Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00735/12.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/25/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:PROVA DO PREÇO EFECTIVO, AUTORIZAÇÃO DE ACESSO A INFORMAÇÃO BANCÁRIA, ADMINISTRADOR, INCONSTITUCIONALIDADE, ILEGALIDADE
Sumário:I - A autorização de acesso à informação bancária prevista no artigo 139.º, n.º 6 do CIRC tem como única finalidade a comprovação do preço efectivo na transmissão de imóveis, no âmbito de procedimento aí previsto, com vista, a pedido e como garantia do contribuinte, a obviar à aplicação do disposto no artigo 64.º, n.º 2 do CIRC.

II - Obtida a autorização do sujeito passivo e dos seus administradores ou gerentes de acesso às suas contas bancárias no âmbito de um procedimento para os efeitos do artigo 139.º, n.º 6 do CIRC, essa informação bancária não pode ser utilizada pela Administração Tributária para outros fins que não os constantes do referido normativo, designadamente, para fundamentar correcções efectuadas no âmbito de outro procedimento contra o mesmo sujeito passivo.

III - O n.º 6 do artigo 139.º do CIRC, no que respeita à obrigação de serem juntas, pelo sujeito passivo de IRC, para prova do preço efectivo ou real na transmissão de imóveis, declarações de administradores, concedendo autorização para aceder às respectivas informações bancárias, não padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da tributação pelo lucro real e da igualdade tributária (artigos 104.º, n.º 1, da C.R.P., 3.º, n.º 1, a), e 17.º, n.º 1, do CIRC), do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º n.º 2 da C.R.P.), do direito à reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.º n.º 1 da C.R.P.) nem do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.º, n.ºs 1 e 4 e 104.º, n.º 1, da C.R.P.).*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:BANCO (...), S.A
Recorrido 1:Ministério das Finanças
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
I. Relatório

O BANCO (...), S.A., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Rua (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 07/02/2020, que julgou improcedente a presente Acção Administrativa Especial deduzida contra a entidade demandada Ministério das Finanças e da Administração Pública, onde peticionava a anulação do acto de indeferimento, datado de 15.12.2011, praticado pelo Chefe do Serviços de Apoio às Comissões de Revisão da Direcção de Finanças do Porto, cumulado com o pedido de condenação à prática de acto devido, consubstanciado no deferimento do requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo autor, nos termos do disposto no artigo 139.º, n.º 6 do CIRC, com referência à alienação do prédio sito na freguesia de (...) e concelho de (...), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1180-D.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:

