Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02318/06.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS
IRS
CUSTOS DE SUBSTITUIÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - O Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que não cumprindo os ónus fixados pelo artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, o recurso quanto à matéria de facto terá de ser rejeitado.
II - Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação - artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
III - Neste âmbito, a AT não tem de fazer prova do acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros - cfr. artigo 240.º do Código Civil) para satisfazer o ónus da prova que sobre si impende.
IV - Basta à AT provar a factualidade que a levou a desconsiderar as operações consubstanciadas em determinadas facturas existentes na escrita do contribuinte, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus da prova do direito de que se arroga e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus da prova de que as operações se realizaram efectivamente.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M..., A..., M... e G...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

MG..., AP..., MF... e G..., na qualidade de herdeiros de GR..., interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 30/09/2016, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento parcial da Reclamação graciosa deduzida contra a liquidação adicional de I.R.S. n.º 20045004311454 (nota de cobrança n.º 2004 1122931), de 29/11/2004, relativa ao ano de 2000, e respectivos juros compensatórios.

Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
O erro no julgamento da matéria de direito:
A. O Tribunal recorrido faz uma interpretação errada das possibilidades de aplicação do artigo 23º do Código do IRC: a AT está obrigada a recolher indícios sérios de que entre o contribuinte inspeccionado e os seus fornecedores de serviços ou bens houve um conluio simulatório.
B. Para que o artigo 23º do Código do IRC se possa considerar correctamente aplicado, a AT deveria ter identificado, nas relações da A... com os seus fornecedores, quer o intuito e o acordo simulatórios, quer o “animus nocendi” em desfavor do Estado.
C. No entanto, ao decidir como decidiu, a Sentença a quo sancionou a legalidade de actos de liquidação cuja fundamentação é, no tom e na natureza, simplesmente remissiva - não constituindo mais do que uma mera resenha de conclusões de outros Relatórios (como que um seu epílogo), relativos a outros sujeitos passivos, de cujo conteúdo completo a A... nunca teve conhecimento: a Sentença conformou-se com o facto de a AT não ter apresentado provas ou sequer indícios credíveis e circunstanciados do que aparentemente alega e que possam ser sustentadamente subsumidos ao conceito - a algum conceito - de simulação, limitando-se a expor o circuito comercial de determinadas mercadorias, a identificar a situação tributária irregular de alguns dos operadores que nele participam, a referir a alegada reiteração de um determinado tipo de fraude no sector em causa e a concluir, irresponsável e - diga-se - preguiçosamente, que toda e qualquer entidade envolvida nesse circuito faz parte de um conluio fraudulento.
D. De qualquer modo, ainda que todos aqueles supostos “indícios” se viessem a provar, daí não se poderia concluir pela inexistência de meios para celebrar com a A... os negócios titulados nas facturas: nenhum desses indícios impede um operador de, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se deslocar às instalações de um outro revendedor, oferecer as mercadorias, acordar um preço e descontar o cheque usado como meio de pagamento (ou seja, não pode concluir-se, apenas por que se confirmam aqueles factos, que os fornecedores não estavam em condições de transaccionar as mercadorias).
E. Não tendo a AT feito o que lhe caberia por lei - a prova dos factos de que resulte a demonstração clara e inequívoca da existência de um conluio entre a A... e alguns dos seus fornecedores, no sentido da simulação, mediante facturas “de favor”, de operações tributáveis -, deveria a Sentença a quo ter decidido que aquela não cumpriu o seu especial dever de fundamentação dos actos tributários impugnados.
O erro no julgamento da matéria de facto:
F. Foram nos autos provados factos que cuja apreciação implica necessariamente que aos constantes do Relatório de Inspecção (todos relativos a entidades terceiras, lembre-se) não possa ser atribuída, como o foi pela AT, a natureza de “indícios” de que as facturas contabilizadas pela A... não titulam transacções reais.
G. Esses factos são os que constam do elenco do ponto ii. b) da alínea do capítulo III das presentes alegações, elenco esse que se dá aqui por reproduzido.
H. Essa factualidade demonstra cabalmente a naturalidade e legalidade das operações em causa: da sua devida consideração tem necessariamente de concluir-se que todos os bens em causa nos autos foram efectivamente transaccionados, existindo documentação comercial, contabilística e bancária conforme, e não tendo essas operações decorrido de modo diverso ao que é usual no sector, pelo que não sobra qualquer dúvida da ilegalidade da fundamentação das liquidações impugnadas e da Sentença recorrida.
Termos em que se requer a V. Exas. que julguem o presente Recurso como procedente, com todas as devidas consequências legais resultantes dos vícios nele invocados.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, impondo-se apreciar o descrito erro quanto ao julgamento da matéria de facto e bem assim indagar da legalidade da liquidação adicional de IRS (e respectiva liquidação de juros compensatórios), emitida pela Administração Tributária, com referência ao sujeito passivo GR... do ano de 2000, no seguimento das correcções aritméticas efectuadas de acordo com o disposto no artigo 23.º do Código do IRC (por remissão do artigo 33.º-B do Código do IRS então vigente) ao sujeito passivo “A... Herdeiros”, no pressuposto de que as facturas emitidas por AD... e pela sociedade Gri..., nesse ano contabilizadas por esse sujeito passivo são falsas, não podendo ser consideradas como custo fiscal e de não terem sido apresentados documentos que provassem a realização das operações por outros agentes, os chamados “custos de substituição”.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Dos elementos juntos aos autos, apurou-se a seguinte matéria de facto relevante para a decisão:
A) GR... faleceu em 20/09/2000.
Fls 629 do P.R.G..
B) Em 21/05/2001 foi entregue a declaração de I.R.S. Modelo 3 de GR..., assinada por A..., na qualidade de “representante / gestor de negócios”, encontrando-se a cruz colocada no campo relativo ao “óbito de um dos cônjuges” rasurada e a indicação da entrega do “Anexo D” rasurada.
Fls 606 a 610 do P.R.G..
C) Foi entregue o “Anexo I - Herança Indivisa” do ano 2000 em nome de GR..., por A..., constando do mesmo:
- Nome do autor da herança: A...
- Nome dos contitulares: GR..., …
Fls 610 do P.R.G..
D) Em 2004, “A..., Herdeiros” foi objecto de uma acção de inspecção externa ao exercício de 2000, de âmbito geral, credenciada pela Ordem de Serviço/Despacho n.º 59583.
Fls 74 e ss do P.A.
E) Em 04/11/2004, foi elaborado Relatório de inspecção tributária, do qual consta o seguinte:
I - Conclusões da acção inspectiva
1 - Correcções Aritméticas efectuadas em termos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)
O sujeito passivo utilizou facturas relativas a compras de sucata que não têm subjacente qualquer relação comercial com os emitentes identificados nessas mesmas facturas, uma vez que, e como se demonstra no ponto III deste relatório, esses “fornecedores” não tinham naquele período qualquer tipo de meios que lhes permitisse desenvolver a actividade que as facturas indiciam. O IVA liquidado nessas facturas, foi assim indevidamente deduzido (não é de considerar dedutível), nos termos do n°3 do artigo 19.º do Código do IVA.
> Para o exercício de 2000 apurou-se o seguinte IVA deduzido indevidamente:
Fornecedor
NIPC
Valor
IVA
Valor c/ IVA
AD...
586.731,80 €
99.744,41 €
686.476,21€
Gri...…
3.559.637,70 €
605.153,35 €
4.164.791,05 €
4.146.369,50 €
704.897,75 €
4.851.267,26 €

2 - Correcções Aritméticas efectuadas em termos de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS)
Em sede de IRS os custos contabilizados pelo sujeito passivo relativos às facturas supra indicadas, não poderão ser aceites fiscalmente, para determinação do lucro tributável da actividade comercial da Herança Indivisa de A..., denominada por “A..., Herdeiros”, NIPC 9…, de acordo com o artigo 23° do Código do IRC (por remissão do artigo 33º-B do Código do IRS), uma vez que pelo facto de as facturas que os titulam, serem consideradas falsas, não são comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que se procedeu à correcção, relativamente ao exercício de 2000, ao respectivo lucro tributável da referida actividade comercial, no montante de 4.146.369,50€ (o que equivale a um valor em escudos de 831.272.451$).

Descrição Valores em escudos Valores em euros
Lucro Tributável Declarado
899.759,26 €
Correcção
4.146.369,50 €
Lucro tributável corrigido
5.046.128,76 €
(…)
III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável.
Da análise interna aos consecutivos pedidos de reembolsos de IVA efectuados por este sujeito passivo, e pela sociedade que o sucedeu, verificou-se a existência de fornecedores, e de fornecedores de alguns desses fornecedores, com algumas faltas no que diz respeito ao cumprimento das suas obrigações fiscais, quer a nível declarativo quer ao nível de pagamento dos impostos devidos.
Ao aprofundar essa mesma análise, e do cumprimento do Despacho n°52405, verificou-se que esses fornecedores para além de serem não declarantes, estavam, também, associados a diversos tipos de marginalidade.
Das inspecções cruzadas, efectuadas por esta Direcção de Finanças, a alguns desses fornecedores apurou-se o seguinte:
1 - AD... - 32 Anos - Porto - NIF: 2…
1.1. - Esteve colectado desde 24/11/1999 até 3 1/12/2001, para o exercício da actividade de “Comércio por Grosso de Bens Intermédios”, CAE 51500.
Trata-se de um sujeito passivo que não cumpre com qualquer obrigação tributária quer em termos de IVA como de IRS.
Figura, ainda, desde 24/05/2000, como sócio da firma GRI... -, LDA., possuidora do NIPC 5….
1.2. - Por sua vez, no contribuinte “A..., Herdeiros’’, NIPC 9…, encontram-se contabilizadas facturas, emitidas por este sujeito passivo, para o ano de 2000, no seguinte valor:
2000
Valor
IVA
Valor/IVA
Valores em Escudos (PTE)
117.629.165$
19.996.958$
137.626.123$
Valores em Euros (EUR)
586.731,80 €
99.744,41 €
686.476,21 €

