Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00175/19.5BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/12/2019
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES
Sumário:
I-Não se vislumbra na lei, nem nos princípios e valores subjacentes ao nosso ordenamento jurídico e ao estado de direito democrático, a necessidade de uma especial protecção ou secretismo, no caso sub judice, relativamente aos dados solicitados pela aqui Recorrida à Direcção do Agrupamento de Escolas a cujo quadro pertence: informação escrita contendo os nomes, tempo de serviço, e respectivo escalão dos seus colegas docentes (do mesmo Agrupamento) reposicionados na carreira ao abrigo da Portaria 119/2018, de 4 de maio;
I.1-as informações requeridas inserem-se objectivamente no regime do acesso aos arquivos e registos do Recorrente, sendo estes, em regra, de acesso livre (artigos 17º do CPA e 5º da LADA);
I.2-no âmbito da informação não procedimental ou do arquivo aberto visa-se garantir a publicidade e a transparência da actividade administrativa;
I.3-os dados pessoais relevantes para a classificação de um documento administrativo como nominativo - e em consequência para se determinarem as restrições de acesso ao mesmo -, são os que contêm juízos de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada;
I.4-o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos vem sendo considerado como um direito fundamental cujo sacrifício só se justifica quando confrontado com direitos e valores constitucionais de igual ou de maior valia, como sejam os relativos à segurança interna e externa, à investigação criminal e à reserva da intimidade das pessoas;
I.5-a intimidade da vida privada abrange os aspectos relativos aos sentimentos e convicções da pessoa, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, a características físicas e psicológicas, em geral a tudo o que ocorre dentro de casa e que a pessoa em causa pretende manter secreto ou reservado apenas a uma única pessoa ou a um número muito restrito de pessoas. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Ministério da Educação
Recorrido 1:MSL
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Intimação Protecção Direitos, Liberdades e Garantias (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
MSL requereu a intimação para prestação de informações contra o Ministério da Educação, ambos melhor identificados nos autos, pedindo a intimação deste para lhe prestar as informações solicitadas no requerimento.
Por sentença proferida pelo TAF de Aveiro foi julgada procedente a acção e intimada a Entidade Requerida a prestar à Requerente tais informações no prazo de 10 (dez) dias.
Desta vem interposto recurso.
*
Alegando, a Entidade Demandada concluiu:
1 – A decisão ora impugnada considerou procedente a Intimação, atentas as respetivas razões de facto e de direito, todavia o Recorrente não concorda com o sentido e fundamentos do decidido, conforme se evidenciou ao logo da alegação, razão pela qual recorre do decidido.
2 - O nº 1, do artigo 4º, do RGPD, [Regulamento (UE) n.º 2016/679] diploma legal que, em termos de hierarquia de fontes de direito, se sobrepõe a quaisquer diplomas legislativos nacionais, sendo de aplicabilidade direta no plano nacional define dados pessoais como qualquer Informação relativa a um qualquer cidadão, seja ela de que índole for pessoal, familiar, profissional, desportiva, religiosa, política, etc.
3 – Atento o disposto no nº 1, do artigo 4º, do RGPD, resulta que os tempos de serviço e os escalões remuneratórios em que os docentes se encontram posicionados configuram, para este efeito, dados pessoais [cfr. art.º 4.º, alínea 1), do Regulamento (UE) n.º 2016/679 e art.º 3.º, alínea a), da LPDP], porquanto traduzem-se em informações relativas a pessoas singulares identificadas ou identificáveis.
4 – Um documento administrativo pode assumir, concomitantemente, a veste administrativa e nominativa, sendo o caso dos presentes autos.
Ou seja;
5 - O conteúdo material de qualquer documento administrativo pode assumir a configuração material de documento nominativo, nos precisos termos que lhe é atribuída por lei - alínea b), do nº 1, do seu artigo 3º, da LADA.
6 - A LADA ao consignar, na alínea b), do nº 1, do artigo 3º, o conceito jurídico de “documento nominativo”, como sendo o “documento administrativo que contenha dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de proteção de dados pessoais”, remete para o regime geral da proteção de dados pessoais para efeitos de integração do conteúdo semântico das expressões jurídicas “dados pessoais”.
7 - O nº 1, do artº 1º, do Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho “…estabelece as regras relativas à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.” e (cfr. nº 2, do artº 1º) “ …defende os direitos e as liberdades fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente o seu direito à proteção dos dados pessoais.”
8 - Do primeiro considerando do Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, resulta expressamente que: “… A proteção das pessoas singulares relativamente ao tratamento de dados pessoais é um direito fundamental… “.
9 – O Regulamento (EU) 2016/679 (RGPD) considera os dados pessoais como direitos fundamentais dos respetivos titulares, com todas as consequências que daí advêm, designadamente, a proteção que lhes é conferida, quer pelo referido Regulamento (EU) 2016/679, quer pela lei de Acesso a Documentos Administrativos (Lei nº 26/2016, de 22 de agosto), quer pela CRP.
10 – Da alínea b), do nº 1, do artigo 3º, da LADA e dos 1 e 2, do artº 1º, e dos 1 e 2, do artº 4º, do RGPD, resulta que os documentos e/ou informações que contenham dados profissionais, designadamente, índices remuneratórios, categorias profissionais etc. de uma pessoa singular são dados pessoais consubstanciando informação de natureza nominativa, cujo tratamento só pode ocorrer caso estejam reunidos os pressupostos de facto plasmados na previsão normativa resultante do nº 1, do artº 6º, do RGPD.
