Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00515/19.7BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/12/2024
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:STAL;
ESTATUTO REMUNERATÓRIO DOS TRABALHADORES EM FUNÇÕES PÚBLICAS;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REGIONAL (STAL), com sede na Rua ..., ... ..., propôs, em representação do seu associado «AA», ação administrativa contra o MUNICÍPIO ..., com sede no Largo ..., formulando os seguintes pedidos:
a) que o ato impugnado, que indeferiu o requerimento do seu associado para que fosse reapreciada a sua carreira reportada a janeiro de 2009, seja declarado inválido, porque nulo ou anulável;
b) que o R. seja condenado à prolação do ato administrativo devido, com os seguintes segmentos essenciais:
- deferir o requerido pelo seu sócio em 27/02/2019, reconstituindo a sua situação jurídica e contratual desde 01/01/2009;
- proceder à reconstituição dos direitos inerentes à carreira de técnico superior,
nomeadamente no que se refere à progressão remuneratória, tendo por base o posicionamento do seu sócio na 2.ª posição remuneratória, nível 15, da carreira de técnico superior, desde janeiro de 2009;

- ordenar o pagamento das diferenças salariais entre a posição remuneratória em que o seu sócio se encontrava, e encontra, e a por direito devida, concretamente, entre janeiro de 2009 e 01/01/2018, o abono da diferença entre € 1.201,48 e € 1.101,93, ou seja, € 99,55, multiplicada por 14, por inclusão dos subsídios de férias e Natal, o que totaliza, por ano, € 1.393,70, até 01/01/2018, num total de € 13.937,00;
- a partir de 01/01/2018, a diferença salarial é a que se estabelece entre a remuneração decorrente da aplicação das normas do art.º 18.º da Lei n.º 114/2017, de 29/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2018), tendo em conta a mudança faseada para a 2.º posição remuneratória, nível 15, e a mudança para a 3.º posição, nível 19, que ocorreria de forma igualmente faseada se, em janeiro de 2009, o seu sócio tivesse sido colocado na posição legalmente devida, assim: (i) até 01/09/2018, a diferença entre € 1.126,82 recebidos pelo seu sócio e o devido, em concreto € 1.252,97, isto é, uma diferença salarial de € 126,15, multiplicada por 10 mensalidades, num total de € 1.261,10; (ii) de 01/09/2018 a 01/05/2019, a diferença salarial passa a ser entre os € 1.151,71 recebidos e os € 1.304,46 devidos, numa diferença de € 152,75, multiplicados por 8 mensalidades e subsídio de Natal, o que dá um total de € 1.374,75; (iii) a partir de 01/05/2019, a diferença salarial passa a estabelecer-se entre os € 1.179,59 recebidos e os € 1.355,96 devidos, uma diferença de € 179,37, o que, tendo em conta as mensalidades até agora ocorridas, representa um total de € 717,48 (€ 179,37 x 4);
- pagamento de juros moratórios, à taxa legal, calculados segundo a fórmula (número de meses decorridos sobre aquele em se venceu a diferença salarial x diferença salarial x 0,04) : 12.
Por decisão proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada improcedente a acção e absolvido o Réu dos pedidos.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:

a) Em causa está uma questão puramente de direito, sinteticamente, aferir qual o estatuto remuneratório dos trabalhadores em funções públicas que, como o sócio do Recorrente, se candidataram a concursos públicos para a realização de estágio, fundamental requisito de ingresso na carreira de técnico superior a par com o da posse de licenciatura, e que, homologada a lista de classificação final de tais procedimentos de recrutamento, conheceram a entrada em vigor da LVCR constituídos no direito ao estágio;

b) Consequentemente, em causa está, a interpretação e aplicação das normas do artigo 105º, da LVCR, se conjugada ou não com o artigo 38º, da LOE/2009, se conjugada ou não com a injunção constante deste artigo da LOE/2009, apesar deste preceito se reportar à contratualização da posição remuneratória do artigo 55º, daquela Lei que, entrando em vigor em 1/1/2009, conforme o disposto no artigo 118º, nº 1, do mesmo diploma legal, só inicia a produção de efeitos a partir de 23/1/2009;

c) Está em causa, portanto, aferir da licitude de os trabalhadores em funções públicas que, como o sócio do Recorrente, se candidataram a concursos públicos para a realização de estágio, impreterível requisito de ingresso na carreira de técnico superior a par com o da posse de licenciatura, e que, homologada a lista de classificação final de tais procedimentos de recrutamento, conheceram a entrada em vigor da LVCR constituídos no direito ao estágio, ficarem num patamar remuneratório inferior à segunda posição remuneratória, mesmo que venham a concluir com sucesso o período experimental em que o estágio se transformou;

d) Está em causa aferir da legalidade de um trabalhador como o sócio do Recorrente ficar posicionado como estagiário, com remuneração inferior à segunda posição remuneratória e, assim, continuar apesar da conclusão com sucesso do período experimental e apesar de desde há muito ser licenciado;

e) Considera o Recorrente que o seu associado, que há muito era licenciado, de outro modo não lograria ser admitido a concurso para estagiário da carreira técnica superior em 2017, quando a LVCR entra em vigor deveria ter sido posicionado na segunda posição remuneratória da carreira técnica superior, logo que foi contratado e incontestadamente quando terminou com sucesso o período experimental, por força do estatuído no artigo 38º, da LOE/2009;

f) Pois esta é a hermenêutica que melhor se afeiçoa aos elementos teleológico e sistemático da interpretação lógica;

g) Desde logo porque, o próprio sistema legal, isto é a LVCR, admitia transitoriamente aos concursos para postos de trabalho de técnico superior, trabalhadores não possuidores de licenciatura, como decorria das normas do artigo 115º, da LVCR, bacharelados e até com menos habilitações;

h) Assim sendo, foi a salvaguarda mínima do mérito, o garantir minimamente uma diferenciação, que impeliu o legislador ao estabelecimento de um patamar remuneratório base, limite, para os licenciados, primeiro através da inserção na Lei do Orçamento de Estado de 2009, de preceito com o teor do seu artigo 38º, seguidamente, através da Lei nº 3-B/2010, de 28/4, Lei do Orçamento de Estado de 2010, LOE/2010, com o aditamento do nº 10 ao artigo 55º, da LVCR, com o mesmo sentido e alcance, de forma a conciliar o regime da LVCR com o princípio do mérito subjacente ao regime constitucional da Administração Pública, nomeadamente subjacente ao artigo 47º, nº 2, da CRP;

i) Foi o fito de garantir uma mínima diferenciação e assim o princípio da igualdade, na vertente do tratamento desigual do que é desigual;

j) Não fazia, assim, sentido que trabalhadores como o sócio do Recorrente, há muito licenciados, no ingresso na carreira técnica superior, sem qualquer oportunidade de contratualização de qualquer posição remuneratória ficassem em patamar remuneratório inferior ao daqueles licenciados, ou até dos não licenciados transitoriamente admitidos ao ingresso na carreira de técnico superior com os quais fosse contratada, por exemplo, uma segunda posição remuneratória;

k) Não fazia, assim, sentido que os que se candidataram, na vigência da lei anterior, para uma carreira a que só poderiam aceder licenciados, ficassem definitivamente em patamar remuneratório inferior ou mesmo igual, àqueles que à carreira técnica superior nunca poderiam aceder segundo a lei vigente;

l) Não fazendo sentido que, os que se candidataram na vigência da lei anterior, por serem possuidores de licenciatura fossem inseridos em patamar remuneratório inferior aos que iniciaram o período probatório após a entrada em vigor da lei ou, mesmo, da produção de efeitos das respectivas normas;

m) Não faz sentido que os licenciados que vinham realizando estágio à data da entrada em vigor da lei, quando terminassem o período probatório, permanecessem na posição remuneratória inferior à que os estagiários que viessem a ingressar na vigência da LVCR, pois estes tinham, logo à partida, garantida a segunda posição remuneratória, isto é, iniciavam ao período experimental remunerado pela segunda posição remuneratória;

m) Desigualdade inadmissível à luz do artigo 59º, nº 1, alínea a), da CRP, onde está consagrado o princípio da igualdade nas relações laborais;

n) Pelo que, o aresto recorrido faz incorrecta hermenêutica e aplicação das normas dos artigos 105º, da LVCR, que devem ser interpretadas conjugadamente com o artigo 38º, da LOE/2009, aplicando a injunção deste preceito constante, no respeito pelos princípios ínsitos nos artigos 47º, nº 2 e 59º, nº 1, alínea a) da CRP.

Termos em que deverá o presente recurso merecer provimento revogando-se o douto aresto recorrido, cumprindo-se desta forma a lei e fazendo-se
JUSTIÇA
O Réu juntou contra-alegações, concluindo:
1. Não procedem, no modesto entendimento do Recorrido, as doutas Alegações e pretensão deduzidas pelo Recorrente, visando rever a douta sentença do tribunal de 1ª instância, e por via da mesma considerar aplicável a relação jurídica sub iudice os arts 38º da Lei Orçamental e art. 55º da LCVR e, por via de tal aplicação dar provimento á pretensão deduzida nos autos, antes devendo ser, pelo contrário, confirmada a douta sentença revidenda, por se encontrar conforme aos princípios e normas jurídicas aplicais e, assim ser julgado improcedente o recurso.

2. Como bem refere o Recorrente, nenhuma questão se coloca quanto à matéria de facto, antes se restringindo o objecto do presente recurso à já mencionada questão de Direito, baseando-se o Recurso em alegada violação do Princípio da Igualdade, sem a qual, sempre as normas já identificadas teriam de ser aplicadas à relação jurídica sub íudice, e logo, à revisão da sentença revidenda, olvidando, contudo, a proibição da aplicação retroactiva da lei, que apenas vigora para o futuro, tendo por referencia a sua publicação e data de entrada em vigor, tal como impõe o art, 12º do CC, excecionando-se, nos termos do seu nº 2, a aplicação a situação ou processos em curso, ou a sua retroactividade, quando se encontram previstas tais situações.

3º Ora, no caso vertente, está em causa um procedimento concursal, em que o associado do Recorrente foi oponente, mas como resulta da matéria de facto, se encontrava concluído, por via de Despacho de homologação da classificação – e admissão do mesmo – segundo de despacho a ordenar a celebração do contrato por tempo indeterminado, entre tal associado e o ora Recorrido -sempre nos termos e condições estabelecidos no Programa do concurso – respectivamente datados de 2 e 31 de Dezembro de 2008.

4º Quer isto dizer, que o procedimento concursal em causa, já havia atingido a sua perfeição, apenas estando pendente a formalidade escrita, onde as plasmavam as condições da contratação, com plena e adequada identificação das partes, não tendo já o associado do Recorrente, a qualidade de candidato, mas sim já, a de trabalhador.

5° Ora, a lei orçamental de 2009, entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009, após a conclusão do procedimento concursal, e logo inaplicável ao mesmo, mas vindo a estabelecer, por via do art. 38°, novos direitos para os CANDIDATOS oponentes em sede de concurso públicos, quando licenciados qual, sendo que o associado do Recorrente, já não era Candidato, á data, mas sim, já havia sido reconhecido como trabalhador, antes da entrada em vidor da norma em causa, razão pela qual não poderia a mesma ser aplicável, atenta a falta de qualidade de CANDIDATO, e de já estar concluído o procedimento concursal.

Acresce,

6° Que mesmo que assim não fosse, e é, não poderia tal norma ser aplicável à relação contratual sub iudice, porquanto era requisito de aplicabilidade da norma em causa, que após determinar a posição remuneratória, nos termos previsto no art. 55° da LCVR, a qual, porém, apenas entrou em vigor no dia 23 de Janeiro de 2009, como resulta do disposto no n° 6, do art. 118° da LCVR, porquanto a Portaria (n° 83-A/2009, de 22 de Janeiro) que determinava a sua entrada em vigor, apenas foi publicada em momento posterior à entrada em vigor da Lei Orçamental e, mais importante, mesmo após a celebração do contrato de trabalho entre o Recorrido, e o sócio do Recorrente, que foi outorgado em 5 desse mês de Janeiro de 2009.

7° Resultando, assim, claramente inaplicáveis as normas referidas, e consequentemente correcta a aplicação do direito por parte do tribunal “a quo”, confirmando por esta via a douta sentença revidenda e julgando improcedente o presente Recurso como é de inteira
JUSTIÇA.
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:

1) O sócio do A. concluiu a Licenciatura em Ciências da Informação em 16/12/2002 (cfr. doc. de fls. 11, no verso, do suporte físico do processo).

2) Por despacho do Presidente da Câmara Municipal ... de 01/10/2007, foi decidida a abertura de concurso externo de ingresso para admissão de dois estagiários para provimento de dois lugares de técnico superior de 2.ª classe, da licenciatura em Ciências da Informação, concurso ao qual o sócio do A. se candidatou (cfr. doc. de fls. 33 do suporte físico do processo).

3) A abertura do referido concurso foi publicitada através do Aviso n.º 24930/2007, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 242, de 17/12/2007, do qual consta, além do mais, o seguinte:
1 - Prazo de validade - o concurso é válido para o provimento das vagas indicadas pelo prazo de um ano a contar da data da publicação da lista de classificação final.
2 - Legislação aplicável - Decretos-Lei n.os 248/85, de 15 de julho, Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de julho, adaptado à Administração Local pelo Decreto-Lei n.º 238/99, de 25 de junho; Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de dezembro, adaptado à Administração Local pelo 412­A/98, de 30 de dezembro; Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de dezembro.
3 - Conteúdo funcional - O descrito no mapa I, anexo ao Decreto-Lei n.º 248/85, de 15 de julho, funções de investigação, estudo, conceção e adaptação de métodos e processos científico-técnicos, de âmbito geral ou especializado, executadas com autonomia e responsabilidade, tendo em vista informar a decisão superior, requerendo uma especialização e formação básica de nível de licenciatura.
4 - Local de trabalho - área do MUNICÍPIO ....
5 - Remuneração base - a remuneração é correspondente ao escalão 1, índice 321, da escala indiciária, estabelecido pelo Decreto-Lei n.° 404-A/98, de 18 de dezembro, adaptado à Administração Local pelo Decreto-Lei n.° 412-A/98, de 30 de dezembro, a que corresponde o valor de 1048,87 (euro).
(...)
14 - Do estágio.
14.1 - Regime de estágio - o estágio, terá a duração de um ano e obedecerá às regras constantes do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 265/88, de 28 de julho.
14.2 - A frequência do estágio será feita em regime de comissão de serviço extraordinária ou contrato administrativo de provimento, consoante o estagiário possua ou não nomeação definitiva na Administração Pública.
14.3 - Findo o período de estágio, os candidatos serão avaliados e classificados por um júri com a mesma composição do presente concurso, e será traduzida numa escala de 0 a 20 valores, e atenderão os seguintes fatores: relatório de estágio a apresentar pelo estagiário, classificação de serviço obtida durante o período de estágio e resultados da formação profissional que venha a realizar
(cfr. doc. de fls. 33 do suporte físico do processo).

4) Em reunião camarária de 02/12/2008, foi aprovada, por unanimidade, a lista de classificação final e ordenação dos candidatos no âmbito do concurso referido nos pontos anteriores, lista da qual consta o sócio do A. classificado e ordenado em primeiro lugar (cfr. doc. de fls. 54 a 57 do processo administrativo).

5) Em 31/12/2008 o Presidente da Câmara Municipal ... proferiu o seguinte despacho:
Considerando o concurso externo de ingresso para dois lugares de técnico superior – licenciatura em ciências da informação;
Considerando a homologação da lista de classificação final em reunião de Câmara de 02 de dezembro de 2008, apresentada pelo Júri do respetivo concurso;
Considerando que foram cumpridas todas as formalidades legais;
Considerando a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas;
Fazendo uso da competência prevista na alínea a) do n.º 2 do art.º 68.º da Lei n.º 169/99 de 18 de setembro, alterada e republicada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de janeiro, determino a celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado com «AA», que auferirá a remuneração ilíquida de 1.101,95€, por força das disposições conjugadas da alínea b) do n.º 2, n.º 3 e do n.º 6 do art.º 117.º, por força do n.º 3 do artigo 118.º, ambos da Lei n.º 12-A/2008 de 27 de fevereiro e nos termos da Lei n.º 23/2004, de 22 de junho
(cfr. doc. de fls. 13 do suporte físico do processo).

6) Em 05/01/2009 o R. celebrou com o sócio do A. um contrato de trabalho por tempo indeterminado, do qual constam, além do mais, as seguintes cláusulas:
Cláusula Primeira – O presente contrato é válido por tempo indeterminado. Em tudo o que não esteja especialmente previsto no presente contrato, regularão as disposições legais aplicáveis, nomeadamente a Lei n.º 59/2008 de 11 de setembro, que aprova o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (...).
Cláusula Segunda – O trabalhador compromete-se a exercer, por conta e sob a autoridade e direção da entidade empregadora, Município, e por força deste contrato, as funções correspondentes a técnico superior, previstas no anexo à Lei n.º 12-A/2008 de 27 de fevereiro (...).
Cláusula Terceira – Nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 76.º do RCTFP, durante os primeiros 240 dias vigorará um período experimental, no decorrer do qual qualquer dos contraentes poderá pôs termo ao contrato sem pré-aviso, nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo direito a indemnização.
(...)
Cláusula Quinta – O primeiro outorgante pagará ao trabalhador a remuneração mensal ilíquida de € 1.101,95 (...), sujeita aos descontos legais, acrescida de um subsídio de refeição no valor atual de € 4,27 (...), de acordo com a lei em vigor
(cfr. doc. de fls. 15 e 16 do suporte físico do processo).

7) Em reunião camarária de 16/08/2010, foi aprovada, por unanimidade, a conclusão, com sucesso, do período experimental realizado pelo sócio do A., a quem foi atribuída a avaliação final de 14,78 valores (cfr. doc. de fls. 16, no verso, e 17 do suporte físico do processo).

8) O sócio do A. esteve colocado, até 31/12/2017, na posição remuneratória intermédia às posições 1.º e 2.º, níveis 11 e 15, da carreira de técnico superior, a que corresponde a remuneração ilíquida de € 1.101,93 (cfr. doc. de fls. 42 do suporte físico do processo).

9) Através de requerimento endereçado ao Presidente da Câmara Municipal ... e apresentado em 27/02/2019, o sócio do A. solicitou a reconstituição da sua carreira na vertente remuneratória desde 05/01/2009, alegando que, por ter concorrido a um posto de trabalho de técnico superior e sendo licenciado, tinha de ser colocado na 2.º posição remuneratória, nível 15 (acordo e cfr. doc. de fls. 34 a 37 do suporte físico do processo).

10) Sobre o requerimento do sócio do A. que antecede foi elaborada a informação n.º ...19, de 10/05/2019, da qual consta, além do mais, o seguinte:
(...) A remuneração foi fixada no dia 31/12/2008 em 1.101,95€ por despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal à data (...).
As condições em que se estabelece a relação jurídica laboral dos dois trabalhadores ocorreram na data de homologação da lista unitária de ordenação final do procedimento concursal que, in casu, foi no dia 2 de dezembro de 2008.
(...)
Afigura-se, assim, poder concluir que a homologação da lista final unitária releva para a determinação da lei definidora do regime jurídico laboral aplicável ao caso concreto.
Aplicando o exposto ao caso em apreço podemos, desta forma, concluir que é irrelevante, para efeito de determinação do direito aplicável, que o Contrato tenha sido celebrado no dia 5 de janeiro de 2009.
Quando terminou o procedimento concursal, que se entende, face às razões supra apontadas, ter sido no dia 2 de dezembro de 2008, ainda não estava em vigor o art.° 55.° da LVCR que permitia a negociação da posição remuneratória, pois este só entrou em vigor com a portaria que veio disciplinar a tramitação do procedimento concursal, em 23 de janeiro de 2009, e consequentemente também não se aplicava o art.° 38.° do Orçamento do Estado para 2009 (...).
Assim, pelas razões expostas somos a concluir que os trabalhadores não têm fundamento legal para requerer que seja reconstituída toda a carreira iniciada em 05/01/2009, sendo apenas possível a alteração da posição remuneratória através dos meios legais
(cfr. doc. de fls. 34 a 37 do suporte físico do processo).

11) Por despacho do Presidente da Câmara Municipal ... de 17/05/2019, foi indeferido o requerimento apresentado pelo sócio do A. em 27/02/2019, tendo por base os fundamentos constantes da informação que antecede, despacho do qual o sócio do A. foi notificado em 24/05/2019 (cfr. doc. de fls. 11 do suporte físico do processo).

12) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 28/08/2019 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte físico do processo).
DE DIREITO
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim,
Está posta em causa a sentença que ostenta este discurso fundamentador:
(…)
Aqui chegados, a questão que se coloca é a de saber se ao sócio do A., com a celebração do contrato de trabalho em 05/01/2009, isto é, num momento em que a LVCR já tinha sido publicada, seriam aplicáveis, desde essa data, e para efeitos de definição do seu posicionamento remuneratório, as normas constantes dos art.os 55.º e 105.º da LVCR, bem como do art.º 38.º da LOE/2009, como o ora A. defende.
E a resposta a esta questão, salvo o devido respeito, não pode deixar de ser negativa.
Dispunha o art.º 55.º, n.º 1, da LVCR, na sua versão originária, sob a epígrafe “Determinação do posicionamento remuneratório”, que, “quando esteja em causa posto de trabalho relativamente ao qual a modalidade da relação jurídica de emprego público seja o contrato, o posicionamento do trabalhador recrutado numa das posições remuneratórias da categoria é objeto de negociação com a entidade empregadora pública e tem lugar: a) imediatamente após o termo do procedimento concursal; ou b) aquando da aprovação em curso de formação específico ou da aquisição de certo grau académico ou de certo título profissional, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 41.º, que decorram antes da celebração do contrato” (sublinhado nosso). Ou seja, com a LVCR, o posicionamento remuneratório do trabalhador recrutado passou a ser objeto de negociação com a entidade empregadora pública.
Sucede que, nos termos do art.° 118.°, n.° 6, da LVCR, “os artigos 50.º a 53.º, o n.º 1 do artigo 54.º e os artigos 55.º a 57.º produzem efeitos na data da entrada em vigor da portaria prevista no n.º 2 do artigo 54.º”, isto é, na data da entrada em vigor da portaria que viria a regulamentar a tramitação do procedimento concursal, incluindo a do destinado a constituir reservas de recrutamento em cada órgão ou serviço ou em entidade centralizada. Trata-se da Portaria n.° 83-A/2009, de 22/01, a qual, segundo o respetivo art.° 52.°, seria apenas aplicável aos procedimentos concursais que fossem publicitados após a data da sua entrada em vigor, que ocorreu no dia 23/01/2009 (art.° 55.°).
Por conseguinte, temos que a regra prevista no art.° 55.°, n.° 1, da LVCR, segundo a qual o posicionamento remuneratório do trabalhador recrutado deveria ser objeto de negociação com a entidade empregadora pública, apenas viria a começar a produzir os seus efeitos no dia 23/01/2009. Se assim é, então podemos, desde logo, concluir que, à data da celebração do contrato de trabalho entre o sócio do A. e o R., o art.° 55.°, n.° 1, da LVCR ainda não produzia os seus efeitos, pelo que não era aplicável à relação ou vínculo laboral instituído através do referido contrato de trabalho.
Esta questão importa para efeitos de análise da aplicabilidade do art.° 38.° da Lei do Orçamento do Estado para 2009 (LOE/2009, aprovada pela Lei n.° 64-A/2008, de 31/12) à situação dos autos. Com efeito, dispunha este preceito, com a epígrafe “Recrutamento de candidatos licenciados na carreira geral de técnico superior”, que, “quando, na sequência de procedimento concursal para recrutamento de trabalhadores necessários à ocupação de postos de trabalho caracterizados por corresponderem à carreira geral de técnico superior, se torne necessário determinar o posicionamento remuneratório do candidato na categoria, nos termos do artigo 55.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, a entidade empregadora pública não pode propor a primeira posição remuneratória quando o candidato seja titular de licenciatura ou de grau académico superior a ela (sublinhado nosso).
Decorre, portanto, deste normativo orçamental que, tratando-se de um candidato que seja recrutado na sequência de procedimento concursal para ocupação de posto de trabalho correspondente à carreira geral de técnico superior e que seja titular de licenciatura ou de grau académico superior – o que, de facto, sucede com o sócio do A., licenciado em Ciências da Informação (cfr. ponto 1 dos factos provados) –, o posicionamento remuneratório desse candidato que resulte do processo de negociação previsto no art.º 55.º da LVCR não pode levar à sua colocação na 1.ª posição remuneratória, o que significa que a entidade empregadora pública deverá posicionar o trabalhador, pelo menos, na 2.ª posição remuneratória na categoria (que é, no essencial, o que o A. ora pretende para o seu sócio).
Esta regra, porém, não pode ser aplicada à situação do associado do A.
É certo que, segundo o respetivo art.º 174.º, a LOE/2009 entrou em vigor no dia 01/01/2009, ou seja, em data anterior à celebração, entre o R. e o sócio do A., do contrato de trabalho por tempo indeterminado (05/01/2009).
No entanto, como se retira expressamente da sua letra, o normativo em apreço está apenas pensado para as situações em que o posicionamento remuneratório do candidato na categoria deva ser feito nos termos do art.º 55.º da LVCR, ou seja, nos termos do processo de negociação aí previsto. O que exige, claro está, que o recrutamento do candidato, titular de licenciatura ou de grau académico superior, na sequência de procedimento concursal, para ocupar um posto de trabalho de técnico superior, tenha ocorrido a partir do dia 23/01/2009, data em que, como vimos, o art.º 55.º da LVCR começou a produzir os seus efeitos. Só assim se mostra possível, quanto a nós, a necessária compatibilização entre o disposto no art.º 38.º da LOE/2009 e o art.º 55.º da LVCR, porquanto a aplicação da regra prevista no primeiro preceito pressupõe a aplicabilidade da regra prevista no segundo preceito.
Ora, no caso dos autos, vimos já que, aquando do recrutamento do sócio do A. e da subsequente celebração do contrato de trabalho (05/01/2009), o art.º 55.º da LVCR ainda não iniciara a produção dos seus efeitos, o que significa que o posicionamento remuneratório do sócio do A. não poderia ser feito por aplicação do processo de negociação previsto nesse preceito (e não foi, de facto, determinado dessa forma, pois que o posicionamento remuneratório do sócio do A. foi determinado pelo despacho do Presidente da Câmara Municipal ... de 31/12/2008). E, não podendo esse posicionamento ser determinado nos termos do processo de negociação previsto no art.º 55.º da LVCR, não estava a entidade empregadora pública, o ora R., impedida de colocar o sócio do A. na 1.ª posição remuneratória aquando da respetiva contratação, por este ser titular de licenciatura, porquanto lhe era inaplicável, à data, o disposto no art.º 38.º da LOE/2009 (que exigia a aplicação do art.º 55.º da LVCR).
Tal significa, portanto – e por outras palavras –, que o sócio do A. não tinha o direito a ser colocado na 2.ª posição remuneratória, nível 15, da carreira de técnico superior, desde a data em que foi celebrado o contrato de trabalho por tempo indeterminado (05/01/2009), ao abrigo do art.º 38.º da LOE/2009.
Por outro lado, importa ter presente que o procedimento concursal que levou à seleção e recrutamento do sócio do A. para o posto de trabalho da carreira e categoria de técnico superior foi concluído, na íntegra, ainda antes da entrada em vigor da LOE/2009, pois que, como resulta do probatório, a lista de classificação final e ordenação dos candidatos do referido concurso (previamente elaborada pelo júri) foi aprovada em reunião camarária de 02/12/2008, sendo que o despacho do Presidente da Câmara a determinar a contratação do sócio do A. (fixando as respetivas condições e o seu posicionamento remuneratório), com base nos resultados do concurso, é de 31/12/2008 (cfr. pontos 4 e 5 dos factos provados).
Estas circunstâncias fácticas relevam, a nosso ver, para se chegar à conclusão de que, ainda que o art.º 38.º da LOE/2009 tenha entrado em vigor no dia 01/01/2009 – ou seja, antes da celebração do contrato de trabalho entre o R. e o sócio do A. –, tal preceito não seria aplicável à situação dos autos e à determinação do posicionamento remuneratório do trabalhador, sendo aqui irrelevante, na verdade, a data da celebração do aludido contrato de trabalho. Como sublinha o R. na contestação, a posição de acesso do sócio do A. à carreira em causa, isto é, o seu posicionamento remuneratório, ficou definido com a sua seleção para provimento de um dos lugares postos a concurso (o que ocorreu em 02/12/2008), de acordo com as regras previstas no respetivo aviso de abertura [que fixava, relembrando, uma remuneração “correspondente ao escalão 1, índice 321, da escala indiciária, estabelecido pelo Decreto-Lei n.° 404-A/98, de 18 de dezembro, adaptado à Administração Local pelo Decreto-Lei n.° 412-A/98, de 30 de dezembro, a que corresponde o valor de 1048,87 (euro)”] e, mais tarde, com o despacho que autorizou a sua contratação e fixou a sua remuneração (proferido em 31/12/2008), ou seja, em ambas as circunstâncias, antes da entrada em vigor da LOE/2009.
Não se vislumbra, ainda, em que medida foi violado o disposto no art.º 105.º da LVCR. Dispunha este preceito que, “durante o período experimental, os atuais estagiários mantêm o direito ao montante pecuniário correspondente à remuneração que vêm auferindo” (n.º 1), sendo que, “concluído com sucesso o período experimental, os atuais estagiários mantêm igualmente aquele direito quando ao nível remuneratório da posição remuneratória que devam ocupar corresponda um montante pecuniário inferior ao que vêm auferindo” (n.º 2). Alegando o A. que a remuneração de técnico superior estagiário era a que correspondia ao escalão 1, índice 321, traduzido na remuneração mensal de € 1.070,89 em 31/12/2008 e de € 1.101,93 em 01/01/2009, o certo é que o seu sócio, tendo concluído com sucesso o período experimental, continuou a auferir, até 31/12/2017, a referida remuneração ilíquida de € 1.101,93, tal como definida, nos termos legais, no despacho do Presidente da Câmara de 31/12/2008, assim mantendo o direito à remuneração que vinha auferindo (não lhe cabendo, pois, um posicionamento remuneratório superior).
Em face de todo o exposto, improcede forçosamente a alegação de que a redução remuneratória em causa (por entender o A. que o seu sócio deveria ter sido colocado na 2.ª posição remuneratória) representa uma violação do direito fundamental à retribuição do trabalho, segundo o disposto no art.º 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP. Não tendo o sócio do A. o direito, atentas as circunstâncias do caso concreto, a ser colocado, a partir de 05/01/2009, na 2.ª posição remuneratória, nível 15, da carreira de técnico superior, ao abrigo do art.º 38.º da LOE/2009, não se vislumbra qualquer violação do direito constitucional invocado.
Impõe-se, assim, concluir que o ato impugnado – que indeferiu o requerimento apresentado pelo sócio do A. no sentido da reconstituição da sua situação remuneratória, nos termos também aqui peticionados – não padece do vício de violação de lei, em particular do art.º 105.º da LVCR, do art.º 38.º da LOE/2009 e do art.º 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP, o que determina a improcedência do pedido impugnatório, como também, necessariamente, do pedido de condenação do R. à prática dos atos destinados à reconstituição da situação remuneratória do sócio do A., tendo por base a sua colocação na 2.ª posição remuneratória, nível 15, da carreira de técnico superior, desde janeiro de 2009 (que não é devida), incluindo o pagamento das peticionadas diferenças salariais.
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Na óptica do Recorrente a sentença padece de erro de julgamento de Direito.
Cremos que carece de razão.
Vejamos,
A situação restringe-se à aplicabilidade, ou não, de uma norma cujo início de vigência ocorreu em 1 de janeiro de 2009 (Lei n.º 64-A/2008, de 31/12 - Lei Orçamental), a um concurso público, já terminado, e homologado por despacho do Presidente do Município em 2 de dezembro de 2008, e em que, por via do mesmo instrumento - Despacho de 31 de dezembro de 2008 - foi ordenada a celebração de contrato de trabalho, por tempo indeterminado, com o associado do Recorrente, o que se reconduz a uma mera formalidade - concretizada em 5 de janeiro de 2009 -, uma vez concluída a contratação.
Sucede, que a aplicação de tal norma, cujo início de vigência ocorreu em 1 de janeiro de 2009, sendo que a sua aplicação sempre teria de ser feita, com recurso expresso às regras ínsitas no art. 55º da LCVR, como resulta do art. 38º da citada Lei Orçamental, que estabelece o seguinte:
“Recrutamento de candidatos licenciados na carreira geral de técnico superior
Quando, na sequência de procedimento concursal para recrutamento de trabalhadores necessários à ocupação de postos de trabalho caracterizados por corresponderem à carreira geral de técnico superior, se torne necessário determinar o posicionamento remuneratório do candidato na categoria, nos termos do artigo 55.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, a entidade empregadora pública não pode propor a primeira posição remuneratória quando o candidato seja titular de licenciatura ou de grau académico superior a ela.”
Acontece, porém, que tal normativo (art. 55º da LCVR), apenas entrou em vigor em 23 de janeiro de 2009, como resulta do disposto no nº 6, do art. 118º da LCVR, porquanto a Portaria (nº 83-A/2009, de 22 de janeiro) que determinava a sua entrada em vigor, apenas foi publicada em momento posterior à entrada em vigor da Lei Orçamental e, mais importante, mesmo após a celebração do contrato de trabalho entre o R., e o sócio do A., que foi outorgado em 5 desse mês de janeiro de 2009.
Quer isto dizer, como bem resulta da sentença recorrida, que os normativos invocados pelo Recorrente para sustentar a sua pretensão, não são aplicáveis à situação subjacente aos presentes autos, porquanto tais normas entraram em vigor após a tramitação e conclusão do procedimento do concurso, em que o associado do Recorrente, foi, não só oponente, como candidato selecionado, e que se conformou com o respectivo processo, e seu resultado, que se encontrava concluído em 31 de dezembro de 2008, pelo que não se encontrava sujeito à aplicação de normas, cuja entrada em vigor, ocorrerem, respectivamente, em 1 e 23 de janeiro de 2009, momento subsequente à conclusão do procedimento concursal.
Não pode, assim, colher a argumentação de que a não aplicação de tais normativos violaria o Princípio da Igualdade, porquanto a sua eventual aplicação a situações anteriores, violaria, isso sim, o Princípio da Irrectroatividade da Lei, o qual, nos termos do art. 12º do CC, apenas vigora para o futuro, não se encontrando excepcionada a aplicação das aludidas normas, conforme o exige o nº 2, de tal preceito legal.
Finalmente, importa referir, que o citado art. 38º da Lei Orçamental de 2009, expressamente refere, no que concerne à sua aplicação, a “candidato”, não a procedimentos concluídos e devidamente homologados - e apenas nos casos em que se esteja perante negociação dos valores de retribuição a propor ao candidato, nos termos do mecanismo previsto numa norma - art 55º da LCVR - que não se encontrava em vigor no procedimento concursal subjacente à presente acção, onde não podia ser aplicada, por força da conclusão do procedimento com a homologação ocorrida em 2 de dezembro de 2008, da lista de ordenação final de candidatos, e a ordem emitida, e já referida, datada de 31 de dezembro de 2008, determinando a outorga de contrato de trabalho por tempo indeterminado, tendo deixado de ser havido como candidato, mas sim parte de uma relação de emprego.
Razão pela qual, e atenta a irretroatividade da lei - art. 12º CC -, não podem as normas invocadas como violadas pelo Recorrente, serem aplicáveis à relação de emprego subjacente aos autos, porquanto a mesma se encontrava já estabelecida, havendo o concorrente deixado de ser candidato, em 31 de dezembro de 2009, e tendo entrado em vigor a norma - art 55º da ... permitia o recurso ao citado art. 38º da Lei Orçamental, apenas em 23 de janeiro de 2009, dezoito dias após a outorga do contrato de trabalho.
Inexistindo, pois, qualquer violação do Princípio da Igualdade.
(Como é sabido, na definição aristotélica de igualdade, discernir casos similares e diferentes é crucial: só os casos iguais devem ser tratados de forma igual, devendo os casos diferentes ser tratados de forma desigual na proporção da sua diferença.
Como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., o princípio da igualdade "exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes", o que se traduz, afinal, numa proibição do arbítrio. No mesmo sentido se afirma no Acórdão do STA de 26/09/2007, rec. 1187/06, “o princípio da igualdade traduz-se numa proibição do arbítrio, impondo, na consideração das suas dimensões igualizante e diferenciante, um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes".
Este sentido vinculante do princípio da igualdade tem sido exaustivamente enunciado pelo Tribunal Constitucional, em inúmeros arestos, de que se destaca o Acórdão 186/90 - proc. n.°533/88, de 06/06/90, do qual se destaca o seguinte trecho:
"O princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e do sistema constitucional global..., que vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição Anotada, 1.° vol., cit., p. 151, e Jorge Miranda, «Princípio da Igualdade»,
in Polis/Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. III, Lisboa, São Paulo, Verbo, 1985, págs. 404/405.
Este facto resulta da consagração pela nossa Constituição do princípio da igualdade perante a lei como um direito fundamental do cidadão e da atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional-artigo 18.°, n.°1, da Constituição.
Princípio de conteúdo pluridimensional, postula várias exigências, entre as quais a de obrigar a um tratamento igual das situações de facto iguais e a um tratamento desigual das situações de facto desiguais, proibindo, inversamente, o tratamento desigual das situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais. Numa fórmula curta, a obrigação da igualdade de tratamento exige que «aquilo que é igual seja tratado igualmente, de acordo com o critério da sua igualdade, e aquilo que é desigual seja tratado desigualmente, segundo o critério da sua desigualdade».
(...)
O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio.
(...)
E, no mesmo sentido, cfr. o Acórdão nº 39/88 (Diário da República, l Série, de 3 de março de 1988): «O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio, ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificarão razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes.
Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n° 2 do artigo 13°.
Esclareça-se que a «teoria da proibição do arbítrio» não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou da discricionariedade legislativa. A proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade.”- na mesma linha, o Acórdão do STA nº 073/08 de 13/11/2008. Ou seja, este sentido vinculativo do princípio da igualdade, exaustivamente enunciado pelo Tribunal Constitucional, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante).

In casu, falece o apelo ao artigo 59º, nº 1, alínea a), da CRP, onde está consagrado o princípio da igualdade nas relações laborais.
Artigo 59.º
(Direitos dos trabalhadores)

1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;

Em suma,
Não se ignora que interpretar a lei é fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (Manuel Andrade, Ensaio Sobre a Interpretação das Leis, págs. 21 a 26).
O artigo 9.º do Código Civil reza que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).
Assim, a apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. José Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).
Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192).
O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos).
Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.
Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse o que corresponde ao pensamento legislativo.
A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados.
A interpretação extensiva aplica-se, no dizer de Baptista Machado (ob. cit., pp. 185-186), quando «o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não directamente abrangidos pela letra são indubitavelmente abrangidos pelo espírito da lei.»
Na interpretação restritiva, pelo contrário, «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva» (cf. este mesmo Autor, ob. cit., p. 186).
Por sua vez, a interpretação revogatória terá lugar apenas quando entre duas disposições legais existe uma contradição insanável e, finalmente, a interpretação enunciativa é aquela pela qual o intérprete deduz de uma norma um preceito que nela está virtualmente contido, utilizando, para tanto, certas inferências lógico-jurídicas alicerçadas nos seguintes tipos de argumentos: (i) argumento a maiori ad minus, a lei que permite o mais, também permite o menos; (ii) argumento a minori ad maius, a lei que proíbe o menos, também proíbe o mais; (iii) argumento a contrario, que deve ser usado com muita prudência, em que, a partir de uma norma excepcional, se deduz que os casos que ela não contempla seguem um regime oposto, que será o regime-regra (cf., mais uma vez, Baptista Machado, obra citada, pp. 186-187).
No caso concreto toda a hermenêutica aponta para a bondade da interpretação veiculada pela Entidade Demandada.
Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo da isenção subjetiva de que beneficia - art.º 4.º, n.º 1, alíneas f) e h), do RCP -.
Notifique e DN.

Porto, 12/01/2024

Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Nuno Coutinho