1.ª A douta sentença recorrida julgou improcedente a ação administrativa especial deduzida pelo ora Recorrente contra o despacho do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR), da Direção de Finanças do Porto, Exmo. Senhor Dr. A., datado de 15.12.2011, exarado na Informação n.º 30/2011 daquele Serviço, notificado através do Ofício n.º 74527/0208, com a mesma data, o qual determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo Autor, ora Recorrente, em 11.11.2011, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (Código do IRC), com referência à alienação do prédio urbano sito na freguesia de (...), concelho de (...), inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 1180-D;
2.ª Não pode, todavia, proceder o entendimento da sentença recorrida;
3.ª Salvaguardando o devido respeito, considera o Recorrente que a sentença em apreço incorre em nulidade por omissão de pronúncia, erro de julgamento da matéria de direito e erro de julgamento da matéria de facto;
4.ª Em primeiro lugar, entende o Recorrente que a sentença recorrida incorre em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, na redação conferida pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro;
5.ª Efetivamente, na sentença recorrida não são apreciadas as seguintes inconstitucionalidades, tal como invocadas pelo Autor, ora Recorrente: i) violação do princípio do Estado de Direito e do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva, previstos nos artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP; ii) violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real, previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP; iii) violação do princípio da igualdade tributária, previsto nos artigos 104.º, n.º 1 e n.º 2, e no artigo 13.º todos da CRP;
6.ª Em consequência, deverá o Tribunal ad quem conhecer em substituição as questões que o Tribunal a quo não apreciou (cf. artigo 665.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, na redação conferida pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro);
7.ª Verifica-se, em primeiro lugar, a violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, visto que o efeito imediato da consagração do regime legal previsto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC é o de que o sujeito passivo, ainda que absolutamente convicto da razão que lhe assiste, se retraia no que respeita à utilização do expediente legal em causa, sob pena de sacrificar o seu direito à reserva da intimidade da vida privada;
8.ª Com efeito, o sujeito passivo depara-se, perante aquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, com uma situação em que ou autoriza a derrogação do seu sigilo bancário e obtém de terceiros as autorizações relativas a essa derrogação ou se vê irremediavelmente privado de afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC e, inclusive, de impugnar judicialmente a própria liquidação de imposto ou, se a este não houver lugar, as correções ao lucro tributável efetuadas por efeitos da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC;
9.ª Pelo que, não pode deixar de concluir-se, em sintonia com a jurisprudência firmada pelo TC no Acórdão n.º 442/2007, que o disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC origina que o sujeito passivo renuncie a “(…) um instrumento fundamental de tutela dos direitos (…)”, daí resultando uma evidente violação do princípio do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, a qual se materializa na decisão sub judice, que, por isso, deverá ser anulada com fundamento na violação das normas constantes dos artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4, e 268.º, n.º 4, todos da CRP;
10.ª Para além disso, a interpretação que do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC faz a administração tributária no caso vertente ofende outros dois princípios, quais sejam, o da tributação das empresas pelo rendimento real vertido no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e o da igualdade contributiva consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP;
11.ª Com efeito, a presunção, quer do rendimento, quer do próprio valor de alienação do imóvel a considerar para efeitos de determinação do rendimento tributável em IRC, apenas poderá ser admissível se consubstanciar uma presunção relativa, ou seja e in casu, se for, na prática, possível efetuar a demonstração do valor real e efetivo da transmissão, razão pela qual, não o sendo, ocorre, no entendimento do Recorrente e salvo melhor opinião, uma manifesta violação do princípio constitucional da tributação pelo rendimento real previsto no artigo 104.º, n.º 3, da CRP;
12.ª Sucede que, à luz da redação do mencionado anterior artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, e ora aplicada pela administração tributária, o legislador tributário veio tornar, na prática, inilidível a presunção de rendimento consagrada no artigo 64.º, enformando aquela norma, no entendimento do Recorrente, da inconstitucionalidade;
13.ª Efetivamente, a mencionada Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, ao proceder ao aditamento ao artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, da menção “(…) devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização”, veio, na prática, converter o preço efetivo de alienação numa demonstração potencialmente impossível e, nessa medida, suscetível de violar, desde logo, não só o princípio da tributação pelo rendimento real, mas também, o princípio da igualdade contributiva;
14.ª Pelo que, em suma, o artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, quando interpretado e aplicado da forma em que o fez a administração tributária no caso vertente, ou seja, no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores ou gerentes constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento prevista no artigo 64.º do Código do IRC, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação pelo rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e do princípio da igualdade contributiva, previsto, entre outros, nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, impondo-se, também com esse fundamento, a imediata anulação do ato em crise;
15.ª A sentença recorrida incorre ainda em erro de julgamento sobre a matéria de direito, devendo, por conseguinte, ser objeto de anulação;
16.ª No que concerne ao primeiro erro de julgamento sobre a matéria de direito, aquele respeita à invocada inconstitucionalidade do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC por violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada, ínsito no artigo 26, n.º 1, da CRP;
17.ª De facto, tal violação consubstancia-se, desde logo, na circunstância de o eventual acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores, como condição do deferimento do requerimento apresentado nos termos do artigo 139.º do Código do IRC, determinar o alargamento do núcleo de pessoas que tomam conhecimento de informações protegidas, relativas ao sujeito passivo – e até de terceiros –, sem que este último tenha à sua disposição qualquer garantia de defesa ou alternativa que não seja a de autorizar o levantamento do sigilo bancário;
18.ª Ora, muito embora se reconheça o direito do Estado a cobrar impostos, assim como o objetivo de combate à fraude e evasão fiscal, tal não pode restringir, sem mais, o direito à intimidade da vida privada, quer do sujeito passivo, quer dos terceiros envolvidos;
19.ª O legislador pretendeu consagrar, naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC um regime especial de derrogação do sigilo bancário que visou exigir ao sujeito passivo a apresentação das autorizações para aceder à sua informação bancária e à dos seus administradores, renunciando voluntariamente ao sigilo bancário e providenciando pela renúncia voluntária ao mesmo sigilo de um terceiro, seu administrador à data da transmissão, não tendo, para esse efeito, acautelado minimamente a possível violação daquele direito à reserva da intimidade da vida privada;
20.ª Todavia, não pode justificar-se um levantamento, de forma leviana, do sigilo bancário, com a existência do sigilo fiscal, pois se assim fosse, então não se justificaria o sigilo bancário perante a administração tributária, o que seria, com o devido respeito, absurdo; não pode o Estado, in casu, a administração tributária, pretender conhecer detalhes sobre a vida pessoal dos seus cidadãos de modo absolutamente discricionário e arbitrário, como o que ora se escrutina;
21.ª Por outras palavras, a atuação da administração tributária deve, assim, ser balizada pelos princípios jurídico-constitucionais que se impõem e que protegem e garantem os direitos dos cidadãos/contribuintes, como seja o princípio da reserva da intimidade da vida privada;
22.ª Neste contexto, não é admissível o que se pretende com o n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC: sem a obtenção e apresentação das autorizações de derrogação do sigilo bancário – i.e., sem que o seu direito de reserva da intimidade da vida privada, e o de terceiros, seja violado – o sujeito passivo não pode, na prática, afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC;
23.ª Pelo que, é por demais evidente que o n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, quando determina expressamente que apenas e só com a obtenção e apresentação das autorizações de derrogação do sigilo bancário – ou seja, que apenas através da violação do direito do sujeito passivo e de terceiros à reserva da intimidade da vida privada – será possível afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC, incorre aquele em violação do direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais, razão pela qual a referida decisão deve ser anulada, com as demais consequências legais;
24.ª No que concerne ao segundo erro de julgamento sobre a matéria de direito, aquele respeita à invocada inconstitucionalidade do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 18.º, n.º 2, da CRP;
25.ª Verifica-se, desde logo, uma colisão com o princípio da proporcionalidade, no que se refere às mencionadas vertentes da adequação e da necessidade porquanto, embora se reconheça que o eventual controlo e acesso à informação bancária do sujeito passivo poderá, em face do objetivo mediato de combate à evasão e à fraude fiscal que presidiu à consagração do regime legal previsto no artigo 139.º, justificar aquele acesso, já nada poderá justificar que o mesmo se concretize da forma leviana que resulta da aplicação do n.º 6 daquele preceito;
26.ª Existe, assim, uma manifesta desadequação dos meios em face dos fins a atingir, pois, não é aceitável que o exercício do direito consignado no artigo 139.º tenha como decorrência imediata o acesso à informação bancária do sujeito passivo e, fundamentalmente, de terceiros. Isto porque, a derrogação do sigilo bancário prevista naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC pressupõe que o sujeito passivo voluntariamente renuncie ao carácter sigiloso da sua informação bancária e que providencie por essa renúncia de um terceiro, sob pena de não poder lançar mão do expediente legal que lhe permite afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC;
