Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02024/12.6BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/28/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:ACÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
TRIBUNAL COMPETENTE
RELAÇÃO JURÍDICO-ADMINISTRATIVA
RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA
Sumário:1. Do disposto no art.º 49.º do ETAF decorre que se quis atribuir aos tribunais tributários competência para apreciar e julgar os actos que, embora não tenham sido praticados no seio de uma relação jurídica fiscal, constituam actos administrativos relativos a questões fiscais (de natureza substantiva ou adjectiva).
2. Pertence à jurisdição fiscal a competência para dirimir questões de responsabilidade por danos decorrentes de toda a actividade administrativa materialmente tributária, exercida, designadamente, pelas entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos.
3. O acto ilícito praticado pelo órgão da execução que suporta e serve de causa de pedir à acção de responsabilidade civil em causa não deixa de constituir um acto administrativo relativo a questão fiscal, porque praticado no âmbito do contencioso tributário, com invocação de violação de normas adjectivas tributárias.
4. Assim, atendendo às razões de especialização que estão na base da exigência constitucional de duas subjurisdições, não seria conforme a esse imperativo constitucional atribuir competência para o julgamento destas acções aos tribunais da subjurisdição administrativa.*
* Sumário elaborado pelo relator.
Recorrente:JRO e MCMCO...
Recorrido 1:Estado Português
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam no Tribunal Central Administrativo Norte, os Juízes Desembargadores da Secção do Contencioso Administrativo
I
RELATÓRIO
1. JRO... e mulher MCMO..., ident. nos autos, inconformados, vieram interpor o presente recurso jurisdicional do saneador-sentença do TAF de Braga, datado de 26 de Junho de 2013, que declarou a incompetência material dos tribunais administrativos para se pronunciarem acerca do pedido nos autos - acção administrativa comum, sob forma ordinária, instaurada contra o ESTADO PORTUGUÊS - e competente, em termos materiais, os tribunais tributários.

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2. Os recorrentes nas suas alegações, formularam, a final, as seguintes conclusões, findas as quais terminaram pela revogação da sentença recorrida:
"I - A douta sentença em crise deve ser revogada, por não existir a invocada incompetência material em razão da matéria dos tribunais administrativos.
II - Quando a responsabilidade decorre do exercício de funções administrativas em matéria tributária, que é o caso, ela radica na função administrativa, é por isso ainda responsabilidade pelo exercício dessas funções, e são só tribunais administrativos de círculo que conhecem em primeira instância dos processos do âmbito da jurisdição administrativa – artigo 44.º, 1 do ETAF.
III - Esta competência genérica, assim afirmada para os tribunais administrativos de círculo, não tem paralelo na competência prevista para os tribunais tributários, seja no artigo 49.º, seja no artigo 49.º-A, do mesmo ETAF.
Nesses, segue-se a técnica da enumeração, culminando com as “demais matérias que lhe sejam deferidas por lei”.
IV- Havendo um elenco enumerativo muito alargado, não poderá ser por esquecimento que a lei deixou de assinalar os litígios decorrentes da responsabilidade civil emergente de actuação ilícita, culposa e danosa de funcionários na tramitação de questões fiscais e da violação dos deveres funcionais e de cuidado que lhes estão cometidos, tudo aponta para que se quis deixar esta matéria para o “bolo” geral, independente da específica matéria (fiscal ou administrativa) que com ela estivesse relacionada.
V - Entende-se que a competência para conhecer do mérito da acção destes autos deve ser efectivada pelas secções do contencioso administrativo do Tribunal".
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3. Notificadas as alegações, apresentadas pelos recorrentes, supra referidas, veio o recorrido Estado Português apresentar contra alegações, mas sem que formule conclusões, embora terminando pelo entendimento de que o tribunal administrativo é incompetente, em razão da matéria para conhecer da presente acção.
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4. Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos recorrentes, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, ns, 3 a 5 e 639.º , todos do Código de Processo Civil - Lei 41/2013, de 26/6 - art.º 5.º, n.º1 - “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA de FACTO
Com interesse para a decisão dos autos, atentos os documentos juntos e posição das partes, vertida nos respectivos articulados, importar fixar os seguintes factos:
1. Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 3/6/1998, os AA. venderam à sociedade "M... - Sociedade Imobiliária, Construção e Obras Públicas, L. da" o prédio rústico, sito no lugar de AB..., freguesia de S. Vicente - Braga, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2.º e descrito na CRPredial de Braga, sob o n.º 1…, pelo preço de 60.000.000$00 (€299.278,74), já objecto de aprovação de operação de loteamento.
2. Entretanto, os AA. e a "M... - Sociedade Imobiliária, Construção e Obras Públicas, L. da" acordaram, para pagamento do prédio em causa, a construção no lote C2 e entrega de 10 fracções autónomas aos AA., tendo a empresa adquirente iniciado a respectiva construção.
3. No entanto, a M... foi notificada da penhora do lote C2 do prédio, referido em 1, com a área de 390 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2….º e descrito na 2.ª CRPredial de Braga, sob o n.º 0….
4. A penhora foi efectivada pelo 2.º Serviço de Finanças de Braga para pagamento de dívidas fiscais, no valor de €35.051,48, tendo sido vendido, por proposta em carta fechada, em 23/10/2008, pelo valor de € 350.000,00
5. O valor da venda, efectivada em 23/10/2008 - € 350.000,00 - é inferior ao valor do mercado, atento o seu valor e benfeitorias efectuadas no mesmo (estas no valor de €600.000,00).
6. As benfeitorias - construções erigidas - não foram levadas em consideração pelo perito avaliador.
7. Na presente AAC, os AA., alegando que a avaliação foi realizada negligentemente, pois não levou em consideração as benfeitorias, bem como a venda publicitada pela Finanças não dava conta das benfeitorias - construção implantada, o que constitui erro grosseiro da responsabilidade do serviço de Finanças, pedem a condenação do Estado na quantia de € 600.000,000, acrescida de juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.
2. MATÉRIA de DIREITO
No caso dos autos, a decisão recorrida entendeu que, estando em causa matéria fiscal, sendo que o litígio emerge de uma relação jurídico tributária, estabelecida numa relação fiscal, a competência material pertence ao tribunal tributário.
É desta decisão do TAF de Braga que vem interposto pelos AA./recorrentes o presente recurso jurisdicional.
Vejamos se lhes assiste razão!
Antes de mais, importa definir, em termos concretos, o objecto do processo, ou seja, o que está em causa nos autos.
Assim, importa saber se, para apreciar a responsabilidade civil extracontratual do Estado, intentada com base numa penhora e posterior venda de um prédio, em execução fiscal, que correu termos no Serviço de Finanças de Braga, por alegadamente o prédio ter sido vendido por quantia demasiado baixa, na medida em que, na avaliação efectuada pelo perito, se ignorou a existência de benfeitorias - prédio em construção - e ainda as mesmas benfeitorias não terem sido publicitadas no aviso das Finanças que dada anúncio público da venda - cfr. arts. 21.º a 35.º da p. i. - são competentes os tribunais administrativos ou, ao invés --- como decidiu o TAF de Braga - área administrativa ---, os tribunais tributários.
Esta matéria, com contornos muito idênticos aos que estão em causa nesta acção, foi objecto de decisões do Plenário do STA em, pelo menos, dois processos, a saber:
- Proc. 0862/11, de 9/5/2012; e,
- Proc. 01771/13, de 29/1/2014.
O 1.º aresto foi decidido por vencimento do relator (5 votos a favor e 4 contra) enquanto o aresto de 29/1/2014 obteve 5 votos a favor e dois contra, sendo que os votos contra de um e outro dos acórdãos se estribam no voto de vencido da Sr.ª Juíza Conselheira e Vice Presidente Dr.ª Dulce Neto.
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Depois de efectivada uma análise cotejada e aturada das duas posições que emanam desses arestos do Plenário do STA e da doutrina que analisou estas questões, aceitando-se que, estando na base do acto lesivo nos autos - uma venda efectivada, alegadamente por erro, num serviço de finanças - em execução fiscal para cobrança de dívidas fiscais -, ou seja, avaliação e publicitação incorrecta/errada, ou, pelo menos, insuficiente (não se dava conta da existência de benfeitorias no prédio) do prédio penhorado vendido -, dando origem, na tese dos AA./recorrentes, a prejuízos patrimoniais (€600.000,00) e que agora reclamam nesta AAC contra o Estado Português, causados pela conduta alegadamente ilícita cometida pelos funcionários da Administração Fiscal, no exercício da sua função e por causa desse exercício - ainda que as AAC, não estejam especificamente previstas no contencioso tributário - pese embora radicarem em pedidos emergentes de relações jurídicas fiscais - mas considerando que nada obsta à sua existência e aplicação neste contencioso tributário, louvando-nos nos ensinamentos do Cons. Lopes de Sousa e voto de vencido da Cons. Dulce Neto, entendemos que o conhecimento desta acção pertence à jurisdição fiscal e, neste entendimento, sufragando a tese do TAF de Braga, se impõe a negação de provimento ao recurso.
Fundamentamos a nossa decisão no voto de vencido, supra referido, que, por razões de proficiência e completude, data venia, subscrevemos e de seguida transcrevemos.
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Consta desse voto de vencido, constante do Ac. do Plenário de 9/5/2012:
"Estamos perante uma acção administrativa comum, sob a forma ordinária, instaurada contra o Estado Português e o Ministério das Finanças, para efectivar responsabilidade civil extracontratual emergente de facto ilícito praticado em processo judicial de execução fiscal, referente a danos sofridos pelo Autor em consequência da venda de um veículo automóvel realizada nesse processo executivo.
É inequívoco que a responsabilidade civil extracontratual de entidades públicas e insere no âmbito da “jurisdição administrativa e fiscal”, conforme decorre do disposto no n.º 3 do artigo 212.º da CRP, onde se estabelece que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. No mesmo sentido, o artigo 1.º do ETAF, onde se afirma que os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
E é nesse contexto que o artigo 4.º do ETAF, ao definir o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, estabelece que compete aos respectivos tribunais (administrativos e/ou fiscais) a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto «Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante da função jurisdicional e da função legislativa» [alínea g)], «Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos» [alínea h)] e «Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime especifico da responsabilidade do estado e demais pessoas colectivas de direito público» [alínea i)].
Todavia, e como pertinentemente referem JOSÉ CASALTA NABAIS (No artigo intitulado “Responsabilidade Civil da Administração Fiscal”, publicado no Boletim da Faculdade de Direito, STVDIA IVRIDICA, 101, AD HONOREM - 5.) e JORGE LOPES DE SOUSA (No artigo publicado nos Cadernos de Justiça Administrativa, nº 71, sob o título “Os ínvios e tortuosos caminhos da reforma do contencioso tributário”, pág. 25, e na obra “Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais” pág. 130.), a “jurisdição administrativa e fiscal” não integra uma única e singular jurisdição, mas duas jurisdições autónomas ou duas subjurisdições: a “jurisdição administrativa” e a “jurisdição fiscal”.
Por conseguinte, embora não haja, quanto aos litígios que tenham por objecto a responsabilidade civil extracontratual mencionada nas citadas alíneas do artigo 4.º do ETAF, uma indicação normativa de quais se englobam na jurisdição administrativa e de quais se englobam na jurisdição fiscal, há que considerar, face ao disposto no n.º 3 do artigo 212.º da CRP e no artigo 1.º do ETAF, que deve ser cometida à jurisdição administrativa o julgamento das acções que tenham por objecto a responsabilidade por danos emergentes de relações jurídicas administrativas, isto é, do exercício da função administrativa, e que deve ser cometida à jurisdição fiscal o julgamento das acções que tenham por objecto a responsabilidade por danos emergentes de relações jurídicas fiscais, isto é, do exercício da função tributária.
O facto de o contencioso tributário não prever as acções comuns para apreciar pedidos emergentes de relações jurídicas fiscais, não obsta à sua existência e aplicação neste contencioso, pois como muito bem explica JORGE LOPES DE SOUSA no citado artigo publicado nos CJA, a pág. 24, «a jurisprudência dos tribunais tributários, no cumprimento do seu dever de assegurar da melhor forma possível o funcionamento do serviço público de justiça, foi fazendo o seu caminho, aplicando meios do contencioso administrativo no contencioso tributário sem esperar pela adaptação legislativa: por exemplo, no caso do reenvio prejudicial para o STA, previsto no art. 93.º do CPTA para as acções administrativas esperais, aquele Tribunal não só aceitou a sua aplicação no contencioso tributário, mas também estendeu consideravelmente o seu campo de aplicação, fazendo uso deste expediente processual em processos que nada têm a ver com impugnação de actos, convertendo-o, na prática jurisprudencial, num expediente processual geral». Assim como este Supremo Tribunal tem aceitado aplicar, de forma actualmente pacífica, o recurso excepcional de revista, previsto exclusivamente no artigo 150.º do CPTA.
Razão por que se torna essencial, para decidir o presente conflito de competência, saber se estamos perante responsabilidade civil por danos que emergem de uma relação jurídica fiscal ou perante responsabilidade civil por danos que emergem de uma relação jurídica administrativa.
A relação jurídica tributária é unanimemente considerada como extremamente complexa (Cfr. JOSE CASALTA NABAIS, in “Direito Fiscal”, 6ª Edição, pág. 235.), quer ao nível dos titulares dos diferentes poderes tributários, quer ao nível dos sujeitos passivos, quer ao nível do seu conteúdo. Aceitando, todavia, a noção ampla que a Lei Geral Tributária contém para efeitos da sua aplicação (artigo 1.º n.º 1), devem considerar-se relações jurídicas tributárias as estabelecidas entre a Administração Tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equipadas a estas, esclarecendo o n.º 3 que para o efeito integram a Administração Tributária, a Direcção-Geral dos Impostos, (...), as demais entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos, o Ministro das Finanças ou outro membro do Governo competente, quando exerçam competências administrativas no domínio tributário, e os órgãos igualmente competentes dos Governos Regionais e autarquias locais (n.º 3).
Deste modo, pertencerá à jurisdição fiscal a competência para dirimir questões de responsabilidade por danos decorrentes de toda a actividade administrativa materialmente tributária, exercida, designadamente, pelas entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos.
O que significa aceitar, no contencioso tributário, acções administrativas comuns para efectivação da responsabilidade civil emergente de factos ilícitos praticados em procedimentos tributários comuns, de liquidação e de cobrança de tributos, e em procedimentos tributários especiais, como os procedimentos de inspecção tributária, de levantamento do sigilo bancário, de informação vinculativa, de inclusão de contribuintes nas listas de devedores, de reversão da execução contra responsáveis subsidiários pelo pagamento da dívida.
Na presente acção, a responsabilidade civil e os danos invocados decorrem de actividade exercida por órgão da administração tributária no âmbito de um processo de execução fiscal.
O artigo 103º, n.º 1, da Lei Geral Tributária estipula expressamente que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional e aos quais compete «instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a este respeitantes, salvo os previstos no n.º 1 do artigo 150.º do presente Código» [artigo 10.º, n.º 1, al. f) do CPPT], ficando, assim, reservado aos tribunais tributários a apreciação e decisão sobre «os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária e a reclamação dos actos praticados pelos órgãos da execução fiscal» [artigo 151.º, n.º 1, do CPPT].
Não se trata, pois, de um procedimento administrativo ou tributário, mas de um processo judicial.
E a competência que os órgãos da administração tributária detém nesse processo não emana de um poder de autotutela executiva, nem brota, em princípio, do exercício da função tributária da Administração, resultando, antes, de uma competência funcional e puramente administrativa que a lei lhe confere para intervir no processo judicial como órgão auxiliar ou colaborador operacional do Juiz, não estando, assim, em princípio, a administração fiscal a agir como tal, no exercício de função tributária, isto é, não está a intervir, por vontade própria e na qualidade de sujeito activo na relação jurídica fiscal, mas a praticar actos materialmente administrativos no âmbito de um processo judicial.
Com a instauração da execução fiscal, emerge uma relação jurídica nova entre o executado e o Estado, uma relação jurídica processual, que é autónoma da relação jurídica substancial subjacente, ou seja, que é distinta da relação jurídica fiscal. Viciada a relação processual, os danos que daí decorram podem gerar responsabilidade civil decorrente do exercício da função administrativa quanto aos actos que nele foram praticados pelo órgão administrativo ou agente da execução.
Pelo que pareceria, à primeira vista, que seria de afastar a competência dos tribunais tributários para julgar acções administrativas para efectivação de responsabilidade civil emergente desses actos administrativos.
Todavia, do disposto no artigo 49.º do ETAF decorre, inequivocamente, que se quis atribuir aos tribunais tributários competência para apreciar e julgar os actos que, embora não tenham sido praticados no seio de uma relação jurídica fiscal, constituam actos administrativos relativos a questões fiscais (de natureza substantiva ou adjectiva).
Ora, o acto ilícito praticado pelo órgão da execução que suporta e serve de causa de pedir à acção de responsabilidade civil aqui em causa não deixa de constituir um acto administrativo relativo a questão fiscal, porque praticado no âmbito do contencioso tributário, com invocação de violação de normas adjectivas tributárias. Pelo que, atendendo às razões de especialização que estão na base da exigência constitucional de duas subjurisdições, não seria conforme a esse imperativo constitucional atribuir competência para o julgamento destas acções aos tribunais da subjurisdição administrativa.
Por outro lado, dentro do processo de execução fiscal surgem, muitas vezes, “enxertados” procedimentos tributários que definem relações jurídicas fiscais e que geram actos tributários. Com efeito, apesar de a administração tributária ser chamada a colaborar com o tribunal na cobrança de créditos, conduzindo o rito processual com submissão às regras processuais, a lei permite-lhe ainda, em determinadas situações, agir no processo executivo como credora/exequente, como sujeito activo da relação jurídica tributária, como acontece, por exemplo, quando profere decisão a responsabilizar outras pessoas pelo pagamento da dívida tributária, praticando um acto administrativo de asserção dos pressupostos legais para essa responsabilização, mudando a titularidade da dívida exequenda através do mecanismo da reversão.
Ora, se a competência para a acção de responsabilidade civil por danos causados por estes actos administrativos praticados no âmbito do processo executivo é dos tribunais tributários (por estar em causa a relação jurídica fiscal), não seria razoável nem coerente negar-lhe essa competência para a acção de responsabilidade civil por danos causados pelos demais actos praticados pelo mesmo órgão da administração tributária no âmbito do processo executivo, até porque, embora não contendendo com a relação jurídica fiscal em si, estes actos consistem na aplicação (ou desaplicação) de normas adjectivas de natureza tributária, suscitando, assim, questões fiscais".
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Concordando assim com posição veiculada no voto de vencido da Sr.ª Juíza Cons. Dr.ª Dulce Neto, supra transcrito e tese do M.º P.º, veiculada nas suas contra alegações, importa, assim manter a decisão recorrida.
III
DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a decisão recorrida.
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Custas pelos recorrentes.
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Notifique-se.
DN.
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Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art.º 131.º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil, “ex vi” do art.º 1.º do CPTA).
Porto, 28 de Fevereiro de 2014
Ass.: Antero Salvador
Ass.: Ana Paula Portela
Ass.: Carlos Carvalho (vencido: Entendo que no caso a decisão judicial recorrida deveria ser revogada, por quanto seriam os tribunais administrativos os materialmente competentes tal como entendimento formado no recente Ac. do STA/Plenário de 29.01.2014 - Proc. nº 01771/13, cuja jurisprudência aqui se secunda e acolhe).