Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00638/15.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/09/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ADVOGADO; PROCESSO DISCIPLINAR; MULTA; SUSPENSÃO DA EFICÁCIA; PERICULUM IN MORA; ARTIGO 143º, ALÍNEA B), DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (DE 2015;
FUMUS BONI IURIS; N.º 1 DO ARTIGO 120.º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; PRESCRIÇÃO DA MULTA; REGIME MAIS FAVORÁVEL; DO ARTIGO 126º DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (DE 2015) E 193º DA LEI GERAL DOS TRABALHADORES EM FUNÇÕES PÚBLICAS.
Sumário:1. Verificando-se a impossibilidade por parte de um advogado de pagar a multa que lhe foi fixada em processo disciplinar pela Ordem dos Advogados, face aos seus rendimentos, e acarretando o não pagamento a suspensão da inscrição na Ordem, por força do disposto no artigo 143º, alínea b), do Estatuto da Ordem dos Advogados (de 2015), impõe-se concluir pela verificação do requisito do facto consumado, previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

2. É de aplicar o disposto nas normas conjugadas do artigo 126º do Estatuto da Ordem dos Advogados (de 2015) e 193º da Lei Geral dos Trabalhadores em Funções Públicas, por ser o regime mais favorável ao arguido, se face a estes normativos a sanção disciplinar já se encontra prescrita, e por isso o cumprimento não é juridicamente exigível.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Ordem dos Advogados
Recorrido 1:M.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Ordem dos Advogados veio interpor presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 20.01.2021, pela qual foi julgada procedente a providência cautelar contra si intentada por M. para suspensão da eficácia do despacho do Presidente do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados, que determinou a execução da pena disciplinar de multa em que foi condenado o Requerente no âmbito de processo disciplinar, sob cominação de suspensão da inscrição como Advogado.

Invocou para tanto, em síntese, que o Tribunal recorrido ao deferir a requerida providência violou o disposto no n.º 2 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A. Tendo sido notificada da decisão proferida nos presentes autos em 21.01.2021, a Requerida não se conforma com o teor do decisório em causa e, como tal, vem exercer o seu direito de recurso, nomeadamente por entender que o Tribunal recorrido laborou em equívoca apreciação tanto dos elementos de facto como de direito.

Desde já se diga que,

B. A presente decisão cautelar visa secundar um pedido principal que não se poderá ter como procedente, desde logo porque, tendo sido apreciada a inimpugnabilidade do acto que o Requerente visou impugnar nos autos principais, e não tendo sido impugnado qualquer outro acto, nomeadamente, aquele que condenou o Recorrido na pena de multa,

C. Não se conjectura como possível que os actos principais se possam deter sobre a apreciação da validade de um acto consequente de um acto pregresso que nunca foi impugnado.

D. Assim sendo, como é, não existe demanda principal por absoluta inexistência de objecto processual sobre o qual o Tribunal se possa pronunciar naqueles autos principais (Proc. n.º 638/15.1BEPRT que tramita na Unidade Orgânica 1 do TAF do Porto) e

E. Nestes termos, tendo em conta a necessária instrumentalidade das providências cautelares, sempre se dirá que a presente providência cautelar carece de objecto de processo principal do qual se possa considerar instrumental e nestes termos, não poderá prevalecer, tendo em conta a sua dependência de um processo principal,

F. Pelo que, sempre se dirá que a sentença ora colocada em crise procede a errónea apreciação dos factos, bem como a equívoca aplicação do direito, no sentido em que, tutela provisoriamente uma pretensão que não se encontra relacionada com um vínculo de instrumentalidade/dependência com qualquer pretensão principal, violando assim o previsto no n.º 1 do art.º 113.º CPTA.

Da errónea apreciação do pressuposto referente ao periculum in mora.

G. Do exercício argumentativo expendido pelo Recorrido no requerimento cautelar inicial salta à evidência, no que a este aspecto tange, que o mesmo apenas invoca um dano hipotético e meramente especulativo que resultará para si da impossibilidade de exercício da actividade profissional de advocacia, sendo certo que a pena disciplinar que lhe foi aplicada se resume a uma pena de multa no montante de 7.500,00 €.

H. No entanto, o Requerente apenas tenta demonstrar o preenchimento do pressuposto da perigosidade unicamente à luz da obrigação de cessar a sua actividade profissional como Advogado, invocando, a este propósito a hipótese da Recorrente exercer o efeito cominatório constante do previsto no art.º 143.º do EOA2015 (com idêntica redacção à do art.º 138.º do EOA2005), para o caso de haver incumprimento do pagamento da pena de multa que lhe foi aplicada.

I. Ora, por outro lado, o Recorrido não invoca, alega ou produz indício de prova de um qualquer argumento justificativo para o incumprimento da pena de multa que lhe foi validamente aplicada, tendo-se já sedimentado tal condenação como caso decidido.

J. E sempre o poderia ter feito, desde logo invocando a impossibilidade objectiva de cumprir com o pagamento da multa por não dispor da quantia, provando não ter meios como fazê-lo seja pelo pagamento a pronto, fazendo prova do indeferimento de pedido de pagamento prestacional, juntando prova de que não dispõe de liquidez para o efeito ou de que lhe foi recusado financiamento bancário para o efeito e de que não possui bens cujo produto da venda possa ser utilizado para esse fim, etc.

K. No entanto, o Requerente pura e simplesmente omitiu qualquer justificação para o incumprimento do pagamento da pena de multa que validamente lhe foi aplicada.

L. Ora, sempre se diga que o pressuposto referente ao periculum in mora deverá ser apreciado de forma objectiva e concreta, ligado à factualidade invocada e demonstrada pelo Requerente, para que a tutela cautelar seja sempre decretada perante um perigo actual ou iminente e sobre o qual o Requerente esteja impossibilitado de agir, a este obviando.

M. Não havendo justificação para o não cumprimento da pena de multa, o perigo decorrente da suspensão do exercício da profissão de Advogado não se trata de um perigo objectivamente actual ou sequer iminente, trata-se apenas de um exercício especulativo,

N. Sendo certo que, não presidindo quaisquer razões ponderosas para o não pagamento da multa, sempre se terá que concluir que, a verificar-se a suspensão do Recorrido do exercício da Advocacia em razão do incumprimento da pena de multa aplicada, sempre este perigo terá como única força motriz da sua concretização a opção voluntária e consciente do Requerente em não cumprir, concorrendo, por isso, o Requerente para sua verificação.

O. Ou seja, o Requerente pretende ter o direito de não cumprir as sanções disciplinares que lhe foram validamente aplicadas.