27.ª Este atropelo desregrado das garantias de confidencialidade das informações bancárias do contribuinte, não sujeito a qualquer controlo de legalidade, afigura-se manifestamente desadequado e desnecessário e, por esse motivo, inteiramente desproporcional;
28.ª E nem sequer se invoque que o acesso à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores é essencial ou imprescindível ou constitui o único meio de prova possível ou adequado para demonstrar qual foi o preço efetivo, pois, com efeito, é a própria administração tributária que vem referir, no Ofício-Circulado n.º 20.136, de 11 de março de 2009, da Direção de Serviços do IRC, que o acesso às informações bancárias do requerente e administradores não constitui “(…) uma prova absoluta de que o preço efetivamente praticado corresponde ao valor constante do contrato”;
29.ª Pelo que, também por esta razão, se constata que o recurso àquele mecanismo se afigura manifestamente desadequado e desnecessário e, por esse motivo, inteiramente desproporcional;
30.ª A violação do princípio da proporcionalidade ocorre ainda, por fim, numa sua outra vertente, mais estrita, devido à circunstância de se exigir ao sujeito passivo que apresente, para efeitos da utilização do expediente previsto no artigo 139.º do Código do IRC, as autorizações de levantamento do sigilo bancário relativo a terceiros, quais sejam, os seus administradores, visto que não está sequer na sua esfera de decisão e de poderes o de autorizar o acesso à informação bancária daqueles administradores;
31.ª Neste contexto, o direito de cobrar impostos e os especiais objetivos de combate à fraude e à evasão fiscal que a consagração de uma norma do tipo da prevista naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC pretendem assegurar não podem, em circunstância alguma, sobrepor-se aos direitos acima referidos, congregados no direito à confidencialidade das suas informações bancárias, pelo menos da forma como essa sobreposição vem consagrada na referida norma, sob pena de manifesta violação do princípio da proporcionalidade, constante do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais, devendo anular-se a sentença recorrida, com as demais consequências legais;
32.ª Na eventualidade de o invocado vício de nulidade por omissão de pronúncia não proceder, no que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se equaciona, então sempre terá de ser suscitado e apreciado nos presentes autos o erro de julgamento de direito no que concerne à apreciação da inconstitucionalidade do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC por violação dos princípios do Estado de Direito, do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva, da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade tributária;
33.ª A este respeito, remete-se, para os devidos efeitos legais, para as considerações tecidas supra no âmbito da nulidade por omissão de pronúncia (capítulo 1 das presentes alegações de recurso, páginas 10 a 15) e para o exposto nos artigos 58.º a 65.º e 93.º a 117.º da p.i., os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos, nos termos do qual não pode deixar de concluir-se que:
- o disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC origina que o sujeito passivo renuncie a “ (…) um instrumento fundamental de tutela dos direitos (…) ”, daí resultando uma evidente violação do princípio do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, o que se invoca para os devidos efeitos e se materializa no ato sub judice, que, por isso, deverá ser anulado com fundamento na violação das normas constantes dos artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4, e 268.º, n.º 4, todos da CRP; e
- o artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, quando interpretado e aplicado da forma em que o fez a administração tributária no caso vertente, ou seja, no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores ou gerentes constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento prevista no artigo 64.º do Código do IRC, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação pelo rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e do princípio da igualdade contributiva, previsto, entre outros, nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais, daí resultando, também com esse fundamento, a ilegalidade do ato em crise, razão pela qual se requer a sua imediata anulação;
34.ª Caso não se entenda verificadas as enunciadas inconstitucionalidades, o que apenas por cautela e dever de patrocínio se concebe, sem conceder, ainda assim o ato em crise infringiu o disposto no artigo 63.º - B da LGT, pelo que padece, igualmente, a sentença recorrida de erro de julgamento sobre a matéria de direito;
35.ª Isto porque, estabelecendo a referida norma os limites até aos quais o legislador ordinário entendeu que o regime da derrogação do sigilo bancário por razões de ordem fiscal estaria conforme com os princípios e direitos constitucionais, nomeadamente, restringindo aquele acesso, mesmo quando o sujeito passivo não dê o seu consentimento, às situações em que haja indícios concretos da prática de um crime fiscal ou da falta de veracidade do declarado e exigindo a autorização judicial prévia nos casos de derrogação do sigilo bancário de terceiros, é por demais evidente que a previsão e aplicação daquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, tal como preconizado pela administração tributária na situação sub judice, extravasou, e muito, os princípios e os limites implícitos no artigo 63.º-B, da LGT;
36.ª Com efeito, não constituindo os factos tributários a apreciar no âmbito do procedimento desencadeado ao abrigo do disposto no artigo 139.º do Código do IRC uma situação que exija um especial controlo por parte da administração tributária, nomeadamente mais apertado do que aquele se verifica, por exemplo, com referência a uma situação de apuramento da matéria coletável através de métodos indiretos, a qual se rege pelas regras previstas naquele artigo 63.º-B da LGT, nada justifica, também, que o acesso às informações bancárias do sujeito passivo e dos terceiros se processe, no âmbito daquele artigo 139.º, ao arrepio das regras e dos princípios constantes do artigo 63.º-B da LGT;
37.ª Fica, assim, demonstrada, também por este motivo, a ilegalidade do disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC e, nessa medida, do ato sub judice;
38.ª Sem prejuízo de todo o acima exposto e numa tentativa, que o Recorrente crê que vã, de se interpretar o disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC em conformidade com todos os princípios e normas acima invocados, a única exegese possível do preceito só seria a de se aceitar a eventual exigibilidade da autorização para levantamento do sigilo bancário após a verificação, por parte da administração tributária, da existência de fundamentos concretos que justificassem a análise da informação bancária;
39.ª Nunca quando, como no caso vertente, aquele acesso seja concretizado através de uma exigência “cega” e não justificada, consubstanciada na obrigatoriedade de apresentação das autorizações de levantamento de sigilo bancário em qualquer circunstância;
40.ª Com efeito, a Lei sempre exige, caso o sujeito passivo não o faça voluntariamente, um ato decisório do Tribunal ou, atualmente, da administração tributária, que determine a derrogação do sigilo bancário;
41.ª Pelo que a administração tributária, ao exigir a apresentação das autorizações de derrogação do sigilo bancário noutros termos que não os expostos – e que consubstanciam, insista-se, a única interpretação daquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, suscetível de não violar os princípios consignados na CRP e no artigo 63.º-B da LGT – faz inquinar de manifesta ilegalidade o ato sub judice, o qual deve, também com esse fundamento, ser imediatamente anulado;
42.ª Sem prejuízo, nos presentes autos, ficou evidenciada a verificação de todos os demais pressupostos de facto e de direito justificativos do pedido de prova de preço efectivo apresentado pelo Autor, ora Recorrente, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do IRC, pelo que ao decidir pela manutenção de tal decisão na ordem jurídica, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento sobre a matéria de facto;
43.ª De facto, o Recorrente, juntou aos presentes autos a cópia das escrituras públicas de compra e venda referentes à aquisição em questão, bem como do documento comprovativo do recebimento do preço total declarado naquela (cf. facto C) da fundamentação de facto da sentença recorrida, em especial, consultar documentação anexa ao requerimento de prova do preço efetivo apresentado em 11.11.2011 que integra o processo administrativo instrutor) e da autorização de acesso à sua informação bancária (cf. facto D) da fundamentação de facto da sentença recorrida), os quais demonstram inequivocamente, que, por um lado, aquele foi o preço pelo qual o Recorrente transmitiu o imóvel em questão e que, por outro lado, o mesmo foi praticado por um montante inferior ao valor patrimonial tributário apurado pela administração tributária;
44.ª Assim, encontra-se no caso sub judice demonstrado e comprovado o preço efetivo de transmissão do imóvel em apreço, sem ser necessária a produção de qualquer prova adicional, pelo que, deve, pois, inequivocamente, o requerimento de prova de preço efetivo em questão ser deferido para efeitos da validação dos montantes declarados pelo Recorrente, com referencia à transmissão do imóvel em causa, na declaração modelo 22 referente ao exercício de 2010, devendo, ainda, a sentença recorrida ser anulada, julgando-se a presente ação administrativa especial procedente.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, a anulação do ato em crise nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!”
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O Recorrido não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, não emitiu pronúncia.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, e se enferma de erro de julgamento de facto e de direito, face à invocada inconstitucionalidade do artigo 139.º, n.º 6 do CIRC, por violação dos princípios: (i) da reserva da intimidade da vida privada; (ii) do Estado de Direito e de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva; (iii) da proporcionalidade, (iv) da tributação pelo rendimento real e (v) da igualdade tributária ou contributiva; e ilegalidade, por violação do artigo 63.º-B da LGT.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto
Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:

