visto, por alturas do verão do ano de 2000, o recorrente entregar ao Eng. A... dois cheques (um deles respeitante a terceiro) e ouvido aquele dizer “está aqui o meu e o do P…”. Quanto ao valor aposto no cheque apenas viu que “tinha alguns zeros” e, no mais, desconhece os pormenores do negócio.
De igual modo, a testemunha Sónia Manuela Leal Coelho Ferreira apenas relatou um episódio que referiu ter-se passado na zona das partidas do aeroporto, também no verão do ano de 2000, em que foi ao encontro do Dr. P... (com quem, à data, mantinha relações profissionais), que, vindo de Bruxelas, lhe terá entregue, em mãos, dois cheques no valor de 20.000.000$00 cada, um dos quais do recorrente, outro de si próprio, pedindo-lhe que os fosse entregar com urgência ao Eng. A..., uma vez que não podia ir pessoalmente pois estava de partida para o Brasil, o que refere ter feito, no final do dia, depois de ter ido trabalhar, desconhecendo os pormenores do negócio subjacente. Do depoimento prestado não se percebeu o porquê da urgência na entrega ou a razão porque o Dr. P..., vindo de Bruxelas, trazia consigo um cheque no valor de 20.000.000$00 assinado pelo recorrente e não foi o próprio recorrente a entregar o seu cheque (aliás, segundo estes dois depoimentos, quer o recorrente quer o Dr. P... entregavam sempre cheques um do outro, em conjunto com o seu, ao Eng. A..., sem que se perceba a razão porque tal sucedia).
A testemunha F..., por seu turno, não presenciou qualquer entrega de dinheiro ou valores ao Eng. A..., tendo referido que apenas tomou contacto com a situação em Novembro de 2000, quando o recorrente lhe pediu ajuda profissional para “resolver um grande problema”, problema esse que era o incumprimento por parte do Eng. A... da obrigação de restituir um empréstimo que aquele lhe havia anteriormente efectuado.
Finalmente, a testemunha A..., que seria de supor ter um conhecimento qualificado da operação, por nela ter intervindo na qualidade de mutuário, limitou-se a dizer que, pese embora conste do documento assinado em 28/01/2000 que nessa data dá quitação do recebimento da totalidade do montante de 105.000.000$00, o foi recebendo, por diversas vezes, em diversos actos, sempre por cheque com os quais realizava suprimentos à sociedade S..., sem precisar, minimamente, em que datas e quais as quantias parcelarmente entregues pelo recorrente.
De resto, também à luz das regras da experiência comum não será de presumir a realização do alegado mútuo.
Com efeito, se se compreende a existência de alguma informalidade desacompanhada de quaisquer salvaguardas, em empréstimos concedidos em contexto familiar, de estreitas relações familiares, tal situação já não será natural verificar-se em negócios concretizados entre pessoas sem qualquer vínculo pessoal, apresentadas pouco tempo antes (como, aliás, resulta dos depoimentos prestados pelas testemunhas Maria Natália e A...) e tendo em conta o montante envolvido (105.000.000$00).
Note-se que a explicação avançada pelo recorrente para o facto de não ter outorgado escritura pública, nas declarações de parte prestadas, de que como o contrato entre o Dr. Pedro B... e o Eng. A... já havia sido assinado não quis adoptar conduta distinta, também não logrou convenceu o tribunal, quer porque estava em causa uma quantia elevada mas sobretudo porque se tratava de um conhecimento recente, meramente negocial, do primeiro negócio inter partes e não de uma longa relação de amizade que pudesse sair “beliscada”.
No mais, a confissão extrajudicial de dívida constante de documento particular, datada de 29/11/2000, elaborada sob aconselhamento profissional do Dr. F..., advogado do recorrente e tendo em vista “sanar” o anterior documento, conforme o depoimento pelo mesmo prestado, também não descreve as datas ou os montantes alegadamente entregues a título de empréstimos sucessivos.
Por outro lado, pela forma empregue (documento particular simples, sem reconhecimento da assinatura do declarante), não pode tal confissão ser oposta a terceiro como prova plena por qualquer dos interessados no documento, valendo apenas como meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal (cfr. neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto, proferido em 26/06/2014, no recurso n.º 1040/12.2TBLSD-C.P1, disponível in www.dgsi.pt).
Outrossim, porque não se pretende fazer valer os efeitos do negócio, como se fosse válido, num processo inter partes, não assume, nos presentes autos, qualquer relevância a atribuição expressa de efeitos executivos a uma declaração confessória da dívida subscrita pelo mutuário.
Acresce que, o próprio conteúdo da declaração (compromisso de pagamento do valor de 105.000.000$00, em 10 anos, sem juros, com o que isso significa – i.e., passar, num curto espaço de tempo, de 10 meses, de um negócio aliciante, potencialmente gerador de substanciais mais-valias de curtíssimo prazo, para uma demorada e incerta espera por um reembolso, em singelo, de uma quantia elevada) não contribuiu para convencer o Tribunal da existência do alegado mútuo, nos termos invocados, nem mesmo com a explicação avançada para tal dilação temporal (cfr. o artigo 192.º da petição inicial), de que corria termos um processo contra o Montepio Geral que, sendo favorável, chegaria e sobraria para liquidar o empréstimo, já que, conforme resulta igualmente da petição inicial (cfr. o artigo 188.º), esse processo foi apenas instaurado em 2003, ou seja, três anos depois da alegada elaboração do documento em questão.
Pelas mesmas razões, acima detalhadas, i.e. sopesando o contexto relacional em que a operação terá sido realizada e a ordem de grandeza dos montantes envolvidos, também não se compreende a imprevidência do recorrente ao não ter guardado qualquer documento que comprove os fluxos financeiros inerentes às quantias entregues ao Eng. A..., designadamente, cópias de cheques e/ou extractos bancários.
Mesmo sem exigir do recorrente a diligência imposta a um “gestor criterioso e ordenado” que, como é sabido, supera o nível comum, mas apenas o simples padrão do “bonus pater familiae”, dir-se-ia que, em face das circunstâncias do caso, o recorrente deveria e poderia ter conservado documentos que evidenciassem as alegadas entregas efectuadas ao Eng. A..., pelo que se agora se vê impossibilitado de apresentar algum documento que permita ao Tribunal, com mínima segurança, estabelecer a conexão entre os fluxos financeiros do alegado empréstimo a montante e da alegada restituição a jusante, sibi imputet, não podendo o recorrente resguardar-se numa alegada “objectiva impossibilidade de prova” decorrente de «as instituições financeiras de que presumivelmente tinham partido os diversos pagamentos … não guardavam já registos das operações de 2000» (cfr. o artigo 41.º da petição inicial, sublinhado nosso).
Ao item 5) dos factos não provados, a convicção do Tribunal é consequência directa de não ter sido considerada provada a “realidade material” do mútuo alegadamente realizado em 2000.
Dito de outro modo, a ausência de prova quanto às alegadas entregas efectuadas pelo recorrente em 2000, a título de empréstimo ao Eng. A..., impossibilita ou prejudica irremediavelmente a prova de que o endosso, em 2010, ao recorrente, pela sociedade “S...”, dos cheques referidos no item 27) dos factos provados, constituiu a restituição do montante alegadamente mutuado, não sendo a declaração de quitação datada de 08/01/2010, descrita no item 4) alínea c) dos factos provados, subscrita pela parte recorrente, com interesse directo na causa e sem o reconhecimento da sua assinatura, nem a declaração emitida pelo Eng. A... em 31/05/2013 (o único documento, referente ao alegado mútuo, com reconhecimento presencial da assinatura), “a pedido” do recorrente, descrita no item 29) dos factos provados, idóneas para permitir ao Tribunal formar distinta convicção».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Alegam os Recorrentes que o tribunal recorrido restringiu a admissibilidade dos meios de prova destinados à comprovação da fonte do acréscimo patrimonial não justificado.