P. Pelo que, só se poderá concluir que mal andou o Tribunal a quo quando, dando abrigo ao requerido pelo Recorrido, não só supriu a inexistência de qualquer invocação de perigo actual e iminente que para o Requerente pudesse decorrer do pagamento da pena de multa,

Q. Como quando, equivocamente, deu como provado o preenchimento do pressuposto em causa, violando, assim, o disposto no n.º 1 do art.º 342.º do CCiv. como regra geral de distribuição do ónus de prova, bem como a al. f) do n.º 3 do art.º 114.º do CPTA que impõem ao Requerente não só o ónus de especificar os fundamentos do pedido, deles fazendo prova, como vinculam aquele que invoca o direito à tutela cautelar ao dever de fazer prova dos factos constitutivos desse direito.

R. Isto porque é manifestamente claro que o pagamento de uma quantia pecuniária, por si só, não se poderá ter como susceptível de originar qualquer situação de facto consumado ou de qualquer prejuízo de difícil reparação, dada a manifesta reversibilidade que o acto de pagamento reveste, sendo certo que, ainda que o Recorrido pudesse vir a obter ganho em sede principal, sempre poderia ver-se ressarcido pelo pagamento da quantia em causa acrescida do montante que se mostrasse comprovadamente justificada.

S. E, assim sendo, sempre se terá a apreciação produzida pelo Tribunal recorrido, neste aspecto, como incorrendo não só em equívoca interpretação dos pressupostos de facto, como interpretando de forma equívoca o disposto, tanto nos referidos dispositivos, como no n.º 1 do art.º 120.º do CPTA a propósito do pressuposto específico atinente ao periculum in mora.

Ainda assim,

Da errónea apreciação do pressuposto referente ao fumus boni iuris

T. Com a revisão de 2015 do CPTA deu-se uma alteração no critério de concessão das providências cautelares, tornando-o mais restritivo no que à prova da probabilidade de procedência da pretensão principal tange, neste sentido, veja-se o que diz J. C. Vieira de Andrade,

«[…] a lei, em 2015, eliminou a diferença de regime entre a concessão de providências conservatórias e de providências antecipatórias, exigindo, para ambos os tipos de providências, a comprovação da probabilidade de procedência da acção principal, quando antes, se a providência fosse conservatória, bastaria que não fosse manifesta a alta de fundamento da pretensão principal.

[…]significa objectivamente uma maior exigência de prova feita ao requerente para a obtenção de medidas cautelares conservatórias – e, portanto, um maior relevo negativo da juridicidade material.»


U. O que no caso, sempre implicaria que o Recorrido fizesse prova positiva da viabilidade da sua pretensão, no sentido de ser mais provável que venha a obter ganho do que venha a ser vencido, o que in casu manifestamente não aconteceu.

V. Ora, o único fundamento aduzido pelo Recorrido com o intuito de preencher o pressuposto processual referente à demonstração da viabilidade da pretensão a deduzir em sede de acção principal, refere-se a um pretenso efeito prescritivo que, conforme se demonstrará infra, não se verifica.

W. O Requerente invocou a prescrição da pena de multa aplicada, por, no seu entender, que o prazo dentro do qual a Ré poderia proceder à sua execução é de 3 (três) meses,

X. Aplicando, neste sentido, e de acordo com o princípio da aplicação da lei mais favorável, o Estatuto da Ordem dos Advogados na redacção que decorre da Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro,

Y. Fazendo, consequentemente, operar uma redacção constante do art.º 126.º do EOA2015 que, conforme resulta expressamente da letra da lei, não tem o alcance ou efeito que o Recorrido pretende, pois diz-nos o referido art.º 126.º do EOA2015,

«Ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados, em tudo o que não for contrário ao estabelecido no presente Estatuto e respetivos regulamentos, são subsidiariamente aplicáveis as normas procedimentais previstas na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.»

Z. É pois, clara a referência expressa a normas procedimentos, sendo certo que não se pode retirar do texto da lei aquilo que o legislador não quis dizer, presumindo-se sempre no labor de interpretação que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, cfr. o n.º 3 do art.º 9.º do CCiv..

AA. Assim, se o legislador fez questão de fazer referência à necessária natureza procedimental das normas da LGTFP a aplicar por remissão, será sempre porque, manifestamente, quis deixar de fora do âmbito da remissão aí prevista as normas que não tenham essa natureza e, assim, o dispositivo previsto no art.º 193.º da LGTFP, dado que as normas referentes a prazos prescricionais se tratam de normas de natureza substantiva.

BB. Não podendo, por isso mesmo, ter-se como válida a remissão que o Recorrido pretendeu operar, e a que o Tribunal a quo deu abrigo em violação do direito aplicável ao caso, para a al. b) do art.º 193.º da LGTFP para o prazo prescricional previsto para a sanção de multa de três meses contados da data em que a decisão se tornou inimpugnável.

CC. Ora, tal posição não se mostra válida, no sentido em que, de facto, não existe qualquer fundamento legal que sustente a aplicabilidade do referido normativo no âmbito do exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados.

DD. Na verdade, e sendo clara a vontade do legislador não aplicar as disposições previstas na LGTFP de natureza substantiva, sempre seria mais correcto, tendo em conta a letra da lei, aplicar in casu as disposições previstas no Código Penal, no Regime Geral das Contra-Ordenações ou mesmo o regime geral previsto no Código Civil, do que convocar um regime cuja aplicabilidade foi expressamente excluído pelo legislador.

EE. E neste sentido, porque não resulta provada a existência de qualquer regime mais favorável constante do EOA2015, sempre se deverá aplicar o regime previsto no EOA2005, tendo em conta que este é, em face do disposto nas disposições transitórias constantes do diploma que aprovou a redacção do EOA2015, nomeadamente, do n.º 1 do art.º 3.º da Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro, que, a contrario sensu, impõe a aplicabilidade do disposto no EOA2005 ao autos disciplinares já instaurados à data da entrada em vigor da referida Lei.

FF. Assim, ao contrário do que o Tribunal a quo pretende como perfunctoriamente provado, é manifestamente claro que não existe qualquer fundamento, seja factual, seja legal, que permita aplicar ao caso qualquer regime previsto no EOA2015, porque (i) não ficou demonstrado que o regime da prescrição das penas disciplinares aplicadas pela Ordem dos Advogados seja distinto do que se deveria ter como aplicável à luz do EOA2005, (ii) não ficou demonstrado que o regime prescricional aplicável à luz do EOA2015 não seja mais gravoso, dada a natureza do regime geral previsto no Código Civil, (iii) apenas resulta como claro e certo, da norma remissiva invocada pelo Autor, que o regime de prescrição previsto na LGTFP não se aplica ao caso.