11 – Do nº 5, do artº 6º, da LADA reverte que documentos e dados nominativos só podem ser facultados a terceiro caso o terceiro estiver munido de autorização escrita do titular dos dados;
12 - Do nº 5, do artº 6º, da LADA resulta que os documentos e dados nominativos só podem ser facultados a terceiro, não havendo autorização do titular, caso o terceiro demonstrar, fundamentadamente, ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.
13 - O Tribunal recorrido considerou demonstrado o interesse direto, pessoal e legítimo da Requerente no acesso às informações em causa alegando que foi justificada com fundamento na sua relevância e pertinência para o Requerente poder decidir um eventual recurso à via judicial, nomeadamente, com base no princípio da igualdade.
14 - A Recorrida diz carecer das informações para decidir se eventualmente recorre ou não à via judicial, com base no princípio da igualdade, tendo assim necessidade de conhecer os dados relativos aos docentes do Agrupamento que, alegadamente, terão sido posicionados em escalão e índice remuneratório acima daquele em que se encontra a Recorrida, por força do estatuído na Portaria n.º 119/2018, de 04/05, não tendo autorização dos titulares dos dados em questão.
15 - O Tribunal recorrido ao decidir, na convicção do Recorrente, não preencheu factualmente todos os segmentos normativos que resultam da lei a saber: existência de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, que após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença, e do princípio da administração aberta justifique o acesso à informação.
16 – Não resulta dos autos a existência de qualquer interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, situado na esfera jurídica da Recorrida que lhe permita ter acesso aos dados solicitados para decidir-se sobre um eventual recurso à via judicial, designadamente, com base no princípio da igualdade.
17 - Não resulta dos autos uma ponderação detalhada e pormenorizada, feita pelo TAF, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação em detrimento do tratamento dos dados pessoais dos respetivos titulares.
18 - A Recorrida sustenta a sua pretensão na necessidade de conhecer os dados relativos aos docentes do Agrupamento que, eventualmente, terão sido reposicionados em escalão e índice remuneratório superior ao seu, ex vi da Portaria n.º 119/2018, de 04/05 para poder decidir sobre um hipotético recurso à via judicial, designadamente, com fundamento no princípio da igualdade.
No entanto;
19 – A pretensão da Recorrida tal, tal como é delineada, não fundamenta em que medida os seus alegados interesses se situam num plano de supra ordenação relativamente à tutela constitucional dos dados pessoais cujo acesso pretende obter nem tal hierarquização de interesses conflituantes é devidamente ponderada na sentença.
20 - A pretensão da Recorrida constitui uma argumentação genérica, abstrata, da qual não resulta matéria de facto suscetível de preencher todos os segmentos normativos de verificação cumulativa exauridos na alínea b), do nº 5, do artº 6º, da LADA.
21 - O Tribunal recorrido não nos parece ter demonstrado de onde resulta a ponderação feita, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.
22 - A Lei da Proteção de Dados portuguesa, face à entrada em vigor do RGPD caso se entenda não estar revogada pelo RGPD, no entanto, cede face à normatividade do RGPD em termos de hierarquia de fontes de direito, sobrepondo-se-lhe a respetiva normatividade, não podendo fazer-se alusão ao art.º 3.º, alínea a), da LPDP, nem a jurisprudência anterior à entrada em vigor do atual Regulamento (EU) 2016/679 (RGPD).
23 – A remissão da alínea b), do nº 1, do seu artigo 3º, da LADA para o “regime legal de proteção de dados pessoais”, vai focalizar tudo quanto se lhe segue no Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho.
24 - A remissão da alínea b), do nº 1, do seu artigo 3º, da LADA para o “regime legal de proteção de dados pessoais”, não se reporta à Lei Portuguesa sobre a matéria, lei esta que, caso não se entenda estar revogada tacitamente pelo RGPD, Regulamento EU, cede sempre face à sua posição de infra ordenação, em termos de hierarquia de fontes de direito, relativamente ao RGPD, Regulamento EU.
Normas jurídicas violadas.
Pela forma como o TAF decidiu, salvo o devido respeito, foram violadas, entre outras, as seguintes normas legais, a saber:
- O nº 1, do artigo 4º, do RGPD, ou seja, do Regulamento (UE) n.º 2016/679,
- A alínea a), do nº 1, do artigo 3º, da Lei n.º 26/2016 (LADA);
- Subalínea iv), e art.º 5.º, n.º 1, da LADA;
- Alínea b), do nº 1, do artigo 3º da LADA;
- Primeiro considerando do Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, que entrou em vigor em 25 de maio de 2018
- Artº 18º, nº 3, da CRP;
- Nº 2, do artº 4º, do RGPD;
- Nº 1, do artº 6º, do RGPD;
- Nºs. 1 e 2, do artº 1º da LADA
- Nºs. 1 e 2, do artº 4º, do RGPD
- Nº 5, do artº 6º, da LADA
TERMOS EM QUE:
- O recurso deve proceder;
- Deve considerar-se estar em causa o tratamento de dados pessoais de natureza nominativa;
- Deve considerar-se que, na ponderação devida de interesses, o direito à proteção de dados dos docentes situa-se num plano de supra ordenação relativamente ao pedido da Recorrida.