Vejamos se assim foi.

Dando concretização, no domínio da actividade administrativa, ao princípio constitucional da justiça decorrente do n.º2 do art.º266.º, da Lei Fundamental, o art.º50.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em linha com o disposto no n.º1 do art.º87.º, do Código do Procedimento Administrativo, veio consagrar que: “No procedimento, o órgão instrutor utilizará os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares”.

Os meio gerais de prova admitidos em direito vêm indicados no Código de Processo Civil e no Código Civil: prova documental (art.º423.º e seguintes do CPC e 362.º a 387.º, do C.C.); prova por confissão (art.º452.º e seguintes do CPC e 352.º a 361.º, do C.C.); prova pericial (art.º467.º e seguintes do CPC e 388.º e 389.º, do C.C.); prova por inspecção (art.º490.º e seguintes do CPC e 390.º e 391.º, do C.C.); prova testemunhal (art.º495.º e seguintes do CPC e 392.º a 396.º, do C.C.).

Essa regra de admissibilidade dos meios gerais de prova no procedimento tributário, está prevista também para o processo judicial tributário, dispondo o n.º1 do art.º115.º, do CPPT que “São admitidos ao meio gerais de prova”.

Não podia ser diferentemente porquanto e como salienta Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado”, Vislis, 4ª edição, 2003, a pág.503, “…essas regras [de admissibilidade dos meio gerais de prova], previstas para a actividade da Administração, não podem deixar de valer no domínio do processo judicial tributário, designadamente de tipo impugnatório, que visa controlar a legalidade da actuação administrativa, permitindo aos interessados fazer valer em juízo direitos que indevidamente lhe tenham sido negados por via administrativa”.

O direito à prova, enquanto dimensão do princípio constitucional da justiça, está, pois, legalmente assegurado aos contribuintes num contexto de liberdade probatória, podendo eles servir-se de todos os instrumentos de prova aptos a demonstrar a realidade dos factos que alegam (cf. art.º341.º, do Código Civil).

Todavia, quer no procedimento, quer no processo tributário, valem as limitações de prova decorrentes de proibições gerais de meios de prova – cf. Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., pág.503.

Isso assente, desçamos aos autos. Em causa está a decisão da Administração tributária de lançar mão da avaliação indirecta na determinação da matéria tributável de IRS dos Recorrentes relativa ao ano de 2010, com fundamento na alínea f) do n.º1 do art.º87.º, da Lei Geral Tributária.

Decorre daquele preceito que a avaliação indirecta se pode efectuar, entre outros casos expressamente previstos, no de: “Acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a €100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”.

Constatou a Administração tributária, em procedimento inspectivo, “…que o sujeito passivo obteve, no ano de 2010, um acréscimo de património no valor de €525.000,00 (pelo recebimento de dois cheques que totalizam essa quantia), sem que aos mesmos esteja associada uma operação económica conhecida e tributada…” (cf. n.º1 do probatório).

Nos termos do disposto no n.º3 do art.º89.º-A, da LGT, “Verificadas as situações previstas no n.º1 deste artigo, bem como na alínea f) do n.º1 do artigo 87.º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada”.

Para justificar a fonte do acréscimo patrimonial evidenciado, os Recorrentes alegaram, em suma e, por um lado, que emprestaram, em 2000, 105.000.000$00 a A...; e, por outro, que o endosso ao Recorrente dos dois cheques identificados no relatório de inspecção tributária, perfazendo o contravalor em euros daquela importância [i.e., €525.000,00], corresponde à restituição pelo dito A... do empréstimo de que este se confessara devedor aos Recorrentes através de documento datado de 29/11/2000 (doc.2 junto à p.i.).

Pretendem os Recorrentes que o tribunal limitou a acção probatória deles ao não admitir a prova testemunhal para comprovação do contrato de mútuo, sem forma legal, envolvendo aquele valor pecuniário de 105.000.000$00, alegado como fonte geradora do acréscimo patrimonial não justificado.

Nos termos do art.1143.º do Código Civil, “O contrato de mútuo de valor superior a 20.000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública, e o de valor superior a 2.000 euros se o for por documento assinado pelo mutuário”.

É, pois, o contrato de mútuo um negócio rigorosamente formal, acrescendo, ainda, que a solenidade exigida para o contrato deve considerar-se como formalidade ad substantiam, já que, a não ser reduzido a escrito, o contrato é nulo (cf. art.º220.º, do Código Civil).

A distinção doutrinária entre formalidades “ad substantiam” e formalidades “ad probationem” radica no facto de as primeiras serem insubstituíveis por outro meio de prova, cuja inobservância gera a nulidade, ao passo que nas segundas a sua falta pode ser suprida por outros meios de prova mais difíceis, nos termos do art.º364.º, n.º2, do Código Civil.

De acordo com o princípio geral do n.º1 do art.º364.º do Código Civil, os documentos autênticos ou particulares são formalidades “ad substantiam” e sê-lo-ão simplesmente probatórias, apenas nos casos excepcionais em que resultar claramente da lei tal finalidade, de acordo com o n.º2 do mesmo artigo.

Quando o documento é exigido para a celebração do acto, como requisito de forma e por consequência como condição de validade (formalidade “ad substantiam”), também se coloca um problema de prova, ou seja, a prova de que se fez o documento com determinado conteúdo, visto que a sua existência e validade depende do documento.

Aquela prova só pode fazer-se mediante a apresentação do respectivo documento, no caso autêntico, e que não foi apresentado.

Bem andou pois a sentença recorrida ao não admitir a prova testemunhal para comprovação do alegado negócio de mútuo, porque a falta de documento autêntico não pode ser substituída, no caso, por esse ou outro meio de prova, recordando-se aqui o que acima dissemos: que valem no processo judicial tributário as limitações de prova resultantes de proibições gerais de meios de prova.

No entanto, apesar de se dar por indemonstrado o alegado contrato de mútuo, quer no processo, quer antes no procedimento tributário, facultou-se aos Recorrentes a possibilidade de produzir prova da transferência patrimonial de 105.000.000$00 alegadamente feita a A..., no ano de 2000 (invocando os Recorrentes como causa o dito mútuo).

Escreveu-se, a propósito, na sentença recorrida: “Em todo o caso, sempre se dirá que, sendo o mútuo, pela sua natureza, um contrato real quoad constitutionem, no sentido de que apenas se completa pela entrega material da coisa, in casu, do montante de 105.000.000$00, da prova testemunhal produzida também não resultou minimamente demonstrada essa entrega, já que nenhuma das testemunhas inquiridas soube descrever, com um mínimo de precisão, a(s) data(s) em que a(s) entrega(s) terá(ão) ocorrido, o(s) montante(s) entregue(s), sendo que duas delas desconheciam mesmo os termos do acordo e outra apenas teve intervenção posterior (de resto, a própria petição inicial era já omissa quanto às datas de entrega das quantias, montantes entregues e meio de pagamento)”.

Já antes no procedimento, os Recorrentes haviam sido notificados para disponibilizarem “…cópia de extractos bancários e outros, que evidenciem a origem e a mobilização/ destino desses meios monetários” envolvidos no alegado contrato de mútuo (cf. fls.395 dos autos).

Na leitura dos Recorrentes esta exigência da Administração tributária, sufragada na sentença, é introduzir um ónus de prova impossível, porquanto os próprios bancos por onde se fez a passagem de fundos declararam não possuir tal informação, saindo manifestamente beliscado com essa exigência, bem como pela desconsideração processual da prova testemunhal na demonstração da materialidade do mútuo, os princípios da proibição da indefesa, da proporcionalidade, do acesso ao direito e aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva.

Não acompanhamos a leitura que os Recorrentes fazem.

Com pertinência se escreveu, no Acórdão do Tribunal Constitucional de 11/11/2008, proferido no Processo n.º 589/08, 3ª Secção, Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha: “Conforme tem sido afirmado em diversas ocasiões pelo Tribunal Constitucional, o direito à tutela jurisdicional efectiva para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), implica «um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder «deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras» (acórdão n.º 86/1988, reiterado em jurisprudência posterior e, por último, no acórdão n.º 157/2008). No entanto, como tem sido também sublinhado, o direito à prova não implica a total postergação de determinadas limitações legais aos meios de prova utilizáveis, desde que essas limitações se mostrem materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade. Dentro desta linha de entendimento, o Tribunal Constitucional não se pronunciou no sentido da inconstitucionalidade no tocante a diversas disposições legais que em relação a certos procedimentos jurisdicionalizados apenas admitem um específico tipo de prova (assim, os acórdãos n.ºs 395/89, 209/95, 452/2003; uma recensão da jurisprudência constitucional, com sucinta referência à argumentação em cada caso aduzida, no já citado acórdão nº 157/2008). Acresce – como esclarece Teixeira de Sousa - que as próprias normas de direito probatório constantes do Código Civil ou do Código de Processo Civil estabelecem certas limitações quanto aos meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objecto do litígio, e mesmo certas limitações quantitativas na produção de determinados meios de prova, sem que a sua constitucionalidade algo vez tenha sido posta em causa - assim, por exemplo, os artigos 353º e 354º do Código Civil, sobre a eficácia e admissibilidade da declaração confessória, os artigos 393.º e 394.º do mesmo Código sobre a admissibilidade da prova testemunhal, e, bem assim, os artigos 632º e 633º do Código de Processo Civil sobre o limite de número de testemunhas a arrolar pela parte e que podem ser inquiridas por cada facto (As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, Lisboa, 1995, pág. 228)”.

Pois bem, no caso dos autos não se restringiu aos de natureza documental os meios de prova utilizáveis para demonstração da fonte do acréscimo patrimonial não justificado.

A sentença limitou-se a observar as normas de direito probatório, constantes do Código Civil e do Código de Processo Civil (cf. art.º2.º, alínea d), da LGT), que estabelecem certas limitações quanto aos meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objecto do litígio.

Salienta-se, contudo, que a prova documental foi julgada necessária apenas à demonstração do negócio de mútuo; não para comprovar as transferências patrimoniais, no valor pecuniário total de 105.000.000$00, para o A..., ocorridas em 2000 (cuja causa os Recorrentes alegam radicar no dito contrato de mútuo). Para isso, foi permitida a prova testemunhal e o eventual erro na apreciação das provas – que também vem alegado em sede recursiva – é questão de que mais adiante nos ocuparemos.

No que respeita à exigência da prova documental relativa aos fluxos financeiros (“extractos bancários e outros”) correspondentes às alegadas entregas de dinheiro ao A... ocorridas em 2000, a mesma não foi feita num contexto de exclusão total e abstracta de outros meios de prova, mas sim num concreto quadro de fragilidade da prova produzida pelos Recorrentes, insuficiente para formar a convicção, quer da Administração tributária, quer do tribunal que sindicou a decisão administrativa, quanto à realidade das alegadas entregas de dinheiro.

Note-se, a latere, que a actuação da administração tributária até se pode dizer consentânea com o princípio do inquisitório, previsto no art.º58.º, da LGT, na medida em que consubstancia uma exigência de reforço probatório orientada para a descoberta da verdade material, não se tendo limitado unicamente a apreciar a prova oferecida pelos Recorrentes.

Ora, falar-se de prova impossível ou desproporcionada e de preterição do princípio da proibição da indefesa nas circunstâncias concretas em que tal exigência probatória foi feita, não colhe, porque tal suporia a exclusão de meios alternativos de prova dos factos, ou uma exigência de prova vinculada sobre os factos (entregas de dinheiro), que o tribunal de todo não fez aos Recorrentes.

Aqui chegados e, no entendimento de que aos Recorrentes não foram impostas restrições contra legem quanto aos meios de prova admitidos para comprovação da fonte do acréscimo patrimonial não justificado, vejamos agora, no quadro da prova produzida nos autos, a questão do erro na apreciação das provas imputado à sentença.

Estatui o art.º640.º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

Os Recorrentes consideram incorrectamente julgados os pontos 4. e 5. da matéria de facto não provada, ou seja, “que os Recorrentes tenham entregue, a título de empréstimo, o montante total de 105.000.000$00 ao Eng.º A...” e “que o endosso ao Recorrente, pela sociedade “S...”, dos cheques referidos em 27) corresponda à restituição do montante de 105.000.000$00 de que o Eng.º A... se confessou devedor através do documento datado de 29/11/2000”.

Para apoiar o erro na apreciação das provas que invocam, para além de remeterem para os documentos 1 e 2 juntos à p.i., transcreveram os Recorrentes os excertos dos depoimentos considerados relevantes, como segue:

«SOBRE O TEMA DO MUTUO ATENTE-SE NAS SEGUINTES DECLARAÇÕES:

O Recorrente ouvido em depoimento de parte, esclareceu em termos precisos o circunstancialismo de o mutuo efectuado a A..., não ter sido previamente passado pelo crivo do seu Advogado e nem observado a forma de Escritura Pública: … as condições em que esse contrato foram assinados e me foi presente foram uma situação atipica. … Compreende, o Tribunal, que eu estava numa situação delicada a recusar uma relação de confiança com o Engenheiro A..., que eu não tinha porque tinha conhecido o Engenheiro A... eventualmente socialmente em condições sociais, mas que me era garantido por uma pessoa que simultaneamente me estava a arranjar investidores para outro negócio…. O que se passa com o contrato em concreto é que havia dois contratos um deles assinado por uma pessoa que tinha angariado eu próprio o teria angariado o Dr. P…..., quando eu sou confrontado com esse contrato eu sou confrontado com a cópia do contrato exactamente igual em que o Dr. P... B... já tinha assinado e portanto fiquei numa situação desconfortável para dizer este está assinado mas eu não vou assinar na medida em que quero ouvir o meu Advogado sobre este assunto e portanto mal, reconheço hoje mal, fui um pouco na “onda”, se o Tribunal me permite a expressão.