GG. E assim, não havendo qualquer prova de que o regime previsto no EOA2015 é mais favorável, dever-se-á aplicar in casu o regime previsto no EOA2005 que no seu art.º 121.º referia

«Ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados, em tudo o que não for contrário ao estabelecido no presente Estatuto e respectivos regulamentos, são subsidiariamente aplicáveis:
a) As normas do Código Penal, em matéria substantiva;
b) As normas do Código de Processo Penal, em matéria adjectiva.»
(negrito e sublinhado nossos)


HH. E neste caso sempre se dirá que é clara a remissão directa do EOA2005 para o disposto no Código Penal e, assim, para o regime aí previsto para a prescrição das penas e, consequentemente, para o prazo de 4 (quatro) anos previsto na al. d) do n.º 1 do art.º 122.º do C. Penal.


II. Pelo que, não se verifica in casu o transcurso de qualquer prazo de prescrição que tenha operado em relação à pena de multa no montante de 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros) aplicada ao Requerente e, como tal, ao entender como entendeu, ainda que perfunctoriamente, o Tribunal recorrido, violou o disposto no n.º 1 do art.º 120.º do CPTA no que fica especialmente previsto para o requisito do fumus boni iuris.

Diga-se ainda que,

JJ. À luz do disposto no referido art.º 126.º do EOA2015, a interpretação empreendida pelo Tribunal nunca se poderia ter como viável, dada a manifesta contraditoriedade com o próprio EOA2015,

KK. Tendo o legislador previsto no próprio EOA2015 na al. b) do art.º 143.º do EOA, a possibilidade da Recorrente poder suspender a inscrição como advogado daquele que não tenha cumprido, no prazo de 3 (três) meses a contar da data em que se deva considerar notificado da decisão definitiva, com o dever de pagamento de pena de multa que lhe tenha sido aplicada,

LL. Dar-se-ia o estranho caso de, assim que estivesse decorrido o prazo para cumprimento voluntário, estaria também prescrita a pena de multa aplicada, não podendo a Recorrente proceder à coerção ao cumprimento da pena, dado que esta já estaria prescrita, resumindo-se, assim, o estatuído no art.º 143.º do EOA, neste aspecto, a letra morta sem qualquer possibilidade de ser aplicada e

MM. Assim sendo, e de acordo com a redacção do próprio art.º 126.º do EOA2015, nunca se poderá ter como aplicável por remissão o art.º 193.º da LGTFP, dada a manifesta contraditoriedade com o previsto no próprio Estatuto e ainda tendo em conta a própria unidade sistemática do Estatuto da Ordem dos Advogados, sempre esta estaria comprometida à luz da propugnada interpretação a que procede o Tribunal a quo.

Acresce que,

NN. Sempre se diga que, a ser aplicável o referido dispositivo previsto na al. b) do art.º 193.º da LGTFP, o que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se conjectura, nunca tal produziria o efeito pretendido pelo Recorrido.

OO. Pois, a referência à inimpugnabilidade da decisão como momento que enceta a contagem do prazo de prescrição aí estatuído só se poderá ter como válida, nos casos em que tenha havido impugnação contenciosa, quando sobre esses autos judiciais recaia a força de trânsito em julgado,

PP. Pelo que, a aplicar-se o referido regime, o que não se concede, o início da contagem do prazo de prescrição em referência ainda não se deu e apenas se dará com o trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos principais.

QQ. Pelo que, dando como reconhecida a possibilidade da invocação de direito empreendida pelo Requerente vir a ser viável nos autos principais, laborou o Tribunal recorrido em equívoca e errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, violando o disposto no n.º 1 do art.º 120.º do CPTA, também na parte em se refere ao pressuposto específico da tutela cautelar atinente ao fumus boni iuris.

Por fim,

Da errónea aplicação do juízo de proporcionalidade

RR. Na decisão que ora se coloca em crise, veio o Tribunal recorrido dar como preenchido o requisito referente à ponderação dos interesses em causa à luz de um juízo de proporcionalidade,

SS. Fê-lo, no entanto, sem imputar quaisquer factos que presidam a esse exercício, não revelando, inclusivamente, se procede a esse juízo à luz do raciocínio falacioso do Requerente que se atém a eventualidade da sua suspensão decorrente do incumprimento da pena disciplinar de multa que lhe foi aplicada,

TT. Ou se tal juízo terá decorrido do interesse objectivo do Requerente em não pagar a quantia devida a esse título.

UU. A verdade é que, sendo este o juízo adequado a laborar, i.e., colocar em perspectiva o interesse do Requerente em não pagar a multa e o interesse público que a Recorrente tutela em dar cumprimento às sanções disciplinares como forma de tornar efectivos os fins de prevenção geral e especial que o regime disciplinar encerra.

VV. Relembre-se que, conforme já ficou referido, o Recorrido não fez qualquer prova de que tenha dificuldades financeiras intransponíveis e que o impeçam de dispor da quantia aplicada a título de multa,

WW. Não constando dos autos um único indício de que o Requerente esteja impossibilitado de pagar a referida quantia ou de que o pagamento da referida quantia implicaria um prejuízo de difícil reparação, sendo certo que tal prova sempre lhe caberia nos termos das regras gerais da distribuição do ónus de prova, cfr. n.º 1 do art. 342.º do CCiv.

XX. Por outro lado, o pagamento da quantia em causa, tendo em conta a natureza meramente fungível e pecuniária da prestação, sempre será facilmente revertível perante a hipótese, que não se admite, da tese do Recorrido obter vencimento em sede principal, nomeadamente pela devolução da quantia em causa, com o eventual acréscimo a título indemnizatório que se mostrasse provado.

YY. Assim, o interesse que o Recorrido pretende tutelar é o incómodo de ter que dispor da quantia correspondente à multa que lhe foi aplicada, sendo certo que este não fez prova de que tal facto hipotético se constitua como mais do que um mero incómodo.

ZZ. Pelo que, mal se entenderá, nomeadamente tendo em conta o carácter público e notório do comportamento do Recorrido como manifestamente violador da deontologia profissional, que se possa considerar como prevalecente a tutela de um interesse meramente económico e cujo alcance não ficou provado que fosse além de um incómodo financeiro,

AAA. Quando o interesse da Recorrente a tutelar, e que impõe o não decretamento da providência cautelar, remete directamente para a necessidade de prossecução dos fins de prevenção geral e especial da pena que foi aplicada ao Requerente, sendo certo que, no caso concreto e estando em causa uma violação ostensiva do dever de segredo em desfavor de um seu cliente, o comportamento do Recorrido mostra-se como especialmente grave e

BBB. Tendo em conta o contexto público em que se deu, em sede de audiência pública de discussão e julgamento, sempre se terá que ter como carecendo de tutela no mais curto espaço de tempo, não se compadecendo, por isso mesmo, com a demora processual que uma decisão principal com trânsito em julgado poderá ter.