*
A Requerente juntou contra-alegações, concluindo:
1- As informações solicitadas pela Recorrida ao Recorrente constam de documentos administrativos, nos termos do artº 3º, nº 1, alínea a)-iv), da LADA “gestão de recursos humanos…”, na posse do Recorrente.
2- Os dados pedidos - nome, tempo de serviço e escalão -, não são dados pessoais para efeitos de classificação dos respectivos documentos como nominativos, uma vez que não contêm apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada dos docentes a que respeitam.
3- As informações requeridas pela Recorrida inserem-se objetivamente no regime do acesso aos arquivos e registos da Recorrente, como tal são de acesso livre (cfr. artº 17º do CPA e artº 5º da LADA).
4- O Regulamento (EU) nada acrescenta de novo relativamente à definição de dados pessoais (nem de documentos nominativos), logo não colide com a legislação nacional nem com a jurisprudência e doutrina dominantes na matéria.
5- Ainda que por mera hipótese se entendesse que os documentos em causa pudessem assumir carácter nominativo, o acesso aos mesmos não poderia ser negado à Recorrida, uma vez que esta, tal como consta da sentença recorrida, “ invoca um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido, suficientemente relevante (…) consubstanciado no relevo de estar na posse de todos os elementos necessários à análise e ponderação (…) para decidir se lança ou não mão de tutela judicial. E tal direito encontra assento constitucional, razão pela qual, ponderados os interesses em presença, aferidos à luz do princípio da proporcionalidade, se conclui pela relevância do interesse invocado pela Requerente”.
6- A Recorrida invocou e demonstrou o interesse direto, pessoal e legítimo no acesso às informações em causa.
7- Ao serem-lhe negadas tais informações, está também a ser-lhe negado o direito de acesso ao direito e aos tribunais, bem como o direito à informação (cfr. artsº20º e 268º, nº 2, da CRP), e concomitantemente a ser violado, in casu, o princípio da proporcionalidade.
8- A sentença recorrida não violou qualquer das normas jurídicas elencadas pelo Recorrente, nem qualquer outra norma ou princípio jurídico.
9- Decidiu bem o tribunal a quo, ao proferir a sentença que julgou procedente por provada a presente acção e intimou a Entidade Requerida, ora Recorrente, “a prestar à Requerente as informações solicitadas, no prazo de 10 (dez) dias”.
NESTES TERMOS, e nos demais de direito aplicáveis, sempre com o suprimento, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.
*
O MP, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
*
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
A - A Requerente é docente do quadro do Agrupamento de Escolas de B..., Albergaria-a-Velha, cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial a fls. 6 (paginação eletrónica).
B - Em 18.01.2019, a Requerente dirigiu à Diretora do Agrupamento de Escolas da B... um requerimento do qual consta, designadamente o seguinte:
MSL (….) vem ao abrigo do direito à informação e atento o princípio da proporcionalidade, nos termos e para os efeitos dos artigos 82.º e 85.º do Código do Procedimento Administrativo, requerer a V.ª Ex.ª informação escrita da qual constem:
- os nomes dos docentes reposicionados por aplicação da Portaria n.º 119/2018, de 4 de Maio;
- o tempo de serviço (em 31/12/2017 e sobrante) de cada docente;
- o respetivo escalão no qual foram reposicionados a 01/01/2018.
A referida informação é relevante para que a Requerente possa decidir eventual recurso à via judicial, nomeadamente, com base no princípio da igualdade, tendo a necessidade de conhecer os dados relativos aos docentes que foram reposicionados em escalão e índice remuneratório acima do seu, por força da referida Portaria. Desta forma, verifica-se claramente, um interesse legítimo, por parte da Requerente, no conhecimento dos elementos que pretende obter. (…)”, cfr. documento junto sob o n.º 2 com o requerimento inicial a fls. 10 (paginação eletrónica).
C - Entidade Requerida dirigiu à Requerente o ofício n.º 25_2019, datado de 06.02.2019, sob o assunto “Pedido de dados de docentes que se encontram reposicionados por aplicação da Portaria n.º 119/2018, de 4 de maio”, do qual consta, designadamente:
“(…) Relativamente ao assunto em questão, no qual requer que lhe sejam facultados os elementos relativamente a docentes que se encontrem reposicionados por aplicação da portaria n.º 119/2018, de 4 de maio, tempo de serviço (em 31/12/2017 e sobrante) de cada docente e respetivo escalão no qual foram reposicionados a 01/01/2018, tenho a informar o seguinte:
1 – Os elementos solicitados implicam o tratamento de dados pessoais dos docentes em questão
2 – Os dados pessoais, considerando o disposto do R(EU) 2016/79 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27/04/2016 O(Regulamento geral da Proteção de Dados – RGPD) constituem direitos fundamentais dos respetivos titulares.
3 – O tratamento de dados pessoais, na verdadeira aceção, constante do n.º 1 do artigo 4.º do referido RGPD, só pode verificar-se caso ocorra, pelo menos uma das situações previstas no n.º 1 do artigo 6.º do mesmo RGPD.
4 – A progressão dos docentes na respetiva carreira, verifica-se tendo em consideração os currículos dos docentes e as condições legais para efeitos de progressão, ou seja, os elementos de cada docente, não havendo progressões por comparação de currículos entre os vários docentes.
5 – Relativamente a dados pessoais que constam do processo individual de vossa excelência, não existem dúvidas de que terá direito de acesso aos mesmos.
6- Relativamente aos dados pessoais constantes nos processos de terceiros (por exemplo docentes) por força da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º e do n.º 5 do artigo 5.º ambos da lei de acesso aos documentos administrativos (lei 26/2016, de 22/08) associado ao artigo 6.º RGPD, um terceiro só pode ter acesso a dados pessoais de outros cidadãos caso demonstre fundamentadamente ser portador de um interesse direto legítimo, pessoal e constitucionalmente consagrado com suficiente relevo e após ponderação, tendo em consideração o princípio da proporcionalidade e de todos os direitos fundamentais em presença e atendendo ainda ao princípio da administração aberta que justifiquem o acesso à informação pedida.
Assim sendo, é meu entendimento que, a avaliar pelo seu requerimento e tendo em consideração que os dados pessoais são direitos fundamentais, não estão verificados os pressupostos para que este Agrupamento (que tutela todos os dados pessoais dos docentes, pessoal não docente e alunos) possa ser deferido.
8 - No entanto, apesar do exposto, nada inibe vossa excelência de solicitar aos doentes e questão diretamente, a pretensão que deduziu juto deste Agrupamento. (…)”, cfr. documento junto sob n.º 3 com o requerimento inicial a fls. 11 (paginação eletrónica).
D - Na mesma data (06.02.2019) foi remetida carta registada com aviso de receção à Requerente, constando do respetivo envelope o carimbo do Agrupamento de Escolas da B..., cfr. fls. 52 (paginação eletrónica).
E - A missiva referida na alínea precedente foi entregue no dia 07.02.2019 - cfr. fls. 53 (paginação eletrónica).
F - A presente intimação deu entrada no Tribunal no dia 25.02.2019 - cfr. fls. 1 (paginação eletrónica).
*
DE DIREITO
É objecto de recurso a sentença que julgou procedente a acção.
Na óptica do Recorrente esta violou os seguintes preceitos:
-nº 1, do artigo 4º, do RGPD, ou seja, do Regulamento (UE) nº 2016/679;
-alínea a), do nº 1, do artigo 3º, da Lei 26/2016 (LADA);
-subalínea iv), e artº 5º/1, da LADA;
-alínea b), do nº 1, do artigo 3º da LADA;
-primeiro considerando do Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, que entrou em vigor em 25 de maio de 2018;
-art.º 18º/3, da CRP;
-nº 2, do artº 4º, do RGPD;
-nº 1, do artº 6º, do RGPD;
-nºs 1 e 2, do artº 1º da LADA;
-nºs 1 e 2, do artº 4º, do RGPD;
-nº 5, do artº 6º, da LADA.
Cremos que carece de razão.
Antes, atente-se no seu discurso fundamentador:
A intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões é um processo principal, com caráter urgente, através do qual o Requerente requer a intimação da entidade administrativa competente para a satisfação de pretensões informativas quando esteja em causa o direito à informação procedimental ou o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (cfr. artigo 104.º, n.º 1 do CPTA).
O objeto do pedido de intimação judicial delimita-se por referência ao pedido formulado pelo requerente à Administração.
Nos presentes autos, a Requerente peticionou que a Entidade Requerida seja intimada a mandar prestar informação escrita quanto aos nomes dos docentes reposicionados por aplicação da Portaria n.º 119/2018, de 4 de Maio; ao tempo de serviço (em 31/12/2017 e sobrante) de cada docente e ao respetivo escalão no qual foram reposicionados a 01/01/2018 (cfr. alínea B).
Prosseguindo.
O Regime jurídico da Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões vem estabelecido nos artigos 104.º a 108.º do CPTA.
Dispõe o n.º 1 do art.º 104.º do CPTA que quando não seja dada integral satisfação a pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a correspondente intimação, nos termos e com os efeitos previstos na presente secção.
Na verdade, o direito à informação consubstancia um corolário dos princípios da publicidade e da transparência, os quais devem nortear toda a atividade administrativa, sendo que é possível distinguir dois tipos de direito à informação.
Por um lado, o direito à informação procedimental, isto é, o direito à informação administrativa dos diretamente interessados num procedimento de cariz administrativo e que esteja pendente, está consagrado no artigo 268, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), tendo sido alargado, através do artigo 84.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), a todos aqueles que tiverem um interesse legítimo na obtenção da informação administrativa procedimental. O direito à informação procedimental comporta três direitos distintos: o direito à prestação de informações (artigo 82º CPA), o direito à consulta de processo e o direito à passagem de certidões (artigo 83º CPA).
Por outro lado, direito à informação não procedimental, ou seja, o direito à informação administrativa por parte de todo e qualquer cidadão, independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo, está consagrado no artigo 268.º, n.º 2 da CRP. O direito à informação não procedimental abrange o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos sendo que o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos se encontra, atualmente, na Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto.
Tal distinção encontra-se explicitada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 02.04.2009, no processo n.º 01993/08.5BEPRT e que ora se transcreve:
“I. A distinção entre informação procedimental e não procedimental assenta no tipo de informação que está em causa, na qualidade de quem a solicita e no distinto objectivo que se pretende atingir com a sua tutela.
II. O direito à informação tem natureza procedimental quando a informação pretendida está contida em factos, actos ou documentos de um concreto procedimento em curso.
III. O referido direito tem natureza não procedimental quando se trata de acesso a documentos administrativos contidos em procedimentos já findos ou a arquivos ou registos administrativos, neste caso, mesmo que se encontre em curso um procedimento.”
Face ao que acaba de se expor e ante o que vem peticionado pela Requerente, resulta que esta não atua ao abrigo do direito à informação procedimental, reconhecido nos artigos 82º a 85º do CPA, pois que inexiste um concreto procedimento em que a Requerente seja diretamente interessada, tratando-se, antes, do acesso aos arquivos e registos administrativos da Autoridade Requerida.
Na verdade, a informação solicitada pela Requerente insere-se no âmbito de um procedimento de reposicionamento de docentes, não sendo esta parte nos mesmos. Porém, tais situações podem, a nível geral, ter reflexos na aferição de interesses da Requerente, como se verá adiante.
Importa, pois, atentar no regime legal aplicável.
Estatui, desde logo, o artigo 17.º do CPA que “Todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas.” (n.º 1) e ainda que “O acesso aos arquivos e registos administrativos é regulado por lei.” (n.º 2).
De acordo com o disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 26/2016 de 22 de agosto, que aprovou o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos, considera-se “Documento administrativo” qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, neles se incluindo, designadamente, aqueles relativos a:
i) Procedimentos de emissão de atos e regulamentos administrativos;
ii) Procedimentos de contratação pública, incluindo os contratos celebrados;
iii) Gestão orçamental e financeira dos órgãos e entidades;
iv) Gestão de recursos humanos, nomeadamente os dos procedimentos de recrutamento, avaliação, exercício do poder disciplinar e quaisquer modificações das respetivas relações jurídicas.
Por sua vez, na alínea b) do mesmo artigo, define-se “Documento nominativo” como o documento administrativo que contenha dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de proteção de dados pessoais.
Sobre a questão, afirmou-se no Acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, de 25.01.2013, no processo n.º 01721/12.0BEPRT que “É nominativo o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada.”
Sob a epígrafe “Restrições ao direito de acesso”, o artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, dispõe, no que aqui releva:
“(…) 5 - Um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos:
a) Se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder;
b) Se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.
6 - Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação. (…)”
Feito este breve enquadramento legal importa agora conhecer do mérito da pretensão da Requerente.
Como fundamento de acesso à informação, a Requerente invocou que pretende demonstrar em tribunal que foi ultrapassada na carreira por colegas com menos tempo de serviço, por os mesmos terem sido reposicionados em escalão acima do seu, sendo que a informação pedida se afigura indispensável para tal e para que a Requerente possa decidir eventual recurso à via judicial, detendo um interesse legítimo na obtenção dos dados solicitados.
Sustenta o Requerido que a Requerente não cumpriu nenhum dos requisitos previstos no artigo 6.º, n.º 5 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto pois, por um lado, não identifica os docentes em questão nem está munida de autorização escrita, exarada pelos docentes, que não identifica, para efeitos de acesso aos dados pessoais que peticiona e, por outro lado, não alegou nem demonstrou ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.
Vejamos.
Para aceder às informações solicitadas, a Requerente invoca um interesse direto e pessoal, que tem a ver com a proteção de outro direito fundamental que lhe assiste, o direito à tutela jurisdicional efetiva, que passa por poder impugnar os atos administrativos que se repercutam negativamente na sua esfera jurídica, e que lhe é garantido pelo Constituição (artigo 268º, nº4, da CRP).
Não cremos que releve, nesta sede, a argumentação aduzida pela Entidade Requerida no sentido de que o ato de progressão dos docentes não se traduz num poder discricionário da Administração, mas, sim, num poder vinculado com absoluta subordinação à lei e ainda de que Requerente pode impugnar o ato da sua progressão na carreira mas não poderá controlar a progressão na carreia dos demais colegas, uma vez que só os interessados podem impugnar os atos que lhes digam respeito e ainda que por mera hipótese académica, alguns colegas tivessem obtido uma progressão ilegal, tal nunca aproveitaria à Requerente, pois, na ilegalidade não há igualdade.
No Acórdão do Colendo Supremo Tribunal, de 24.01.2012, no processo n.º 0668/11, pode ler-se, além do mais que:
As restrições ao direito de acesso aos documentos está regulado no artº6º da LADA, onde, designadamente, se refere que “um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos se estiver munido de autorização escrita da pessoa a quem os dados digam respeito ou demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade” (nº5).
Resulta daqui que o direito de acesso aos documentos nominativos só se efectivará se houver autorização da pessoa a quem digam respeito ou então quem queira exercer tal direito demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade.
Mas se os documentos não revestirem a natureza nominativa, então podem livremente ser acedidos.
Temos, por conseguinte, que saber qual o conceito de documento nominativo.
De tal assunto se encarrega o artº3º nº1 al. b) da LADA ao definir como documento nominativo “o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada”.
Por sua vez a al.a) deste mesmo nº1 diz-nos que «documento administrativo» é qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome».
Segundo os recorrentes, o pedido de acesso a documentos concretos de pagamentos das despesas de representação e de subsídios de residência às pessoas que desempenham cargos de membros de Governo, revestem a natureza de documentos nominativos.
Mas não se concorda com esta posição.
Em primeiro, os documentos cujas cópias são pretendidas não contêm qualquer apreciação ou juízo de valor, ou seja, não contêm quaisquer informações depreciativas ou negativas sobre as pessoas a que dizem respeito.
Em segundo lugar, também os documentos cujas cópias se pretendem não versam sobre a intimidade da vida privada dos cidadãos a que respeitam.
A intimidade da vida privada abrange “os aspectos relativos aos sentimentos e convicções da pessoa, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, a características físicas e psicológicas, em geral a tudo o que ocorre dentro de casa e que a pessoa em causa pretende manter secreto ou reservado apenas a uma única pessoa ou a um número muito restrito de pessoas” (cfr. José Renato Gonçalves, in Acesso à Informação das Entidades Públicas, págs. 66 e ss.; Paulo Mota Pinto, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, págs. 479 e ss.; Rita Amaral Cabral, in Estudos em Memória do Professor Paulo Cunha, págs. 373 e ss.).
Afirma Capelo de Sousa, sobre esta matéria, que “a reserva juscivilisticamente tutelada abrange não só o respeito da intimidade privada, em particular a intimidade da vida pessoal, familiar, doméstica, sentimental e sexual …” (O Direito Geral de Personalidade, 318 e segs.)”.
Na senda da expendida jurisprudência, entendemos que não nos encontramos perante documentos nominativos, conforme sustenta a Entidade Requerida. Com efeito, conforme resulta da Portaria n.º 119/2018, de 4 de maio, o processo de reposicionamento de docentes obedece às regras do artigo 2.º do referido diploma, regras essas que não contendem com aspetos de natureza da vida privada, nos termos expostos.
Em todo o caso, e ainda que se defenda que os documentos a que a Requerente pretende aceder assumem carácter nominativo, o que importa é apurar se a Requerente demonstrou os requisitos estipulados na Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto para acesso aos documentos e informações em causa.
Neste particular, refira-se que, se é certo que a Requerente não se encontra munida de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder (cfr. artigo 6.º, n.º 5, alínea a) da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto), constituindo o nome dos titulares dos dados precisamente uma das informações que pretende obter; a verdade é que sempre a Requerente invoca um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante (cfr. alínea B) do probatório e cfr. artigo 6.º, n.º 5, alínea a) da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto), consubstanciado no relevo de estar na posse de todos os elementos necessários à análise e ponderação do reposicionamento a que foi sujeita bem como dos demais docentes de forma a aferir se, em seu entender, foram ou não respeitados os princípios da igualdade e da proporcionalidade, para decidir se lança ou não mão de tutela judicial. E tal direito encontra assento constitucional, razão pela qual, ponderados os interesses em presença, aferidos à luz do princípio da proporcionalidade, se conclui pela relevância do interesse invocado pela Requerente.
Face ao exposto, decide-se intimar a Entidade Requerida a prestar à Requerente as informações solicitadas, no prazo de 10 (dez) dias.
X
O Ministério da Educação (ME) discorda desta decisão que o intima a fornecer à Requerente informação escrita contendo os nomes dos docentes seus colegas reposicionados na carreira, na sequência da publicação da Portaria nº 119/2018, de 4 de maio, e que tenham ingressado na mesma após a data de 01/01/2011.
Vejamos:
Do erro de julgamento de direito -
No tocante ao direito aplicável, está em causa, no essencial, saber se procede ou não a argumentação do ME no sentido de a sua recusa estar justificada pela protecção de dados pessoais resultante do disposto, designadamente, na Lei 26/2016, de 22 de agosto (Lei que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa - LADA).
A este respeito, considerou a sentença recorrida: Para aceder às informações solicitadas, a Requerente invoca um interesse direto e pessoal, que tem a ver com a proteção de outro direito fundamental que lhe assiste, o direito à tutela jurisdicional efetiva, que passa por poder impugnar os atos administrativos que se repercutam negativamente na sua esfera jurídica, e que lhe é garantido pelo Constituição (artigo 268º, nº 4 da CRP).
Não cremos que releve, nesta sede, a argumentação aduzida pela Entidade Requerida no sentido de que o ato de progressão dos docentes não se traduz num poder discricionário da Administração, mas, sim, num poder vinculado com absoluta subordinação à lei e ainda de que Requerente pode impugnar o ato da sua progressão na carreira mas não poderá controlar a progressão na carreira dos demais colegas, uma vez que só os interessados podem impugnar os atos que lhes digam respeito e ainda que por mera hipótese académica, alguns colegas tivessem obtido uma progressão ilegal, tal nunca aproveitaria à Requerente, pois, na ilegalidade não há igualdade.
No Acórdão do Supremo Tribunal, de 24.01.2012, no processo n.º 0668/11, pode ler-se, além do mais que: “As restrições ao direito de acesso aos documentos está regulado no artº 6º da LADA, onde, designadamente, se refere que “um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos se estiver munido de autorização escrita da pessoa a quem os dados digam respeito ou demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade” (nº 5).
Resulta daqui que o direito de acesso aos documentos nominativos só se efectivará se houver autorização da pessoa a quem digam respeito ou então quem queira exercer tal direito demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade.
Mas se os documentos não revestirem a natureza nominativa, então podem livremente ser acedidos.
Temos, por conseguinte, que saber qual o conceito de documento nominativo.
De tal assunto se encarrega o artº 3º nº 1 al. b) da LADA ao definir como documento nominativo “o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada”. Por sua vez a al. a) deste mesmo nº 1 diz-nos que «documento administrativo» é qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome».
Segundo os recorrentes, o pedido de acesso a documentos concretos de pagamentos das despesas de representação e de subsídios de residência às pessoas que desempenham cargos de membros de Governo, revestem a natureza de documentos nominativos.
Mas não se concorda com esta posição.
Em primeiro, os documentos cujas cópias são pretendidas não contêm qualquer apreciação ou juízo de valor, ou seja, não contêm quaisquer informações depreciativas ou negativas sobre as pessoas a que dizem respeito.
Em segundo lugar, também os documentos cujas cópias se pretendem não versam sobre a intimidade da vida privada dos cidadãos a que respeitam.
A intimidade da vida privada abrange “os aspectos relativos aos sentimentos e convicções da pessoa, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, a características físicas e psicológicas, em geral a tudo o que ocorre dentro de casa e que a pessoa em causa pretende manter secreto ou reservado apenas a uma única pessoa ou a um número muito restrito de pessoas” (cfr. José Renato Gonçalves, in Acesso à Informação das Entidades Públicas, págs. 66 e ss.; Paulo Mota Pinto, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, págs. 479 e ss.; Rita Amaral Cabral, in Estudos em Memória do Professor Paulo Cunha, págs. 373 e ss.).
Afirma Capelo de Sousa, sobre esta matéria, que “a reserva juscivilisticamente tutelada abrange não só o respeito da intimidade privada, em particular a intimidade da vida pessoal, familiar, doméstica, sentimental e sexual …” (O Direito Geral de Personalidade, 318 e segs.)”.
Na senda da expendida jurisprudência, entendemos que não nos encontramos perante documentos nominativos, conforme sustenta a Entidade Requerida. Com efeito, conforme resulta da Portaria n.º 119/2018, de 4 de maio, o processo de reposicionamento de docentes obedece às regras do artigo 2.º do referido diploma, regras essas que não contendem com aspetos de natureza da vida privada, nos termos expostos.
Em todo o caso, e ainda que se defenda que os documentos a que a Requerente pretende aceder assumem carácter nominativo, o que importa é apurar se a Requerente demonstrou os requisitos estipulados na Lei 26/2016, de 22 de agosto para acesso aos documentos e informações em causa.
Neste particular, refira-se que, se é certo que a Requerente não se encontra munida de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder (cfr. artigo 6.º, n.º 5, alínea a) da Lei 26/2016, de 22 de agosto), constituindo o nome dos titulares dos dados precisamente uma das informações que pretende obter; a verdade é que sempre a Requerente invoca um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante (cfr. alínea B) do probatório e artigo 6.º, n.º 5, alínea a) da Lei 26/2016, de 22 de agosto), consubstanciado no relevo de estar na posse de todos os elementos necessários à análise e ponderação do reposicionamento a que foi sujeita bem como dos demais docentes de forma a aferir se, em seu entender, foram ou não respeitados os princípios da igualdade e da proporcionalidade, para decidir se lança ou não mão de tutela judicial. E tal direito encontra assento constitucional, razão pela qual, ponderados os interesses em presença, aferidos à luz do princípio da proporcionalidade, se conclui pela relevância do interesse invocado pela Requerente.
Avança-se, já, que se secunda esta leitura do Tribunal a quo que ponderou de forma acertada os vários interesses e garantias em presença.
Efectivamente, as informações requeridas relativas aos nomes dos docentes colegas da Requerente que foram reposicionados nas suas carreiras na sequência da publicação da Portaria 119/2018, de 4 de maio, e que tenham ingressado na mesma após 01/01/2011, pedidas com um fundamento claro e atendível de apreciação da legalidade e transparência da actuação administrativa em termos relativos nesse âmbito, não configuram manifestamente dados pessoais, pelo que não podem gozar do regime de protecção de dados pessoais, pois que se está em presença de meras questões relativas à avaliação dos docentes e ao seu reposicionamento remuneratório e funcional no contexto de um sistema público de ensino, sendo por isso questões de contornos públicos, não se podendo consubstanciar como documentos de natureza nominativa, desde logo se pensarmos nos princípios gerais contidos no Código do Procedimento Administrativos em matéria de isenção, de transparência e de publicidade da actuação da Administração.
Secundamos assim o entendimento que se tem vindo a acentuar na jurisprudência no sentido de ser entendido que documentos nominativos são os que dizem respeito à intimidade dos cidadãos, desde logo, e à sua vida privada em geral, onde se incluem os dados relativos aos seus sentimentos, opções de vida, às suas convicções, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, e ainda em geral a características físicas, de saúde e psicológicas, dados genéticos, convicções ou filiações filosóficas, políticas, religiosas, partidárias, sindicais, e em geral os que contêm opiniões ou avaliações sobre a pessoa, e ainda outros documentos cujo conhecimento por terceiros possa, em razão do seu teor, se traduzir numa invasão da reserva da vida privada.
Note-se, aliás, que no exercício de funções públicas a regra é a da publicação dos actos de nomeação e colocação, no caso, dos professores integrados no sistema dependente do Ministério da Educação.
E a circunstância da progressão na carreira dos docentes provir de actos vinculados e não discricionários da administração (como bem faz notar o ME na sua alegação de recurso) só pode reforçar o entendimento que aqui se defende, e não o contrário.
Logo não estão verificadas as ilegalidades que no recurso são apontadas à sentença recorrida.
Em suma:
-não se vislumbra na lei, nem nos princípios e valores subjacentes ao nosso ordenamento jurídico e ao estado de direito democrático, a necessidade de uma especial protecção ou secretismo, no caso sub judice, relativamente aos dados solicitados pela aqui Recorrida à Direcção do Agrupamento de Escolas de B..., Albergaria-a-Velha, a cujo quadro pertence: informação escrita contendo os nomes, tempo de serviço, e respectivo escalão dos seus colegas docentes (do mesmo Agrupamento) reposicionados na carreira ao abrigo da Portaria 119/2018, de 4 de maio;
-os documentos em causa constituem documentos administrativos, nos termos do artº 3º/1/alínea a)-iv), da LADA “gestão de recursos humanos…”, sendo óbvio que não contêm qualquer apreciação ou juízo de valor, nem a sua entrega à Recorrida colide com a reserva da vida privada das pessoas a quem respeitam; ou seja, ao contrário do que alega o Recorrente, não estamos perante “documentos nominativos” mas sim, como bem fundamenta a Senhora Juíza, perante documentos administrativos que não contêm dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de protecção de dados pessoais - cfr. artº 3º/1/alíneas a) e b), da LADA, definindo esta o “documento nominativo” como o documento administrativo que contenha dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de protecção de dados pessoais;
-as informações requeridas inserem-se objectivamente no regime do acesso aos arquivos e registos do Recorrente, sendo estes, em regra, de acesso livre (artigos 17º do CPA e 5º da LADA);
-no âmbito da informação não procedimental ou do arquivo aberto visa-se garantir a publicidade e a transparência da actividade administrativa;
-de acordo com a lei e a jurisprudência seguidas na sentença, os dados pessoais relevantes para a classificação de um documento administrativo como nominativo - e em consequência para se determinarem as restrições de acesso ao mesmo -, são os que contêm juízos de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada;
-o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos vem sendo considerado como um direito fundamental cujo sacrifício só se justifica quando confrontado com direitos e valores constitucionais de igual ou de maior valia, como sejam os relativos à segurança interna e externa, à investigação criminal e à reserva da intimidade das pessoas;
-a intimidade da vida privada abrange os aspectos relativos aos sentimentos e convicções da pessoa, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, a características físicas e psicológicas, em geral a tudo o que ocorre dentro de casa e que a pessoa em causa pretende manter secreto ou reservado apenas a uma única pessoa ou a um número muito restrito de pessoas;
-a doutrina também mencionada, e bem, pelo Tribunal a quo, aponta no mesmo sentido;
-como sentenciado, conforme resulta da Portaria 119/2018, de 4 de maio, o processo de reposicionamento de docentes obedece às regras do artigo 2º do referido diploma, regras essas que não contendem com aspectos de natureza da vida privada;
-também não procede o argumento invocado pelo Recorrente de que os elementos solicitados são dados pessoais nos termos do Regulamento (EU) 2016/679 - RGPD, com o fundamento de que este prevalece sobre a legislação nacional, até porque o referido nº 1 do artº 4º do RGPD mais não é do que uma réplica da alínea a) do artº 3º da Lei de Proteção de Dados Pessoais (LPDP), aprovada pela Lei 67/98, de 26 de outubro;
-nesta conformidade verifica-se que o Regulamento (EU) nada acrescenta relativamente à definição de dados pessoais (nem de documentos nominativos); logo não colide com a legislação nacional nem com a jurisprudência e doutrina dominantes na matéria;
-em qualquer caso o invocado Regulamento (EU) não pode colocar em crise o Estado de Direito Democrático nem os princípios constitucionais da liberdade de informação, ou da publicidade e transparência da actividade administrativa - lê-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se;
-ademais, ainda que se defendesse que os documentos em causa podem assumir carácter nominativo, o acesso aos mesmos não pode ser negado à Recorrida, uma vez que a mesma invoca um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido, suficientemente relevante, consubstanciado no relevo de estar na posse de todos os elementos necessários à análise e ponderação da decisão de lançar ou não mão de tutela judicial;
-e tal direito encontra assento constitucional, razão pela qual, ponderados os interesses em presença, aferidos à luz do princípio da proporcionalidade, se concluiu, e bem, pela relevância do interesse invocado pela Requerente;
-de registar ainda que a Entidade Requerida, ora Recorrente, nem invocou qualquer esforço ou outra circunstância desproporcional em face do que lhe foi solicitado pela Requerente/Recorrida;
-assim repete-se, dado que esta pondera demonstrar judicialmente que foi ultrapassada na carreira por colegas com menos tempo de serviço, por os mesmos terem sido reposicionados em escalão acima do seu, sendo que a informação por ela pedida se afigura indispensável para tal, dúvidas não restam que tem interesse legítimo na obtenção dos dados pretendidos;
-ao ser-lhe negado o conhecimento de tais elementos, está a ser-lhe negado o direito de acesso ao direito e aos tribunais, bem como o direito à informação (artigos 20º e 268º/2 da CRP), e concomitantemente a ser violado, in casu, o princípio da proporcionalidade;
-tal equivale a dizer que o Tribunal a quo, contrariamente ao alegado, fez uma ponderação justa e razoável, no quadro de interesses conflituantes, não colhendo o argumento do sacrifício de terceiros.
Desatendem-se, assim, as conclusões do Apelante.
***
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e D.N.
Porto, 12/06/2019
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. Nuno Coutinho