Mais esclareceu: Devo dizer também que a proposta a essa declaração de dívida o retrato que feito aqui ao tribunal do processo negocial que o procedeu careceu de alguma adjectivação, ou seja, as reuniões que foram tidas com o Sr. Engenheiro A... e que resultaram nessa declaração de divida por parte dele não foram reuniões tranquilas, foram reuniões com o seu grau de tumultusidade na medida em que ele enunciava uma situação de incumprimento para uma realidade que tinha pré-anunciado ser, poucos meses antes, que o tribunal referiu ser totalmente diferente.

(cfr. registos insertos nos minutos 00:01:53 – 00:10:08 das gravações áudio CD 2)

No mesmo sentido vai o depoimento do devedor mutuário, A..., que em Tribunal reconheceu a realização do mútuo, assim como descreveu o arquétipo da operação com o aqui Alegante.

Contextualizando os factos, a testemunha começou por relatar ao tribunal as circunstancias em que ocorreu o mútuo… a propósito de um empreendimento que o senhor estava a desenvolver em Vila Nova de Gaia… os Jardins do Poente… estamos a falar de uma… vinte e dois mil metros quadrados, aproximadamente…. De construção acima do solo, com cave única… e constituído por quatro blocos... de habitação… promovido pela S.... É preciso ver que estamos a falar de uma obra, que é uma obra cara Sr. Dr. É por isso que é, acho que era importante explicar, porque estamos a falar de vinte e dois mil metros quadrados, mesmo se partíssemos o preço, a noventa contos, que era muito barato, mais IVA de 17%, estamos a falar de uma obra que rondaria sempre um investimento na ordem dos milhões, dois milhões e quatrocentos mil contos. Portanto, quinze milhões.

Ora bem, o financiamento que eu tinha alancado na banca, além de não ser suficiente, houve uma altura que eu entro em litígio com a banca, com o financiador… Que é a Caixa Geral do Montepio Geral. Caixa Económica do Montepio Geral. Entro no litígio, começo a ter falta de recursos… enfim, tenho, começo a ter alguns problemas, e tive que me socorrer de pessoas amigas para fazer alguns, contrair alguns empréstimos que me permitissem continuar com a obra e cumprir com os contratos de promessa que entretanto a empresa tinha celebrado.

Bom. e estando a desenvolver esse empreendimento… a S..., representada por mim… , com referência a esse empreendimento propôs ao Dr. N...… “Empresta-me dinheiro para eu meter na obra, e em troca, epá, estão aqui uns apartamentos que eu te vendo, a empresa te vende a custo mais… mais barato, como é evidente...” “… onde podes realizar uma mais-valia que te compense o esforço financeiro”…. Eu propus-lhe, à volta de cem mil contos, à data... no fundo o Dr. N… o que recebia era em contrapartida “x” apartamentos... julgo que são oito, eu agora, por acaso peço desculpa, podia ter verificado isso... Posso verificar junto do contrato, porque há operações em que alguns eram seis, outros eram sete, outros eram oito, dependia das tipologias e da escolha, como é evidente. A escolha não foi... E esses apartamentos eram vendidos… Abaixo da tabela, à volta dos 30, cerca de 30% abaixo. Por preço de tabela, eu por acaso, isso é um número que eu tenho mais ou menos na cabeça, não chegava exactamente, os oito apartamentos a cento e quarenta mil contos.

E ele vai-me entregando… Sr. Dr., foi sendo entregue. Ninguém tem cem mil contos disponíveis, enfim, e foi muito bom, o Sr. Dr. e outros, neste caso três pessoas, além do Dr. N...... Não. Não recebi tudo de uma vez. Fui recebendo. Isto é, isto é um negócio feito na base da confiança…. Em cheque Sr.ª Dr.ª, foi sempre em cheque…. Os cheques eram passados a mim. O empréstimo era a mim… e não á S… onde depois entrava pela conta de suprimentos Sr. Dr.


Esclareceu o Tribunal sobre a forma como o contrato foi reduzido a escrito: Ó Sr.ª Dr.ª, isto foi feito pelo meu advogado, que lhe pedi, uma minuta qualquer. E que disse: “Opá, quero isto assim, assim, assim, assim. Faz-me aí uma minuta se faz favor”. Ele fez-me a minuta, que foi, dada a urgência e dada, enfim, devo referir que nessas situações eu tinha outros empreendimentos, agora… sozinho, eu tinha uma série de coisas a rolar, e não era só no Porto. Portanto, era fora do Porto também. As pressões todas a que era sujeito. Então isto era tudo feito com alguma ligeireza. São negócios feitos essencialmente na base da confiança das pessoas. É por aqui que, se senão o negócio não existe, não é? De maneira que o contrato foi feito…. O advogado é o Dr. Fernando Moutinho.

Enfatizou a instancias da Meritíssima Juiz que nunca fez escrituras publicas em contratos de mútuos, desde logo porque: Sr.ª Dr.ª, mais ónus sobre, e mais encargos de escritura pública, nem sei. Aliás, posso dizer-lhe que não fiz nenhum contrato e assinei, posso dizer, centenas de contratos... Ninguém me exigiu nem ninguém falou, na altura, nem ninguém pensou em fazer isto em notário. Todos os contratos que eu assinei, todos, não há um que tivesse ido ao notário.

Tendo mesmo referido que para a hipótese deste empreendimento em concreto foram feitos vários contratos: tenho impressão que são três. Esse, o do Dr. P... e o do João Moutinho. Que não tem nada a ver com o Dr. Fernando Moutinho... Que é um colega meu. Portanto, foram os três feitos na mesma altura. São também os de maior valor, que tinham maior valor. Os outros eram mais um pouco mais baixos.

(cfr. registos insertos nos minutos 04:01:37 – 05:31:51 das gravações áudio)


A testemunha F..., Advogado do Recorrente, que por ter tido intervenção nas reuniões posteriores ao incumprimento contratual do mutuo, explicou a solução alcançada entre as partes para resolução do diferendo entre o mutuante e mutuário: Pronto, o que é que aconteceu, houve um determinado dia que também não sei concretizar mas foi no ano 2000 assim

uma coisa foi por aí, que o Dr. N...telefonou para ver se eu estava lá no escritório e ele tinha já o gabinete mesmo ao lado para todo projecto a dizer que tinha um grande problema que precisava de ser resolvido. E qual foi esse grande problema? Portanto surgiu-me com um sujeito que me apresentou como sendo o Sr. Engenheiro A..., na altura não o conhecia mas depois fiquei a conhecer por outras razões mais tarde até com mais detalhe, mas nessa altura não conhecia, portanto e fiquei a saber que o Dr. N...tinha participado entre aspas, digo entre aspas por que a situação era um empréstimo como diz, mas que pretensamente seria um investimento em apartamentos com uma boa mais valia e que portanto tinha entregue uma quantia de Quinhentos e tal Mil Contos, contos não, Cento e tal Mil Contos, 500 Mil Euros a esse Sr. e agora não lhe estava a pagar.

Concretizando:…quando digo infelizmente porque quando me apresentam um documento que pretensamente para titular, como advogado naturalmente deitei as mãos à cabeça, porque não se emprestam 105 Mil Contos num papel apenas assinado pelas partes sem ser obviamente por escritura pública e por contrato mutuo, portanto eu fiquei extraordinarimente preocupado com aquela situação, mas extraordinarimente preocupado, percebi a situação de fragilidade que o N...ali tinha, ele e eu enquanto advogado que tivesse depois de fazer a concretização da divida. Pelos vistos estariam ali a explicar como devia ser paga pelo menos na altura.

Apesar de não ter participado na origem…. Portanto estavam ali a pedir-me para fazer um documento que no fundo reformulasse o tal empréstimo, e a minha opção foi, entre aspas, salvar o máximo possível e, portanto pedi ao Sr. Engenheiro A... para manuscrever uma declaração de dívida onde assumia esse compromisso…. disse salvar entre aspas porquê? Porque se eu tivesse um contrato de mutuo que não fosse feito por escritura pública de 105 Mil Contos, é evidente que tinha um problema jurídico grave para conseguir acertá-lo. E, portanto tentei transformar esse compromisso num documento executável judicialmente, uma declaração de dívida….. Eu ditei-o, mas para que fosse uma declaração assinada, escrita e assinada pelo devedor, foi manuscrita pelo Engenheiro A....


Sublinhou que optou pela solução de uma declaração de assunção de dívida manuscrita pelo seguinte: Obviamente tem um valor bastante mais sólido por várias razões. A primeira é porque o carácter do documento escrito e assinado é mais forte do que meramente assinado. Segundo porque eu também já tive infelizmente experiências de negações de assinatura que vamos depois à grafilogia da Polícia Judiciária, os senhores passam meia hora a fazer dezenas de assinaturas, intervalo, tomam café blá blá blá, tudo parece muito bonito, e chegam ao final e dizem sempre a mesma decisão. Em relação a essa assinatura, a amostra não é significativa e portanto não nos pronunciamos…. Assim pedi que fosse ele então a escrever com a letra dele, portanto seria um documento que sabia que não podia ser negada a autenticidade para começar. E em segundo lugar, que fizesse uma confissão de divida porque aí já não era um contrato em acção declarativa e incumprimento que não iria valer nada como sabemos, mas sim um documento que era executável judicialmente de imediato.

(cfr. registos insertos nos minutos 00:47:06 – 06:30:19 das gravações áudio)

SOBRE O TEMA DO PAGAMENTO EM 2010 RETENHAM-SE AS SEGUINTES EXPLICAÇÕES:

O tema do reembolso da quantia mutuada pelo Alegante, foi igualmente aflorada pela testemunha F..., que explicou o modo como foi ultrapassada o problema que surgiu à posteriori, para reconhecimento da dívida e consequente reembolso: … teria sido muito fácil, muito fácil e de resto julgo haver no próprio processo documentos que o comprovam, conseguir que o Sr. A... enquanto adquirente de oitenta e cinco por cento do capital da A... inflaciona-se o preço de compra das acções da A... do montante de 525 mil euros sabendo ele, parece que a Administração Fiscal não sabia e a prova de que não sabia é que abriu um auto de violações e me tentou cobrar nessa importância e depois reconheceu que de facto não havia nada a cobrar sabendo eu que tinha acompanhamento Jurídico muito preciso sobre isso de que essa operação estava isenta.


Ou seja, o valor total da transacção pelo valor do financiamento da Caixa Geral de Depósitos de 10 milhões e 300 mil euros faria com que fosse absolutamente indiferente a todas as partes envolvidas que subisse o valor do pagamento à S... e na venda das acções que eu fiz ao Sr. A... ele tivesse um pagamento inicial no momento zero correspondestes exactamente aos 525 mil euros sendo que nessa altura a boleia era que essa transacção se fizesse era feita pela venda das acções e esta transacção estava absolutamente garantida que estava isenta de tributação. Portanto, não houve nenhuma tentativa dissimulatória da minha parte e se houvesse a tentativa de evitar o pagamento de uma tributação que era devida eu teria uma escapatória muitíssimo mais fácil e muitíssimo mais garantida passo o pleiunasmo garantir. E era isto.

(cfr. registos insertos nos minutos 00:47:06 – 03:30:19 das gravações áudio)

A materialidade do reembolso da quantia mutuada no ano de 2000, decorre igualmente do depoimento devedor mutuário, A...: Se tudo corresse bem e o negócio, e este contrato fosse cumprido… os clientes pagavam à empresa…a empresa devolvia-me os suprimentos. E eu pagava ao Dr. N...… O que estava previsto não era entregar dinheiro, era entregar apartamentos… O empreendimento era concluído. Entrega ao Dr. N..., faz a escritura. O cliente paga à S... e a S... faz a escritura. E a S... pela mesma conta de suprimentos sai e paga ao Dr. N....

Embora não fosse essa a materialidade vertida no contrato, A..., esclareceu a intenção das partes: Mas o que está subjacente a isto, qual é, o Dr. N… não queria os apartamentos para ele… por isso quem fazia a escritura dos apartamentos era a S...… Isso é que era a prática corrente…Ou seja, os apartamentos eram aqueles e as mais-valias dos apartamentos eram do Dr. N…… O dinheiro todo dos apartamentos que fossem vendidos.

Ocorre, que a S... entrou em litigio com o Montepio, facto que impediu o cumprimento pontual do contrato, como relatou: Da circunstância começo a ter algum atraso na obra. Durante todo o ano 2000, portanto, e sobretudo naquela parte final, depois de meados do ano 2000, tentámos encontrar uma solução para o caso. Quer dizer, é que isto não, eu não tenho… não tenho escapatória possível. O que se passou face aos valores envolvidos, sozinho, face à quantidade de compromissos, eu em cento e sessenta e oito apartamentos, teria vendido já – e ainda bem que parei as vendas – cerca de noventa, noventa e poucos, tinha mais de 50% de apartamentos vendidos. Tinha que os entregar, tinha prazos para entrega, começa esta guerra toda, e a partir de meados… eu tenho que entrar em acordo e negociar com o Montepio, encontrar uma fórmula de, enfim, de eu salvar o que podia salvar.

A fórmula, acordou-se… mas isto, este acordo só acontece já em fins de Outubro, princípios de Novembro. Depois, com a obra praticamente pronta, faltando parte de arruamentos só para ter licença de habitabilidade, já o acordo era um... A ideia era vender o empreendimento ao Montepio, O Montepio assumir a posição, fazer a cedência de posição contratual ao promitente vendedor. O Montepio entendeu, por uma questão de interesse próprio, e eu acedi, fazer uma dação em cumprimento. Problemas de Sisa, problemas… Enfim, isto é, não tinha escapatória possível… depois o Montepio vendeu. Em vez de ser eu a fazer a escritura, foi o Montepio que fez a escritura

Salientou que o Montepio, apenas assumiu a posição contratual no âmbito dos contratos promessa, mas… Esse contrato, se a Sr.ª Dr.ª quiser, como não só esse, o do Sr. P... s, como outros, que eu fiz outros de menor valor, se a Sr.ª Dr.ª quiser, são atípicos, e por isso o Montepio não aceitou.

Ao que adiantou: Como o Montepio ficou com o empreendimento, vejo-me impossibilitado de cumprir o contrato…. impossibilitado de entregar as tais fracções, que no caso concreto eram oito... por isso… tomei a iniciativa de contactar as pessoas que me tinham emprestado dinheiro… No caso do N... disse-lhe “Opá, não consigo. Entupi. Só tenho esta saída.” Que é: “Toma lá, ao Montepio, isto…… devolves-me o dinheiro e quando me devolveres o dinheiro eu pago a quem devo.”, em conversa que decorreu… no escritório do Dr. N...… no Oceanus. Disse: “Opá, não posso. Venho de Lisboa, aconteceu isto assim, assim, assim, opá, dancei. Estou morto. Opá, não sei o que é que hei-de fazer. Epá, encontrar aqui uma solução qualquer, epá, obviamente...” O N... ficou em pânico, como é evidente... Eu disse: “Opá, preciso de um prazo.” “Eu em princípio não vou morrer, opá, há-de… se eu não pagar, alguém há-de pagar.” Era um prazo mais pequeno. Depois houve ali, disse: “Opá, vamos meter aqui alguma segurança nisto”. Um prazo perfeitamente estapafúrdio porque eu disse: “Opá, eu não sei o que é que vai acontecer. Por mim eu pagava amanhã. Epá, não tenho o dinheiro amanhã. Eles já me falharam quatro ou cinco vezes noutro...” e confesso-lhe, e foi o prazo atirado, foi porque, “Epá, se eu tiver saúde e estiver vivo, hei-de encontrar durante este prazo uma solução”. Por isso é que eu pedi o prazo...

Elucidou ainda o Tribunal sobre a solução alcançada no decurso de várias reuniões: Depois, a solução encontrada foi fazer uma declaração de dívida… Feita no escritório do Advogado do Dr. N...... e esse documento que foi assinado no doutor Dr. R... que mo ditou… e foi escrita com a minha letra… onde me confessei devedor ao Dr. N...da quantia de cento e cinco mil contos… Comprometendo-me a fazer o pagamento no prazo de dez anos

No que refere ao posterior contrato realizado entre a S... e a A... referiu: Foi feito um contrato entre a S... e a Dr.ª L...… E por força deste contrato elas passavam-me os direitos… Os direitos que detinham, portanto naquelas acções…. Com a contrapartida de receberem determinada quantia que eu fixei. Portanto, a quantia, isto era um milhão, cento e vinte e cinco mil... tinha que pagar aos advogados…e ainda mais umas coisas que a D.ª L... exigiu...

Mais adiantou: E quando assinou este contrato com as senhoras… fiz o contrato...Com a A...…. ainda pertencia ao Dr. N...e ao Dr. P... B...…. E quando esses contactos são feitos, eles contactam-me e chamam à colação a questão da dívida que vinha do ano 2000… quando fizemos a escritura… a S... ia receber dinheiro…que lhe permitia, que me permitia a mim, A..., tirar os suprimentos que tinha e assumir, cumprir o negócio da S...… Pois, a S... ia receber dois milhões, novecentos e vinte e cinco mil, segundo creio…. E que ia receber no momento da escritura na Caixa Geral de Depósitos…. No notário privativo da Caixa Geral de Depósitos, em 31 de Janeiro de 2010…. E dei instruções para serem emitidos vários cheques… Sendo que um dos destinatários desse cheque é o Dr. N....

Da mesma forma que explicou a operação em termos de reconhecimento contabilístico: Ó Sr. Dr., o movimento, é tão simples quanto isto, contabilisticamente isto não tem nada que saber… Como é que entrou o dinheiro na S...? Através da minha conta de suprimentos, primeiro sai através da minha conta de suprimentos… O cheque foi emitido pela Caixa Geral de Depósitos...à ordem da S.... Eu na qualidade de gerente, recebo o cheque e endosso.

Concluiu: E cumpri, solvendo os meus compromissos. Fazendo sair dos suprimentos, da mesma maneira que eu tinha metido o dinheiro em 2000 na empresa pela conta de suprimentos, fazê-lo sair pela conta de suprimentos...

(cfr. registos insertos nos minutos 04:01:37 – 05:00:19 das gravações áudio)»

Indicam por fim os Recorrentes a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos impugnados da matéria de facto:

«E face dos depoimentos transcritos, conjugados com os docs. 1 e 2 da PI e bem assim com os demais fatos dados como provados, deverá este Tribunal ad quem dar como provado que:

- os recorrentes entregaram a título de empréstimo o montante total de 105.000.000$00 em 2000 a A...;
e
- o endosso ao recorrente pela sociedade S... dos cheques referidos em 27) correspondem a restituição do montante de 105.000.000$00 de que A... se comprometeu devolver através do documento datado de 29/11/2000».

O excerto dos depoimentos prestados e transcritos não é de modo a impor decisão de facto diversa da recorrida.

Com efeito, quanto à transferência patrimonial de 105.000.000$00 para o A..., não reveste qualquer credibilidade o depoimento do Recorrente quando refere que assinou o contrato junto à p.i. como doc.1 envolvendo aquele montante pecuniário apenas porque foi confrontado com idêntico contrato já assinado por outro investidor, sobretudo porque resulta das declarações do próprio A... que na altura experimentava já dificuldades financeiras o que só agravava o risco da operação, risco que homens de negócios experimentados, num juízo de normalidade, nem desconheceriam, nem correriam.

Como não é credível o depoimento do A..., quando convenientemente refere que nunca fez escrituras públicas de mútuo para evitar os custos associados à formalização dos negócios, nem nunca tal lhe foi exigido pelos financiadores, em vista dos elevados montantes envolvidos.

Como não é credível o depoimento de F..., advogado do Recorrente, na parte em que descreve as circunstâncias em que, ainda em 2000, tomou conhecimento do negócio e aconselhou o seu cliente a obter do A... uma declaração de dívida, que este viria a aceitar manuscrever e assinar nos precisos termos que lhe foram ditados por ele, depoente (doc.2 junto à p.i.).

Afinal de contas, se o A... se predispunha a assumir, numa situação de aperto financeiro, o compromisso de restituir as entregas de dinheiro que o Recorrente lhe havia feito nesse ano (seja a que título), porque é que não se aproveitou para dar forma legal ao negócio causal dessas entregas tendo-se optado por uma simples “declaração de dívida” (cf. art.º458.º, n.º2, do Código Civil), sem qualquer referência ao suposto negócio que está na origem dos créditos e cuja data aposta de 29 de Novembro de 2000, convenientemente, nem é possível comprovar?

Como se vê, a reapreciação critica das provas (depoimentos transcritos conjugados com os documentos 1 e 2, da p.i.), nesta instância, não é de modo a impor decisão de facto diversa da recorrida.

E não se provando que os Recorrentes tenham entregue ao A... em 2000, o valor pecuniário de 105.000.000$00, fica sem suporte probatório a afirmação de que “o endosso ao Recorrente pela sociedade “S...” dos cheques referidos em 27) correspondem à restituição do montante de 105.000.000$00 que o A... se comprometeu a devolver através do documento datado de 29/11/2000” (sublinhado nosso).

Em conclusão, os Recorrentes não lograram fazer a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados no ano em causa de 2010 sendo outra a fonte do acréscimo patrimonial não justificado, não incorrendo nos apontados erros de facto e de direito a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Porto, 16 de Outubro de 2014
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro