Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01315/17.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/25/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; N.º 2 DO ARTIGO 9º DO NOVO REGIME DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, ADITADO PELA LEI N.º 71/2018, DE 31.12; CRÉDITOS SALARIAIS;
CESSAÇÃO DO CONTATO DE TRABALHO; SENTENÇA; INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO CRÉDITOS SALARIAIS; ARTIGO 309º DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 2.º, N.º 8, DO NOVO REGIME DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL (DECRETO-LEI N.º 59/2015, DE 21.04); INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:1. Não se aplica a norma jurídica inovatória constante do n.º 2 do artigo 9º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aditado pela Lei n.º 71/2018, de 31.12, onde se prevêem causas de suspensivas do prazo previsto no artigo 2º, nº8, do mesmo diploma, a um caso em que tal norma não estava em vigor nem quando foi apresentado o requerimento dirigido à entidade demandada, nem quando esta indeferiu o pedido, nem sequer quando a acção foi interposta em tribunal.

2. No caso de créditos salariais, embora emergentes da cessação de contrato de trabalho, que foram reconhecidos por sentença aplica-se o prazo geral de prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309º do Código Civil.

3. É inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão - acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018, de 27.06.2018, no processo 555/2017 (retificado pelo Acórdão nº 447/2018).*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

C... veio interpor RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Juízo Administrativo Social -, de 25.10.2021, pelo qual foi julgada totalmente improcedente a acção administrativa que intentou contra o Fundo de Garantia Salarial, com vista à anulação do despacho proferido pelo respectivo Presidente que lhe indeferiu o pedido de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, bem como para condenação da Entidade Demandada a deferir o requerimento para pagamento desses créditos ao Autor.

Invocou para tanto em síntese que: existe erro num facto dado como provado; é inconstitucional a interpretação adoptada pela decisão recorrida do artigo 2º, nº ,8 do o novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04.

O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção da sentença recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

I. O Recorrente interpôs acção administrativa de impugnação de actos administrativos e condenação à prática de acto devido contra o Fundo de Garantia Salarial, I.P. (doravante FGS), tendo o Tribunal a quo, por despacho saneador – sentença, datado de 25-10-2021, julgado tal acção improcedente e absolvido a Entidade Demandada do pedido, fundamentando tal decisão no facto de o requerimento apresentado pelo Recorrente junto do FGS, com vista ao pagamento dos seus créditos laborais, ser intempestivo, em consequência de ter sido ultrapassado o prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho, nos termos do art.º 2º nº 8 do NFRGS (DL nº 59/2015, de 21 de Abril).

II. Com todo e o devido respeito pela Instância recorrida, não pode o Recorrente concordar com tal fundamento, motivo pelo qual recorre do despacho proferido pelo Tribunal a quo, nos termos e com os fundamentos que presentemente se expenderão, nomeadamente por tal fundamento alicerçar-se numa interpretação inconstitucional do art.º 2º nº 8 do NRFGS.

III. Procedendo ao respectivo enquadramento factual, o Recorrente trabalhou, exercendo funções correspondentes à categoria de “Professor”, para a sociedade “S..., Lda” (NIPC (...)), desde 01-07-2011 – aquando do início da laboração do ginásio explorado pela sociedade – até ao dia 01-10-2015, data em que, por sua iniciativa e mediante justa causa, cessou o contrato de trabalho, pela falta culposa do pagamento pontual da retribuição, falta de pagamento de subsídios de férias e de refeição, diferenças salariais e descontos indevidos, cessação comunicada à Segurança Social pela entidade patronal, cuja justa causa reconheceu – cfr. doc. nº 3 junto à P.I..

V. Por a Entidade Patronal não ter procedido ao pagamento dos créditos salariais e indemnizatórios devidos ao Recorrente, este propôs contra a referida entidade, a 16/12/2015, acção de processo comum laboral – que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo – Juiz 1, sob o nº 2301/15.4T8VLG – e, requerida a insolvência da mesma no dia 31-05-2016, nela reclamou os seus créditos laborais, tendo sido declarada a insolvência em 13-09-2016 e transitado em julgado a sentença a 10-10-2016 – processo judicial que correu termos no Juízo do Comércio de Santo Tirso (J3) sob o nº 1748/16.3T8STS.

V. Destarte, o Recorrente, a 18-01-2017, apresentou no Instituto de Segurança Social, IP, Centro Distrital do Porto A/C Fundo de Garantia Salarial requerimento para pagamento de créditos laborais, no montante global de € 32.600,56, discriminando cada um dos créditos que compunham tal valor e juntando a reclamação dos créditos apresentada no processo de Insolvência, assim como uma declaração emitida pelo Sr. Administrador da Insolvência, em cumprimento do art.º 5º do NRFGS.

VI. No entanto, o Recorrente foi notificado da proposta de indeferimento, a 02-02-2017, com o fundamento na intempestividade, mormente por não ter sido apresentado no prazo de um ano contado do dia seguinte ao da extinção do contrato, termos do art.º. 2º nº 8 do DL nº 59/2015, de 21 de Abril.

VII. Atendendo ao mérito do recurso, mais concretamente quanto à matéria de facto, foi dado como provado no despacho saneador-sentença recorrido, no Ponto III. 1. FUNDAMENTAÇÃO, B) que “Em 18/03/2016, o Autor propôs contra a entidade referida em A) deste probatório, “Acção de Processo Comum”, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo – Juiz 1, sob o n.º 2301/15.4T8VLG, tendo sido proferida sentença em 05/07/2017 e transitada em julgado em 15/09/2017, nos termos da qual foi citada em 07/1/2016 a entidade patronal “S..., L.da” (NIPC (...)) e exarado na referida sentença o seguinte: «(…)”.

VIII. Ora, resulta dos autos, mais concretamente do doc. nº 4 junto da PI da acção administrativa, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, que o Recorrente interpôs a acção laboral contra a sua antiga entidade empregadora a 16-12-2015 e não, como o Tribunal a quo dá por erradamente provado, a 18-03-2016. Perante tal prova documental o Recorrente entende que tal facto provado constante do Despacho recorrido deveria ser revogado e substituído por outro que dê como provado que a acção laboral “Acção de Processo Comum”, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Trabalho de Valongo – Juiz 1, sob o nº 2301/15.4T8VLG, foi proposta pelo aqui Recorrente na data de 18-03-2016.

IX. O Recorrente, na acção administrativa por si proposta contra o Fundo de Garantia Salarial, peticionou a anulação do despacho de indeferimento proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão desse Instituto, que não apreciou, por intempestividade, o seu pedido de pagamento de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, bem como a condenação do FGS no pagamento dos seus créditos laborais, competindo ao Tribunal a quo aferir se o requerimento apresentado fora apresentado dentro ou fora do prazo, em caso de resposta afirmativa, se lhe assistia o direito de obter a condenação do FGS no pagamento das importâncias peticionadas – cfr. pedido que se transcreve no art.º. 15º das alegações e aqui se dá integralmente por reproduzido.

X. Ora, como resulta do exposto, a acção administrativa foi julgada improcedente, por Despacho datado de 25-10-2021, escorando a decisão que o prazo de caducidade para o Recorrente apresentar o requerimento junto do FGS se mostrava ultrapassado, sustentando ainda que a acção laboral intentada pelo Recorrente e a sentença proferida não possuem o condão legal de deslocalizar temporalmente a data em que se devem considerar vencidos todos os créditos.

XI. Não concorda o Recorrente com tal decisão e fundamento, atento o art.º 336º do CT que dispõe que “O pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos na legislação específica”.

XII. O Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29.07, com a alteração da Lei nº 9/2006, de 20.03, dispunha no seu art.º 319º nº 3 que “O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respectiva prescrição.” (sublinhado e negrito nosso), ou seja, estabelecia um prazo que fazia depender o pagamento dos créditos reclamados do seu prazo prescricional, sendo o termo do prazo para apresentação do requerimento o de 3 meses antes da prescrição dos créditos.

XIII. Posto que, se o trabalhador impedisse, através da instauração da competente ação judicial laboral, a prescrição dos seus créditos, desde que apresentasse o seu requerimento junto do FGS três meses antes do termo do seu prazo prescricional, ficaria protegido.

XIV. No caso, o Recorrente intentou a competente acção laboral contra a entidade patronal 2 meses após a cessação do contrato, tendo sido profícuo na prontidão adoptada para tutelar os seus créditos, ou seja, com quase 8 meses de antecedência face à data de prescrição do seu crédito, o que, à luz do art.º 319º nº 3, teria como consequência a interrupção do prazo de prescrição, nos termos do art.º 323º do CC e, por consequência, a tempestividade do pedido apresentado pelo aqui Recorrente junto do FGS.

XV. Sucede que, o art.º 2º nº 8 do DL 59/2015, de 21.04, transpondo a Directiva nº 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro, veio estabelecer que “O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.” o que significaria que a apresentação por parte do Recorrente – datada de 18-01-2017 – era intempestiva, tendo-se esgotado o prazo de um ano desde a cessação do contrato, não se prevendo causas de interrupção ou suspensão.

XVI. Facto é que o Tribunal Constitucional considerou tal norma inconstitucional, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão – cfr. Acórdãos nºs 328/2018, 21/2019, 270/2019, entre outros, in www.dgsi.pt.

XVII. Concluindo, foi precisamente o prazo de um ano sem qualquer previsão de suspensão ou interrupção que o Tribunal Constitucional declarou como inconstitucional, tal implica que este normativo não pode ter aplicação e, concludentemente, há que recorrer à previsão do art.º 319º nº 3 da Lei nº 35/2004, de 29/07, reconhecendo-se, por isso, que o FGS assegura os créditos reclamados que lhe sejam apresentados “até 3 meses antes da prescrição”.

XVIII. E mais se diga que, apesar da introdução do nº 9 ao art.º 2º do NRFGS, com a alteração feita pela Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2019, Lei 71/2018, de 31.12, para tentar salvar tal normativo da declaração de inconstitucionalidade, ao estabelecer como causa de suspensão somente a propositura da acção de insolvência, tal não se verifica, muito menos pode conjecturar-se aplicar tal normativo ao concreto caso, visto tal introdução ter sido efectuada no ano de 2018 e o art.º 3º da Lei ser claro ao estabelecer que “os requerimentos apresentados ao Fundo de Garantia Salarial e pendentes de decisão são apreciados de acordo com a lei em vigor no momento da sua apresentação”, tendo o pedido sido apresentada em data anterior a 2018, nomeadamente no ano de 2017.

XIX. Assim, e uma vez ultrapassada esta questão, tento o Recorrente interposto ação laboral – o que o fez com exemplar diligência – tal interrompei o prazo de prescrição, uma vez constituir causa de interrupção e, por sua vez, o pedido apresentado junto do FGS para pagamento dos seus créditos laborais mostra-se tempestivo, tendo, por isso, o Aqui Recorrente direito a haver as quantias que lhe são devidas.

XX. Veja-se, neste sentido, o Ac. do TCAN, processo nº 00632/17.8BEPRT, 1ª Secção – Contencioso Administrativo, de 30-10-2020, do relator Dra. Alexandra Alendouro:

“I– Aos requerimentos apresentados ao Fundo de Garantia Salarial (FGS) após 04.05.2015 – data da entrada em vigor do DL n.º 59/2015, de 21 de que aprovou o novo regime do Fundo de Garantia Salarial– por trabalhadores de empresas sujeitas a processo de insolvência ou a um programa especial de revitalização (PER), para pagamento de créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho é-lhes aplicável o novo regime – cfr. artigo 3º.

II – Nos termos do disposto no artigo 2.º, nº 8 do DL nº 59/2015, tais requerimentos de reclamação de créditos laborais ao FGS estão sujeitos ao prazo de um ano contado desde a data da cessação do contrato.

III – Este normativo, lido no sentido de estabelecer um prazo de caducidade insusceptível de qualquer interrupção ou suspensão, mostra-se inconstitucional por violação dos artigos 2.º, 13.º e 59.º, n.ºs 1 e 3 da CRP, como o Tribunal Constitucional já o decidiu em sede de fiscalização concreta.

IV – Face à inconstitucionalidade do referido preceito, na interpretação exposta, tem o mesmo ser desaplicado no caso dos autos, recorrendo-se ao artigo 319.º, n.º 3, da Lei nº 35/2004, de 29/07, revogado, entre outros, pelo DL nº 59/2015, e que estabelece que o FGS assegura os créditos reclamados que lhe sejam apresentados “até 3 meses antes da prescrição” (que é de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho – artigo 337º, nº 1, do Código do Trabalho).

IV – Em concreto, ocorrendo causas de suspensão do prazo de prescrição dos créditos laborais reclamados ao FGS, indexado ao prazo de caducidade da respectiva reclamação (indirectamente de 9 meses), em termos de a Autora ter apresentado o respectivo pedido de pagamento de créditos laborais naquele prazo, mostra-se o mesmo tempestivo” (sublinhado e negrito nosso).

XXI. Veja-se, ainda, neste sentido, o Ac. do TCAN, 1ª Secção do Contencioso Administrativo, datado de 05-02-2021, processo nº 00092/18.6BEBRG, do relator Dr. ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS, in www.dgsi.pt, em que se julga um caso em quase tudo semelhante ao ora discutido, discutindo-se a tempestividade de um requerimento apresentado junto do FGS, a 31-07-2017, peticionando-se o pagamento de créditos salariais por cessação de contrato de trabalho datada de 09-11-2015, em que, igualmente ao presente caso, a Autora na acção houvera já proposto acção judicial de condenação contra a sua anterior entidade empregadora, datado de 20.04.2016, e tendo sido proferida sentença condenando tal entidade no pagamento.

XXII. O FGS, fundamentando a intempestividade do pedido por ultrapassado o prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho e não ter sido proposta ação de insolvência da entidade no mesmo prazo, mas apenas depois, indeferiu o requerimento.

XXIII. Perante tal, o Acórdão, no seu sumário, decidiu pelo seguinte:

“1. No caso de créditos salariais, embora emergentes da cessação de contrato de trabalho, que foram reconhecidos por sentença aplica-se o prazo geral de prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309º do Código Civil.

2. É inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão - acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018, de 27.06.2018, no processo 555/2017 (retificado pelo Acórdão nº 447/2018).” (sublinhado nosso).

XXIV. Na sua fundamentação de Direito – para a qual se remete e se procedeu à transcrição no art.º 37º das alegações – o Acórdão sustenta ainda a aplicação do art.º 319º nº 3, da Lei nº 35/2004, de 29/07, revogada pelo art.º 2º nº 8 da Directiva nº 2008/94/CE, declarada inconstitucional, quanto ao prazo de proteção dos trabalhadores para garantia do pagamento dos seus créditos laborais.

XXV. Transpondo tal para o caso concreto, os créditos laborais devidos ao Aqui Recorrente foram reconhecidos por sentença datada de 05-07-2017 e transitada em julgado em 15/09/201, tendo o requerimento para pagamento destes créditos apresentado junto do FGS sido efectuado em 18-01-2017, pelo que só se pode concluir que os créditos não se encontravam prescritos, pelo contrário, o requerimento foi apresentado muitos anos antes do termo do prazo.

XXVI. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na interpretação dada ao sustentar que a instauração da acção laboral para cobrança de créditos não interrompe o prazo para apresentação de requerimento junto do FGS, violando, entre outras, as disposições dos art.ºs 2º nº 8 do DL 59/2015, de 21.04, conjugado com o art.º 323º do CC e os art.ºs 2º, 13º e 59º nº 3 da CRP.

XXVII. Sem prescindir, o legislador, em cumprimento do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito nacional, cumpriu com o a devida transposição da Directiva nº 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro. Facto é que decorre deste o efeito directo das normas europeias e o princípio da interpretação conforme, competindo aos órgãos jurisdicionais nacionais a plena efectividade dos normativos duma Directiva da UE e chegar a uma só solução conforme a finalidade prosseguida pelos mesmos.

XXVIII. Atendendo ao art.º 11º, parágrafo 2º da Directiva em apreço, que expõe que “A aplicação da presente directiva não pode, de modo algum, constituir motivo para justificar um retrocesso em relação à situação existente nos Estados-Membros no que se refere ao nível geral da protecção dos trabalhadores assalariados no domínio por ela abrangido”, conclui-se visivelmente que a interpretação dada pelo Tribunal a quo ao nº 8 do art.º 2º do DL 59/2015 consubstancia um claro retrocesso, mormente do art.º 319º nº 3 do Regulamento do Código do Trabalho, não sendo tal interpretação consentânea com o Direito da União.

XXIX. O Recorrente, como resulta do supra exposto, actuou com a devida diligência para tutelar os seus créditos, através da instauração da competente acção laboral, sendo este um caso modelar da desprotecção que a alteração legislativa permite.

XXX. A tudo isto acresce o facto de o Recorrente, apesar de saber que a sua entidade empregadora atravessava dificuldades financeiras, não podia equacionar, sem mais, a real insolvência da sociedade, uma vez que esta se encontrava em total funcionamento e contava com milhares de sócios, sendo, por isso, temerária e decerto objecto de impugnação e pedido de indemnização a instauração da acção de insolvência em substituição da acção laboral, tal como projecta neste sentido o Ac. do TRC de 12-06-2012, Proc. nº 1954/09.7TBVIS.C1, no seu sumário, e o escrito pelo Dr. Jaime Manuel Nunes Olivença (Procurador da República), nas páginas 136, 138 e 139, da Revista do Ministério Público 154 : Abril : Junho 2018 – cfr. transcrições constantes dos artigos 48º e 49º das alegações, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

XXXI. Conclui-se, assim, que à luz do direito pregresso o Recorrente veria o seu requerimento deferido, por a prescrição dos seus créditos ter sido já impedida (cfr. art.º 323º do CC), sendo manifestamente evidente que o regime vigente, na interpretação seguida pela Instância Recorrida, consubstancia um retrocesso no quadro das garantias dos trabalhadores, violando-se assim o normativo constante do art.º 11º da Diretiva nº 2008/94/CE, e, nessa medida, ilegal por violadora do princípio do primado do Direito da União, violando entre outras, as disposições do art.º 11º par. 2º da Diretiva nº 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro e o art.º 8º da CRP.

XXXII. Se assim não se entender, concluindo-se pela intempestividade do requerimento apresentado pelo Recorrente junto do FGS, a interpretação dada pelo Tribunal a quo ao art.º 2º nº 8 e nº 9 do é inconstitucional, DL 59/2015, de 21.04 conjugados com o art.º 323º do CC e os art.ºs 2º, 13º e 59º nº 3 da CRP, redundando na violação do Estado de Direito, do direito dos trabalhadores e do princípio e direito fundamental à igualdade de tratamento, inconstitucionalidade que deverá ser declarada.

XXXIII. A protecção dada pelo Fundo de Garantia Salarial constitui uma concretização das garantias a que se refere o nº 3 do art.º 59º da CRP, pela protecção da retribuição, estando, por isso, o legislador vinculado à sua concretização, através de um regime legal que assegure a sua efetividade, com respeito pela igualdade e, uma vez que se trata de atribuir um direito a uma prestação pecuniária, limitando a sua efetividade temporalmente, tal concretização deve resultar de regras claras, certas e objetivas, sendo tal exigido pelo princípio do Estado de Direito Democrático (art.º 2º da CRP).

XXXIV. Na medida em que a interpretação dada pelo Tribunal a quo torna aleatórios os pressupostos do exercício de um direito social reconhecido a todos os trabalhadores, permitindo que perante os mesmos pressupostos substantivos, se denegar, potencialmente, uns trabalhadores e conferir a outros uma prestação do Estado Social, havendo uma ofensa ao princípio da igualdade de tratamento, consagrado no art.º 13º da CRP, o fundamento do despacho saneador-sentença não passa pelo crivo da consagração do Estado de Direito.

XXXV. Destarte, deve ser declarada a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Tribunal ao conjunto normativo do art.º 2º nº 8 e nº 9 do DL 59/2015, de 21.04, conjugado com o art.º 323º do CC e os art.º 2º, 13º e 59º nº 3 da CRP, redundando na violação do Estado de Direito, do direito dos trabalhadores e do princípio e direito fundamental à igualdade de tratamento.

XXXVI. A única interpretação do art.º 2º nº 8 do citado diploma compatível com a Directiva é a de que o Fundo só assegure o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, salvo se tenha sido suspenso ou interrompido o prazo prescricional do crédito, o que não se verifica só pela propositura da acção de insolvência, mas também pela instauração da competente acção laboral.
*

II –Matéria de facto.

Invoca nesta parte o Recorrente:

“VII. Atendendo ao mérito do recurso, mais concretamente quanto à matéria de facto, foi dado como provado no despacho saneador-sentença recorrido, no Ponto III. 1. FUNDAMENTAÇÃO, B) que “Em 18/03/2016, o Autor propôs contra a entidade referida em A) deste probatório, “Acção de Processo Comum”, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo – Juiz 1, sob o n.º 2301/15.4T8VLG, tendo sido proferida sentença em 05/07/2017 e transitada em julgado em 15/09/2017, nos termos da qual foi citada em 07/1/2016 a entidade patronal “S..., L.da” (NIPC (...)) e exarado na referida sentença o seguinte: «(…)”.

VIII. Ora, resulta dos autos, mais concretamente do doc. nº 4 junto da PI da acção administrativa, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, que o Recorrente interpôs a acção laboral contra a sua antiga entidade empregadora a 16-12-2015 e não, como o Tribunal a quo dá por erradamente provado, a 18-03-2016. Perante tal prova documental o Recorrente entende que tal facto provado constante do Despacho recorrido deveria ser revogado e substituído por outro que dê como provado que a acção laboral “Acção de Processo Comum”, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Trabalho de Valongo – Juiz 1, sob o nº 2301/15.4T8VLG, foi proposta pelo aqui Recorrente na data de 18-03-2016”.

E tem razão.

A data correcta da interposição da acção aqui referida é 16.12.2015 e não 18.03.2016 como se deu como provado na decisão recorrida, conforme resulta da certidão junta como documento número de ordem 13, a folhas 52 do SITAF.

De resto, sendo a acção n.º 2301/15 só poderia ter sido intentada em 2015 e não em 2016.

Termos em que se impõe rectificar a alínea B) dos factos provados.

Deveremos assim dar como provados os seguintes factos:

A) O Autor trabalhou para a sociedade “S..., Lda” (NIPC (...)), com a categoria de “Professor” desde 01.07.2011 até 01.10.2015, data em que o contrato de trabalho cessou por iniciativa do Autor por justa causa– admitido por acordo.

B) Em 16.12.2015, o Autor propôs contra a entidade patronal “Acção de Processo Comum”, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo – Juiz 1, sob o n.º 2301/15.4T8VLG, tendo sido proferida sentença em 05.07.2017 e transitada em julgado em 15.09.2017, nos termos da qual foi citada em 07.01.2016 a entidade patronal “S..., Lda” (NIPC (...)) e exarado na referida sentença o seguinte:

«(…)
(fotografia na decisão recorrida que aqui se dá por reproduzida)
(…)».

- Cfr. certidão junta com a petição inicial como documento número de ordem 13, a folhas 52 do SITAF e certidão do Tribunal de Trabalho, a folhas 156/158 do SITAF.

C) Em 31.05.2016, foi requerida a insolvência da entidade patronal “S..., Lda” (NIPC (...)) que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 3, sob o processo n.º 178/16.3T8STS – cfr. certidão do Tribunal de Comércio - documento 5 junto à petição inicial.

D) Em 13.09.2016, foi proferida sentença no processo n.º 178/16.3T8STS, que declarou a insolvência de S..., L.da” (NIPC (...)) transitada em julgado em 10.10.2016 - cfr. certidão do Tribunal de Comércio - documento 5 junto à petição inicial.

E) Em 18.01.2017, o Autor apresentou no Instituto de Segurança Social, IP, Centro Distrital do Porto A/C Fundo de Garantia Salarial, “Requerimento para Pagamento de Créditos Emergentes do Contrato de Trabalho”, com o seguinte teor:

«(…)
(fotografia na decisão recorrida que aqui se dá por reproduzida)
(…)».

- Cfr. folhas 66 do processo administrativo.

F) Em 31.01.2017, pelos Serviços da Entidade Demandada, foi prestada informação com o seguinte teor:

«(…)
(fotografia na decisão recorrida que aqui se dá por reproduzida)

Conclusão e proposta de decisão

Pelas razões de facto e de direito invocadas, propõe-se o indeferimento da pretensão formulada pelo requerente supra identificado, com fundamento no não preenchimento do requisito exigido pelo n.° 8, do art. 2.°, do Decreto-Lei n° 59/2015, de 21/04.

(…)» .

- Cfr. folhas 69/70 do processo administrativo, folhas 243/340 do SITAF.

G) Em 14.02.2017, o Autor foi notificado da proposta de indeferimento do requerimento acima referido - admitido por confissão; cfr. ponto 8 do exercício do direito de audição prévia, a folhas. fls. 122-134 do processo administrativo e folhas 243/340 do SITAF.

H) O Autor apresentou resposta à decisão referida no ponto antecedente através do exercício do direito de audição, tendo a petição dado entrado nos serviços do Réu em 17.02.2017, com a aposição do registo de entrada n.º 12094 – cfr. folhas 134 do processo administrativo.

I) Em 10.03.2017, com parecer concordante da Chefe de Equipa do FGS – CDist. Porto, foi elaborada informação pelos Serviços do Réu onde consta, para o que ora interessa, o seguinte:

«(…)
(fotografia na decisão recorrida que aqui se dá por reproduzida)
(…)».

- Cfr. folhas 140/141 do processo administrativo.

J) Após a elaboração da informação acabada de referir, sancionada com o respectivo parecer concordante, foi elaborada pelo Núcleo do Fundo de Garantia Salarial, informação datada de 14.03.2017, que acolheu os fundamentos vertidos na informação acima referida, no qual recaiu o Parecer concordante da Senhora Coordenadora do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP – Departamento de Gestão Financeira – Núcleo Fundo de Garantia Salarial, de 15/03/2017 - cfr. folhas 137-138 do processo administrativo.

K) Sobre a informação e parecer acabados de referir recaiu o despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial de 15.03.2017, indeferindo a pretensão do ora Autor - cfr. folhas 143 do processo administrativo; folhas 255/344 do SITAF.

L) Do qual foi dado conhecimento ao Autor por ofício de 15.03.2017, com o seguinte teor:

«(…) - O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art.º 2.º do Dec. - Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril.» - Cfr. documento 2 junto à petição inicial.

M) A petição inicial relativa à presente lide foi apresentada em juízo no dia 29-05-2017 - cfr. folhas 1 SITAF.
*
III - Enquadramento jurídico.

Naquilo que entendemos ser mais relevante, diz-se na decisão recorrida:

“(…)

De facto, o requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho apresentado pelo Autor deu entrada nos serviços da ED em 18/01/2017, ou seja, já na vigência do NRFGS, sendo inexorável que tendo em conta a data de apresentação do requerimento já se encontrava em vigor o NRFGS aprovado pelo DL nº 59/2015, de 21/04 e mais concretamente o art.º 2º nº8 do Anexo do DL n.º 59/2015 de 21/04, diploma que procedeu à revogação dos artigos 316º a 326º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, alterada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, pelo Decreto -Lei n.º 164/2007, de 3 de Maio, e pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, e institui no seu Anexo o NRFGS previsto no artigo 336º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.

Neste diploma não se prevê qualquer causa de suspensão ou interrupção do prazo de caducidade de um ano.

Porém, foram proferidos os Acórdãos nºs 328/2018, 21/2019 e 270/2019, entre outros, pelo Tribunal Constitucional e por via dos quais foi decidido julgar inconstitucional a norma constante do artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado e na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais reconhecidos no processo de insolvência, cominado naquele preceito legal, é de caducidade e insusceptível de qualquer interrupção ou suspensão, por violação dos artigos 2.º, 13.º e 59.º, n.ºs 1, alínea a) e 3, da Constituição.

De igual modo, verificou-se uma evolução legislativa do NRFGS por via da Lei nº 71/2018, de 31/12, que aditou ao art. 2º do NRFGS um n.º 9 segundo o qual o prazo previsto no art. 2.º n.º 8 suspende-se com a propositura de acção de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência do empregador, do despacho proferido pelo juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de processo especial de revitalização ou do despacho de aceitação do requerimento proferido pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I. P. (IAPMEI, I. P.), no âmbito do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas. A inconstitucionalidade da interpretação adoptada pela decisão recorrida do artigo 2º, nº ,8 do o novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04.

(…)

Assim, surge esta nova redacção para dar resposta ao julgamento de inconstitucionalidade e em observância ao disposto nos arts. 2º, 13º e 59º nºs 1 e 3 da CRP e, assim sendo, não constando do elenco previsto no art. 2º nº9 do NRFGS como causa suspensiva do prazo de caducidade previsto no art. 2º nº8 do NRFGS a instauração de acção laboral e o trânsito em julgado da mesma, o facto de o Autor ter dado entrada a tal acção não tem o condão de suspender, quer à luz do art. 2º nº9 do NRFGS, quer da jurisprudência do Tribunal Constitucional e, a fortiori, dos arts. 2º, 13º e 59º nºs 1 e 3 da CRP, o prazo que se iniciou com a cessação do contrato de trabalho do Autor em 01/10/2015.

(…)

Todo o restante discurso jurídico da decisão recorrida e o seu dispositivo decisório parte deste pressuposto, o da aplicação ao caso na norma jurídica inovatória constante do n.º 2 do artigo 9º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aditado pela Lei n.º 71/2018, de 31.12, onde se prevêem causas de suspensivas do prazo previsto no artigo 2º, nº8, do mesmo diploma.

Pressuposto errado, dado não existir qualquer conexão temporal entre esta norma inovadora e o caso dos autos.

Não estava em vigor nem quando foi apresentado o requerimento dirigido à Entidade Demandada, nem quando esta indeferiu o pedido, nem sequer quando a acção foi interposta no Tribunal a quo.

Não sendo esta norma aplicável ao caso concreto, o que temos, numa primeira aproximação, é a aplicação do disposto no artigo 2º, nº 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, na redacção dada por este diploma, onde não se prevê qualquer causa de suspensão ou interrupção do prazo para propor a acção.

O que nos reconduz ao entendimento sufragado no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, com o mesmo Relator, de 05.02.2021, no processo 92/18.6 BRG que aqui se mantém.

Dispunha o Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29.07, com a alteração da Lei nº 9/2006, de 20.03, relativamente aos créditos salariais garantidos por este Fundo.

“Artigo 316.º
Âmbito
O presente capítulo regula o artigo 380.º do Código do Trabalho.

Artigo 317.º

Finalidade
O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes.

Artigo 318.º
Situações abrangidas

1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.
2 - O Fundo de Garantia Salarial assegura igualmente o pagamento dos créditos referidos no número anterior, desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação previsto no Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro.
3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, caso o procedimento de conciliação não tenha sequência, por recusa ou extinção, nos termos dos artigos 4.º e 9.º, respectivamente, do Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro, e tenha sido requerido por trabalhadores da empresa o pagamento de créditos garantidos pelo Fundo de Garantia Salarial, deve este requerer judicialmente a insolvência da empresa.
4 - Para efeito do cumprimento do disposto nos números anteriores, o Fundo de Garantia Salarial deve ser notificado, quando as empresas em causa tenham trabalhadores ao seu serviço:
a) Pelos tribunais judiciais, no que respeita ao requerimento do processo especial de insolvência e respectiva declaração;
b) Pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI), no que respeita ao requerimento do procedimento de conciliação, à sua recusa ou extinção do procedimento.

Artigo 319º
Créditos abrangidos

1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.

2 - Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.

3 - O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respectiva prescrição.”

Estabelecia-se aqui, sem dúvida, um prazo: o termo inicial era a data de vencimentos dos créditos (situado nos seis meses que antecederam a propositura da acção, na regra geral) e o termo final era 3 meses antes da prescrição.

O prazo para reclamar os créditos, considerado de caducidade, terminava três meses antes do prazo de prescrição desses mesmos créditos.

O artigo 2º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, veio então dispor.

“O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”

Norma sobre a qual o Tribunal Constitucional se debruçou considerando-a inconstitucional, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insusceptível de qualquer interrupção ou suspensão - acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018, de 27.06.2018, no processo 555/2017 (retificado pelo Acórdão nº 447/2018).

Dispõe o artigo 282º da Constituição da República Portuguesa sob a epígrafe “Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade”.

“1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”.

Não vemos razão para não aplicar esta norma, dirigida à hipótese de “declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral” ao caso, como o presente, em que temos uma declaração de declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade ainda sem força obrigatória geral.

Na verdade, é a solução que mais segurança e certeza traz para a solução de casos similares, dada a sedimentação que o antigo regime jurídico já tinha alcançado.

E porque, por outro lado, tendo em conta a multiplicidade de situações idênticas que correm nos tribunais administrativos, mantendo-se a declaração de inconstitucionalidade, com o recurso obrigatório pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional, é previsível que venha a surgir essa declaração com força obrigatória geral, pelo que, com esta posição, já estará preparado o caminho pela jurisprudência dos tribunais administrativos para tal declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, reforçando a certeza e segurança jurídicas.

O que não se pode afirmar, de todo, face a esta declaração de inconstitucionalidade, como faz a autoridade recorrida, é afirmar que já se tinha esgotado o prazo de um ano a que alude o artigo Decreto-Lei 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015.

Porque foi precisamente este prazo de um ano sem qualquer previsão de suspensão ou interrupção que o Tribunal Constitucional declarou como solução legal inconstitucional. E não se vê, perante esta declaração, como aproveitar a norma.

Retomando assim a solução legal consagrada no Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29.07, com a alteração da Lei nº 9/2006, de 20.03.

No caso de créditos salariais, embora emergentes da cessação de contrato de trabalho, que foram reconhecidos por decisão judicial, aplica-se o prazo geral de prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309º do Código Civil.

Prazo que nestes casos estava longe de se esgotar.

Na verdade, o Autor e Recorrente viu os seus créditos laborais reconhecidos por sentença transitada em julgado em 15.09.2017 proferida em processo instaurado em 16.12.2015 – factos provados sob as alíneas A) e B).

E solicitou o pagamento destes créditos em 18.01.2017 – facto provado sob a alínea E) -, ou seja, muitos anos antes de estarem prescritos.

Pelo que se impõe revogara a sentença recorrida e julgar a acção totalmente procedente.
*
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:
A) Revogam a decisão recorrida.
B) Julgam a acção totalmente procedente e condenam o Réu nos termos peticionados.

Custas em ambas as instâncias pelo Recorrido.
*
Porto, 25.03.2022
Rogério Martins
Conceição Silvestre

Luís Migueis Garcia, com a declaração de voto que se segue:

Não dissentindo do fundamento de inconstitucionalidade presente no citado Ac. do Tribunal Constitucional, tenho que a sua transposição para o caso não passa por aplicar a norma do art.º 282º, nº 1, da CRP; antes, sem essa intermediação, cabe mesma solução de direito final por desaplicação, e sem repristinação.
Luís Migueis Garcia
Porto, 25.03.2022