CCC. Ora, não tendo presente o que se vem de referir, e não elencando sequer os elementos que presidiram à sua apreciação, violou o Tribunal recorrido o disposto no n.º 2 do art.º 120.º do CPTA.
*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. Em 31.12.2012, deu entrada, nos serviços do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados uma participação disciplinar, em nome de J. e subscrita pela sua Mandatária, nela constando como participado o aqui Requerente, e à qual foram agregados, em anexo, um suporte digital (CD) com a gravação da audiência de julgamento que teve lugar nos autos do Proc. n.º 9345/10.0TBVNG, que correu termos na 1.ª Secção da 2.ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia e um documento com a transcrição dactilográfica do depoimento prestado pelo Requerente naqueles autos – cf., respectivamente, folhas 1 a 7 e 8 a 53 do processo administrativo instrutor.

2. Em 08.03.2013, por Deliberação do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados, sob proposta do Vogal do mesmo Conselho, datada de 05.03.2013, foi determinada a instauração de processo disciplinar contra o aqui Requerente – cf., respectivamente, folhas 65 e 61 do processo administrativo instrutor.

3. Em 18.04.2013, através de comunicação electrónica, o aqui Requerente pronunciou-se no âmbito do processo disciplinar em referência e requereu a realização de diligências de prova (inquirição de testemunhas) – cf. folhas 77 a 90 (em duplicado a folhas 91 a 104) do processo administrativo instrutor.

4. Em 05.05.2013, por despacho do Relator do processo disciplinar em referência, foram ordenadas diligências instrutórias, em concreto, a inquirição de testemunhas arroladas pelo participante e participado, a junção ao processo disciplinar de cópia integral do pedido de dispensa de sigilo apresentado pelo aqui Requerente e ao qual foi atribuída a referência 119/SP/2012P, junto do Conselho Geral da Ordem dos Advogados e, bem assim, a junção dos articulados e despacho saneador apresentados e proferidos no processo judicial em referência – cf. folhas 105 do processo administrativo instrutor.

5. Em 19.05:2014, pelo Relator da 3.ª Secção do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados foi proferido despacho de acusação - cf. folhas 218 a 221 do processo administrativo instrutor.

6. Em 16.06.2014, através de correio electrónico e carta registada expedida no dia seguinte, o aqui Requerente apresentou defesa – cf. folhas 225 a 236 (duplicado em folhas 237 a 248 do processo administrativo instrutor).

7. Foram realizadas diligências instrutórias, com audição do participante e inquirição de duas das três testemunhas arroladas pelo aqui Requerente na sua Defesa – cf. folhas 249, 259, 260, 261 a 263 do processo administrativo instrutor.

8. Em 24.11.2014, pelo Relator da 3.ª Secção do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados, foi proferido Relatório Final, do qual se extrai a seguinte fundamentação:

“(…)
4. Fundamentação

Os factos provados da acusação resultam da audição do CD junto aos autos com a gravação da audiência de julgamento em questão, da prova documental, nomeadamente a fls. 55, 56, 141 a 146, 154 a 216 e fls. 12 e 152 a 156 do apenso, da confissão parcial do arguido na defesa de fls. 237 a 244 e dos autos de declarações das testemunhas a fls. 120 a 122 e 123 a 124 e 260.

Os factos provados da defesa resultam da prova documentai de fls. 12 do apenso e dos autos de declarações das testemunhas 123 a 124 e 260 e das declarações do

Participante a fls. 262.

Os factos não provados da defesa resultam da insuficiência da prova apresentada nesse sentido e por se ter constatado o contrário do aí alegado pela prova documental junta aos autos e também testemunhal.

5. Qualificação e gravidade da conduta

Antes de procedermos à qualificação da conduta, cumpre tomar posição sobre a questão prévia levantada pelo Sr. Advogado Arguido na sua defesa. Vem este sustentar que a participação de fls. 2 a 7 não está assinada pelo Participante, mas sim pela sua advogada Dr. a I., e que a procuração de fls. 76 está datada de 27/12/2012 e foi junta na sequência da notificação. Conclui assim que a notificação é inválida e a procuração insuficiente pois deveria ter sido junta procuração com poderes especiais a ratificar todo o processado; uma vez que o Participante não ratificou o processado, deverá ficar sem efeito tudo quanto foi praticado pela Sr. a Advogada I..

Vejamos:

A participação de fls. 2 a 7 deu entrada em 31 de Dezembro de 2012 e está assinada pela Sr. a Advogada Dr. a I.. A procuração foi junta na sequência da notificação à Sr. a Advogada, ordenada por despacho de fls. 67, e está datada de 27 de Dezembro de 2012, ou seja, com data anterior à data da participação. Assim sendo, a procuração, por ter data anterior à data da participação, não tinha que ratificar o processado. Por outro lado, inexiste qualquer invalidade na notificação efectuada à Sr. a Advogada para juntar procuração, porquanto a mesma foi feita na sequência de despacho do Relator a ordenar tal notificação, despacho esse efectuado ao abrigo do disposto no artigo 140 0 , n. 0 1, do EOA e, por isso, inteiramente válido. Acresce finalmente que o Participante, nas suas declarações a fls. 262 e 263 e prestadas a requerimento do próprio Arguido, veio expressamente confirmar que apresentou queixa do Participado, que quis fazê-lo e que constituiu a Sr, a Dr. a I. para o fazer por si (i.e., formular queixa à O.A.). Improcede, pois, a arguição do Participante, indeferindo-se, assim, a sua pretensão.

Na acusação imputa-se ao Sr. Advogado arguido a prática de infracção disciplinar pelo facto de a sua conduta violar os deveres consignados nos artigos 83º, 86º, alínea a), 87º, n .º1, alínea a), 2, 3 e 4, e 92.º , n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA).

Tais deveres consistem em, nomeadamente, o advogado ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, ser leal, não prejudicar os fins e prestígio da Ordem dos Advogados e da advocacia, guardar segredo profissional relativamente a factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções designadamente por revelação do seu cliente e manter a relação de confiança recíproca com o cliente.

Em face da factualidade apurada, teremos inevitavelmente que concluir que o Sr. Advogado Arguido violou, consciente e ostensivamente, os deveres previstos nos supracitados artigos do EOA e, por isso, cometeu infracção disciplinar. E dizemo-lo "consciente e ostensivamente" porquanto o Sr. Advogado Arguido bem sabia que estava a violar o segredo profissional ao depor naquela audiência, pois, por um lado, se tinha solicitado dispensa à Ordem dos Advogados é porque sabia que tais factos estavam protegidos pelo sigilo; por outro lado, foi advertido na própria audiência pelo Sr. Juiz e mesmo assim resolveu depor. No que respeita à ponderação da gravidade da sua conduta, não podemos esquecer que o segredo profissional é um dos princípios basilares do exercício da advocacia, cuja violação afecta o prestígio da advocacia e da Ordem dos Advogados e tem sido entendido, desde sempre, como uma das mais importantes prerrogativas e um dos mais importantes deveres do advogado, sendo considerado uma "regra de ouro" da Advocacia, sem a qual a sua nobre e indispensável função estaria gravemente ferida e coarctada..

O n o 4 do artigo 87 0 do EOA é muito claro quando refere que a revelação de factos sujeitos a sigilo só pode ser feita mediante prévia autorização do Conselho Distrital, autorização que, apesar de ter sido solicitada, foi ignorada pelo Sr. Advogado Arguido, pois, antes mesmo de saber o resultado do seu pedido de dispensa, decidiu depor. Aliás e como era fácil de antever, tal pedido foi negado de forma lapidar peio Conselho Distrital, decisão que foi confirmada pelo Conselho Geral na sequência do recurso interposto pelo Sr. Advogado Arguido.

O segredo profissional é um dever que se impõe aos advogados pela extrema importância dos valores que protege, razão pela qual a decisão acerca da sua preservação siga critérios tão rigorosos e tenha de ser tomada pela Ordem dos Advogados.

Como refere António Arnaut in "Iniciação à Advocacia", págs. 65 a 76:

O dever de guardar segredo profissional é uma regra de ouro da advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos. Foi sempre considerado honra e timbre da profissão, conditio sine qua non da sua plena dignidade. ( . ) Outras profissões (médicos, jornalistas, sacerdotes ou bancários) estão vinculados ao sigilo, mas em nenhuma, como a nossa, é tão forte esse vínculo de confiança. (advogado está obrigado a segredo profissional quanto a todos os factos de que tiver conhecimento, directa ou indirectamente, no exercício da sua profissão, qualquer que seja a fonte do seu conhecimento.

A salvaguarda do segredo profissional impõe-se, assim, por razões de interesse e ordem pública que extravasam o círculo do relacionamento entre o advogado e o cliente.

Ainda neste sentido, refere António Arnaut, in obra citada, a págs. 67 : ) há ainda outro fundamento, de manifesto interesse público, directamente ligado à função de advogado como servidor da Justiça. Ao reconhecer a honra, dignidade e eminente função social da advocacia, a lei reconhece, do mesmo passo, a natureza pública da profissão. ( ) Desta concepção da actividade forense resulta que o advogado só pode exercer cabalmente o seu ministério de ordem pública se estiver defendido de revelar, perante quaisquer autoridades, os segredos de que é depositário. ( . ) Trata-se, pois, no campo ético - legal, de um direito dever.

A gravidade da conduta do Sr. Advogado Arguido é acentuada pelo facto deste ter revelado factos de que teve conhecimento na sua relação com o cliente e em que depôs como testemunha da outra parte numa acção proposta contra o seu cliente, ou seja, depôs contra a vontade do seu ex-cliente e contra os interesses deste.

Como refere o Bastonário Dr. Augusto Lopes Cardoso, na sua obra "Do segredo profissional na advocacia' "a fonte mais importante do fornecimento de factos sigilosos é o próprio «cliente» " ou citando ainda o Dr. António Arnaut: " O cliente ou simples consulente deve ter absoluta confiança no advogado para lhe poder contar toda a verdade, numa verdadeira "confissão", e saber que ele é um Sésamo que nunca se abre.'

Como se refere no despacho de fls. 174 a 176 proferido no pedido de dispensa de sigilo: Portanto, nunca em circunstância alguma o advogado pode depor como testemunha em defesa dos interesses da parte contrária como ocorreria no caso em apreço se o advogado requerente acedesse a depor, por solicitação da parte contrária àquela que patrocinou, portanto para depor sobre factos alegados pela parte contrária àquela que defendeu.

São por demais óbvias as razões que levam a que nunca, em circunstância alguma, o advogado possa ser obrigado a revelar factos que lhe foram confiados pelo seu constituinte ou de que tomou conhecimento por força do patrocínio do seu cliente, em prejuízo deste mesmo cliente. Dir-se-á apenas quer quando isso sucedesse, estaria definitiva e irremediavelmente minada a confiança do cliente no seu advogado e assim ruiria a própria função social do Advogado, consabido como é que a manutenção do sigilo profissional corresponde a um interesse público que extravasa até das próprias relações entre advogado e cliente.

Por isso mesmo, o comportamento do Sr. Advogado arguido, ao revelar tais factos numa audiência de julgamento e como testemunha da parte contrária ao seu ex-cliente, assume uma especial gravidade.

6. Proposta de pena

Nos termos do artigo 1260 do EOA, na aplicação da pena deve atender-se aos antecedentes profissionais e disciplinares do Sr. Advogado arguido, ao grau de culpa, às consequências da infração e a todas as demais circunstâncias agravantes e atenuantes.

O Sr. Advogado Arguido não tem averbada qualquer sanção disciplinar e está inscrito na OA desde 15 de Outubro de 1999, pelo que goza da circunstância atenuante prevista na alínea a) do artigo 127 0 do EOA. Não goza de qualquer outra circunstância atenuante.

Pelas razões supra referidas, nomeadamente pelo facto do Sr. Advogado Arguido ter pedido dispensado de sigilo e ter sido advertido pelo Sr. Juiz antes de depor, entendemos que aquele agiu consciente e deliberadamente e por isso com dolo. Assim, está preenchida a circunstância agravante prevista na alínea a) do artigo 128 0 do E.O.A.

Para além da má imagem para o prestígio da advocacia que foi transmitida no processo em causa pelo comportamento do Sr. Advogado Arguido, não resultaram outras consequências negativas, nomeadamente para o ex-cliente, porque o Tribuna' acabou por não considerar o depoimento do Sr. Advogado arguido. No que respeita ao grau de culpa do Sr. Advogado Arguido e tendo em conta tudo quanto foi referido, temos que considerar como elevado, pois este sabia que tais factos estavam abrangidos pelo sigilo profissional e que o seu comportamento violava um dos mais importantes deveres deontológicos do advogado.

Assim e embora o comportamento do Sr. Advogado Arguido porventura justificasse uma pena de suspensão, proponho, atendendo ao facto deste não ter antecedentes disciplinares, que lhe seja aplicada a pena disciplinar de MULTA, no montante de 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros), prevista na alínea d) do n o 1, do artigo 125 0 do EOA.

Porto, 25 de Novembro de 2014

L.”

– cf. folhas 265 a 278 do processo administrativo instrutor.

9. Em 28.02.2018, pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, foi proferido o Acórdão que indeferiu, por unanimidade, o Recurso Hierárquico interposto pelo Requerente, com fundamento no Parecer do Relator designado, de cujo teor se extrai, entre o mais, o seguinte:

“(…)
APRECIAÇÃO

Cumpre apreciar e decidir perante as conclusões apresentadas.

São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 412.0, n. 0 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/isti) e, portanto, delimitam o objecto do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso.

Assim sendo, importa ter presente os respetivos considerandos de resto repetidos nos autos de que:
"a) O advogado tem o dever de se recusar a depor sobre a matéria abrangida pelo segredo profissional, como é toda aquela cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços;

Essa obrigação de sigilo, legalmente prescrita no art.º 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados, deve ser rigorosamente acatada por todos os advogados, por corresponder a um princípio basilar do exercício da profissão de Advogado, de reconhecido interesse público.

O advogado só pode depor sobre matéria sujeita sigilo, após prévia autorização do Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, por si solicitada, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado, ou do seu cliente;

Não é legítima nem pode ser autorizada a dispensa de segredo profissional para defesa de interesses da parte contrária àquela que o advogado patrocina, ou patrocinou.

Está portanto expressamente vedado ao Sr. Dr. M. prestar o depoimento testemunhal para que foi arrotado no processo n. 0 9345/ IO.OTBVNG da 2. Q vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia.

Concluindo-se, in casu que ficou inequivocamente decidido que, no processo de recurso de dispensa de sigilo profissional, requerido pelo Dr. M., foi proferida decisão de recurso nos seguintes termos:

"Veio o Sr. Dr. M. interpor recurso da decisão que indeferiu o seu pedido de dispensa de segredo profissional para depor como testemunha contra um cliente seu no Proc. n o 9345/ IO.OTBVNG, que corre pela 2 a Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, e do despacho de aclaração que manteve o indeferimento com os mesmos fundamentos, ambos proferidos pelo Senhor Vogal do Conselho Distrital do Porto, com competência delegada.

Tal pedido foi indeferido porque o referido Senhor Vogal do Conselho Distrital do Porto entendeu, em ambas as decisões, que não "é legítima nem pode ser autorizada a dispensa de segredo profissional para defesa de interesses da parte contrária àquela que o advogado patrocina, ou patrocinou", urna vez que o advogado "só pode depor sobre matéria sujeita a sigilo (...) desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado, ou do seu cliente".

Analisados os autos verifica-se que, de facto, o que o Ilustre Recorrente pretende é depor como testemunha a favor da parte contrária àquela que ele patrocina, ou patrocinou.

Há, no caso, portanto, o dever de guardar segredo profissional. O próprio Ilustre Recorrente o reconhece, pois, apesar de vir dizendo que não existe dever de guardar sigilo profissional, a verdade é que vem requerer a dispensa do cumprimento de tal dever.

E, em nosso entender, irrelevante que o Ilustre Recorrente tenha sido chamado a depor apenas sobre a aposição, ou não, das assinaturas num contrato de cedência da posição contratual e não sobre o conteúdo do documento, e que estivesse presente no momento e local onde refere terem sido apostas as assinaturas (dia 9-6-2009, no Cartório de Lima Pinto, em Vila Nova de Gaia) por "mero acaso", verdade é que, como o próprio reconhece, a pessoa contra quem pretende depor era, ou é ainda, seu cliente, o documento a assinar foi elaborado por ele, advogado, a pedido do cliente e o Ilustre Recorrente estava presente no Cartório Notarial na qualidade de advogado do referido cliente, mesmo que porventura fosse para tratar de outro assunto.

Como se refere na decisão recorrida, e bem, a nosso ver, permitir que o Ilustre Recorrente depusesse contra o cliente, colocaria em causa a própria função social do advogado, minando, obviamente, a confiança de qualquer cliente no seu advogado.

Ora, nos termos referidos de que são as conclusões apresentadas que sintetizam as razões do presente pedido, não descurado o supra exposto, tem de se referir que, no que concerne à questão suscitada sobre se os factos estarem ou não sobre o sigilo profissional, já o relatório final se pronunciou exaustivamente sobre o assunto, pelo que, e não trazendo o Recorrente novos elementos sobre tais factos, se remete para aquela o mesmo, reiterando que os factos sobre os quais prestou depoimento estavam cobertos pelo sigilo profissional e portanto só o poderia ter feito caso tivesse autorização para a quebra do referido sigilo profissional, o que não ocorreu.

Quando à existência de um alegado deferimento tácito derivado da omissão (por falta de decisão dentro do prazo legal) de decisão por parte da Autoridade Administrativa competente, sendo, segundo o Recorrente, perfeitamente defensável o entendimento segundo qual o n o 1 do artigo 108 0 estabelece um princípio geral de deferimento tácito para pedidos de aprovações ou autorizações, somos do entendimento que tal entendimento não é de todo o correcto, até porque os princípios subjacentes ao princípio do sigilo profissional são de todo contrários aos que permitem o deferimento tácito previsto no artigo 108 0 do CPA.

Como, e a nosso ver bem, refere o Recorrido nas suas contra-alegações, "o direito a revelar factos sujeitos a sigilo não está dependente de autorização administrativas (condição de aplicabilidade do art.º 108.º n. º1 do CPA). O direito apenas existe se houver decisão favorável dos órgãos competentes, o que faz com que (lhe seja aplicável o regime do art.º 109.º, n.º 1, do mesmo código (...)”.

Nem se pode extrair outro entendimento da leitura do n o 4 antigo artigo 870 , atualmente artigo 92 0 , do EOA, pois o mesmo expressamente refere que "o Advogado só pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante autorização prévia No caso em concreto, não existiam interesses legítimos do advogado nem do cliente, antes pelo contrário, nem tinha a necessária autorização, pelo que por mais rebuscado seja o argumento utilizado para justificar a conduta do arguido, não assiste razão ao Recorrente.

Relativamente à alegação de que lhe foi negado o seu direito fundamental de defesa, por não terem sido efetivamente inquiridas todas as testemunhas arrolados pelo Recorrente, pois justificaram documentalmente a impossibilidade de comparecerem no dia e local aprazados por motivos de índole médica, o que configura a violação mais elementar dos direitos de defesa daquele e, e que por isso o Douto Acórdão é nulo. E estranho que o

Recorrente a faça, pois como bem sabe, a testemunha que apresentou justificação médica para faltar, a D. E., já havia prestado depoimento, a fls. 1 32 dos autos, pelo que foi tido o seu depoimento em consideração. Já quanto à testemunha M. o mesmo não compareceu, nem justificou a sua não comparência. Mais uma vez, não tem razão o Arguido,

No demais, e no que diz respeito à fundamentação do Acórdão, ou à falta desta, devemos chamar a atenção de que estamos perante um processo disciplinar e como tal, toda a prova produzida nos autos é válida a admissível para a boa decisão da causa.

O exposto na decisão recorrida encontra-se suficientemente fundamentado tendo-se concluído que não ocorre o vício de forma por falta de fundamentação. O exposto pela decisão recorrida quanto ao vício invocado, é suficientemente claro e exaustivo tornando-se desnecessário produzir nova fundamentação.

Assim sendo, não trouxe o Recorrente ao processo novos factos, nem novas razões que possam gerar dúvidas sobre a justiça da condenação.

Na determinação da medida da sanção deve atender-se, nos termos do artigo 1 31 0 do EOA, aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, ao grau da culpa, à gravidade e às consequências da infracção, à situação económica do arguido e todas as demais circunstâncias agravantes e atenuantes.

Assim, atendendo a que o Recorrente não tem qualquer antecedente profissional e disciplinar; por outro lado, o dever do segredo profissional é um dever que se impõe a todos os advogados e é pedra basilar da nossa profissão e de extrema importância, pelo que a pena disciplinar aplicada de MULTA no montante de 7.500,00€ parece perfeitamente ajustada.

Por todo o exposto se conclui que não procedem as conclusões da recorrente pelo que não pode proceder o presente recurso devendo-se manter a decisão recorrida.

Em Conclusão:

Nestes termos e pelas razões que antecedem, somos de parecer que o Acórdão do Conselho de Deontologia do Porto não merece qualquer censura quanto à sanção aplicada, devendo-se manter a mesma.

Vão os autos à secção, nos termos do artigo 43 0 , n o 3, al. a) do EOA.

Santa Maria da Feira, 02 de Fevereiro de 201 8,
O Relator,
(…)”
– cf. consulta a folhas 216 e seguintes do Proc. n.º 638/15.1BEPRT do SITAF.

10. Por correio registado de 23.12.2014, deu entrada, em 29.12.2014, nos serviços do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados, o Recurso Hierárquico da decisão referenciada no ponto antecedente – cf. folhas 298 a 321, igualmente remetido em duplicado para o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, cf. fls. 324 a 344do processo administrativo instrutor.

11. Em 13.02.2015, por despacho do Relator designado no processo disciplinar em referência, foi admitido o Recurso Hierárquico interposto pelo Requerente e determinada a audição do participante, o que veio a ocorrer por carta registada de 11.02.2015 – cf., respectivamente, fls. 366 e 368 a 375 do processo administrativo instrutor.

12. Em 02.03.2015, por despacho do Relator designado no processo disciplinar em referência, foi determinada a remessa dos autos disciplinares ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados – cf. fls. 376 do processo administrativo instrutor.

13. Em 10.07.2020, pelo Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados, foi remetida, via correio electrónico, ao Requerente, uma comunicação com o seguinte teor:

«Pelo presente, fica V. Exa. Notificado do despacho exarado pelo Exmo. Senhor Presidente deste Conselho de Deontologia, cujo teor infra se transcreve:

“ii)

O Sr. Advogado foi condenado na pena disciplinar de multa no valor de €7.500,00, por decisão deste órgão de 28 de Novembro de 2014, confirmada por acórdão da 1ª Secção do Conselho Superior de 8 de Fevereiro de 2018.

Dentro da ordem jurídica interna a decisão consolidou-se, não podendo ser impugnada junto de outro órgão da Ordem dos Advogados, pelo que, passou a constituir caso resolvido desde 22 de Março de 2018.

O Senhor Advogado instaurou acção administrativa de impugnação de acto administrativo contra a Ordem dos Advogados consubstanciado na decisão condenatória supra identificada.

Ora, a instauração da acção judicial, por si só, não tem a virtualidade de suspender a execução do acto, ou seja, de não ser dada execução à pena disciplinar aplicada.

Assim, notifique o senhor Advogado para, no prazo de 10 dias, informar se cumpriu a referida pena ou para, no mesmo prazo a cumprir, advertindo-o de que se o não fizer será extraída certidão a remeter ao senhor Bastonário para efeitos de cobrança e, bem assim, uma vez decorridos 3 (três) meses sobre a data em que a condenação se tornou definitiva, após aquele prazo será determinada a suspensão da inscrição – artigo 143.º, al. b) do EOA em vigor.

Prazo: 10 (dez) dias.

“Notificação feita nos termos do disposto no artigo 8º do Regulamento Disciplinar – regulamento nº 668-A/2015 – e nos termos do artigo 11º, nº 2 do referido Regulamento Disciplinar a resposta ao presente ofício pode ser praticada por meio electrónico, com a aposição de assinatura digital, dispensado assim o envio dos originais.” – cf. doc. n.º 1 junto com o requerimento inicial;

14. O Requerente exerce a profissão de advogado desde 15.11.1999 – facto não impugnado – admitido por acordo das partes.

15. O Requerente aufere um rendimento médio mensal de 1.200,00 €– cf. documentos juntos a folhas 290 e seguintes do SITAF.

16. O Requerente suporta uma prestação mensal, com crédito habitação, no valor de 571 euros e um seguro multirriscos de habitação, no valor de cerca de 404,00 euros – cf. documentos n.º 8 e 12 juntos com o requerimento inicial.

17. O Requerente é divorciado e tem a guarda partilhada dos seus dois filhos – cf. documento n.º 11 junto com o requerimento inicial.

18. O Requerente suporta o valor mensal de 90 euros e de 35 euros pelo ATL e transporte de um dos seus filhos – cf. documentos n.º 9 e 10 juntos com o requerimento inicial.

19. O Requerente suporta despesas relacionadas com a economia doméstica, designadamente, com água, luz, telefone e serviço de televisão e internet, em cerca de 135,00 € mensais – cf. documentos n.ºs 5 a 7 juntos com o requerimento inicial.

20. O Requerente suporta um valor anual de cerca de 1.200 € em seguro de saúde do qual é titular– cf. documento n.º 13 junto com o requerimento inicial.
*
III - Enquadramento jurídico.

Questão prévia:

Invoca a Recorrente que:

“E. Nestes termos, tendo em conta a necessária instrumentalidade das providências cautelares, sempre se dirá que a presente providência cautelar carece de objecto de processo principal do qual se possa considerar instrumental e nestes termos, não poderá prevalecer, tendo em conta a sua dependência de um processo principal,

F. Pelo que, sempre se dirá que a sentença ora colocada em crise procede a errónea apreciação dos factos, bem como a equívoca aplicação do direito, no sentido em que, tutela provisoriamente uma pretensão que não se encontra relacionada com um vínculo de instrumentalidade/dependência com qualquer pretensão principal, violando assim o previsto no n.º 1 do art.º 113.º CPTA.”

Mas sem razão.

Nos autos principais foi proferido despacho saneador com a data de 30.11.2020, a folhas 331-339 do SITAF, do qual se extrai o seguinte:

No caso sub judice, dúvidas não subsistem de que o novo acto é acto consequente do acto originariamente impugnado, dependendo a sua validade da validade daquele, pelo que a sua impugnação poderia ter sido efectuada ab initio, nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 4.º do CPTA; e, tornando-se o acto impugnável apenas com a sua notificação ao interessado (artigo 59.º, n.º 1 do CPTA), a qual ocorreu em 10/07/2020, e tendo o requerimento de ampliação dado entrada em juízo em 08/09/2020 (págs.279, numeração SITAF), clara se torna a sua tempestividade, por apresentado no prazo mínimo de três meses previsto na alínea b), do n.º 2, do artigo 58.º do CPTA.

Assim, e nos termos expostos, admito a requerida ampliação.
(…)

Pelo que, procedendo a invocada excepção de inimpugnabilidade do acto impugnado – alínea c) do n.º 1 do artigo 89.º do CPTA – impõe-se a absolvição do Réu da instância, nesta parte, ficando prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados contra este acto, devendo a presente acção prosseguir apenas para apreciação da (in)validade do acto consequente, por vícios próprios.”

Deste despacho não foi interposto recurso pelo que transitou em julgado.

Ficando assim definido nos autos principais, a sede própria para decidir tal questão, que o processo principal tem objecto, tal decisão impõe-se na presente providência, face precisamente à natureza instrumental da providência cautelar, invocada pela Recorrente.

De resto o presente pedido de suspensão vem precisamente dirigido ao acto de execução que é neste momento o único objecto do processo principal tal como ficou definido pelo citado despacho saneador.

Pelo que improcede esta questão.

1. O requisito do periculum in mora (facto consumado ou prejuízo de difícil reparação).

Determina a primeira parte do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

“Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal…” .

Quanto ao requisito do periculum in mora, refere Mário Aroso de Almeida O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, 4ª edição revista e actualizada, página 260 “se não falharem os demais pressupostos, a providência deve ser concedida se dos factos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade”.

Continua este autor a referir que a providência deve também ser concedida, “sempre pressupondo que não falhem os demais pressupostos (...) quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que se a providência for recusada, essa reintegração no plano os factos será difícil (…), ou seja, nesta segunda hipótese, trata-se de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”.

Por seu lado quanto a esta questão, refere Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa” 4º ed. p. 298, que:

“O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”.

Analisando a nossa situação concreta verificamos que, face aos factos provados (indiciariamente), o Requerente não tem possibilidade económicas de pagar de uma vez só, como lhe foi determinado, a importância em causa de 7.500 euros.

Isto tendo em conta que não se demonstrou ter outra fonte de rendimentos para além do exercício da advocacia, de que aufere uma remuneração média mensal de 1.200,00.

Com esta importância tem de fazer face à sua subsistência e do respectivo agregado familiar, bem como aos encargos decorrentes de empréstimos e prémios de seguro.

Do que resultará, por decorrência da lei, a suspensão da sua inscrição na Ordem dos Advogados - artigo 143.º, alínea b), do Estatuto da Ordem dos Advogados (de 2015).

O que é, claramente, um facto consumado que a eventual execução do julgado anulatório não poderá evitar porque até ao trânsito em julgado da decisão no processo principal, o Requerente, ora Recorrido, estará impedido de exercer a advocacia, única fonte de rendimento que tem, como indiciariamente provado.

Termos em que, como decidido, se deve concluir pela verificação deste requisito.

2. O requisito do fumus boni iuris (a aparência do bom direito).

A segunda parte do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2015) determina:

“ … e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”

Face ao teor deste preceito - que não distingue entre providências conservatórias, como o pedido de suspensão da eficácia de um acto, e providências antecipatórias - é necessário, além do mais, que seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente para que uma providência antecipatória possa ser concedida. Como, neste domínio, o requerente pretende, ainda que a título provisório, que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova sumária do bem fundado da sua pretensão deduzida no processo principal”Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, página 609.

Vejamos, então, o caso concreto, quanto a este requisito.

Também aqui se mostra acertada a decisão recorrida.

A questão que aqui se coloca é a de saber que ao caso se aplica ou não ao caso concreto o disposto nas normas conjugadas do artigo 126º do Estatuto da Ordem dos Advogados (de 2015) e 193º da Lei Geral dos Trabalhadores em Funções Públicas, pois, em caso afirmativo, a sanção disciplinar encontra-se já prescrita e por isso o cumprimento não é juridicamente exigível, o que, claramente, é o regime mais favorável ao sancionado que se sucedeu no tempo.

A Ordem dos Advogados entende que a aplicar-se o disposto no artigo 193.º da Lei Geral dos Trabalhadores em Funções Públicas, em concreto o prazo de prescrição de três meses da sanção disciplinar de multa, retira-se todo o sentido útil ao actual artigo 143.º, alínea b), do Estatuto da Ordem dos Advogados

Mas sem razão porque o prazo de 3 meses para a prescrição da sanção conta-se a partir do momento em que a decisão se torna impugnável e a decisão torna-se inimpugnável, havendo prazo a impugnação decorrido 3 meses depois da notificação artigo 58.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativo.

Ou seja, o prazo de três meses de prescrição da pena de multa só começa a correr depois de esgotado o prazo, também de 3 meses, para o arguido pagar ou impugnar, sendo que depois de decorrido este prazo já a Ordem dos Advogados está em condições para promover a cobrança coerciva do valor da multa aplicada.

Pelo que, tal como se concluiu na decisão recorrida, é provável que, em sede do processo principal, proceda a excepção de prescrição da sanção disciplinar.

3. A ponderação de interesses.

Estipula o n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2015):

“Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”

Como nos diz Cármen Chinchilla Marín em “La tutela cautelar en la nueva justicia administrativa”, Civitas, Madrid, 1991, pág. 163: “… o interesse público há-de ser específico e concreto, ou seja, diferenciado do interesse genérico da legalidade e eficácia dos actos administrativos …”

Deste modo, só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os outros prováveis prejuízos que se contrapõem é que se impõe a execução imediata do acto, indeferindo-se, por esse facto, o pedido de suspensão – acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13.01.2005, Proc. n.º 959/04.9BEVIS.

Neste caso A Ordem dos Advogados apenas invoca o interesse púbico genérico de “tornar efectivos os fins de prevenção geral e especial que o regime disciplinar encerra”.

Não invoca, como lhe competia, qualquer interesse específico e concreto que lhe caiba defender no processo e que saia prejudicado com a suspensão da execução do acto.

Pelo contrário, a demora na verificada na declaração da intenção de execução da pena, indicia que não há qualquer interesse especial ma imediata execução da pena.

Do que se conclui, também com decidido, que deve prevalecer o interesse do Requerente, em evitar a situação de facto consumado acima descrita.
*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.
*
Custas pela Recorrente.
*
Porto, 09.04.2021


Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco