Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00290/08.0BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/25/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:CONTRATO DE CESSÃO FINANCEIRA (FACTORING)
Sumário:1. O contrato de cessão financeira/contrato de factoring constitui negócio jurídico obrigacional nominado, atípico misto, de conteúdo variável, de cuja estrutura é elemento essencial, sempre presente, uma cessão de créditos [regulada nos arts. 577.º segs. do CC], créditos esses presentes e/ou eventualmente futuros e que consiste, nos termos legais, na tomada continuada por intermediário financeiro («Factor/Cessionário») da totalidade ou de parte dos créditos a curto prazo (30, 90, 180 dias) derivados da venda de produtos ou da prestação de serviços a terceiros nos mercados interno e externo [no caso, prestação serviço decorrente da execução de empreitada de obra pública] que os fornecedores desses produtos e serviços («Aderentes/Cedentes») constituem sobre os seus clientes (Devedores).
2. Nos termos Artº 585º do CC que “o devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão”.
3. Os meios de defesa posteriores à comunicação da cessão já não são operacionais. O terceiro devedor pode compensar o seu débito com créditos que tenha contra o aderente, desde que constituídos antes da notificação da cessão. A compensação já não opera com créditos posteriores à notificação: nessa altura, o aderente já não é credor: tal posição é ocupada pelo factor
4. É necessário que o crédito do devedor sobre o cedente se tenha constituído antes do conhecimento da cessão pelo primeiro, independentemente do vencimento do referido direito se ter verificado antes, ou depois, do mesmo conhecimento. É, no entanto, necessário que a compensação pudesse ser oposta ao cedente, o que significa que o contra crédito do devedor cedido não se pode vencer depois da data em que o crédito transmitido ao cessionário seja exigível.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Município de Lousada
Recorrido 1:BCP, SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
O Município de Lousada, devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, inconformado com a Sentença proferida em 2 de Março de 2010, no TAF de Penafiel, na qual a ação foi julgada procedente, tendo sido condenado a pagar à então Autora, 239.180,06€, mais juros, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, em 21 de Abril de 2010 (Cfr. fls. 240 a 301 Procº físico).
Formula o aqui Recorrente/Município nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 280 a 301 Procº físico).

I - O Despacho Saneador-Sentença, ora recorrido, parece resultar de uma aplicação literal, e tão só, in casu, do segmento, constante da parte final do preceituado no artigo 585.º do Código Civil, em cujos termos “O devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com a ressalva dos que provenham de facto posterior à cessão”;

II - Mau grado pareça resultar da letra da lei que, em caso algum, o devedor não pode opor ao cessionário qualquer meio de defesa que resulte de factos posteriores à cessão de créditos, em bom rigor, tal interpretação, aparentemente inequívoca, afigura-se deveras precipitada, para não dizer arrojada;

III - Assim sendo, impõe-se proceder a uma cuidada interpretação teleológica e sistemática da referida “ressalva” normativa, a qual, aliás, não sido pacífica e unânime, mesmo, no âmbito das decisões jurisprudenciais que têm versado sobre a matéria em apreço;

IV - A “L... – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, Ld.ª” celebrou com o BCP, S.A., um “contrato de factoring”, em cujos termos veio a “ceder”, a esta Instituição Financeira, os “créditos presentes e futuros” provenientes das “relações comerciais” estabelecidas com o Município de Lousada;

V - O “contrato de factoring” ou contrato de cessão financeira artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 171/95, de 18 de Julho, consiste “na aquisição por intermediário financeiro (factor ou cessionário) de créditos a curto prazo (30, 90 e 180 dias) resultantes da venda de produtos ou da prestação de serviços nos mercados interno e externo”;

VI - Atendendo à estrutura e função deste contrato, afigura-se incontestável a sua proximidade com a cessão de créditos tout court, seja ao nível conceptual, seja quanto ao respetivo regime jurídico, tal como se encontra consagrada e regulada no artigo 577.º e ss do Código Civil, mau grado certas “características próprias” que conformam o regime da cessão financeira;

VII - No mesmo sentido inclina-se a Jurisprudência, segundo a qual o “contrato de factoring, outrossim dito de cessão financeira” acaba por constituir um “contrato nominado atípico misto, de conteúdo variável, mas – esse o mecanismo ou meio técnico pelo qual se opera a transmissão dos créditos – de cuja estrutura é elemento essencial, sempre presente, uma cessão de créditos, regulada nos arts. 577º ss” (vide, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Janeiro de 2002, 6.);

VIII - Afirma-se ainda que, pese embora a sua “natureza essencialmente comercial, assume tal contrato a natureza de uma cessão de créditos, sendo-lhe, como tal, subsidiariamente aplicável o regime jurídico contemplado nos artºs 577.º e ss do C. Civil” (vide, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Junho de 2003, Sumário, II);

IX - Do ponto de vista doutrinário tem-se entendido que a transmissão dos créditos não resulta automaticamente do contrato de factoring, não havendo assim uma cessão global de créditos futuros. Razão pela qual o contrato de factoring constitui antes um contrato-base, no âmbito do qual as partes se comprometem a celebrar futuros negócios de cessão de créditos, à medida que estes se vão constituindo. Destarte, a transmissão de créditos resulta, pois, de um novo negócio de cessão, que se celebra mediante proposta de transmissão de cada crédito apresentada pelo cliente e a sua aceitação por parte do factor;

X - Em bom rigor e por via de regra, a transmissão proprio sensu ou, como soi dizer-se, a “cessão”, apenas virá a produzir-se por via de um outro negócio ou contrato (de factoring) integrativo do antecente, o qual, nesse preciso momento, terá, então já, como objeto um “crédito presente”, contando, obviamente, que este esteja constituído e seja legitimamente exigível e exequível;

XI - O contrato de factoring “importa uma transmissão continuada de créditos subordinada aos princípios da globalidade e da exclusividade, de que decorre que, na vigência do contrato celebrado com o factor, o aderente só pode ter relações de factoring com ele, e deve submeter todos os créditos de curto prazo à aceitação do mesmo” (vide, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 e Janeiro de 2002, 6.);

XII - É nesta ordem de ideias que devem ser concebidos e aquilatados os “diversos contratos de factoring” que a L… celebrou com o BCP, sendo que o “contrato-quadro”, por via do qual aquela sociedade passou “a ceder” a este último “os créditos presentes e futuros” sobre o Município de Lousada, viria a ser executado por vários “contratos de cessão”, entre os quais se contam os ditos “contratos de factoring” n.º 19.989 e n.º 24.828;

XIII - Considerando que no âmbito da estrutura do factoring encontram-se sucessivas “cessões de crédito”, bem tem entendido a Jurisprudência e a Doutrina que se aplica integralmente a este contrato o regime jurídico estabelecido nos artigos 577.º e ss. do Código Civil;

XIV - O credor pode ceder a um terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, sendo que cessão apenas produz efeitos relativamente a este último desde que lhe seja notificada, ainda que

extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite (artigos 577.º e 582.º do Código Civil);

XV - Porém, o devedor não pode ver piorada a sua situação em consequência da cessão realizada entre cedente e cessionário; donde resulta que o devedor deve poder opor ao cessionário as exceções que teria podido opor ao cedente;

XVI - Atendendo a que a cessão de créditos pode considerar-se uma aplicação da regra nemo plus iuris ... ela não depende da boa-fé do cessionário. Sendo, pois, da natureza da transmissão de créditos que esta lhe traga sempre um risco;

XVII - Estando em causa a exceptio non adimpleti contractus, o devedor poderá recusar o cumprimento da prestação perante o cessionário, enquanto o cedente não efetuar a prestação ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo;

XVIII - A L..., notificou o debitor cessus, ou seja, o Município de Lousada, da celebração do contrato de factoring, através de ofício, com entrada nos serviços municipais a 29 de Agosto de 2005, pelo qual passava a ceder ao BCP, então na qualidade de factor, os créditos “presentes e futuros” emergentes das relações comerciais com ele estabelecidas;

XIX - Não são de levantar quaisquer dúvidas acerca do conhecimento do factoring por parte do devedor, posto que o Presidente da Câmara Municipal de Lousada, Dr. JMFMM, após a sua assinatura no verso do ofício de notificação, declarando ter lido e estar ciente do respetivo conteúdo;

XX - Desde então, todos os créditos “cedidos” no âmbito do contrato de factoring anteriormente celebrado e pontualmente “transmitidos” pelo aderente ao factor, titulados por faturas emitidas por aquele, passaram a ser pagos escrupulosamente pelo Município de Lousada ao BCP;

XXI - Melhor dizendo, todos os pagamentos devidos à L..., decorrentes do contrato de empreitada de obras públicas celebrado, a 19 de Janeiro de 2005, entre o Município de Lousada e o Consórcio “L... SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA.” - FDO – Construções, S.A.”, o qual teve por objeto a construção do “Complexo Desportivo – 2.ª Fase – Construção de Campos Multifuncionais”, passaram a ser efetuados pelo devedor ao BCP;

XXII - Nos termos deste contrato administrativo, ficou estabelecido que os trabalhos deveriam ser executados no prazo de cento e setenta e nove dias, sendo que os pagamentos seriam efetuados de acordo com os autos de medição;

XXIII - O contrato administrativo, enquanto forma de atuação administrativa de direito público, era concebido nos termos do n.º 1 do artigo 178.º do Código do Procedimento Administrativo - vigente à data - como “o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa”;

XXIV - A administratividade de uma relação resulta de ela ser regulada por normas jurídicas que se dirigem a uma entidade pública “enquanto tal”, isto é, enquanto titular de funções públicas, disciplinando o seu agir em termos específicos - investindo-a de especiais poderes ou atribuindo-lhe deveres por causa dos fins que serve;

XXV - A entidade pública é titular de poderes públicos que, em regra, exerce através de atos administrativos que lhe permitem, com autoridade e executividade, dirigir e fiscalizar a execução das prestações contratuais, modificar o conteúdo dessas prestações ou até impor a rescisão do contrato quando um interesse público devidamente fundamentado o exija;

XXVI - Entre esses poderes públicos “exorbitantes” conta-se o poder-dever ou poder funcional da Administração de aplicar sanções contratuais, nomeadamente sanções pecuniárias compulsórias, (poder sancionatório) ao seu contratante em sede de incumprimento contratual, o qual terá sempre como fonte a lei administrativa, seja imediata ou mediata;

XXVII - O poder público de aplicação “multas” por incumprimento dos prazos contratualmente estipulados tinha como fonte imediata do “regime legal específico” do contrato de empreitada de obras públicas, consagrado no Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, no qual se estabelece que se o empreiteiro não concluir a obra no prazo contratualmente estabelecido, ser-lhe-á aplicada uma multa contratual diária, as quais serão descontadas no primeiro pagamento contratual que se lhes seguir (artigos 201.º e 233.º);

XXVIII - Nos termos da lei, ao dono da obra assistia ainda o “direito” (poder-funcional) de rescindir este contrato administrativo, a título sancionatório;

XXIX - Deste regime jurídico específico decorre que nos deparamos com um poder público conferido legalmente à Administração “enquanto tal”, que esta “poderia”, ou melhor, “deveria” exercer em caso de incumprimento ou de inexecução do contrato administrativo de empreitada de obras públicas imputável ao empreiteiro;

XXX - Tal incumprimento resultava inequivocamente na frustração completa do interesse público inerente à celebração do referido contrato, a que, nos termos constitucionais e legais, Administração tem por exclusiva função dar prossecução concreta;

XXXI - Em função do prazo execução estabelecido no contrato de empreitada, acrescido das prorrogações concedidas, a obra devia estar concluída em 17 de Julho de 2006, o que não veio a suceder, em virtude de constantes e sucessivos atrasos na execução dos trabalhos imputáveis ao empreiteiro;

XXXII - Consequentemente, as deliberações da Câmara Municipal de Lousada de 4 de Dezembro de 2006 e de 2 de Janeiro de 2007, vieram a determinar a aplicação de “multas contratuais” ao Consórcio-contratante, no montante global atualizado de € 447.587,85, sendo que foi imputado a cada uma das partes do Consórcio (L... e FDO) o valor de € 223.793,94, em cumprimento do imperativo legal consagrado no artigo 201.º do Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de Março, ao qual se encontrava vinculada;

XXXIII - A Câmara Municipal de Lousada procedeu ao “desconto” dos referidos montantes das “multas contratuais” legitimamente aplicadas no “primeiro pagamento contratual” que se lhes seguiu, mais uma vez, em cumprimento da determinação legal prevista no n.º 1 do artigo 233.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, ou seja, “descontou” o valor das multas aplicadas às entidades partes do Consórcio no “primeiro pagamento” que deveria realizar perante a cada uma delas;

XXXIV - Nessa medida, o Município de Lousada não pagou ao BCP, na sua qualidade de factor, os montantes constantes na Faturas n.º 2006072 e n.º 2006091, emitidas pela L..., em virtude do contrato de factoring anteriormente celebrado, visto que, perante o que foi supra expendido, até que, como é de concluir, se encontrava legalmente impedido de o fazer;

XXXV - Concomitantemente, atendendo a que incumprimento dos prazos estabelecidos no contrato, imputável ao Consórcio-contratante, configuraram uma situação de suspensão dos trabalhos não fundamentada, iniciou-se o procedimento conducente à rescisão sancionatória do contrato de empreitada, por deliberação camarária, de 2 de Janeiro de 2007;

XXVI - A partir de 27 de Fevereiro de 2007, a FDO – Construções, S. A., passou a ser o único empreiteiro da obra, operando-se assim uma modificação subjetiva no contrato de empreitada, tendo sido revogada a deliberação atinente rescisão contratual na parte a que a este contratante respeitava, mas sendo determinada a rescisão sancionatória do contrato de empreitada relativamente à L..., a qual, aliás, já tinha abandonado a execução dos trabalhos;

XXXVII - Em sede inquérito administrativo, o Município de Lousada teve o cuidado de remeter uma carta ao BCP, S.A., datada de 28 de Janeiro de 2008, solicitando que lhe fosse fornecida informação acerca do ressarcimento dos créditos por parte da L..., homenageando, assim, o princípio da boa-fé;

XXXVIII - Tal carta nunca obteve resposta, concluindo-se que o silêncio do BCP demonstrou, nessa data, um total desinteresse perante (eventuais) “créditos”;

XXXIX - Pese embora ter “retido” os montantes respeitantes às “multas contratuais” aplicadas, o Município de Lousada nada liquidou no âmbito dos processos judiciais de arresto movidos por subempreiteiros contratados pela L..., respeitantes a créditos que ainda detinham sobre esta entidade;

XL - As pretensões respeitantes aos créditos invocados pelos subempreiteiros apenas viriam a ser satisfeitas em momento posterior ao envio da carta supra referida ao BCP, ou seja, só após a celebração do Acordo entre o Município de Lousada e a FDO – Construções, S.A., pelo qual se procedeu à “redução” dos valores das “multas contratuais”;

XLI - Para além do valor das “multas contratuais” aplicadas à FDO, enquanto parte do extinto Consórcio, terem sido reduzidas para o montante de €112.708,59, ficou estabelecido no Acordo em causa que o pagamento dos créditos acordados com os subempreiteiros e fornecedores seria efetuado com o “remanescente” das “multas contratuais” anteriormente aplicadas ao Consórcio;

XLII - O Município de Lousada “limitou-se”, como se impunha, a aplicar a lei administrativa a que se encontrava vinculado, enquanto sujeito público que tem como fim exclusivo a prossecução do interesse público;

XLIII - A aplicação das “multas contratuais” às entidades que tinham integrado o Consórcio-contratante ficou exclusivamente a dever-se a uma situação de incumprimento contratual que objetivamente lesou o interesse público municipal que se pretendia ver concretizado por via da realização de uma obra num determinado prazo;

XLIV - Assiste-se no caso sub judice à prática de um ilícito administrativo contratual, por parte do particular contratante, ou seja a L..., do qual resultou a aplicação imperativa ao infrator de “multas contratuais” e a rescisão sancionatória do contrato;

XLV - A imposição pelo Município de Lousada destas sanções contratuais, legalmente estabelecidas, não deixa de ter como móbil a censurabililidade da conduta do contratante, mas visa, em primeira linha, a reintegração do interesse público concretamente violado;

XLVI - Não faz sentido proceder, tão só e apenas, a uma interpretação e aplicação literal do preceituado no artigo 585.º do Código Civil, muito em particular da “ressalva” inserta na sua parte final;

XLVII - Uma justa solução do caso sub judice, implicará ter presente, para além do regime jurídico do contrato de factoring e da cessão de créditos, as “especificidades juspublicísticas” que envolvem o enquadramento legal do contrato administrativo, em geral, e do contrato de empreitada de obras públicas (então vigente), em particular;

XLVIII - Interpretada, em termos puramente gramaticais, a «ressalva» constante do artigo 585.º do Código Civil significa que, prima facie, o devedor cessus pode opor ao cessionário todos os meios de defesa que legitimamente poderia invocar perante o cedente (objeções e exceções proprio sensu), contando que tais meios resultem de factos anteriores ao conhecimento da cessão;

XLVIX - Como nem sequer é requerido o seu consentimento para a cessão de créditos, o devedor não pode, em princípio, ser colocado perante o cessionário numa situação inferior àquela em que se encontrava diante do cedente, razão pela qual pode impugnar a existência do crédito ou invocar contra a pretensão do cessionário as mesmas exceções a que lhe era lícito recorrer contra o cedente;

L - De igual modo, são oponíveis ao cessionário aqueles meios de defesa que encontrem fundamento no mecanismo sinalagmático do próprio contrato bilateral donde decorre o crédito transferido, e que se mantém entre o cedente e o devedor cedido; em particular a exceção de não cumprimento do contrato, uma vez que esta encontra a sua razão de ser nesse carácter sinalagmático, na relação de correspetividade que se estabelece entre as obrigações de ambas as partes do contrato;

LI - Também é irrelevante que já se tenha produzido o conhecimento da cessão do crédito, uma vez que este meio de defesa, como aliás decorre com clareza do artigo 431.º do Código Civil radica na própria estrutura do mecanismo contratual que liga as partes;

LII - O mesmo se verifica com a própria resolução do contrato bilateral por parte do devedor cedido, no caso de não cumprimento definitivo imputável ao cedente ou eventualmente de impossibilidade parcial culposa (art. 802.º), ou mesmo não imputável ao alienante do direito (art. 793.º, n.º 2), mesmo quando o facto aquisitivo deste direito se tenha verificado já depois do conhecimento por parte do devedor cedido da transferência do crédito;

LIII - Posição que mereceu acolhimento jurisprudencial, sendo, precisamente, aplicada no âmbito do contrato de factoring, tal como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 2002;

LXIV - Determina-se no Acórdão em causa, ao determinar que “o devedor pode (...) opor ao factor a exceção de inadimplemento prevista no art. 428.º, não oferece dúvida alguma. Tal assim, (...) seja esse incumprimento anterior ou posterior ao conhecimento da transmissão do crédito pelo devedor cedido, a cessão não pode obstar ao recurso à exceptio non adimpleti contractus em caso de incumprimento por parte do cedente”;

LXV - Esta posição adotada, quer em sede jurisprudencial, quer no domínio doutrinário, não pode deixar de ser considerada como a mais adequada e a mais justa para a resolução do caso sub judice, determinando indiscutivelmente que a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel não foi, devidamente ponderada do ponto de vista hermenêutico;

LXI - É que de imediato se conclui que a inobservância constante e reiterada dos prazos estabelecidos por parte da L..., na qualidade de líder do Consórcio contratante, configurou um grosseiro incumprimento contratual perante o Município de Lousada;

LXII - Houve lugar a uma violação do contrato administrativo de empreitada de obras públicas, enquanto relação jurídica fundamental subjacente ao contrato de factoring entretanto celebrado entre a L... e o BCP, que determinou a aplicação de «multas contratuais»;

LXIII - A aplicação das referidas “multas contratuais” decorria de um imperativo legal, vertido no artigo 201.º daquele Decreto-Lei, ao qual o Município de Lousada, enquanto contraente público, se encontrava vinculado, sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 233.º do mesmo Diploma, os valores correspondentes às “multas contratuais” aplicadas deveria “descontado” no primeiro pagamento que imediatamente lhe seguisse;

LXIV - Quando o BCP, na qualidade de factor, vem exigir ao devedor o pagamento dos créditos que lhe tinham sido “cedidos” pela aderente L..., já esses valores se encontravam “retidos” por força da lei;

LXV - A invocação da exceptio non adimpleti contractus pelo Município de Lousada que determinou a aplicação autoritária da “multas contratuais” e o “desconto” dos respetivos valores nos pagamentos que, prima facie, viriam a ser efetuados à L..., acabou por “destruir” ou, pelo menos, tornar inexequíveis os créditos emergentes das duas faturas anteriormente emitidas;

LXVI - Conclui-se, de forma inequívoca, que se o Município de Lousada (deveder cessus) sempre poderia opor ao cedente (aderente) a exceção de não cumprimento do contrato, também a pode invocar perante o cessionário (factor), mesmo que tal incumprimento tenha ocorrido depois de ter tomado conhecimento da cessão (factoring);

LXVII) Atento o exposto, a douta sentença recorrida violou, dentre outros, os artigos 428.º, 431.º e 585.º do Código Civil e o artigo 201.º do Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de Março.

Não tanto pelo alegado, mas pelo doutamente suprido por V.ªs Ex.ªs, Venerandos Juízes Desembargadores, dando provimento ao recurso, revogando a douta sentença recorrida e substituindo-a por outro que absolva o R. do pedido, farão como sempre a melhor e esperada JUSTIÇA.

O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 7 de Julho de 2010 (Cfr. fls. 315 Procº físico).

A Recorrida, não veio a apresentar contra-alegações de Recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 10 de Janeiro de 2011 (Cfr. fls. 325 Procº físico), nada veio dizer, requerer ou promover.

Colhidos os vistos legais, com projeto de Acórdão, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

As questões a apreciar e decidir prendem-se, em síntese, com a necessidade de verificar se poderão ser ponderados e considerados os meios de defesa que provenham de factos posteriores ao conhecimento da cessão de créditos, sendo que estamos em presença de contrato de factoring.

III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, a qual aqui se entende ser suficiente e adequada:

1.º - Entre o A. e a “L... – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA.”, com sede em Lousada, foram celebrados os contratos de factoring n.º s 19.989 e 24.828 (cf. fl. 8 dos autos);

2.º - Em 28 de Dezembro de 2004, foi outorgado o Contrato de Consórcio entre a “L... – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA.” e a “FDO – Construções, S.A.”, com sede em Braga, liderando o consórcio a primeira sociedade (cf. fls. 27 a 30 dos autos);

3.º - Entre o R. e a “L... – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA.”, em consórcio com a “FDO – Construções, S.A.”, foi celebrado em 19 de Janeiro de 2005 o contrato de empreitada para a construção do “Complexo Desportivo – 2.ª Fase – Construção dos Campos Multifuncionais”, devendo os trabalhos ser executados no prazo de cento e setenta e nove dias e os pagamentos efetuados de acordo com os autos de medição (cf. fls. 22 a 26 dos autos);

4.º - Em 29 de Agosto de 2005 deu entrada nos serviços do R. o ofício remetido pela “L... – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA.”, dando-lhe conhecimento [ao R.] do “Contrato de Factoring com o BCP, S.A.”, que foi assinado no verso pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lousada (cf. fl. 7 dos autos);

5.º - Em 06 de Setembro de 2006, a “L... – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA.” emitiu à Câmara Municipal do ora R. a fatura n.º 2006072, com base no auto de medição n.º 22 (trabalhos prestados durante Setembro de 2006), no valor de €231.344,76 (cf. fls. 123 a 128 dos autos);

6.º - Em 07 de Dezembro de 2006, a “L... – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA.” emitiu à Câmara Municipal do ora R. a fatura n.º 2006091, com base em trabalhos a mais e abrangidos pela requisição do R. n.º 4399 (trabalhos prestados durante Dezembro de 2006), no valor de €7.835,30 (cf. fls. 132 e 133 dos autos);

7.º - Em 18 de Maio de 2007, invocando os contratos de factoring identificados no ponto 1.º deste probatório, o A. solicitou ao R. o pagamento das faturas atrás referidas, vencidas, respetivamente, em 2006.11.06 e 2007.02.07 (cf. fl. 8 dos autos);

8.º - Ao Consórcio foram aplicadas multas no montante atualizado de €447.587,85, de acordo com a deliberação da Câmara Municipal do R. de 2007.01.02 (cf. fls. 31 a 36 dos autos);

9.º - De acordo com a deliberação da Câmara Municipal do R., de 2007.02.05, foi decidido rescindir o contrato de empreitada aludido no ponto 3.º supra (cf. fl. 37 dos autos);

10.º - Ao R. foram reclamados por subempreiteiros o pagamento de valores em dinheiro referentes ao contrato de empreitada mencionado no ponto 3.º supra, que recorreram à via judicial para serem pagos dos créditos, nomeadamente, por arresto de créditos (cf. fls. 43 a 65 dos autos);

11.º - No âmbito de execuções fiscais movidas à firma “L... – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA.”, a Administração Fiscal penhorou créditos que esta detinha sobre o ora R. (cf. fls. 68 a 71 dos autos);

12.º - Em 15 de Janeiro de 2008, os serviços do R. afixaram o Edital n.º 20/DOM/08, que dava conta do INQUÉRITO ADMINISTRATIVO relativo à empreitada referida no ponto 3.º supra (cf. fls. 73 e 74 dos autos);

13.º - Em 28 de Janeiro de 2008, o R. remeteu ao A. uma carta com o seguinte teor (por excerto): «Em virtude do processo de empreitada … se encontrar em fase de inquérito administrativo, solicita-se a V. Exas. se dignem informar se foram ressarcidos dos créditos, por parte da referida empresa.» - (cf. fls. 75 dos autos);

14.º - Em 20 de Março de 2008, o R. e a “FDO – Construções, S.A.” subscreveram um acordo de pagamento referente à empreitada atrás mencionada (cf. fls. 104 a 106 dos autos).

IV – Do Direito

Importa pois enquadrar, analisar e decidir o suscitado.

É entendido na Sentença Recorrida que “todos meios defesa articulados pelo R. na sua contestação provêm de factos ocorridos posteriormente ao momento em que ficou a conhecer a cessão (os contratos de factoring), isto é, toda a defesa do R. assenta em acontecimentos ocorridos depois de Agosto de 2005, significando isto que não são oponíveis ao A., não servindo, com efeito, para o impetrado se eximir ao cumprimento da prestação de pagamento”.

O Tribunal a quo, em bom rigor, aplicou literalmente a parte final do artigo 585.º do Código Civil, que refere que “o devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com a ressalva dos que provenham de facto posterior à cessão”.

Analisemos e enquadremos o suscitado, em função da factualidade dada com provada.

A “L... – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, Ld.ª” celebrou com o BCP, S.A., um “contrato de factoring”, através do qual veio a “ceder” a este, os “créditos presentes e futuros” provenientes das “relações comerciais” estabelecidas com o Município de Lousada.

O “contrato de factoring”, nos termos do Artº 2.º do Decreto-Lei n.º 171/95 consubstancia-se na aquisição por intermediário financeiro de créditos resultantes da venda de produtos ou da prestação de serviços.

O contrato de “factoring” caracteriza-se pois pela transferência de créditos a curto prazo do seu titular (cedente, aderente) para um “factor” (cessionário), os quais são resultantes da venda de produtos ou prestação de serviços a terceiros (Cfr. Acórdão do Colendo STJ, de 5 de Junho de 2003), aproximando-se da cessão de créditos prevista no artº 577.º e ss do Código Civil, sem prejuízo das suas especificidades.

No que respeita ao conjunto de cessões de créditos insertas no contrato de factoring é pois assente que se aplica o referido, integralmente a este contrato o regime jurídico estabelecido nos artigos 577.º e segs. do Código Civil, mormente o seu nº 1 que refere que “o credor pode ceder a um terceiro uma a parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor (...)”.

De realçar igualmente o estatuído no n.º 1 do artigo 582.º CC, ao estabelecer que “a cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite”.

O objeto do recurso jurisdicional assente na interpretação a dar ao Artº 585.º CC, quando este refere expressamente que “o devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão”.

A questão está pois em saber, não obstante a letra do artigo precedentemente transcrito, se o devedor poderá opor ao cessionário as exceções que teria podido opor ao cedente, sendo que estas serão não só aquelas que obstam ao nascimento do crédito ou produzem a sua extinção, mas também as exceções propriamente ditas.

É ponto assente que, em conformidade com o referido n.º 1 do artigo 583.º do CC, que o aderente (cedente), no caso a L..., notificou o Município de Lousada, do contrato de factoring, por ofício, entrado no Município em 29 de Agosto de 2005, de que passara ao BCP, na qualidade de factor, os créditos “presentes e futuros” resultantes das relações comerciais estabelecidas, passando, assim, as faturas emitidas a ser pagas pelo Município ao BCP.

Efetivamente, a 28 de Dezembro de 2004, foi outorgado o Contrato de Consórcio do qual resultou que a liderança ficaria a cargo da L....

Nos termos do contrato de empreitada os trabalhos deveriam ser executados no prazo de cento e setenta e nove dias, sendo que os pagamentos seriam efetuados de acordo com os autos de medição.

É indiscutível que as entidades administrativas poderão aplicar sanções contratuais, ao seu contratante perante eventual prevaricação ou incumprimento contratual, nos termos legalmente estabelecidos, onde se inclui a aplicação de “multas”, designadamente, por incumprimento dos prazos contratualmente estabelecidos, nos termos do então aplicável nº 1 do Artº 201º do DL n.º 59/99.

Referia o aludido normativo que “se o empreiteiro não concluir a obra no prazo contratualmente estabelecido, acrescido de prorrogações graciosas ou legais, ser-lhe-á aplicada, até ao fim dos trabalhos ou à rescisão do contrato, a seguinte multa contratual diária, se outra não for fixada no caderno de encargos:

a) 1% do valor da adjudicação, no primeiro período correspondente a um décimo do referido prazo;

b) em cada período subsequente de igual duração, a multa sofrerá um aumento de 0,5 até atingir o máximo de 5% sem, contudo, e na sua globalidade exceder 20% do valor da adjudicação”.

Mais se referia no n.º 1 do artigo 233.º do mesmo diploma que “as multas contratuais aplicadas ao empreiteiro e os prémios a que tiver direito no decurso da execução da obra até à receção provisória serão descontadas ou acrescidas no primeiro pagamento contratual que se lhes seguir”.

Nos termos legalmente estabelecidos, a entidade pública contratante, perante o incumprimento contratual da contraparte poderá, para além da aplicação de multas, recorrer, se for caso disso, à rescisão contratual, designadamente havendo uma suspensão ilícita da empreitada (Cfr. vg. Artº 189º nº 1).

Refira-se, complementarmente, que nos termos do n.º 3 do artigo 234.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, “se a rescisão for decidida pelo dono da obra a título de sanção aplicável por lei ao empreiteiro, este suportará inteiramente as respetivas consequências naturais e legais”.

Na situação em concreto objeto de análise, sendo que, como se viu, ficou contratualmente estabelecido o prazo de cento e setenta e nove dias para a de execução dos trabalhos por parte do empreiteiro, resulta que terá ocorrido uma sucessão de atrasos, o que determinou que devendo a obra estar terminada em 17 de Julho de 2006, tal não sucedeu, tendo consequentemente sido aplicadas diversas multas contratuais, nos termos do Artº 201.º do DL n.º 59/99, as quais foram sendo descontadas no “primeiro pagamento contratual”, nos termos do n.º 1 do artigo 233.º do Decreto-Lei n.º 59/99.

O referido determinou que o Município não tenha pago ao BCP, na sua qualidade de factor, os valores reclamados, no âmbito do contrato de factoring celebrado.

Após vicissitudes de ordem contratual, que aqui não relevam diretamente, o Município procedeu à rescisão sancionatória do contrato de empreitada relativamente à L... – Sociedade de Construções, Lda. com fundamento em incumprimento contratual, tendo em 15 de Janeiro de 2008, a empreitada entrado em fase de inquérito administrativo.

Se tudo quanto precedentemente ficou dito será exato, o que é facto é que o objeto da Ação aqui em apreciação se mostra conexo com um contrato de factoring e não com a empreitada identificada, não podendo ambas as questões ser confundidas.

Enquadrada sumariamente a questão controvertida, importa agora verificar da oponibilidade dos meios de defesa do devedor face ao “factor” (cessionário), verificando da legitimidade do município em não pagar os montantes reclamados, em resultado das multas contratualmente aplicadas, em função da parte final do Artº 585.º do Código Civil, em que assentou a sentença recorrida.

É insofismável e incontornável, nos termos Artº 585º do CC que “o devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão”.

A sentença do tribunal a quo assentou literalmente na condição ínsita na parte final da norma transcrita, o que determinou a decisão no sentido do município proceder ao pagamento do montante reclamado.

Dentro da lógica estabelecida de não agravamento da posição do terceiro-devedor, que se limita a garantir a existência e exigibilidade do crédito ao tempo da cessão, a lei permite-lhe fazer valer em face do cessionário financeiro (factor) dos mesmos meios de defesa que lhe era lícito opor ao credor originário, isto é, opor à empresa “factorizada” aderente, com ressalva expressa quanto a meios de defesa originários de facto posterior à notificação ou aceitação da cessão de créditos, cfr. artº 585º C. Civil.

O Município pretende fazer a compensação dos créditos cujo pagamento é exigido pela cessionária/Banco ora Recorrida, com o valor global do contra crédito assente nas multas contratuais aplicadas ao Consórcio cedente em resultado de deliberação camarária de 2 de Janeiro de 2007.

A referida deliberação determina a data da constituição do contra crédito pelas multas contratuais aplicadas ao abrigo do DL 59/99 (RJEOP), sendo que no domínio da presente causa não tem qualquer sustentação adjetiva discutir a bondade da liquidação das mesmas à luz do RJEOP na exata medida em que a relação jurídica controvertida reporta à cessão financeira, na parte respeitante ao terceiro-devedor cedido Município e o cessionário financeiro, e não, como se disse já, ao contrato de empreitada celebrado em 19 de Janeiro de 2005, pelo que, consequentemente, não estão em juízo os sujeitos outorgantes.

Em matéria da oponibilidade de meios de defesa do devedor cedido perante o cessionário, o que importa, como reiteradamente ficou dito, é que o contra crédito do terceiro-devedor cedido sobre o cedente se tenha constituído antes do conhecimento da cessão pelo primeiro, como estatui o artº 585º C. Civil.

Como enfatiza e exemplifica a doutrina, “(...) Os meios de defesa posteriores à comunicação da cessão já não são operacionais. Tome-se o exemplo da compensação: o terceiro devedor pode compensar o seu débito com créditos que tenha contra o aderente, desde que constituídos antes da notificação da cessão. A compensação já não opera com créditos posteriores à notificação: nessa altura, o aderente já não é credor: tal posição é ocupada pelo factor. (...)” (Menezes Cordeiro, Manual de direito bancário… pág. 637) - (Cfr. Acórdão TCAS nº 7461/11 de 1 de Março de 2012)

Ou seja, “(...) essencial, sobre este aspeto, é que o crédito do devedor sobre o cedente se tenha constituído antes do conhecimento da cessão pelo primeiro, independentemente do vencimento do referido direito se ter verificado antes, ou depois, do mesmo conhecimento (...) Note-se que é necessário que a compensação pudesse ser oposta ao cedente, o que significa que o contra crédito do devedor cedido não se pode vencer depois da data em que o crédito transmitido ao cessionário seja exigível. (...)” (Luís Pestana de Vasconcelos, Dos contratos de cessão financeira (factoring), Studia Iuridica, 43, Coimbra Editora, págs. 310-311 e 312-313.) ) - (Cfr. Acórdão TCAS nº 7461/11 de 1 de Março de 2012)

O referido significa, tal como decidido em 1ª instância, que o contra crédito pelas multas contratuais de que o Município é titular não é oponível ao Banco, no quadro funcional de terceiro-devedor cedido e cessionário financeiro, porque a notificação da transmissão dos créditos ao Município é de 29 de Agosto de 2005 (Cfr. facto provado 4º), e a constituição dos créditos (multas) sobre a sociedade cedente/facturizada, ocorreu com a deliberação camarária de 2 de Janeiro de 2007 (Cfr. facto provado 8º), de modo que sendo posterior ao conhecimento da cessão pelo Município, não pode invocar a declaração compensatória relativamente a este crédito por multas contratuais a cargo do cedente.

O referido significa pois que não sendo oponíveis as multas deliberadas contra a sociedade cedente a título de contra crédito do Município, terceiro-devedor cedente, emergem como exigíveis na sua totalidade os créditos transmitidos no âmbito da cessão financeira, tal como decidido pelo tribunal a quo, pelo valor total de 239.180,06€, mais juros.

Como ficou já dito, em bom rigor, o discutido nestes autos, não foi a execução do contrato de empreitada mas o contrato de factoring, em face do que nunca se poderia reconduzir a presente ação à apreciação das vicissitudes da empreitada e da liquidação do respetivo saldo, que por serem posteriores ao conhecimento da cessão não podem ser invocadas pelo cessionário, nos termos do estabelecido no artigo 585.° do Código Civil.


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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, confirmando-se o sentido da decisão proferida em 1ª Instância.
Custas pelo Recorrente
Porto, 25 de Setembro de 2014
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Ana Paula Portela
Ass.: Luís Migueis Garcia