Junta-se em anexo uma relação destas facturas, discriminadas por data de emissão (Anexo l).
1.3. - No ano 2001 decorreu uma acção inspectiva ao indivíduo em causa, não tendo sido possível realizar qualquer contacto pessoal com o mesmo.
- No âmbito desta inspecção e de outra efectuada à firma Gri..., Lda., foram efectuadas várias diligências para localizar o contribuinte, mostrando-se as mesmas infrutíferas.
- Da deslocação à morada constante do cadastro do sujeito passivo na base de dados da DGCI, Rua…- Porto, apurou-se que esta coincide com a de uma hospedaria, de nome “Hospedaria …”. Neste local apurou-se, junto do empresário daquele estabelecimento que este não conhecia a pessoa em causa, sendo frequentemente devolvida ao remetente diversa correspondência endereçada a AD....
Da consulta ao livro de “registo de hóspedesexistente naquele estabelecimento, encontrou-se o nome de AD..., registado como tendo dado entrada no dia 03/01/2000 e saída no dia 06/01/2000. Esta informação foi confirmada por escrito, pelo responsável desta hospedaria, através de auto de declarações lavrado a 22/09/2003.
- No que respeita à morada da Av…- Vila Nova Gaia, mencionada nas facturas pré-impressas em nome de AD..., e que funcionou igualmente, entre 1996 e 1998, como local da sede da sociedade GRI…, LDA., verificou-se que aquelas instalações são propriedade da empresa “B…, Lda.”, tendo-nos sido informado, pelo sócio-gerente assim como pela Administração de Condomínio, que não conheciam o AD… e que não havia registos de o mesmo ter ocupado aquela fracção do prédio. Esta informação foi confirmada por escrito através de uma declaração da sociedade proprietária do imóvel, datada de 17/07/2003, à qual junta uma relação dos inquilinos do imóvel desde Fevereiro de 1997 até aquela data.
- Em deslocação efectuada à Segurança Social do Porto e após consulta ao sistema informático daqueles Serviços, constatou-se que AD... nunca constou naquela Instituição como pessoa colectiva ou equiparada, por conseguinte, nunca enviou qualquer folha de ordenados com trabalhadores a cargo ou efectuou qualquer pagamento de contribuições à Segurança Social como trabalhador independente. Esta informação foi confirmada por escrito, em resposta ao nosso pedido de elementos, formalizado através do ofício n°428486 de 23/07/2003.
- Verificou-se ainda que AD... efectuou, em 05/01/2000, na Tipografia…, em V. N. Gaia, a requisição de 3 livros de facturas, guias de remessa e recibos pré-impressos e numerados de 1 a 150.
No dia 20/07/2000 requisitou nessa mesma tipografia mais 7 livros de facturas e recibos pré-impressos, numerados de 151 a 500.
- Em 23/07/2000 o sujeito passivo, servindo-se do logotipo das facturas e recibos impressas na Tipografia…, efectuou, nas instalações da empresa “B… & N…”, com a designação comercial de “C…”, situadas na Praceta…- V. N. Gaia, uma encomenda de 7 livros de facturas e de recibos pré-impressos, com a numeração compreendida entre os nºs 151 a 500, que foram impressos na tipografia “As…” de “G… & A…, Lda.”, NIPC 5…, com sede na Rua…, Porto.
De referir que, no decorrer da acção inspectiva à firma Gri..., Lda., foram localizadas facturas das duas séries que totalizam um valor superior a um milhão e duzentos mil contos e IVA liquidado superior a duzentos mil contos.
1.4. - Já no decorrer do ano de 2004, e no cumprimento de outras acções de fiscalização a outros sujeitos passivos, envolvidos na comercialização de sucatas, apurou-se que o Sr. AD... era o responsável pela angariação de diversos “operadores marginais”, que por sua influência requisitavam livros de facturas, recibos e Guias de Transporte/Remessa, junto de diversas tipografias, a troco de importâncias em dinheiro, normalmente de valor insignificante.
Aparece também identificado como sendo o responsável pela encomenda de serviços semelhantes, junto de tipografias, em nome de sociedades cujos sócios são também “operadores marginais”.
Em ambos os casos, apuramos também, que todos esses livros, depois de impressos, ficavam sempre em seu poder.
1.5. - Conclusões:
- O contribuinte não tem nem nunca teve meios humanos ou materiais que lhe permitissem desenvolver qualquer tipo de actividade comercial, pelo que as facturas emitidas, e que relacionamos no Anexo1, não têm subjacente qualquer transmissão de bens tal como se comprova das diligências efectuadas e que a seguir se resumem.
- Da consulta efectuada ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social do Porto, apuramos que o sujeito passivo nunca constou como pessoa colectiva ou equiparada, por conseguinte, nunca declarou possuir trabalhadores a seu cargo, nem sequer efectuou qualquer pagamento de contribuições à Segurança Social como trabalhador independente;
- Do ofício enviado à Conservatória do Registo Automóvel do Porto apurou-se que este contribuinte apenas teve registado em seu nome um camião de matrícula FS;
- Do ofício enviado à Direcção Geral de Viação, apurou-se que este sujeito passivo nunca teve nenhum título que lhe permitisse a condução de veículos pesados. Uma vez que também nunca teve motoristas a seu serviço, nunca teve condições para efectuar qualquer tipo de transporte de mercadorias em veículos pesados. No que diz respeito ao camião que mencionamos no ponto anterior, a DGV informou-nos que este nunca poderia circular de forma legal, uma vez que a sua última data de inspecção efectuada foi a 02/09/1999, sem que haja qualquer registo de quilómetros percorridos;
- Nas moradas conhecidas para este contribuinte, este ou já lá não está ou é desconhecido;
- Nunca exerceu qualquer tipo de actividade relacionada com sucatas, e como se apurou quer junto das bases de dados da Direcção Geral das Contribuições e Impostos quer do Instituto da Solidariedade e Segurança Social, o contribuinte nunca declarou quaisquer rendimentos ou contribuições.
- Todas as facturas emitidas em nome de AD... contabilizadas no sujeito passivo “A..., Herdeiros”, têm associadas um cheque bancário, no sentido de justificar o seu pagamento e de modo a credibilizar todo o movimento financeiro da operação.
De acordo com o que apuramos, através da análise às cópias destes cheques, verificou-se que estes eram de imediato descontados ao balcão de uma dependência bancária, e convertidos em dinheiro, o que levanta muitas suspeitas no que diz respeito ao destinatário final desse dinheiro. Lógico seria, se o dinheiro se destinasse ao Sr. AD…, e se este tivesse a dimensão empresarial que as suas facturas emitidas querem fazer crer, que este não tivesse tanta pressa para converter o cheque em dinheiro.
- De acordo com o que foi declarado pelos herdeiros e gerentes de facto da actividade comercial da herança indivisa de A..., denominada por “A..., Herdeiros”, em auto de declarações lavrado a 22/10/2004, o Sr. AD... nunca foi visto a conduzir nenhum dos camiões que supostamente entregava com mercadorias no armazém de retém do sujeito passivo, sito em Vilar de Pinheiro - Vila do Conde.
Também raramente foi visto a acompanhar essas mesmas mercadorias. Habitualmente, mal era dada noticia que o camião havia terminado o processo de descarga, no armazém em Vila do Conde, o Sr. AD... entrava nesse mesmo momento no escritório do contribuinte em análise, sito à Rua… no Porto, de forma a entregar a factura e o recibo, que já trazia preenchida, e receber de imediato o cheque de pagamento dessa factura, dado que recebia sempre a pronto. De acordo com análise que efectuamos às cópias frente e verso desses cheques, estes eram levantados e convertidos em dinheiro imediatamente. Este procedimento, que de forma nenhuma pode ser considerado normal, em qualquer tipo de actividade comercial, principalmente devido às elevadas quantias de dinheiro que eram levantadas pelo desconto de cada um destes cheques, foi depois continuado pelo mesmo individuo quando começou a fornecer o sujeito passivo em análise através da sociedade “Gri..., Lda.”, tal como a seguir se descreve.
- No entanto, no dia 15/10/2004, pelas 16:00 horas, quando inquirimos o encarregado do armazém desta sociedade, um senhor de nome Faria, empregado da firma há 38 anos, e responsável por todas as operações e descarregamento das mercadorias no mesmo armazém, na presença do actual presidente do conselho de administração da sociedade, o Sr. Dr. AP…, e depois de lhe exibirmos a fotografia do bilhete de identidade do Sr. AD..., declarou nunca o ter visto. Disse que quem trazia as mercadorias era um outro indivíduo, que seria possivelmente um motorista, e que o camião que conduzia era azul.
Como em todas as facturas emitidas em nome do Sr. AD..., apenas aparece um camião de matrícula FS, que não é nem nunca foi azul, como sendo o veículo responsável por todo o transporte das mercadorias, conclui-se, assim, que o Sr. AD... nunca interferiu no movimento físico das mercadorias, já que não existem quaisquer outros registos da entrada das mercadorias no armazém. Em resposta à questão se existiam os “tickets” das pesagens dos camiões recebidos, os responsáveis pela sociedade responderam que não, uma vez que e segundo eles, depois de conferidos os valores das pesagens com os das Guias de Remessa/transporte e das Facturas, estes eram e são destruídos, se não houvessem diferenças.
2 “Gri... -, Lda.
2.1 - Dados Gerais da Sociedade
Morada: Rua…- V.N. Gaia
Distrito: Porto
N° de Contribuinte (NIPC): 5…
Data de Constituição da Sociedade: 21/06/1996
Data de Início de Actividade declarada: 01/07/1996
Sociedade por Quotas
Regime de IVA Normal de Periodicidade Mensal
Volume de Negócios:
2000: € 7.886.160.74
2001: €6.293.914,73
2002: €4.949.955,63
2003: € 44.732,00
2.2. - SÓCIOS
Esta firma está colectada, desde 01/07/1996, para o exercício da actividade de “Comércio por Grosso de Sucatas”, CAE 51571.
Aquando da celebração do contrato de sociedade, no dia 21/06/1996, foi mencionada que firma teria a sua sede na Av… - Vila Nova Gaia.
Foram sócios constituintes MC… e MA….
- 1ª Alteração da Sede - 26/05/1998
A partir desta data a passou a ser na Rua…Mafamude - V. N. Gaia.
- Cessão de Quotas e 2ª Alteração da Sede - 05/04/2000
Após esta data ficou registado, a favor de F…, uma quota de 2.500.000$00 cedida por MA…, sua cunhada, e a sede passou a ser na Rua…- Canelas - Vila Nova Gaia.
- 2ª e 3ª Cessão de Quotas e 3ª Alteração da Sede - 24/05/2000 e 21/11/2001
As quotas pertencentes a MC… e F…, no valor de 2.500.000$00 cada, foram transmitidas a AD..., que passou a ser o único gerente e sócio até 2 Novembro do ano 2001.
Nesta data, AD..., divide uma das quotas de que é titular, com valor nominal de 2.500.000$00 em duas novas quotas, sendo uma no valor de 2.300.000$00 que reserva para si e outra de 200.000$00 que cede a F… e unifica as duas quotas de ( ) que é titular, numa única quota no valor de 4.800.000$00.
É igualmente alterada a sede da firma para a Rua…, não sendo do nosso conhecimento qualquer outra alteração até à data da presente informação.
Das posteriores análises efectuadas verificou-se que, a partir de Junho de 2000, com a cessão das quotas a AD..., os volumes de “Compras” e de “ Vendas “dispararam desmesuradamente, quando comparados com os valores registados até aquela data.
Refere-se, ainda, que o sócio AD... figura, igualmente, como “fornecedor” desta firma, tendo sido contabilizadas facturas para os meses de Junho, Julho, Setembro, Outubro e Dezembro, no montante de 4.743.173,04€.
2.3. - Facturas da “Gri...” contabilizadas na sociedade “A..., Herdeiros” no exercício de 2000.
Valor
IVA
Valor c/ IVA
Valores em Escudos
Valores em Euros
3.559.637,70 €
605.153,35 €
4.164.791,05 €

2.5. - Principais fornecedores da “Gri...” no exercício de 2000
NOMENIPCVALOR%
1AD...231340.427
4.743.173,04
64,3%
2 P… 206.694.471
€ 1.184.392,31
16,1%
3 J… 108.947.696
€568.128,01
7,7%
4 Ant… 121.847.624
€433.019,77
5,9%
5João… 155.423.614
€ 442.910,21
6,0%
Totais
€ 7.371.623,35
100,0%

Neste quadro observa-se que dos fornecedores registados no exercício de 2000, incluindo o sócio único, que entrou para a sociedade à 24/05/2000, e que é responsável por 64,3% de todas as aquisições de mercadorias, todos são “operadores marginais”, sem capacidade para o exercício de qualquer actividade, dado que:
- Alguns deles encontram-se relacionados com marginalidade e sem paradeiro conhecido, como é o caso do próprio sócio AD..., e do posterior sócio F….
- Outros, nomeadamente J…, estão acusados e/ou condenados por emissão de facturas falsas em resultado da verificação inequívoca da incapacidade para o exercício de uma actividade envolvendo os valores detectados.
2.5. - Diligências efectuadas em visitas de fiscalização anteriores - Instalações e Equipamento
Pelas diligências efectuadas no decorrer de acções inspectivas anteriores, bem como pelo Auto de Declarações de F…, igualmente objecto de acção inspectiva anterior, e do “fornecedor de serviços” ANT…, infere-se que a firma em causa nunca usufruiu de instalações próprias, tendo compartilhado nos anos de 1999 e 2000, com Feliciano Manuel da Silva Ribeiro e a empresa transportadora de nome Transportes B… Lda., um espaço a céu aberto, com a área aproximada de 2.500m2, situado na Trav…- Vilar do Paraíso - V. N. Gaia e um armazém na rua…- Canelas - Vila Nova Gaia, tomados de arrendamento, respectivamente, a J… e J….
A partir de Julho do ano 2000 as referidas instalações foram ainda compartilhadas pela sociedade “R…, Lda.”, da qual F… foi sócio gerente.
Para a realização de operações essenciais, pesagens, cargas, descargas e remoção de sucatas, o sujeito passivo recorreu a serviço de terceiros, tendo efectuado 29 pesagens no ano de 1999 e 33 no ano 2000 e pagou de serviço de máquina na remoção de sucatas, cargas e descargas algumas centenas de contos, valores estes que por reduzidos, mais uma vez, não são compatíveis com o volume de negócios declarado.
A firma em causa registou no seu imobilizado uma viatura pesada d dois eixos, com a matrícula GF, que havia sido propriedade, até Setembro de 2000, da sociedade TRANSPORTES B…, LDA., e um semi-reboque, de matrícula P-5….
Assim, no que respeita a estrutura, designadamente instalações, equipamento e pessoal ao serviço, constatou-se que a mesma era praticamente inexistente, não permitindo assim, gerar o volume de negócios declarado.
2.6. - Conclusões
- Dos factos expostos, concretamente quanto à estrutura empresarial aparentemente evidenciada, verifica-se que a mesma foi projectada no sentido de credibilizai o exercício da actividade de comércio de sucatas, não tendo, por isso, subjacente quaisquer transacções de natureza comercial.
- De resto, as instalações, pressupostamente utilizadas com esse fim, no Cadavão e na Rua.., em Canelas, não serviram, seguramente, o objectivo que aquela actividade implica, nomeadamente no que respeita a armazenamento, seriação, manuseamento e pesagem da sucata.
- Tal como já referimos entre 24/05/2000 e 21/11/2001, o sócio único e gerente desta sociedade foi o Sr. AD.... Com a entrada deste sócio o volume de negócios, de 1999 para 2000, quadruplicou (de 1.978.090,15 € para 7.886.160,74 €, respectivamente). No que diz respeito às “compras” de mercadorias, este foi responsável por 64,3% das mesmas em 2000, apesar de apenas Ter começado a emitir facturas para a “Gri...” a partir de Maio de 2000.
- O resto das aquisições foram justificadas com facturas emitidas por operadores marginais.
- Esta sociedade nunca dispôs de meios humanos ou materiais que lhe permitissem desenvolver a actividade declarada, tal como se comprova das diligências efectuadas junto do:
> Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social do Porto;
> Conservatória do Registo Automóvel;
> Direcção Geral de Viação;
> Instituto de Seguros de Portugal;
> Proprietários (Senhorios) das instalações declaradas.
- Tal como também já referimos para o Sr. AD..., todas as facturas da “Gri...” contabilizadas na firma “A..., Herdeiros”, têm associadas um cheque bancário, no sentido de justificar o seu pagamento e de modo a tentar credibilizar todo o movimento financeiro.
Tal como acontecia com os cheques emitidos em nome do Sr. AD..., e de acordo com o que apuramos, verificou-se que estes eram de imediato descontados ao balcão de uma dependência bancária, e convertidos em dinheiro, o que levanta muitas suspeitas no que diz respeito ao destinatário final desse dinheiro.
- De acordo com as declarações efectuadas pelos responsáveis da “A..., Herdeiros”, no cita auto de declarações lavrado a 22/10/2004, a gerente e responsável pela sociedade “Gri..., Lda.”, até Maio de 2000 era a Sra. MC…, irmã de um fornecedor habitual do sujeito passivo em) análise, que é o Sr. F…. No entanto refira-se que em termos de valor, os fornecimentos da “Gri...” até Maio de 2000 foram insignificantes, face ao valor que se registou entre Maio e Dezembro desse ano. A partir de Maio de 2000, o responsável desta firma, tal corno se apresentou, foi o Sr. AD....
Tal como referimos para o Sr. AD..., a nível individual, o mesmo procedimento era tomado para a “Gri...”. Nunca foi visto a conduzir nenhum dos camiões que supostamente entregava com mercadorias no armazém de retém do sujeito passivo, sito em Vilar de Pinheiro - Vila do Conde. Também raramente foi visto a acompanhar essas mesmas mercadorias. Habitualmente, mal era dada notícia que o camião havia terminado o processo de descarga, no armazém em Vila do Conde, o Sr. AD... entrava nesse mesmo momento no escritório do contribuinte em análise, sito à Rua… no Porto, de forma a entregar a factura e o recibo, que já trazia preenchida, e receber de imediato o cheque de pagamento dessa factura, dado que recebia sempre a pronto.
- Face ao descrito, conclui-se que todas as facturas emitidas pela “Gri...” são falsas, uma vez que nem o Sr. AD... nem a sociedade dispunham de quaisquer tipo de meios humanos ou materiais para concretizar qualquer tipo de negócio.
(…)
4 Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS)

Em sede de IRS os custos contabilizados pelo sujeito passivo relativos às facturas supra indicadas, não poderão ser aceites fiscalmente, para determinação do lucro tributável da actividade comercial da Herança Indivisa de A..., denominada por “A..., Herdeiros”, NIPC 9…, de acordo com o artigo 23° do Código do IRC (por remissão do artigo 33º-B do Código do IRS), uma vez que pelo facto de as facturas que os titulam, serem consideradas falsas, não são comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que se procedeu à correcção, relativamente ao exercício de 2000, ao respectivo lucro tributável da referida actividade comercial, no montante de 4.146.369,50€ (o que equivale a um valor em escudos de 831.272.451$).
Após esta correcção, o Lucro Tributável da actividade comercial desta Herança Indivisa no exercício de 2000 passou a ser de :
Descrição Valores em escudos Valores em euros
Lucro Tributável Declarado
899.759,26 €
Correcção
4.146.369,50 €
Lucro tributável corrigido
5.046.128,76 €
(…)
VIII - Direito de Audição.
A 25 de Outubro de 2004, o sujeito passivo foi notificado pessoalmente nos termos do artigo 60° da Lei Geral Tributária e 60° do Regime Complementar de Inspecção Tributária, no sentido de poder exercer o direito de audição no prazo de oito dias.
No dia 03/11/2004 deu entrada nestes serviços uma exposição, por escrito, enviada pelo sujeito passivo, no sentido de exercer o seu direito de audição. Nesta exposição, o sujeito passivo expõe uma série de factos e argumentos elencados ao longo de 17 pontos, juntando duas folhas em anexo.
Depois de analisada atentamente esta exposição, e de ter tido em conta todos os factos e argumentos expostos pelo contribuinte temos a acrescentar que:
- A Administração Fiscal, através dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária desta Direcção de Finanças do Porto, depois de ter efectuado todas as diligências possíveis de acordo com as suas competências, concluiu que as entidades identificadas no ponto III deste relatório, não tinham no período analisado qualquer tipo de meios humanos ou materiais que lhes permitissem levar a cabo as operações necessárias às transacções comerciais que as facturas emitidas querem fazer crer.
- Neste sentido não restam dúvidas da existência de uma operação simulada, por parte dos emitentes em causa, pelo que, nos termos do n°3 do artigo 19° do Código do IVA, o IVA nelas incluído não poderá ser considerado como dedutível.
- No entanto, a Administração Fiscal, para o exercício de 2000, não dispõe de dados suficientes para poder avaliar da veracidade das vendas contabilizadas, com especial relevância para aquelas que se destinaram a firmas sediadas em países da Comunidade Europeia, uma vez que também não pode comprovar se as mercadorias entraram ou não no armazém do contribuinte. A única certeza que existe, é a de que os agentes que constam como sendo os “fornecedores” não foram seguramente os responsáveis pela venda e entrega das mercadorias em questão.
- Para se poderem considerar os custos a nível da determinação do lucro tributável, na qualidade de custos de substituição, o sujeito passivo deveria identificar e provar quem foram os verdadeiros responsáveis pelas operações que permitiram estas transacções comerciais.
- Assim sendo, e como nesta exposição o sujeito passivo não traz qualquer tipo de elementos que contrariem as conclusões retiradas pela Administração Fiscal, na sequência da investigação por si realizada, pelo que se mantêm todas as propostas de correcção efectuadas no Projecto de Relatório previamente entregue, e que agora se reflectem neste Relatório de Inspecção Tributária.
(…)
Fls 74 a 89 do P.A.
F) Em 26/11/2004, foi emitida, “Nota de fixação/alteração” dos rendimentos em sede de I.R.S., referentes ao ano de 2000, do sujeito passivo GR..., de onde consta, além do mais, o seguinte:

4 APURAMENTO DO CONJUNTO DOS RENDIMENTOS LÍQUIDOS
CAT Suj. Passivo A Suj. Passivo B Dep: Dep:
C
2.274.894,12 €
F
3.120,53 €
H
4.796,94 €
TOTAIS
2.282.811,59 €
4.1 Rendimento bruto total
2.282.811,59 €
4.5 Transporte
2.278.014,65 €
4.2 Deduções Específicas
4.796,94 €
4.6. Perdas a recuperar
406.739,26€
4.3….. …
4.4 A transportar
2.278.014,65 €
4.8 Rend. Liq. total
1.871.275,39€
Nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do CIRS, altero o conjunto dos rendimentos líquidos para o montante de € 1.871.275,39…
Fls 67 e 68 do P.A.
G) Em 29/11/2004 foi emitida, em nome de GR..., a liquidação adicional de I.R.S. n.º 20045004311454 relativa ao ano de 2000 e respectivos juros compensatórios (nota de cobrança n.º 2004 1122931), que deu origem à demonstração de compensação n.º 2004 00013101706, de 09/12/2004, com o valor a pagar de € 713.536,01.
Fls 33 a 35 do P.R.G..
H) Em 13/07/2005, a Impugnante deduziu Reclamação graciosa da liquidação referida na alínea anterior, que veio a ser parcialmente deferida por despacho de 12/04/2006, dando origem à liquidação corrigida n.º 20075003619553, de 06/08/2007, com o valor a pagar de € 713.054,16.
Fls 1, 623 a 632 e 660 do P.R.G..
I) O despacho de 12/04/2006 de deferimento parcial da Reclamação graciosa teve por base “Informação / Proposta de decisão” de 07/10/2005, da qual consta o seguinte:
(…)
A liquidação aqui posta em crise resulta de acção de fiscalização levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária ao contribuinte n.° 900 722 134 - A... Herdeiros, com sede em R. Santos Pousada, 57 Porto;
As correcções resultantes da acção inspectiva são de natureza meramente aritmética, sem recurso a métodos indirectos;
A correcção teve por base a não consideração dos custos contabilizados pelo s.p. correspondentes a facturas de compra de sucata que não têm subjacente qualquer reIação comercial com os emitentes das mesmas ao serem consideradas falsas, não sendo aceites fiscalmente para determinação do lucro da actividade comercial de A... Herdeiros, nipc 900 722 134, de acordo como art° 23 do CIRC (por remissão do art.° 33-B do CIRS), conforme relatório dos Serviços de Inspecção Tributária e que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 55/66 dos autos);
Também, no que respeita ao facto do imposto ter sido liquidado à s.p. Guilhermina, nif 108660117 e não aos sucessores, como alegam parece não lhes assistir razão;
De facto na declaração de rendimentos (cfr. fls. 606 a 610 dos autos), apresentada pelo herdeiro AP…, nif 108660117 não foi considerada, por erro praticado pelo impetrante, a situação de óbito do titular dos rendimentos, ocorrido em 2000/09/20, pelo que a liquidação foi efectuada em conformidade com base na declaração apresentada (cfr. art.° 66 do CIRS);
Porém, atento o facto de se ter verificado o óbito do titular dos rendimentos, em 2000/09/20, só é relevante para o fraccionamento dos rendimentos em conformidade com o determinado no artº 65 do CIRS, sendo os rendimentos da categoria C, que respeitam ao ano completo, determinados de acordo com a alínea e) do n° 1 do art.° 65 do CIRS, ou seja, são divididos proporcionalmente ao número de dias contidos nos períodos antes e depois da ocorrência do óbito;
Ficando os da categoria F, se pagos ou postos à disposição depois da ocorrência do óbito, fora do campo de incidência, porquanto ficam sujeitos a imposto sobre sucessões e doações (cfr. art.° 65/2 do CIRS);
Nestes termos e para efeitos do art.° 75 do CPPT, proponho a V.Exª, que seja proferida decisão DEFERIR parcialmente o pedido, mantendo-se a matéria tributável apurada pelos Serviços de Inspecção Tributária, reformulando-se, no entanto, a liquidação de conformidade com o determinado nos art.° 64 e 65 do CPPT atento o facto do óbito ocorrido em 2000/09/20.
Fls 623 e 624 do P.R.G..
J) Nos anos de 1998 e 1999, a “A... Herdeiros” dirigiu requerimentos à A.T. solicitando informação sobre a validade do número de identificação fiscal da “Gri... –, Lda” (em diante “Gri...”)” – 5…, o que foi confirmado pela A.T..
Fls 80, 88 e 91 do P.R.G..
K) Em 28/10/2004, a “A... Herdeiros” consultou o sistema VIES para aferir da validade do número de identificação fiscal da “Gri...” e obteve a informação “Sim, número de IVA válido”.
Fls 93 do P.R.G..
L) Em 01/07/2003, a “A... Herdeiros” consultou o sistema VIES para aferir da validade do número de identificação fiscal de “AD...” e obteve a informação “Sim, número de IVA válido”.
Fls 547 do P.R.G..
M) A “A... Herdeiros” dispõe de quadros/tabelas preparados internamente para os fornecedores “Gri...” e “AD...” em que consta “Ano 2000”, “guia de remessa”, “factura” e “cheque”.
Fls 105 a 111 do P.R.G..
N) A “A... Herdeiros” possui cópias das facturas e guias de remessa emitidas pela “Gri...” e de “AD...”, cópias dos cheques à ordem daquelas sociedades e cópias dos recibos por elas emitidos.
Fls 121 a 544 do P.R.G..
O) Os Bancos Totta & Açores e B.C.P. remeteram a “A... Herdeiros” “extractos de conta” e “extractos combinados” contendo movimentos bancários do ano 2000.
Fls 548 e ss do P.R.G..
III.2. Factos não provados
O Tribunal não detectou a alegação de factos com relevo para a decisão, a dar como não provados.
III.3. Motivação da decisão da matéria de facto
Da prova documental
A decisão da matéria de facto baseou-se no exame do teor dos documentos constantes dos autos, do P.A. e do P.R.G., que não foram impugnados, conforme referido, em concreto, em cada uma das alíneas do probatório.
No que concerne aos documentos descritos nas alíneas M) a O) (mapas internos, facturas, guias de remessa, recibos, cheques, extractos bancários), a sua força probatória circunscreve-se apenas às declarações - de ciência ou de vontade - que deles constam como feitas pelo subscritor, não fazendo prova plena dos factos neles narrados como praticados pelo seu autor ou como objecto da sua percepção directa.
Assim, e embora suportem, do ponto de vista formal, os custos contabilisticamente registados, por si só, não comprovam a materialidade das operações.
De facto, o que resulta demonstrado é que foram emitidos tais documentos (facturas, guias, cheques, recibos) e já não que a mercadoria constante das facturas tenha sido efectivamente entregue à “A... Herdeiros” e que o tenha sido por aqueles concretos emitentes (“Gri...” e “AD...”).
Desses documentos não resulta demonstrado que as compras de sucata referidas nas facturas em causa tenham efectivamente ocorrido, uma vez que, da regularidade formal da contabilidade e dos seus documentos de suporte não decorre a efectiva ocorrência das transacções registadas; sendo mesmo de salientar que, tal como tem vindo a ser afirmado reiteradamente pelos Tribunais superiores, a regularidade da contabilidade e do circuito documental em utilizadores de facturação falsa constitui precisamente um dos indícios da falta de materialidade das operações, pela necessidade de regularização formal face à não efectivação das transacções.
Também do facto da “A... Herdeiros” ter confirmado, junto da A.T., a validade dos números de contribuinte dos emitentes das facturas (cfr alíneas J) a L) do probatório) não decorre, de todo, a veracidade das transacções nelas descritas.
Da prova testemunhal
Relativamente aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelas partes e apesar dos mesmos terem-se revelado sérios e credíveis, dos mesmos não resultaram factos a dar como provados, pelas razões que se passam a expor.
F…, presidente da ANAREPRE – Associação Nacional dos Recuperadores de Produtos Recicláveis, entidade que tem como associadas empresas do sector, limitou-se a descrever a forma como, em regra, se efectivam as transacções no sector dos resíduos sólidos recicláveis (vulgo “sucatas”).
Os depoimentos das testemunhas J… e M…, amigos da família R…, foram vagos e não revelaram conhecimento directo dos concretos negócios levados a cabo pela “A... Herdeiros”.
Por seu turno, as testemunhas Ant… e P…, a primeira, desde 2002, Revisor Oficial de Contas da sociedade "A... - Importação e Exportação de Metais, S.A." e, a segunda, técnico de auditoria dessa mesma SROC, não só não presenciaram as transacções, como apenas auditaram e certificaram as contas da "A... - Importação e Exportação de Metais, S.A." a partir do ano de 2002, não tendo qualquer intervenção, em 2000, quanto à “A... Herdeiros”.
As testemunhas Ant… e D…, colaboradores da “A... Herdeiros” (empregado de escritório e fiel de armazém, respectivamente) apenas descreveram, de forma geral, a praxis, com os inerentes procedimentos “normalmente” adoptados pela empresa – de negociação, recepção e pesagem das mercadorias, conferência de facturas, pagamentos e emissão de cheques - nada tendo dito acerca dos fornecedores em questão ou das transacções em causa, não tendo sequer esclarecido a periodicidade das compras, as quantidades e qualidade das mercadorias, as viaturas usadas pelos alegados fornecedores referenciadas nas guias de remessa, os motoristas e/ou os sujeitos a quem eram entregues os cheques, etc.
Devidamente analisados os depoimentos prestados, verifica-se que as testemunhas arroladas pelos Impugnantes não demonstraram possuir um conhecimento directo nem concreto das transacções postas em causa pela A.T..
Com efeito, e pese embora tenham sido arroladas várias testemunhas e os depoimentos tenham sido extensos, nenhuma delas se referiu aos concretos emitentes das facturas ou mostrou ter presenciado as transacções, por forma a corroborar a sua veracidade.
Finalmente, o inspector tributário L… demonstrou possuir experiência na inspecção tributária a empresas do “sector das sucatas”, mas limitou-se a reiterar os dados que constam do Relatório da inspecção.

2. O Direito

A legalidade de liquidações adicionais de IRS, emitidas pela Administração Tributária, com referência ao ano de 2001, no seguimento das correcções aritméticas efectuadas de acordo com o disposto no artigo 23.º do Código do IRC (por remissão do artigo 33.º-B do Código do IRS então vigente) ao sujeito passivo “A... Herdeiros”, já foram apreciadas em relação a alguns herdeiros, designadamente, referente a MF..., no âmbito do processo n.º 458/07.7BEPRT, ou a G..., no âmbito do processo n.º 455/07.2BEPRT.
In casu, está em causa a legalidade da liquidação adicional de IRS (e respectiva liquidação de juros compensatórios), emitida pela Administração Tributária, com referência ao sujeito passivo GR... do ano de 2000, também no seguimento das correcções aritméticas efectuadas de acordo com o disposto no artigo 23.º do Código do IRC (por remissão do artigo 33.º-B do Código do IRS então vigente) ao sujeito passivo “A... Herdeiros”, no pressuposto de que as facturas emitidas por AD... e pela sociedade Gri..., nesse ano contabilizadas por esse sujeito passivo são falsas, não podendo ser consideradas como custo fiscal e de não terem sido apresentados documentos que provassem a realização das operações por outros agentes, os chamados “custos de substituição”.
Os Acórdãos deste TCAN, de 30/03/2017 e de 20/04/2017, respectivamente proferidos no âmbito dos processos mencionados, já apreciaram todas as questões colocadas no presente recurso nos seguintes termos, - cuja fundamentação sufragamos – e, por isso, transcrevemos, aderindo a todo o seu discurso fundamentador com as adaptações indispensáveis à situação jurídica em análise, uma vez que nos presentes autos estão em apreço facturas emitidas por AD... e pela sociedade Gri...:
«Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da realidade que envolve o presente recurso jurisdicional, sendo que está em causa indagar da legalidade da liquidação adicional de IRS (e respectiva liquidação de juros compensatórios), emitida pela Administração Tributária, com referência ao ano de 2001, no seguimento das correcções aritméticas efectuadas de acordo com o disposto no artigo 23.º do Código do IRC (por remissão do artigo 33.º-B do Código do IRS então vigente) ao sujeito passivo “A... Herdeiros”, no pressuposto de que as facturas emitidas pelas sociedades Gri... e R… [aqui facturas emitidas por AD... e pela sociedade Gri...], nesse ano contabilizadas por esse sujeito passivo são falsas, não podendo ser consideradas como custo fiscal e de não terem sido apresentados documentos que provassem a realização das operações por outros agentes, os chamados, “custos de substituição”.

Nas suas conclusões, a Recorrente defende que foram nos autos provados factos que cuja apreciação implica necessariamente que aos constantes do Relatório de Inspecção (todos relativos a entidades terceiras, lembre-se) não possa ser atribuída, como o foi pela AT, a natureza de “indícios” de que as facturas contabilizadas pela A... não titulam transacções reais, sendo que esses factos são os que constam do elenco do ponto ii.b) da alínea do capítulo III das presentes alegações, elenco esse que se dá aqui por reproduzido, verificando-se que essa factualidade demonstra cabalmente a naturalidade e legalidade das operações em causa: da sua devida consideração tem necessariamente de concluir-se que todos os bens em causa nos autos foram efectivamente transaccionados, existindo documentação comercial, contabilística e bancária conforme, e não tendo essas operações decorrido de modo diverso ao que é usual no sector, pelo que não sobra qualquer dúvida da ilegalidade da fundamentação das liquidações impugnadas e da Sentença recorrida.

Quanto ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 685º-B do CPC, que regula esta matéria depois da alteração introduzida pelo D.L. nº 303/07, de 24-08 (actual art. 640º a partir da Lei nº 41/2013, de 26-06), porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 685º-B nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 685º-B do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição, o que significa que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto da discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do CPC).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Ora, como já ficou claro, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que a Recorrente, “in casu”, não cumpre com o referido ónus, pois que, embora indique no ponto ii.b) da alínea c) do capítulo II das suas alegações a matéria de facto que pretendia ver incluída no probatório, cumprindo desse modo o primeiro dos ónus que lhe é imposto na lei, já o mesmo não acontece quanto ao segundo ónus, uma vez que não indica para cada ponto concreto da matéria de facto os concretos elementos probatórios, sendo que a indicação dos meios probatórios é feita genericamente, remete para os documentos dos autos e para os depoimentos das testemunhas, sem os identificar um a um e sem os relacionar com cada um dos pontos da matéria de facto, de modo que, não tendo a recorrente cumprido o determinado na norma citada, o recurso nesta parte é rejeitado, o que obsta a que este Tribunal proceda ao reexame de tal matéria de facto.

A partir daqui, cumpre, então, entrar na análise da realidade essencial em equação nos autos, ou seja, a pertinência das correcções à matéria colectável, referindo a Recorrente que o Tribunal recorrido faz uma interpretação errada das possibilidades de aplicação do artigo 23° do Código do IRC: a AT está obrigada a recolher indícios sérios de que entre o contribuinte inspeccionado e os seus fornecedores de serviços ou bens houve um conluio simulatório e para que o artigo 23° do Código do IRC se possa considerar correctamente aplicado, a AT deveria ter identificado, nas relações da A... com os seus fornecedores, quer o intuito e o acordo simulatórios, quer o “animus nocendi” em desfavor do Estado, sendo que, ao decidir como decidiu, a Sentença a quo sancionou a legalidade de actos de liquidação cuja fundamentação é, no tom e na natureza, simplesmente remissiva - não constituindo mais do que uma mera resenha de conclusões de outros Relatórios (como que um seu epílogo), relativos a outros sujeitos passivos, de cujo conteúdo completo a A... nunca teve conhecimento: a Sentença conformou-se com o facto de a AT não ter apresentado provas ou sequer indícios credíveis e circunstanciados do que aparentemente alega e que possam ser sustentadamente subsumidos ao conceito - a algum conceito - de simulação, limitando-se a expor o circuito comercial de determinadas mercadorias, a identificar a situação tributária irregular de alguns dos operadores que nele participam, a referir a alegada reiteração de um determinado tipo de fraude no sector em causa e a concluir, irresponsável e - diga-se - preguiçosamente, que toda e qualquer entidade envolvida nesse circuito faz parte de um conluio fraudulento e de qualquer modo, ainda que todos aqueles supostos “indícios” se viessem a provar, daí não se poderia concluir pela inexistência de meios para celebrar com a A... os negócios titulados nas facturas: nenhum desses indícios impede um operador de, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se deslocar às instalações de um outro revendedor, oferecer as mercadorias, acordar um preço e descontar o cheque usado como meio de pagamento (ou seja, não pode concluir-se, apenas por que se confirmam aqueles factos, que os fornecedores não estavam em condições de transaccionar as mercadorias), de modo que, não tendo a AT feito o que lhe caberia por lei - a prova dos factos de que resulte a demonstração clara e inequívoca da existência de um conluio entre a A... e alguns dos seus fornecedores, no sentido da simulação, mediante facturas “de favor”, de operações tributáveis -, deveria a Sentença a quo ter decidido que aquela não cumpriu o seu especial dever de fundamentação dos actos tributários impugnados.

Que dizer?
Com interesse para o enquadramento desta matéria, cabe ter presente o exposto no Ac. do T.C.A. Sul de 28-06-2011, Proc. nº 02477/08, www.dgsi.pt, onde se aponta que “O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (I.R.C.), introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 442-B/88, de 30/11, pode definir-se como um imposto directo, tanto de um ponto de vista jurídico (como tal é classificado no Orçamento do Estado), como de um ponto de vista económico, dado que incide sobre manifestações directas ou imediatas da capacidade contributiva como é o rendimento real (em geral lucros) das empresas com sede ou direcção efectiva em Portugal. É um imposto de características reais, visto não levar em consideração os sinais pessoais que se verificam na pessoa do contribuinte, antes se dirigindo objectivamente à tributação da riqueza. É, igualmente, um tributo de características unitárias, no sentido de abranger tendencialmente todos os rendimentos das pessoas colectivas. Encontramo-nos perante um imposto proporcional, dado a sua taxa ser fixa qualquer que seja o montante da matéria colectável e assentando, em princípio, na tributação do rendimento real ou efectivo, embora admita presunções de rendimento, assim como a sua fixação através de métodos indiciários. Por último, encontramo-nos perante um tributo periódico, visto que a obrigação de imposto se renova nos sucessivos períodos anuais de tributação, dando origem, consequentemente, a sucessivas obrigações tributárias anuais e independentes umas das outras (cfr.artºs.1, 2, 3, 7, 51 e 69, todos do C.I.R.C.; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.215 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.573 e seg.).
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que inevitavelmente daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para fins fiscais (cfr.J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
Refira-se, ainda, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor no ano de 2001, actual artº.115, do C.I.R.C.; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada. …”.

Pois bem, neste âmbito, a jurisprudência aponta que o ónus da prova se reparte, em processo onde o contribuinte impugne a actuação da AT, desconsiderando operações consubstanciadas em determinadas facturas existentes na escrita daquele, no sentido de caber a esta (AT) a prova dos pressupostos da sua actuação e àquele (contribuinte) a prova de que as questionadas operações tiveram, efectivamente, lugar. Ou, numa outra formulação, obtendo a AT indícios sérios e credíveis de que determinada operação comercial titulada por uma factura não é real, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade dessa transacção (neste sentido, Ac. TCAN de 24-01-2008, Proc. nº 02887/04 - VISEU, www.dgsi.pt )
De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

Tal significa que, quando está em causa a correcção de liquidações de IRC por desconsideração dos custos documentados por facturas reputadas de falsas pela AT, e porque a liquidação de IRC tem por fundamento o não reconhecimento de custos declarados pelo sujeito passivo, compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, tendo o juízo da administração tributária assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado na factura em causa não corresponde à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na factura foi simulada, sendo que, como já ficou dito, feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente os custos declarados na determinação da respectiva matéria tributável nos termos que decorrem dos artigos 17º nº 1 e 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100º do CPPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado no artigo 100º nº 1 do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a administração tributária: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos custos em que alega ter incorrido e que pretende ver reflectidos no apuramento do lucro tributável.
Assim sendo, cabe, em primeiro lugar, analisar se a administração tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante e emitidas pelas emitentes apontadas não subjaz a prestação dos serviços que, alegadamente, teria implicado a respectiva emissão.

Deve ter-se ainda presente que não é imperioso que a administração tributária efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” - cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154, o que significa que a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75º da LGT.
Ora, indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, pág. 311, sendo que nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.

A partir daqui, e dentro da linha de análise apontada, deve salientar-se, porém, que a acima descrita regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu, ou seja, depois da administração tributária ter emitido um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei.

Nestas condições, é jurisprudência firme que quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade, sendo que, feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.

Tal significa que, antes de mais, cabe analisar da bondade da decisão recorrida, numa primeira fase, quando refere que “…Ora, os [“factos-índice”] elementos recolhidos, tal como acima descritos, analisados no seu conjunto e tendo em conta das regras da experiência - considerando as elevadas quantidades de mercadoria alegadamente adquiridas a tais fornecedores [2.245.464 Kg, no caso da R… e 2.028.971 Kg, no caso da Gri..., conforme resulta do item 15) do probatório] e a demonstrada falta de capacidade logística e de meios humanos para a realização de operações, com tal volume, por parte destes -, são, [em nosso ver], [mais do que] suficientes para [permitir à Administração Tributária] concluir que os emitentes das facturas são empresas “fantasma”, emitentes de “facturas falsas” ou “de favor”, que não exercem qualquer actividade comercial (ou, quando muito têm uma actividade residual ou insignificante), e, nessa medida, desconsiderar os custos que as facturas em causa visam titular. ...”»

Para alicerçar o exposto, a decisão recorrida considerou, além do mais, os seguintes elementos:
“(…)
· Relativamente ao emitente “AD...”:
- nunca cumpriu qualquer obrigação fiscal em termos de I.V.A. e de I.R.S. (“não declarante”);
- nunca esteve registado na Segurança Social nem teve trabalhadores a seu cargo;
- é desconhecido nas moradas que constam do cadastro e das facturas;
- é incontactável;
- requisitou diversos livros de facturas, de guias de remessa e de recibos e angariou “operadores marginais” para também o fazerem, a troco de importâncias em dinheiro, normalmente de valor insignificante ficando na posse dos livros;
- não possui meios materiais nem humanos para fornecer a sucata que consta das facturas; e
- todas as facturas contabilizadas na "A..., Herdeiros" têm associadas um cheque que era de imediato descontado ao balcão de uma dependência bancária e convertido em dinheiro, o que levanta muitas suspeitas no que diz respeito ao destinatário final desse dinheiro.
• Relativamente ao emitente “Gri...”:
- em 2000 teve como único sócio, gerente, único funcionário e principal fornecedor AD..., relativamente ao qual foram recolhidos os elementos supra referidos;
- os seus fornecedores são “operadores marginais”;
- a sua estrutura, designadamente, instalações, viaturas e pessoal, não permitia gerar o volume de negócios declarado; e
- todas as facturas contabilizadas na "A..., Herdeiros" têm associadas um cheque que era de imediato descontado ao balcão de uma dependência bancária e convertido em dinheiro, o que levanta muitas suspeitas no que diz respeito ao seu destinatário final. (…)”

Em face destes elementos coligidos pela Administração Tributária, continua a ser pertinente o julgado nos Acórdãos deste TCAN, de 30/03/2017 e de 20/04/2017, proferidos no âmbito dos processos n.º 458/07.7BEPRT e n.º 455/07.2BEPRT, respectivamente, entre outros relativos aos mesmos herdeiros:
«(…) A partir daqui, e dentro da linha de análise apontada, deve salientar-se, porém, que a acima descrita regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu, ou seja, depois da administração tributária ter emitido um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei.

Avançando para o caso concreto, não podemos deixar de ter presente que a ASR contabilizou as facturas emitidas pelos seus indicados fornecedores e emitiu as respectivas declarações periódicas, o que terá feito nos termos previstos na lei, visto que não foi apontada nenhuma irregularidade nem a essas declarações nem a elementos contabilísticos que as suportassem.
Nenhuma dúvida, por isso, de que a ASR beneficiava da presunção da verdade a que alude o artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, quanto aos elementos inseridos nessas declarações.
Daí que coubesse à administração tributária, no âmbito da sua actividade fiscalizadora averiguar da sua conformidade com a verdade fiscal do sujeito passivo e, sendo caso disso, reunir os indicadores que, apesar do cumprimento formal dos seus deveres declarativos e de escrituração, e da aparência de colaboração com a administração fiscal que dele decorre, não teria o direito à dedução arrogado nesses documentos.
O que a administração tributária pretendeu fazer precisamente através da acção de fiscalização apontada nos autos.

Assim, quando se percorre o RIT, deparamos com um conjunto de elementos que são fortemente indiciadores, dada a sua objectividade e seriedade, de que a escrita da ASR não merece credibilidade.
Quanto à relevância do exposto pela Recorrente, que pretende alhear a ASR de toda esta matéria, colocando o acento tónico no facto de os elementos estarem apenas relacionados com os emitentes das facturas, não podemos conceder abrigo a uma análise tão ligeira, na medida em que o circuito (não tem apenas uma fase) completa-se a partir do momento em que a ASR exibe as facturas descritas e assume a realidade subjacente às mesmas a partir do momento em que as integra na sua contabilidade, ou seja, a partir daqui mostra-se indiciado o acordo subjacente à operação simulada.
Efectivamente, a partir deste momento, é a ASR que assume a afirmação que, no fundo, sustenta os custos apontados nesta sede, com referência às operações em causa, o que significa que a sua posição é de interveniente em todo o procedimento e não de mero receptáculo das facturas em apreço, não podendo deixar de impressionar o facto de a mesma nada apontar no sentido de colocar em crise o percurso adoptado pela AT no que concerne aos sujeitos das operações em causa, o que significa que cabe valorizar em toda a linha a matéria descrita pela AT sobre a caracterização dos emitentes das facturas em causa, situação que, conjugada com os demais elementos presentes nos autos, permite reafirmar que estamos perante um conjunto de elementos que são fortemente indiciadores, dada a sua objectividade e seriedade, de que a escrita da impugnante não merece credibilidade.

Por outro lado, importa ainda ter presente a própria descrição feita pela ora Recorrente no que concerne à caracterização do negócio da ASR e das várias vicissitudes que envolvem o mesmo.
Pois bem, nas suas próprias palavras, a A... laborou várias décadas no seu sector de actividade, sendo sempre tida como uma empresa conceituada e tradicional, que oferecia todas as garantias, quer quanto à qualidade do material transaccionado, quer quanto às condições de pagamento. Era uma empresa líder do mercado, reconhecida enquanto tal e a forma normal de actuação da empresa não divergia da que era comum na generalidade das empresas do sector da “sucata” e encontrava-se intimamente ligada às características próprias que este reveste, sendo que o sector referido era constituído, à data dos factos, essencialmente por três tipos de operadores, os quais, na sua globalidade e tendo em conta a sua dimensão e actividade, permitiam perspectivá-lo segundo uma paisagem piramidal; no topo, encontrava-se um grupo restrito de grandes operadores - os chamados “fomos” ou “fundições” - que se dedicavam (e ainda dedicam) à transformação dos metais adquiridos; na base, tínhamos um conjunto extremamente atomizado de comerciantes fornecedores daquela matéria-prima, dotados de pequenas estruturas humanas e físicas; finalmente, num patamar intermédio e em menor número que estes últimos, existia uma série de entidades igualmente não transformadoras mas que, com outra dimensão e capacidade empresarial, funcionavam como agregadoras da matéria-prima dispersa fornecida por aqueles agentes atomizados.
A A... inseria-se neste último grupo, sendo um conhecido e respeitado intermediário entre o pequeno e nédio operador e o destino final, a transformação, verificando-se que é ao nível da base que se encontram os agentes de pequeníssima dimensão, a quem se imputa a ausência de formalismos que os agentes intermédios colmatam, sendo justamente os agentes intermédios da cadeia que acrescentam formalidade ao sector, não sendo, por isso, possível atribuir-lhes qualquer responsabilidade pela desestruturação ou pela indisciplina formal própria daqueles agentes atomizados.
Ora, as fundições têm uma capacidade de transformação normalmente na ordem das várias centenas de toneladas por dia e encontram-se permanentemente em funcionamento, pelo que necessitam de um constante fornecimento de matérias- primas e essas matérias-primas encontram-se facilmente em quantidade; no entanto, apenas alguns operadores mais antigos asseguram a certeza do fornecimento de material com suficiente qualidade - daí que os grandes “fornos” transformadores concentrem a sua procura num número restrito de operadores intermédios como a A....
Aliás, a preferência das fundições por esse grupo limitado de fornecedores não se justifica apenas pela qualidade da matéria-prima fornecida: por um lado, apenas eles, com a facilidade de acumulação de grandes stocks que apresentam (por causa da sua capacidade empresarial instalada, física e humana), têm idoneidade para prover o fornecimento constante e assegurar, assim, a permanente laboração dos “fornos” (com quem tinham normalmente contratos que exigiam um mínimo rigoroso de fornecimentos periódicos - mensais, por exemplo); por outro lado, uma vez que não dispõem de stocks que lhes permitam o contrário, os pequenos operadores exigem das fundições o pagamento a pronto ou em prazos curtos - o que, inclusivamente, impede que as eventuais reclamações sejam fritas, como é vulgarmente desejável, antes desse mesmo pagamento, o que significa que uma das características que veio enformar o sector das “sucatas” tenha sido o surgimento natural de um conjunto de agentes intermédios entre os grandes agregadores e os pequenos fornecedores de matéria- prima, rareando, assim - sem que isso constitua algo de suspeito -, os contactos comerciais entre estes dois últimos grupos.
Duas das notas que da prova produzida resultam como caracterizadoras do ramo de actividade ora em análise são, como vimos, a constante procura de matéria- prima por parte do seu destinatário final (as fundições) e a grande proliferação e atomização, na base do sector, de pequenos agentes fornecedores. Neste cenário, os intermediários do tipo e dimensão da A... vêem-se a braços, por um lado, com uma forte pressão da procura a jusante e, por outro, com uma enorme e proactiva oferta a montante.
Dada a grande concorrência existente do lado da oferta e a consequente posição de supremacia negocial em que, perante os operadores de base, se encontram os agregadores intermédios, compreende-se que sejam habitualmente os fornecedores a contactarem os eventuais compradores, dirigindo-se os mais regulares de entre aqueles às instalações destes últimos, com um contacto prévio mantido com os responsáveis pela sociedade para conhecimento do preço pelo qual se poderão realizar as transacções, para apresentarem a sua mercadoria, sendo que a diferença relativa de poder negocial referida faz com que, no sector das sucatas, seja o comprador a fixar o preço dos bens adquiridos, numa inversão do sistema de preços que é, deste modo, também ela uma característica do ramo, bem como, por exemplo, do mercado do fornecimento de produtos frescos às grandes superfícies comerciais ou do mercado de fornecimento de madeiras. Neste negócio, os clientes são tratados como fornecedores; a pirâmide dos fornecimentos encontra-se invertida; a recolha depende dos inúmeros pequenos agentes que actuam no mercado e converge para o grande grossista que os concentra, acumula e vende à indústria transformadora em grandes quantidades.
Por seu turno, a necessidade de manter stocks permanentes e bem aprovisionados - a fim de assegurar o fornecimento de metais aos grandes “fornos” transformadores - (aliada à forma como se processa a abordagem aos intermediários acabada de referir), faz com que a compra das matérias-primas por parte dos operadores como a A... se faça sem formalidades substanciais (normalmente sem contratos reduzidos a escrito) e com pagamentos a pronto. O fornecimento a crédito não é viável neste sector.
Os negócios celebrados entre a A... e as sociedades emitentes das facturas em crise decorreram nos precisos termos em que decorriam habitualmente os negócios no sector das sucatas, conforme acima descrito.
Os responsáveis pelas empresas vendedoras contactavam os responsáveis da A... e dirigiam-se às instalações daquela, propondo-se vender determinada quantidade de material, e, uma vez acordado o preço (o qual se encontrava sempre indexado à cotação diária da “London Metals Exchange”), procedia-se ao descarregamento e ao armazenamento da mercadoria e entregue a mercadoria, conferida a sua qualidade e o seu peso (através de uma báscula), o responsável pelo armazém - Domingos Faria -, fornecia ao funcionário do fornecedor (normalmente o motorista do camião onde a mercadoria era transportada) uma cópia do bilhete de pesagem; na posse deste bilhete, o fornecedor emitia a factura correspondente à venda efectuada e, contra ela, a A... emitia um cheque para pagamento a pronto do preço acordado.
Os pagamentos a pronto são correntes em todo o sector da comercialização de “sucata”, uma vez que, por um lado, só com essa prática competitiva as empresas (nomeadamente as intermediárias) conseguem assegurar um abastecimento constante dos seus stocks (que serão depois revendidos às grandes fundições), e porque, por outro, isso lhes permite a redução do preço pelo qual adquirem as mercadorias.
Com este pano de fundo, crê-se que se avolumam as razões para o acima exposto, porquanto, referindo a Recorrente que a posição da ASR no mercado depende, no fundo, da tal idoneidade para prover o fornecimento constante e assegurar, assim, a permanente laboração dos “fornos”, ou seja, da sua fiabilidade para assegurar/alimentar os grandes operadores do mercado, resulta claro que esta afirmação implica também que os seus fornecedores (pelo menos, os maiores) exibam o mesmo tipo de qualidades para permitir à ASR sustentar a sua posição no mercado nos termos por ela descritos.
Assim sendo, resulta pouco fiável a alegação de que a ASR depende do tal núcleo inferior e da susceptibilidade deste em assegurar à mesma a capacidade de que esta necessita para, por sua vez, manter o seu estatuto nos termos por si apontados.
Isto para dizer que, de acordo com as regras da experiência comum, não é possível sequer hipotizar que a ASR não tenha mais do que, como se pretende sugerir, um conhecimento superficial dos seus fornecedores e que a sua actividade dependa da maior ou menor capacidade do tal núcleo inferior em fornecer-lhe material de que depende o desenvolvimento de toda a cadeia descrita pela Recorrente.
Com efeito, cabe salientar que estamos a falar de 2 fornecedores da ASR que em 2001 [aqui 2000] representam um volume de compras superior a 6 milhões de euros [aqui superior a 4 milhões de euros] não sendo possível conceber que a ASR não tenha uma clara noção da credibilidade e capacidade comercial dos fornecedores que, por sua vez, são o suporte da sua própria credibilidade e capacidade comercial.
Aliás, neste âmbito, considerando o volume referido em 2001 [aqui 2000], tendo presente o mercado tal como a Recorrente o descreve, temos que as aludidas empresas, aparentemente, estariam em condições de disputar a própria posição da Recorrente no mercado em apreço, o que se mostra desfasado em relação ao exposto pela mesma em termos de enquadramento do sector, expondo as empresas em causa de uma forma considerável a um risco pouco consentâneo com as exigências da actividade em apreço.
Com efeito, dependendo a fiabilidade da Recorrente da capacidade e confiança dos seus fornecedores, não parece razoável apostar grande parte da sua actividade na conduta de dois fornecedores que, muito rapidamente, podem chegar à conclusão que podem ascender a outro nível no mercado em apreço e negociar directamente com os clientes da ora Recorrente, “cortando no intermediário”, até porque a tese apresentada no sentido de que a ASR aguarda nas suas instalações que os pequenos (ou médios) sucateiros apareçam com a mercadora tornaria a situação mais dramática, pois que, tendo a ASR assumido uma determinada preferência, o que é natural é que os tais pequenos procurem outros locais para venda da mercadoria, o que significa que a mudança de comportamento de fornecedores com o volume descrito, potencialmente, deixaria a Recorrente em grandes dificuldades para conseguir sustentar a sua posição no mercado descrito.
Perante o que fica exposto, tendo presente a própria descrição da actividade em causa da ASR por parte da Recorrente, só resta um caminho, ou seja, valorizar em toda a linha a matéria descrita pela AT sobre a caracterização dos emitentes das facturas em causa, situação que, conjugada com os demais elementos presentes nos autos, permite reafirmar que estamos perante um conjunto de elementos que são fortemente indiciadores, dada a sua objectividade e seriedade, de que a escrita da ASR não merece credibilidade.

Na linha do que fica dito e sobre a questão essencial apontada pela Recorrente no domínio em análise, resulta ainda pertinente fazer apelo ao exposto no recente Ac. do S.T.A. (Pleno) de 16-03-2016, Proc. nº 0587/15, www.dgsi.pt, que envolve processo em que intervém a ASR e onde se afigura que o nosso mais Alto Tribunal quis manifestamente afastar a posição descrita no Acórdão recorrido, apontando que:
“…
Com efeito, como a jurisprudência do STA tem unanimemente afirmado, apesar de, atendendo ao princípio da legalidade administrativa, impender sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a desconsiderar fiscalmente (não aceitando a respectiva dedução) o montante do IVA incluído em facturas correspondentes a transacções que considere não se terem realizado, basta para legitimar essa actuação da AT (ao abrigo do nº 3 do art. 19º do CIVA) a existência de indícios sérios de que as operações tituladas por tais facturas não são verdadeiras, cabendo depois ao contribuinte demonstrar que o são.
E reiterando-se tal entendimento, é de concluir que cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade.
O que corresponde ao ensinamento de Vieira de Andrade in Justiça Administrativa, 2ª edição, pág, 269: "há-de caber, em princípio à Administração, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos"» (ac. do STA, de 30/4/2003, no proc. nº 0241/03).(No qual se referenciam, igualmente, os ac.s de 24/4/02, rec. 102/02, de 17/4/02, rec. 26.635, de 9/10/02, rec. 871/02 e de 14/11/01, rec. 26.015.)
Na verdade, embora a regularidade formal da escrita constitua presunção da sua veracidade - estendida aos seus elementos de apoio (art. 75º da LGT) -, tal presunção cessa no caso da existência de indícios sérios de que as operações escrituradas se não realizaram. Daí que, como se disse, provando a AT a existência de indícios sérios e credíveis de que tais operações não são verdadeiras, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das mesmas.
Sobre esta matéria escreveu-se no Acórdão do STA, de 24/4/2002, Rec. 0102/02:
«Ora, como quem tem a seu favor uma presunção estabelecida na lei está dispensado da prova do facto presumido (cfr. os arts. 349° e 350° do CCivil), a recorrente, tendo a sua escrita organizada conforme as exigências legais, não precisa de provar que são verdadeiros os dados decorrentes.
A não ser que se verifiquem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva. Quer dizer, a presunção cessa quando, estando, embora, a escrita ou contabilidade organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexactidões, ou haja “indícios fundados” de que, apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva. Cabe nesta previsão, claramente, o caso de a contabilidade, impecavelmente organizada, se avaliada do ponto de visto técnico-contabilístico, no entanto omitir operações efectuadas; e cabe o caso inverso - o de incluir operações não efectuadas. Este último é aquele que correntemente se vem chamando de “facturas falsas”, isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar.
E, aqui, a lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles “fundados indícios”.
De todo o modo, quando seja a Administração Fiscal a praticar um acto, designadamente, um acto tributário de liquidação, fundado na existência de determinado facto tributário, por hipótese não revelado pela escrita do contribuinte, não deixa de ser ela a ter que provar tal existência, pressuposto da sua actuação. É isto corolário do princípio da legalidade administrativa, de acordo com o qual a Administração só pode agir se isso lhe permitir a lei, e não pode fazê-lo contra ela. Os pressupostos da sua actuação são, pois, factos constitutivos do seu direito a agir, cuja prova lhe compete, por isso que é o agente.
Porém, no caso vertente, a Administração Fiscal não actuou baseada na existência de qualquer facto tributário, nomeadamente, liquidando o correspondente imposto. Antes, obstou ao exercício, por parte da recorrente, do seu direito à dedução do IVA constante das facturas em causa, baseada no entendimento de que, face aos indícios recolhidos, não se teriam, realmente, realizado as operações comerciais que tais facturas, supostamente, titulavam.
Como assim, o caso, aqui, é diverso, também para os efeitos de saber a quem cabe provar a ocorrência dos factos em que assenta o direito à dedução: é a recorrente quem se arroga um direito que pretende exercer - o direito à dedução do IVA -, que não é reconhecido pela Administração Fiscal.
Destarte, não é a Administração que afirma um facto positivo com consequências tributárias - é o contribuinte que invoca o seu direito à dedução do IVA pago a montante. Por isso, é ele quem deve provar a verificação dos pressupostos em que assenta tal direito.
Conforme se diz no recente - 17 de Abril de 2002 - acórdão deste mesmo Tribunal, proferido no recurso n° 26635, “da conjugação das normas dos art.s 82° n° 1 e 19° do CIVA resulta, assim, que não caberá à administração o ónus de prova da inexistência dos factos tributários cujo imposto considerou fundamentadamente deduzido ilegalmente por parte do contribuinte, mas que caberá ao próprio contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários em que fundou a dedução que declarou. Digamos (...) que (...) à administração cabe o ónus de prova da verificação dos requisitos estabelecidos no art. 82° n° 1 do CIVA para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas, mas já não a existência dos factos contra ela afirmados pelo contribuinte, traduzidos na existência dos factos tributários e sua expressão quantitativa. Os requisitos legalmente estabelecidos para que seja permitida a dedução do imposto pago a montante não constituem, nesta óptica, também requisitos que estejam legalmente previstos enquanto requisitos de legitimação da actuação da administração. Relativamente a esta matéria, a lei basta-se com um juízo administrativo de adequação entre os factos e valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida, e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei”.
Neste aresto faz-se, aliás, uma exaustiva análise da questão do ónus probatório na matéria, concluindo-se, lapidarmente, no seu sumário, que “quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do art. 82° n° 1 do CIVA e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19° do CIVA”.».
Também a nosso ver é esta a interpretação legal que resulta do disposto nos apontados normativos (nº 3 do art. 19º e no nº 1 do art. 82º, do CIVA, art. 74º da LGT e 240º do C. Civil), bem como no art. 36º (renumeração actual) do CIVA, sendo que igualmente não se vislumbram razões que levem a conclusão diversa, sendo que a própria argumentação da recorrida (nas respectivas contra-alegações) acaba, no essencial, por apelar a uma interpretação do nº 3 do art. 19º do CIVA no sentido de que a AT deveria ter identificado, nas relações da Recorrida com os seus fornecedores, quer o intuito e o acordo simulatórios, quer o “animus nocendi” em desfavor do Estado.
E volvendo, então, à concreta situação dos autos, há, portanto, que concluir que a AT, para proceder a correcções decorrentes da não aceitação da dedução do IVA mencionado nas facturas relativamente às quais considerou que as transacções nelas mencionadas não correspondem à realidade, não tinha de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros - cfr. art. 240º do C Civil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. Antes lhe bastando provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente. …”.

Tendo presente os termos do aresto agora descrito e bem assim os contornos da situação descrita nos autos, analisada de acordo com o supra exposto, temos por adquirido que a AT logrou evidenciar a realidade que a levou a não aceitar os custos inerentes às operações descritas, matéria claramente susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, o que equivale a dizer que a AT conseguiu desembaraçar-se do ónus que a lei lhe comete neste domínio, não havendo aqui lugar para a consideração do disposto no art. 100º do CPPT, pois que o ónus consagrado na norma em apreço, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação.

Nesta sequência, importa avançar para o outro elemento que se prende com a prova da veracidade das transacções em causa, sendo que inequívoco que cabe ao contribuinte evidenciar tal realidade, sendo que, neste ponto, competindo ao contribuinte ónus da prova da veracidade das operações em causa, não lhe basta criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o art. 100º do CPPT não tem aplicação.
Ora, não obstante a posição assumida pela impugnante, reclamando a efectiva realização de todas as transacções referenciadas nas facturas postas em crise pela AT, constata-se que a prova produzida não é suficiente para viabilizar a pretensão da Recorrente.
Desde logo, recaindo o ónus da prova sobre a impugnante, a esta competia demonstrar que a materialidade das operações económicas subjacentes às facturas, a saber: - que os fornecimentos se haviam efectivado com a sociedade emitente, e não com qualquer outra entidade; - quais as quantidades precisas das mercadorias em causa, local, natureza, preços praticados em relação aos bens que estariam em causa em cada uma das facturas.
Nesta medida, resulta elementar que, ao proceder ao enquadramento da situação em termos que não têm correspondência no teor das facturas em crise, cabia à ora Recorrente desenhar todo o processo em apreço, especificando os materiais adquiridos e os elementos necessários para a afirmação do preço constante das aludidas facturas.
Nesta sequência, as facturas que são questionadas não conseguem, só por si, comprovar a realidade que se pretende demonstrar, impondo-se evidenciar o processo a montante, ou seja, aquilo que foi contratado entre as partes, as condições fixadas, com referência aos materiais adquiridos e ao preço a pagar por forma a tornar clara a leitura das facturas correspondentes.
Assim, não se vislumbra nos elementos alinhados a virtualidade de permitirem outro tipo de leitura da realidade em apreço, dado que, falta a necessária consistência ao exposto, que tinha ser enquadrado através da prova das mercadorias adquiridas e das condições acordadas quanto à natureza, local e preços praticados, situação depois espelhada nas facturas emitidas.
Isto significa que, cumprindo a administração tributária o ónus que sobre si impendia, passou a caber à impugnante o ónus de demonstrar a veracidade das transacções, ónus que não cumpriu, como também entendeu o Tribunal recorrido, sendo que de salientar que a factualidade apurada nos autos não foi eficazmente posta em causa pela Recorrente (cfr. artigo 685º-B do Código de Processo Civil).
Perante os indícios trazidos pela administração tributária incumbia à ora Recorrente ter alegado e provado factos que provassem a veracidade das transacções, o que poderia ser alcançado com a descrição da relação comercial que a ASR estabeleceu com os emitentes das facturas, quando se iniciou, como, onde, como eram feitos cada um dos contactos, como era estabelecido o preço, como eram feitas as entregas e os pagamentos e quaisquer outras particularidades da relação que apenas quem nela esteve pode descrever.
Diga-se ainda que nestas situações em que não é posta em crise a actividade da ASR em termos de vendas, e sabendo que as facturas que são questionadas não conseguem, só por si, comprovar a realidade que se pretende demonstrar, impondo-se evidenciar o processo a montante, ou seja, aquilo que foi contratado entre as partes, as condições fixadas, com referência aos materiais adquiridos e ao preço a pagar por forma a tornar clara a leitura das facturas correspondentes, não se compreende a forma como a ora Recorrente se refugia nos presentes autos, em termos essenciais, na aparência formal das operações contabilizadas e não apontando qualquer dado capaz de esclarecer a situação.
Aliás, neste tipo de situações, em que se coloca a hipótese de estarmos perante uma situação de sobrefacturação ou de eventual prestação de serviços por entidades terceiras, a Recorrente manteve a sua posição inicial, reiterando a bondade da contabilidade da ASR, matéria que, como se viu, não tem sustentação, o que acaba por ter um efeito contraproducente, na medida em inviabiliza a ponderação dos custos inerentes, pois que, e com referência ao facto de os proveitos serem mantidos, o que no fundo, teria de ter repercussão em termos de custos, diga-se, como se aponta no Ac. deste Tribunal de 12-01-2006, Proc. nº 444/04, www.dgsi.pt, que a “utilização de métodos indiciários numa situação destas em que apenas se não consideram os custos por inexistência de operações correspectivas é que nos parece atentatória dos princípios anteriormente referidos e mais precisamente o da justiça, da legalidade e tributação do lucro real, já que por força do uso de tal método se relevariam custos inexistentes por impossibilidade de suporte dos mesmos, o que a lei não quer. (…), através do uso de métodos indirectos não pode a AF fixar matéria colectável diferente e mais elevada do que aquela que derivaria de uma avaliação directa ou objectiva. No caso dos autos dos factos provados não resulta impossibilidade alguma de comprovação da matéria colectável mas antes indícios sérios e objectivos de que as facturas discriminadas pelos SPIT não titulavam operações efectivamente realizadas sendo que o contribuinte não logrou provar a sua existência. …”
Assim sendo, e na medida em que a ora Recorrente não fez prova da veracidade das transacções em causa, aqui, tal como foi assumido pela AT, só podemos apontar e aceitar o procedimento de desconsiderar os custos correspondentes aos montantes inscritos nas apontadas operações simuladas, na medida em que os mesmos, pura e simplesmente, não foram suportados, pagos, pela ASR, porquanto, só desta forma, se concretiza e respeita, nomeadamente, a exigência legal de só se poderem considerar custos ou perdas “os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora …” - cfr. art. 23º nº 1 do CIRC (por remissão do artigo 33.º-B do Código do IRS então vigente), o que significa que bem andou a sentença recorrida ao desatender a pretensão da Recorrente nesta matéria.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.»
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

Conclusões/Sumário

I - O Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que não cumprindo os ónus fixados pelo artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, o recurso quanto à matéria de facto terá de ser rejeitado.
II - Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação - artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
III - Neste âmbito, a AT não tem de fazer prova do acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros - cfr. artigo 240.º do Código Civil) para satisfazer o ónus da prova que sobre si impende.
IV - Basta à AT provar a factualidade que a levou a desconsiderar as operações consubstanciadas em determinadas facturas existentes na escrita do contribuinte, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus da prova do direito de que se arroga e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus da prova de que as operações se realizaram efectivamente.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo dos Recorrentes, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 25 de Janeiro de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro