Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00415/23.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:08/04/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:LEGITIMIDADE ATIVA;
Sumário:
I – A legitimidade do Autor dependerá da sua alegação (i) de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesada pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos [cfr. artigo 55º, nº.1 do C.P.T.A.], ou (ii) da invocação de valores constitucionais integrados no campo de proteção preconizado no nº. 2 do artigo 9º do C.P.T.A.

II – Apresentando-se distintivo que o Autor esteia as suas pretensões com base na legitimidade processual que deriva do disposto no artigo 55º, nº.1 do C.P.T.A e resultando demonstrado que o Autor configura a relação material controvertida como emergindo do ato praticado pela Ré que “(…) que o afastou da equipa de orientação da estudante Karen Andreína Godinho João no âmbito do Programa Doutoral em Química Sustentável (…)”, ato esse que o A. reputa de ilegal, e que, segundo os argumentos expendidos, foi lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, é indiscutível reconhecer que o A. detém legitimidade para intentar a presente acção, na qual pretende ver discutida a legalidade de tal acto administrativo.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
1. A UNIVERSIDADE ..., Requerida nos autos à margem referenciados de PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE ATO ADMINISTRATIVO em que é Requerente «BB», vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que, antecipando o juízo sobre a causa principal nos termos do artigo 121°, n°.1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, julgou “(…) totalmente procedente a causa principal e, em consequência, anulo[u] a decisão de afastamento do Autor da equipa de orientação da contra-interessada no âmbito do programa doutoral em Química Sustentável (…)”.
2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
A) O recurso tem por objeto a Sentença que anulou o ato que afastou o outrora A. da equipa de orientação da contrainteressada, no âmbito do programa doutoral em Química Sustentável;
B) Da norma que se extrai do artigo 55.° n.° 1 al. a) do CPTA, são percetíveis os pressupostos constitutivos da legitimidade ativa: (i) interesse; (ii) pessoal; (iii) direto;
C) Daquela norma excluem-se meros interesses de facto;

D) O programa Doutoral em Química Sustentável rege-se pelo Regulamento n.° 656/2015 e subsidiariamente, pelo Regulamento 707/2018, editados pela Recorrente em execução do previsto no artigo 38.° al. c) do Decreto-Lei n.° 74/2006;
E) A estrutura do procedimento onde se insere o ato impugnado é bilateral (por contraposição à relação multipolar), já que a sequência de atos a praticar, materiais (investigação) ou jurídicos (pareceres dos orientadores), está funcionalizada à obtenção do grau de Doutor (ato administrativo) pela estudante e concedido pela instituição
F) Naquela estrutura, a orientação é meramente instrumental do resultado a obter no termo de um procedimento de iniciativa e de colaboração particular;
G) Se o pressuposto processual referente «legitimidade» visa «recortar» os sujeitos admitidos a participar numa dada lide judicial, o ponto de partida é a legitimidade procedimental;
H) Se, à luz do artigo 68.° do CPA, nenhum título de legitimação pode ser reconhecido ao ora Recorrido para participar no procedimento de concessão do grau académico, porquanto não é este o destinatário dos efeitos do ato final, não se lhe poderá reconhecer qualquer (i) interesse, (ii) pessoal e (iii) direto na demanda.
I) O regime de coorientação é facto constitutivo da instituição de um órgão colegial formado por um orientador e dois coorientadores;
J) Quando o ora Recorrido e a outro membro professor deixam ser coorientadores, a orientação converte-se em individual, o que é a regra nessa matéria, à luz do Regulamento 707/2018;
K) Considerando que as competências não são direitos, o órgão e os seus membros não são titulares de um interesse pessoal e direto, pelo que a impossibilidade de as exercer não podem fundar a legitimidade singular;
L) No pressuposto das conclusões anteriores o A., ora Recorrido, não tem legitimidade processual ativa porque, ao contrário do que vem sentenciado:
i) A integração da equipa de orientação da contrainteressada e a aceitação por parte do Recorrido e os futuros procedimentos concursais, como é o caso exemplificado no artigo 95.° da PI, são interesses de facto, não um interesse para efeitos do artigo 55.° n.° 1 al. a) do CPTA (requisito do interesse);
ii) A integração da equipa de orientação da contrainteressada e a aceitação por parte do Recorrido, são factos consumados e os procedimentos concursais alegados são futuros, pelo que os efeitos decorrentes da anulação do ato para o ora Recorrido não se repercutam de forma direta e imediata na esfera jurídica, não sendo suficiente um benefício que se mostre meramente eventual ou hipotético (caráter direto do interesse);
iii) A integração da equipa de orientação da contrainteressada e a aceitação por parte do Recorrido, são factos consumados, o seu efeito é a sua investidura num órgão colegial e enquanto titulares de um órgão colegial, o orientador e os respetivos coorientadores exercem as competências previstas nos artigos 12.° n.° 1, 12.° n.° 2, 13.° n.° 3, 16.° n.° 1, 16.° n° 2, 17.° n.° 5 al. b), 18.° n.° al. b) e 6, 21.° n.° 5 e 6 e 22.° n.° 4 do Regulamento n.° 707/2018, sendo que as competências não são direitos, porque não tutelarem os interesses de quem as exerce (caráter pessoal do interesse).
M) Por essa razão, o Recorrido não é, para efeitos do artigo 55.° n.° 1 al. a) do CPTA, titular de uma posição jurídica subjetiva, mas sujeito numa relação jurídica interorgânica não autonomizável da relação entre a Recorrida e a contrainteressada;
N) Resulta provado que a contrainteressada requereu a substituição dos dois coorientadores por razões alheias ao plano de trabalhos conducentes à preparação da tese de doutoramento (factos 6 a 8). Tais razões contendem com a sua liberdade de criação cultural e a liberdade de aprender e que a anulação do ato acaba por eliminar. Ao assegurar a legitimidade ativa do A., ora Recorrido, a sentença, na interpretação que faz do artigo 55.° n.° 1 al. a) do CPTA, inconstitucionaliza-o por violação dos artigos 42.° n.° 1 e 43.° n.° 1 da Constituição;
O) Por força das conclusões anteriores, a Sentença erra no julgamento da matéria de direito por violação do artigo 55.° n.° 1 al. a) do CPTA;
P) Sendo a relação jurídica bipolar, isto é, circunscrevendo-se entre a contrainteressada e a ora Recorrida, não há qualquer vício de fundamentação ou falta de audiência prévia;
Q) A sentença erra, portanto, no julgamento da matéria de direito, por violação dos artigos 124.° n.° 1 al. f) e 152.° n.° 1, à contrario sensu, do CPA (…)”.
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3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido «BB» produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “(…)
A) A Recorrente interpôs recurso da decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar instaurado, mas não apresentou recurso da decisão da causa principal; devendo presente recurso ter sido intentado no âmbito do processo principal que correu termos sob o n.° 765/23.1BEPRT, na Unidade Orgânica 1 do TAF do Porto, e não tendo tal ocorrido, o presente recurso deverá improceder porquanto a decisão no âmbito do processo principal não foi impugnada.
B) O recorrido possui legitimidade processual ativa, não tendo a sentença recorrida incorrido em erro de julgamento da matéria de direito por violação do art. 55° n.° 1 al. a) do CPTA.
C) Para o conceito de legitimidade ativa releva o disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 55.° do CPTA, nos termos da qual tem legitimidade para impugnar um ato administrativo quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente, por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
D) o acto praticado, anulado pela sentença, foi praticado sem que fosse feita a notificação do recorrido para exercício da audiência prévia e sem se encontrar fundamentado.
E) O direito a ser ouvido em processo administrativo que lhe diga respeito, é um direito e interesse legalmente protegido, e constitucionalmente assegurado, sendo que o interessado, neste caso o Recorrido, tem um interesse direto e pessoal; nos autos está em causa o acto que determinou o afastamento unilateral, sem fundamentação e sem qualquer direito a ser ouvido, do Recorrido de uma equipa de coorientação, da qual aquele fazia parte por ter aceite expressamente fazer parte.
F) A própria Recorrente no âmbito do processo administrativo reconhece a necessidade do Recorrido ser, pelo menos, ouvido previamente ao seu afastamento, sob pena de, como afirma a Recorrente, estar tal acto sujeito “a posterior contestação.
G) A aceitar-se a tese da Recorrente, estar-se-ia a aceitar que estaria vedado aos interessados e lesados a impugnação de actos que os afetassem pessoalmente, negando-se assim o Estado de Direito em que vivemos.
H) Nos autos o beneficio resultante da impugnação do acto tem repercussão imediata no Recorrido, repercussão essa de natureza não patrimonial e reflete-se na própria esfera jurídica daquele, tendo por isso o Recorrido um interesse direto e pessoal em agir em juízo, como fez.
I) A equipa de orientação de um doutoramento não é um órgão colegial, tal como vem definido no CPA; tal equipa não possui apenas competências nem deveres, não é um centro criado na instituição da Recorrente, não foram eleitos como membros ou indicados as pessoas que fazem parte de tal equipa, não possui a estrutura prevista no CPA; enfim em nada é um órgão colegial.
J) A antecipação da decisão da causa principal não fez incorrer o Tribunal a quo em qualquer erro, sendo certo que tal antecipação mereceu a aceitação da Recorrente, não tendo a sentença recorrida confundido interesse em agir com interesse-condição de legitimidade.
K) O recorrido não só demonstrou a sua legitimidade, como igualmente demonstrou o seu interesse em agir: o Recorrido foi afetado por um acto administrativo não fundamentado, sendo certo que tal acto foi praticado sem que o Recorrido fosse ouvido em sede de audiência prévia; tal acto repercutiu-se diretamente na sua esfera jurídica, tendo o mesmo sido pessoalmente afetado pelo acto e pela conduta da Recorrente que violou disposições legais imperativas, sendo o Recorrido titular de uma posição jurídica subjetiva (de coorientador), posição essa na qual se encontrava apenas por ter aceite expressamente.
L) A anulação do acto em nada contende com a liberdade de criação intelectual, artística e científica (artigo 42.° n.° 1 da Constituição) e a liberdade de aprender (artigo 43.° n.° 1 da Constituição)."; pelo contrário a sua não anulação contende e viola frontalmente o direito do Recorrido de ser ouvido antes de ser tomada a decisão final, impositiva, agressiva ou restritiva, sobre o assunto que lhes diga respeito, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
M) num exercício de poder autoritário e absolutista (que lhe é vedado legalmente), a Administração, aqui Recorrente, decidiu, sem ouvir o Recorrido, deferir o requerimento da contra interessada, praticando o acto administrativo de afastamento do Recorrido sem que este fosse ouvido, sem que as “razões" deste fossem tidas em consideração e sem apresentar qualquer fundamentação.
N) O acto praticado, estava sujeito a audiência prévia e a fundamentação, não sendo o plano onde foi praticado o de uma relação hierárquica, e sendo o Recorrido um verdadeiro interessado.
O) Atendendo a que existem dois interessados - o aqui recorrido e a contra interessada, tal como é dito na sentença “não estava verificada a fattispecie prevista na alínea f) do n.° 1 do artigo 124.° do CPA para a dispensa do direito de audiência prévia, a qual exige que a decisão a tomar seja “inteiramente favorável" a todos os “interessados".
P) Ainda que houvesse fundamento para a dispensa da audiência, que não há, inexiste no processo administrativo qualquer declaração dos serviços da Recorrente no sentido de dispensar o cumprimento da audiência prévia justificando-o, como exige pelo n.° 2 do artigo 124.° do CPA; tal inexistência configuraria igualmente uma ilegalidade procedimental, por violação do referido direito de audiência prévia, pelo que também por aqui se mostraria violado o direito de audiência prévia.
Q) O acto em causa estava sujeito a fundamentação; trata-se de um acto administrativo (e não uma ordem em matéria de serviço), dotado de efeitos jurídicos externos, pelo que ao afetar o direito legalmente protegido do Recorrido “em se manter como elemento da equipa de coorientação que prévia e expressamente havia aceite fazer parte, estava sujeito ao dever de fundamentação formal por via do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 152.° do CPA e n.° 3 do artigo 268.° da CRP.” sendo que tal fundamentação deveria ser de tal pormenor que permitisse a qualquer pessoa e sobretudo ao interessado saber e compreender o motivo e justificação pelo qual tal acto foi praticado.
R) Padece pois o acto praticado pela Recorrente de falta de fundamentação formal o que consubstancia uma ilegalidade formal, que a par da ilegalidade procedimental por falta de audiência prévia, apenas poderiam determinar, como se determinou na sentença recorrida, a anulação do mesmo (…)”.
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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre apreciar e decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir é a de determinar se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente aresto, incorreu em erro[s] de julgamento de direito.
9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
10. A matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art. 663º, n.º 6, do CPC.
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III.2 - DO DIREITO
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11. O Autor, aqui Recorrido, intentou a presente providência cautelar, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser suspensa a eficácia do “(…) acto administrativo que o afastou da equipa de orientação da estudante «AA» no âmbito do Programa Doutoral em Química Sustentável (…)”.
12. O Tribunal a quo, em antecipação do juízo da causa principal, (i) desatendeu a matéria excetiva suscitada nos autos [(i.1) ilegitimidade passiva da Faculdade de Farmácia da Universidade ...; (i.2) ilegitimidade ativa do Requerente; e (i.3) inimpugnabilidade do acto] e (ii) julgou totalmente procedente a causa principal, consequentemente, anulando a “(…) decisão de afastamento do Autor da equipa de orientação da contra-interessada no âmbito do programa doutoral em Química Sustentável (…)”.
13. O que, com reporte ao mérito dos autos, estribou na convicção de que ato impugnado enfermava dos vícios de (i) preterição de audiência prévia de interessados; de (ii) falta de fundamentação formal; e de (iii) de ofensa dos princípios da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, dos princípios da justiça e da razoabilidade, da imparcialidade e da boa-fé.
14. Patenteiam as conclusões alegatórias que a Recorrente insurge-se quanto ao assim fundamentado e decidido, imputando-lhe erro[s] de julgamento de direito.
15. Fundamenta tal crença, brevitatis causae, no entendimento de que o raciocínio em que assenta a conclusão do Tribunal de que o Autor, aqui Recorrido, é dotado de legitimidade processual ativa para intervir em juízo viola a normação vertida no artigo 55.º n.º 1 al. a) do CPTA, porquanto, brevitatis causae, Recorrido não é titular de uma posição jurídica subjetiva, mas sujeito numa relação jurídica interorgânica não autonomizável da relação entre a Recorrida e a contrainteressada.
16. Arrima ainda a sua convicção, desta feita no que tange ao mérito dos autos, no entendimento de que a relação jurídica é bipolar, isto é, circunscreve-se entre a contrainteressada e a ora Recorrida, inexistindo, por isso, qualquer vício de fundamentação ou falta de audiência prévia.
17. Espraiadas as considerações pertinentes da constelação argumentativa do Recorrente, adiante-se, desde já, que a razão não está do seu lado.
18. Realmente, a legitimidade do Autor dependerá da sua alegação (i) de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesada pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos [cfr. artigo 55º, nº.1 do C.P.T.A.], ou (ii) da invocação de valores constitucionais integrados no campo de proteção preconizado no nº. 2 do artigo 9º do C.P.T.A.
19. Pois bem, perlustrando os autos, assoma evidente que o Autor, aqui Recorrido, esteia as suas pretensões com base na legitimidade processual que deriva do disposto no artigo 55º, nº.1 do CPTA.
20. Para facilidade de análise, convoquemos o teor do disposto na alínea a) do artigo 55º do C.P.T.A., epigrafado de "Legitimidade ativa":
Artigo 55º
"1- Tem legitimidade para impugnar um ato administrativo:
(…)
a) Quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos (…)”.
21. Da leitura deste normativo resulta que não se exige a verificação da efectiva titularidade da situação jurídica invocada pelo autor, bastando a mera alegação dessa titularidade.
22. Nas palavras de Mário Aroso de Almeida, in Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2014, pp. 234 e 235: «A utilização da fórmula “interesse direto e pessoal”, em contraposição à lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos, que é apresentada como um exemplo e, assim, como uma das suas formas de concretização possível, aponta no sentido de que a legitimidade individual para impugnar actos administrativos não tem de basear-se na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido, mas se basta com a circunstância de o acto estar a provocar, no momento em que é impugnado, consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor, de modo que a anulação ou declaração de nulidade desse acto lhe traz, pessoalmente a ele, uma vantagem direta (ou imediata). (…) só o carácter “pessoal” do interesse diz verdadeiramente respeito ao pressuposto processual da legitimidade, na medida em que se trata de exigir que a utilidade que o interessado pretende obter com a anulação ou declaração de nulidade do acto impugnado seja uma utilidade pessoal, que ele reivindique para si próprio, de modo a poder afirmar-se que o impugnante é considerado parte legítima porque alega ser, ele próprio o titular do interesse em nome do qual se move o processo.».
23. Como é referido no Acórdão deste T.C.A.N. de 24.07.2008, proferido no processo n.º 00042/06.2BEBRG, disponível em www.dgsi.pt : “(…) para um juízo positivo sobre a legitimidade ativa, é suficiente que o autor da acção administrativa especial alegue, de modo fundamentado, ser titular de um interesse direto e pessoal na impugnação de determinado acto administrativo, nomeadamente por ter sido lesado, por tal acto, nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos [artigo 55º nº1 alínea a) do CPTA].(…)”.
24. Assim, analisando a petição inicial apresentada pelo A., resulta que o mesmo configura a relação material controvertida como emergindo do ato praticado pela Faculdade de Ciências da Universidade ..., que “(…) que o afastou da equipa de orientação da estudante «AA» no âmbito do Programa Doutoral em Química Sustentável (…)”, ato esse que o A. reputa de ilegal, e que, segundo os argumentos expendidos, foi lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
25. Na verdade, o Autor, após a emissão de declaração de aceitação, integrou a equipa de orientação da contra-interessada «AA» na qualidade de coorientador no âmbito do Programa Doutoral em Química Sustentável [cfr. ponto 3) do probatório], tendo sido posteriormente, afastado da equipa de orientação a pedido da contra-interessada [cfr. pontos 6) a 16) do probatório].
26. Inconformado com tal afastamento, o Autor propôs a presente ação imputando ao ato impugnado - a referida decisão de afastamento - os vícios de (i) violação de audiência prévia; (ii) de falta de fundamentação formal; e (iii) de ofensa dos princípios da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, dos princípios da justiça e da razoabilidade, da imparcialidade e da boa-fé, tendo fundado a sua legitimidade processual nos reflexos que aquela decisão de afastamento tinha na sua esfera jurídica, mormente em matéria de seriação de classificação em procedimentos concursais, de exercício de funções sindicais e de lesão da sua imagem profissional para a comunidade científica, para além da violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
27. Ou seja, o bem jurídico que ele se apresentou a defender, a par da defesa da legalidade, foi o interesse pessoal na defesa (i) da evolução positiva da sua carreira profissional; (ii) do exercício da atividade sindical; (iii) da sua imagem profissional; e ainda (iv) da possibilidade de apelar para uma decisão jurisdicional acerca de uma questão que o oponha à Administração.
28. Atendendo à forma como foi configurada a relação material controvertida e que o A. imputa à R. a prática de um acto ilegal e lesivo dos seus direitos e interesses, é indiscutível reconhecer que o A. detém legitimidade para intentar a presente acção, na qual pretende ver discutida a legalidade de acto administrativo que o afastou da equipa de orientação da contra-interessada «AA» na qualidade de coorientador no âmbito do Programa Doutoral em Química Sustentável.
29. Ademais, o facto de não ter participado no procedimento que culminou com o seu afastamento, ora colocado em crise, em nada obsta à legitimidade ativa do A.
30. Com efeito, uma tal interpretação restritiva, seria lesiva do direito a uma tutela jurisdicional efectiva.
31. Pois, se se fizesse depender a possibilidade de impugnar os actos administrativos do procedimento de uma participação no mesmo, seria cercear o direito à tutela jurisdicional efectiva, designadamente quando o que está em causa, e regressando ao caso dos autos, é saber se o A. foi ilegalmente afastada da equipa de orientação da contra-interessada «AA» na qualidade de coorientador no âmbito do Programa Doutoral em Química Sustentável.
32. O que nos transporta para a evidência da absoluta falência da argumentação aduzida pela Recorrente de que a relação material controvertida circunscreve-se exclusivamente entre a si e a contra-interessada indicada nos autos.
33. Daí nada haja a objetar no que tange ao juízo decisório firmado pelo Tribunal a quo no domínio em análise.
34. E este julgamento tem direta repercussão nos demais vetores sustentadores do recurso interposto pela Recorrente.
35. Realmente, não sendo a relação material controvertida aferida em termos bipolares [Recorrente e Contra-interessada], mas antes em termos tripolares [incluindo Recorrido], é de manifesta evidência que se impunha à Recorrente a obediência aos princípios e de deveres estruturantes da atividade da Administração, desde logo, o respeito pelo princípio da participação dos cidadãos na tomada de decisões por parte da Administração e o dever de fundamentação das decisões administrativas.
36. Assim, e à míngua da arguição de qualquer vício ou erro de julgamento à sentença recorrida no domínios da preterição de audiência prévia de interessados e da falta de fundamentação formal, não antolha a existência de qualquer fio condutor lógico jurídico que justifique a reversão do juízo decisório firmado a tais propósitos.
37. Consequentemente, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, e mantida a decisão judicial recorrida.
38. Ao que se provirá no dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso, e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 04 de agosto 2023,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Alexandra Alendouro
Celeste Oliveira