Factos provados
A) Em 27/08/2010, foi celebrada Escritura pública, com o seguinte teor:
“TÍTULO DE COMPRA E VENDA
(…)
B. IDENTIFICAÇÃO DOS INTERVENIENTES
B1. PRIMEIRO – PARTE VENDEDORA
BANCO (...), SA…
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)
PA
B) Foram remetidos à Autora ofícios de 12/07/2011 e de 27/09/2011, com “Assunto: Notificação da Avaliação” do imóvel referido na alínea anterior, do qual consta V.P.T. de € 531.900,00 e de € 286.970,00, respectivamente.
Fls 45 e 47.
C) A Autora apresentou requerimento na Direcção de Finanças do Porto com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
PA
D) A Autora emitiu “Declaração” com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

PA
E) Com o requerimento referido na alínea C), a Autora juntou: cópia da escritura pública, cópia do contrato promessa, cópia do cheque, talão de depósito e a declaração referida na alínea anterior.
PA
F) Foi remetido à Autora ofício n.º 68288/0208, datado de 16/11/2011, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

PA
G) Em 29/11/2011 a Autora apresentou requerimento com o seguinte teor.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
PA
H) Em 15/12/2011, foi proferida a seguinte “Informação”:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Fls. 50 a 52
I) Em 15/12/2011, foi proferido o seguinte despacho pelo Chefe do “Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direção de Finanças do Porto”:
“Concordo com a informação e o parecer infra.
Com base nos fundamentos na mesma expressos, indefiro o pedido, por falta de requisitos legais…”.
Fls. 50
J) Foi remetido à Autora ofício n.º 74527/0208, datado de 15/12/2011, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Fls. 49

Factos não provados
O Tribunal não detectou a alegação de factos com relevo para a decisão, a dar como não provados.

Motivação da decisão da matéria de facto
A decisão da matéria de facto baseou-se no exame do teor dos documentos constantes dos autos e do P.A., que não foram impugnados, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.”
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2. O Direito

Começamos por nos debruçar sobre a imputação de nulidade à sentença recorrida, por omissão de pronúncia, por o Tribunal “a quo” alegadamente não se ter pronunciado acerca de todos os princípios que se mostram violados e que levariam à verificação de inconstitucionalidade da norma do artigo 139.º, n.º 6 do CIRC.

A ora Recorrente alega que invocou na sua petição inicial violação do princípio do Estado de Direito e do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real e do princípio da igualdade tributária. E que a Meritíssima Juíza “a quo” não se pronunciou sobre a presente questão, que deveria apreciar para concluir no sentido da inconstitucionalidade da citada norma.

No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.

A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 660.º, n.º 2 do CPC, actual artigo 608.º, n.º 2, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.

Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.

Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).

Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).

Compulsando a sentença recorrida, verificamos que a questão da inconstitucionalidade foi julgada da seguinte forma:
«(…) Por outras palavras, nos termos do n.º 6 do artigo 139.º do C.I.R.C., a autorização de acesso às contas bancárias do sujeito passivo e dos seus administradores, gerentes ou representantes legais é condição necessária da instauração do procedimento de prova do preço efectivo.

Esta exigência, como requisito do pedido de prova do preço foi julgada não inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 145/2014, de 14/02/2014 (Proc. n.º 521/13), que decidiu que “A lei permite … que o interessado faça prova … do preço efetivamente praticado, mas com a sujeição, como requisito prévio, à junção de autorização para consulta de dados bancários da requerente e dos seus administradores ou gerentes. O procedimento é, por isso, desencadeado por iniciativa e no interesse do sujeito passivo do imposto e destina-se a ilidir a presunção – de que parte a norma do artigo 58º-A – de que o preço da venda não foi inferior ao valor tributário do prédio. … A derrogação do sigilo bancário constitui, por outro lado, um meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei, tendo em conta que se trata de uma diligência dirigida à descoberta da verdade fiscal; é um meio necessário já que a demonstração da não veracidade do facto dificilmente poderia ser alcançada através de outros elementos probatórios.”

Assim, atendendo à decisão do T.C., que se acompanha, não se verifica a violação de qualquer um dos princípios constitucionais invocados pela Autora. (…)»

Não residem, assim, dúvidas que a questão da alegada inconstitucionalidade foi conhecida pelo tribunal recorrido, acompanhando e remetendo para a identificada decisão do Tribunal Constitucional.

Contudo, a apreciação da inconstitucionalidade de uma norma pode partir de variados vectores e assentar numa multiplicidade de princípios fundamentais cuja violação poderá estar em causa. De todo o modo, não podemos perder de vista que os tribunais devem desaplicar normas que se afigurem inconstitucionais nos casos concretos que lhes sejam submetidos para julgamento, sendo tal apreciação, portanto, de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 204.º da CRP: “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.

Embora o tribunal tenha também o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes, a omissão de tal dever não constituirá nulidade, mas sim erro de julgamento – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12/01/2010, proferido no âmbito do processo n.º 3583/09.

Nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso significará que o tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa ou a mesma não procedia.

A abordagem genérica que foi efectuada na sentença recorrida, apoiando-se em decisão do Tribunal Constitucional, significa que, na perspectiva analisada por esse Tribunal, a norma em crise não é inconstitucional, o que não quer dizer que uma apreciação com outra amplitude não possa determinar uma decisão diferente.

Ora, se a posição que o tribunal “a quo” assumiu, em grande parte implícita, for errada haverá um erro de julgamento e, se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão.

Na esteira, ainda, de Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 2006, e do Acórdão do STA de 28/05/2003, proferido no recurso n.º 1757/02, nem seria razoável que se impusesse ao tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia e que não se afiguram como controvertíveis no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias do conhecimento oficioso (artigos 494.° e 495.° do CPC), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artigo 133.° do CPA.

Destarte, mesmo que o tribunal recorrido devesse ter desaplicado a norma ao caso concreto da Recorrente, por via de verificação de inconstitucionalidade, a omissão de pronúncia, com maior amplitude, sobre tal questão nunca consubstanciaria nulidade da sentença, mas, tão-somente, erro de julgamento.

Por estes motivos, avançaremos para o erro de julgamento de direito, objecto do presente recurso.

A Recorrente não se conforma por a sentença recorrida ter julgado improcedente a acção administrativa especial deduzida contra o despacho proferido em 15/12/2011, de indeferimento do requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, apresentado nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), com referência à alienação do prédio urbano sito na freguesia de (...) e concelho de (...), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1180-D.

Por isso, interpôs o presente recurso, alegando que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, porquanto a aplicação da norma do artigo 139.º, n.º 6 do CIRC, tal como foi aplicada ao caso concreto, viola vários princípios constitucionais, tais como: reserva à intimidade da vida privada, do Estado de Direito, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, da proporcionalidade, da tributação do rendimento real e da igualdade tributária (artigos 26.º, n.º 1, 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4, 17.º, 286.º, n.º 4, 104.º, n.º 2 e 13.º da CRP).

Em causa está a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo, efectuado ao abrigo do artigo 139.º do CIRC, por falta de requisitos legais.

A Recorrente apresentou requerimento com vista à comprovação do preço efectivo das transmissões referidas, nos termos dessa norma, por forma a afastar a aplicabilidade do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do CIRC. Para instruir esse requerimento, juntou cópia da escritura pública, cópia do contrato promessa, notas de lançamento, extractos contabilísticos, cópia do cheque, talão de depósito e declaração de autorização de acesso à sua informação bancária. Tendo sido notificada para apresentar documentos de autorização de levantamento do sigilo bancário referente aos seus administradores, sob pena de o pedido ser liminarmente rejeitado e mandado arquivar por falta de requisitos legais, invocou que a interpretação que se faz da norma contida no n.º 6 do artigo 139.º do CIRC, como vem sendo aplicada pela administração tributária, isto é, no sentido da necessidade de autorização de acesso à informação bancária dos administradores ou gerentes dos contribuintes requerentes, sob pena de indeferimento liminar do pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis por falta de observância de requisitos legais, constitui manifesta violação de princípios estruturantes da nossa ordem jurídica.

Na medida em que a sentença recorrida julgou não se verificar a violação desses princípios constitucionais, reiterou a sua posição no presente recurso.

As normas legais aplicáveis são as seguintes:
Nos termos do n.º 2 do artigo 64.º do CIRC, «Sempre que, nas transmissões onerosas …, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.».
Por seu turno, o artigo 139.º do CIRC estabelece, que:
«1 - O disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
(…)
3 - A prova referida no n.º 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
(…)
6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.».

Como se refere na sentença recorrida, da interpretação conjugada das disposições citadas resulta que, quando o valor constante do contrato seja inferior ao VPT, será este o valor a considerar para efeitos de determinação do lucro tributável do sujeito passivo alienante, a não ser que este demonstre que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT fixado. Para o efeito, deverá o contribuinte entregar um requerimento com pedido de demonstração do preço, que contenha em anexo documentos de autorização de acesso à informação bancária que lhe diz respeito, bem como dos seus administradores ou gerentes.
Não existem, pois, dúvidas da obrigatoriedade do requerimento em causa ser acompanhado pelas referidas declarações de autorização, sob pena de indeferimento.
Por outras palavras, nos termos do n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, a autorização de acesso às contas bancárias do sujeito passivo e dos seus administradores, gerentes ou representantes legais é condição necessária da instauração do procedimento de prova do preço efectivo.

Aqui chegados, verificamos que o quadro factual subjacente aos presentes autos é o seguinte: a Recorrente alienou um imóvel por um valor inferior ao seu VPT, tendo apresentado junto da AT requerimento de prova do preço efectivo na transmissão, que viu indeferido com fundamento na falta de junção dos documentos de autorização de acesso às contas bancárias dos seus administradores (cfr. todo o probatório).

Sendo incontroverso que a Recorrente não anexou os documentos de autorização acima mencionados, verificamos que a sentença recorrida acolheu, na apreciação dos vícios imputados à decisão impugnada, jurisprudência dos tribunais superiores, com sustentação em jurisprudência do Tribunal Constitucional, que aqui se reitera.

De facto, vária tem sido a jurisprudência dos nossos tribunais superiores acerca do artigo 129.º, n.º 6 do CIRC, a que corresponde o artigo 139.º, n.º 6 do CIRC, em causa, sendo certo que todos têm julgado não ser de desaplicar no caso concreto este preceito legal, por não se verificar a inconstitucionalidade da norma.

A título de mero exemplo, e porque reúne a apreciação dos princípios que a Recorrente considera aqui violados, fazendo apelo aos vários Acórdãos que já foram proferidos pelo Tribunal Constitucional, quer no âmbito da apreciação da constitucionalidade do artigo 129.º, n.º 6 do CIRC, quer no âmbito da redacção posterior a que corresponde o artigo 139.º, n.º 6 do CIRC, visando uma interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil), aderimos ao Acórdão do STA, de 20/04/2020, proferido no âmbito do processo n.º 01639/10.1BELRA 030/18, que apresenta o seguinte sumário: “O n.º 6 do art. 129.º do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, no que respeita à obrigação de serem juntas, pelo sujeito passivo de IRC, para prova do preço efectivo ou real na transmissão de imóveis, declarações de administradores, concedendo autorização para aceder às respectivas informações bancárias, não padece de inconstitucionalidade material por violação do princípio da tributação pelo lucro real (art. 104º, nº 1, da CRP, 3º, nº 1, al. a), e 17º, nº 1, do CIRC); do princípio da proporcionalidade (art. 18º, nº 1 da CRP), do direito à reserva da intimidade da vida privada (art. 26º, nº 1 da CRP) nem do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (artigos 20º, nº 1 e 4 e 104º, nº 1 da CRP) ”.

Assim, refere aquele douto Aresto que:
«(…) Ao princípio da tributação pelo lucro real se refere o artigo 104.º n.º1 da C.R.P., com expressão nos artigos 3.º, n.º 1, a), e 17.º, n.º1, do C.I.R.C..
Tal princípio, sendo de contextualizar com o dever de pagar impostos corresponde a um dever fundamental dos cidadãos, plasmado no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, traduz-se no poder-dever de criar impostos e determinar a forma da sua coleta, com vista a uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, conforme o Tribunal Constitucional refere no acórdão n.º 517/2015, acessível em www.tribunalconstitucional.pt.
De acordo com o que neste acórdão se refere:“10. No âmbito da tributação das pessoas coletivas, a Constituição optou claramente pela tributação dos lucros reais, ou seja, os lucros efetivamente auferidos pelas empresas, conforme resulta do n.º 2 do artigo 104.º, em detrimento de um outro modelo possível, assente na tributação dos lucros normais, que, partindo de uma pressuposição dos lucros auferíveis em determinadas condições normais, poderia corresponder a um cálculo por excesso ou por defeito dos lucros realmente obtidos em cada ano (Gomes Canotilho, J. J. e Moreira, Vital, op. cit., p. 1100).
Tal opção, porém, é assumida, pela Constituição, de uma forma tendencial, o que impressivamente resulta da utilização do advérbio fundamentalmente. Compreende-se esta consagração mitigada do princípio da tributação pelo rendimento real, uma vez que a prevalência absoluta deste princípio exigiria um sistema também absolutamente fiável de informação sobre os resultados das empresas. Pelo que, em alguns sectores, “acabam por ser tributados não os lucros efectivamente auferidos mas sim os presumivelmente realizados” (cfr. idem, ibidem, p. 1100).
Ainda assim, a prevalência do princípio da tributação das empresas segundo o seu lucro real acarreta um aumento da intensidade da cooperação exigida ao contribuinte, que se traduz numa acrescida exigência dos seus deveres declarativos. Esta exigência poderá, porém, determinar a restrição ou condicionamento de direitos, imposta pela necessidade de fiscalizar o cumprimento de tais deveres.”
Ou seja, a previsão legal constante do referido art. 104.º, n.º 2, da C.R.P., comporta que, em alguns sectores possam ser presumidos lucros e, que, resultando tributação por excesso ou por defeito, sejam previstos deveres declarativos acrescidos para fiscalização por parte da administração.
Tal o que ocorre no caso de transmissão de imóveis, em que de acordo com o art. 129.º (actual 139.º) do C.I.R.C., os preços efectivamente praticados podem ser demonstrados pelo contribuinte, em detrimento dos valores patrimoniais tributários, apurados de acordo com o previsto no artigo 58.º-A (actual 64.º) do C.I.R.C. e assim deixem de ser presumidos lucros.
Ao se prever no n.º 6 do dito 129.º, o dever de anexação, para acesso a contas bancárias, de declarações por parte de administradores e gerentes, não só se insere em tais deveres, como ainda no dever geral “de lealdade, no interesse da sociedade”, previsto no art. 64.º do C.S.C., na redacção dada pelo art. 4.º do Dec.-Lei n.º 76-A/2006, de 29/3, por parte de administradores e gerentes.
Aliás, segundo as invocadas normas do IRC em que alegadamente o dito princípio obteve expressão, no caso das pessoas colectivas e das outras entidades nas mesmas mencionadas, resulta que o lucro se apura pela soma de variações patrimoniais positivas e negativas, determinadas com base em contabilidade, eventualmente corrigidas, o que só vem confirmar que o constante da contabilidade não é absoluto.
Assim sendo, não resulta a violação do dito princípio da tributação pelo rendimento real.
O previsto no art. 129.º n.º 6 do C.I.R.C. obedece ao princípio da proporcionalidade, a que se refere o art. 18.º, n.º 2 da C.R.P., e nas suas várias vertentes, de adequação, necessidade e, especificamente, da justa medida.
Tal o que resulta dos fins em vista, de proporcionar ainda desse modo um controle por parte da A.T. da elisão de presunção de rendimento do imóvel transmitido, mediante a prova do preço real, bem como é necessário, a se alcançar a verdade fiscal, pois aquele controle não pode ficar dependente apenas da prova oferecida.
Nesse mesmo sentido se pronunciou o referido acórdão do T.C. n.º 517/2015, reiterando o já decidido anteriormente pelo acórdão n.º 145/2014, citado na sentença recorrida, bem como no referido parecer da magistrada do Ministério Público, e que se encontra também acessível em www.tribunalconstitucional.pt.
A esse propósito, foi aí ainda apreciado o seguinte, a que se adere:
“(…) a situação versada no acórdão nº 442/2007 Invocado pela recorrente não é inteiramente coincidente com a do presente processo. Ali discutia-se, na situação de reclamação graciosa ou de impugnação judicial de atos tributários, a possibilidade de a Administração Fiscal aceder diretamente e, por isso, sem o consentimento prévio do interessado e sem necessidade de autorização judicial, a informação coberta pelo sigilo bancário, desde que esse acesso se mostre justificado perante os factos alegados pelo reclamante ou impugnante e desde que a informação bancária esteja relacionada com a situação tributária objeto da reclamação ou impugnação.
No caso vertente, ainda que esteja em causa um procedimento tributário que é também da iniciativa do sujeito passivo – e que constitui uma faculdade garantística dos contribuintes -, ele destina-se especificamente a efetuar a prova relevante para a fixação da matéria tributável relativamente à liquidação do imposto, e não implica o acesso direto à informação bancária, antes pressupondo um consentimento expresso do interessado mediante a concessão de autorização, a qual deve ser junta ao requerimento.”
Assim sendo, a justa medida não é também afetada.
III.2.3. Quanto à inconstitucionalidade por violação do direito à reserva da intimidade da vida privada se referem os ditos acórdãos 145/2014 e 517/2015, essa inconstitucionalidade não ocorre, numa análise decorrente do bem protegido pelo sigilo bancário, a que também se adere:
“Como se considerou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/2007 (…) na linha de anterior jurisprudência, o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de proteção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República.
(…)
Para além disso, reconhece-se que o segredo bancário se localiza no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, ocupando uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores com ele conflituantes.
Por isso se afirma que “[o] segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional de reserva da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal” (acórdão n.º 42/2007) e é mais suscetível a “restrições (…) impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (acórdão n.º 278/95).
Por outro lado – como ainda se anotou no acórdão n.º 442/2007 - quando a quebra do sigilo bancário promana da Administração Fiscal, não pode esquecer-se que ela não implica a abertura desses dados ao conhecimento geral, visto que os conhecimentos obtidos pelo exercício da função tributária estão sujeitos ao dever de confidencialidade (artigo 64.º da Lei Geral Tributária) e a sua violação está tipificada de forma mais gravosa, face ao crime de violação do sigilo profissional (cfr. o artigo 91.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias e o artigo 195.º do Código Penal, por um lado, e artigo 383.º deste Código e os n.ºs 2 e 3 daquele artigo 91.º, por outro).
Nessa medida, o levantamento do sigilo bancário mantém a reserva quanto aos dados que dele são objeto, através da sua cobertura pelo sigilo fiscal, que deixa salvaguardado – ainda que com o alargamento do círculo de pessoas que tomam conhecimento dos dados protegidos – “o conteúdo essencial tanto do direito à privacidade da vida privada e familiar dos contribuintes como da dinâmica da atividade bancária” (CASALTA NABAIS, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1997, pág. 619).
Constata-se, pois, que, não só o sigilo bancário cobre uma zona de segredo francamente suscetível de limitações, como a sua quebra por iniciativa da Administração Tributária representa uma lesão diminuta do bem protegido.
Em contrapartida, em ordem à necessidade de obtenção de receitas para suporte das despesas públicas e à realização dos fins inerentes ao sistema fiscal - incluindo a tributação segundo a capacidade contributiva e a distribuição equitativa da carga fiscal -, a Administração Fiscal está sujeita a um rigoroso princípio do inquisitório, pelo qual deve, no âmbito do procedimento tributário, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido. Princípio esse que é completado por um dever de colaboração recíproco entre os órgãos da administração e os contribuintes (artigos 58º e 59º da LGT). O que torna por si justificável que ao dever de averiguação oficiosa da Administração se não possa opor, em termos absolutos, o direito à privacidade relativa a elementos de informação bancária.”
No que respeita à violação do direito à tutela judicial efectiva, e ainda de acordo com o que consta no referido acórdão n.º 517/2015, do T.C., por referência ao anteriormente decidido no n.º 145/2014, salienta-se agora o seguinte:
“No tocante à referência à violação do artigo 266.º da Constituição, igualmente não assiste razão à recorrente, porquanto, como se refere no citado acórdão, este preceito condensa vários princípios que consubstanciam “as medidas materiais da juridicidade administrativa que, como tal respeitam à própria atividade jurídica ou material da Administração.” (…)»

Ao princípio da igualdade tributária ou contributiva, que a Recorrente também considera violado, já se foi fazendo referência a propósito da análise de outros princípios orientadores do ordenamento jurídico tributário, como o princípio da tributação pelo lucro real. Todavia, está intimamente ligado ao princípio da capacidade contributiva.

Recordamos que o princípio da capacidade contributiva é expressão do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto. E, neste sentido, constitui corolário tributário dos princípios da igualdade e da justiça fiscal (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 197/2016 e 211/2017).
«O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação.
Consiste este critério em que a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (na formulação clássica portuguesa, de Teixeira Ribeiro, “A justiça na tributação” in “Boletim de Ciências Económicas”, vol. XXX, Coimbra 1987, n.º 6, autor que também se lhe refere como “capacidade para pagar”) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício).

De forma recorrente, a jurisprudência do Tribunal Constitucional Acórdão n.º 142/2004 de 10 de Março, processo 453/2003; Acórdão 711/2006 de 29 de Dezembro 2006, processo 1067/06; Acórdão 306/2010 de 14 de Julho 2010, processo 107/10.
tem vindo a abordar este princípio estruturante e a aplicá-lo no ordenamento jurídico tributário.

Destacamos o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 451/2010, de 24/11/2010: “(…) No mesmo sentido – e mais recentemente –, o Acórdão nº 84/03 (in D.R., II Série, nº 124, de 29-5-2003, pp. 8338ss) articulou o princípio da capacidade contributiva com a possibilidade de o contribuinte dispor de meios para ilidir os resultados de determinadas formas de tributação: (…)
Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (cfr. Casalta Nabais “O dever fundamental de pagar impostos”, págs. 445 e segs., onde, no entanto, se defende que, embora o princípio não careça – para ter suporte constitucional – de preceito específico e directo, não é de todo inútil ou indiferente a sua consagração expressa). (…)
De todo o modo, deve reconhecer-se não ser fácil retirar consequências jurídicas muito líquidas e seguras do princípio da capacidade contributiva, traduzidas num juízo de inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal. [...] certos métodos de tributação, pela sua mesma estrutura, podem, afinal, acabar por conduzir à imposição de situações ou realidades em que falece, de todo, a capacidade contributiva, ou (e com maior probabilidade) em que a medida do imposto exigido não tem efectiva correspondência com essa capacidade, indo além (e, porventura, bastante além) dela; é o que ainda Casalta Nabais (“O dever fundamental...”, págs. 497/498 e 501/502) considera, quando se refere a “soluções tradicionais do direito dos impostos” com suporte no “interesse fiscal”, em particular as “presunções”, considerando esta técnica legislativa “movida por legítimas preocupações de simplificação de praticabilidade das leis fiscais”, mas que “tem de compatibilizar-se com o princípio da capacidade contributiva, o que passa, quer pela ilegitimidade das presunções absolutas, na medida em que obstam à prova da inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela idoneidade das presunções relativas para traduzirem o correspondente pressuposto económico do imposto” e, mais adiante, aludindo ao “rendimento normal”, quando sustenta que ele “apenas poderá ser contestado nos casos em que a tributação conduza a situações de intolerável iniquidade
Mas, se nos ativermos ao que aquele autor escreve na obra citada [...], não pode deixar de se concluir que a solução em causa se compatibiliza com o princípio da capacidade contributiva. É que, a admitir-se que na hipótese em apreço se está perante uma “presunção”, ela admite prova em contrário e, a considerar-se que se trata de uma tributação pelo “rendimento normal”, não pode dizer-se que ela necessariamente conduza a “situações de intolerável iniquidade”. Por outro lado, perante a norma que estatui que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o rendimento real” – essa, sim, expressamente consagrada no artigo 104.º, n.º 2, da CRP –, o Tribunal Constitucional tem entendido que “não só não é constitucionalmente imperioso que o rendimento tributável consista sempre e apenas no rendimento real, tal como aparentemente resulta da contabilidade empresarial, mas também tal rendimento não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, antes sendo um conceito normativamente modelado” (Acórdãos n.ºs 85/2010 e 162/2004, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).(...)”

É entendimento do Tribunal Constitucional e da jurisprudência do STA que os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real não são absolutos. Estes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, numa ponderação global dos interesses em presença, devendo dar-se prevalência à protecção do interesse público no combate à fuga e evasão fiscal, subjacente às exigências de natureza formal.

O mecanismo em apreço consubstancia um instrumento de que o contribuinte pode lançar mão no sentido de assegurar a tributação pelo lucro real.

Pelo exposto, apresentando-se a exigência de apresentação de documentos de autorização de acesso à informação bancária dos administradores ou gerentes igual para todos os contribuintes que pretendam arredar a previsão constante do artigo 64.º, n.º 2 do CIRC e dar início ao procedimento previsto no artigo 139.º do mesmo Código, não vislumbramos que esta norma deva ser afastada por violação do princípio da igualdade.

Perante estes dados, resulta claro que a exigência a que alude a Recorrente não coloca em causa a Lei Fundamental nos termos propostos, pois que está em causa um mecanismo que visa beneficiar a própria Requerente, em que o elemento em apreço surge no âmbito do princípio da cooperação que incide sobre o mesmo, sendo algo natural neste processo enquanto meio de controlo da pretensão formulada, não se afigurando desproporcionada para o efeito em apreço, estando devidamente balizada nos termos apontados no aresto do STA acima descrito e noutros, como o Acórdão do STA-2ª.Secção, de 05/09/2012, recurso n.º 0837/12; ou o Acórdão do TCA Sul-2ª. Secção, de 19/02/2013, processo n.º 6091/12; ou o Acórdão do TCA Norte, de 11/02/2021, proferido no âmbito do processo n.º 216/09.4BEPRT. Logo, as conclusões 7.ª a 33.ª das alegações de recurso deverão improceder [16.ª a 23.ª Princípio da reserva da intimidade da vida privada; 7.ª a 9.ª, 32.ª e 33.ª Princípio do Estado de Direito e de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva; 24.ª a 31.ª Princípio da proporcionalidade; 10.ª a 13.ª, 32.º e 33.ª Princípio da tributação das empresas pelo rendimento real e princípio da igualdade tributária].

Na medida em que não se consideraram verificadas as enunciadas inconstitucionalidades, haverá que apreciar as conclusões 34.ª a 37.ª, dado a Recorrente defender que o acto em crise infringiu o disposto no artigo 63.º - B da LGT, pelo que padece, igualmente, a sentença recorrida de erro de julgamento sobre a matéria de direito.

O artigo 63.º-B da LGT refere-se às situações em que é a própria Autoridade Tributária, independentemente de autorização do tribunal ou do interessado, que decide aceder à totalidade dos documentos cobertos pelo sigilo bancário.

Assim sendo, mais uma vez, acompanhamos e confirmamos o que é referido na sentença recorrida: “(…) no procedimento previsto no artigo 139.º do C.I.R.C. não existe uma derrogação de sigilo bancário da iniciativa da A.T. mas sim da iniciativa do contribuinte. O âmbito de aplicação daquele procedimento não se confunde com o do artigo 63.º-B da L.G.T., pois estamos perante um acto voluntário do contribuinte, ou seja, não é A.T. que acede à informação bancária sem autorização do contribuinte.
De facto, nos termos do artigo 139.º do C.I.R.C., a derrogação do sigilo bancário carece sempre de autorização do requerente e dos seus administradores ou gerentes, pelo que, em caso de recusa ou de não apresentação dos documentos de autorização, a A.T. não pode aceder directamente, ao contrário do que prevê o artigo 63.º-B da L.G.T. (…)”

Diversamente, o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, previsto no Capitulo VIII do Código do IRC, referente às garantias dos contribuintes, não pressupõe qualquer derrogação de sigilo bancário por iniciativa da Autoridade Tributária, mas sim do contribuinte e tem em vista o seu interesse – de obviar à aplicação do disposto no artigo 64.º, n.º 2 do mesmo diploma legal que impõe a realização de correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis quando inferior ao VPT - e não o da AT. A derrogação do sigilo aqui prevista não é o fim visado pela norma, mas apenas um meio adequado e necessário à obtenção do fim visado (de tributação pelo lucro real e afastamento de uma norma anti abuso).

Destarte, tratando-se de preceitos distintos cujo âmbito é diverso e que não se confundem, não se vê em que medida é que a exigência das declarações de autorização para a AT aceder aos documentos bancários dos administradores encerra em si qualquer ilegalidade e/ou violação de qualquer princípio ou limite imposto pelo legislador, motivo pelo qual improcede o vício alegado.

Nas conclusões 38.ª a 41.ª, a Recorrente alega que, a admitir-se a exigibilidade das autorizações de derrogação de sigilo bancário, a mesma apenas se poderia aceitar, no máximo, no caso de a AT efectivamente considerar, em concreto, imprescindível e justificado o acesso às informações bancárias e nunca quando o acesso seja concretizado através de uma exigência cega e não justificada, consubstanciada na obrigatoriedade de apresentação das autorizações de levantamento do sigilo bancário em qualquer circunstância.

Também neste aspecto, consideramos que a sentença recorrida julgou correctamente, pelo que confirmamos esse julgamento:
“(…) Do n.º 6 do artigo 139.º do C.I.R.C. decorre a obrigatoriedade de junção ao pedido dos documentos de autorização de acesso à informação bancária, mas, ao contrário da tese da Autora, já não decorre o acesso não justificado e cego a essa informação por parte da A.T..
Por outras palavras, diremos que a exigibilidade das autorizações não é sinónimo de um acesso cego e injustificado à informação. De facto, no referido normativo é utilizada a expressão “pode aceder”, o que significa que o legislador não impõe que a A.T. aceda; ou seja, caso a A.T. entenda que os elementos apresentados pelo sujeito passivo são suficientes para demonstrar o preço efetivamente praticado, deve abster-se de aceder à informação bancária mas em caso de dúvidas sobre a correspondência entre o preço declarado e o preço efectivamente praticado, a A.T. tem não só o poder como o dever/ónus de aceder à informação bancária com vista a dissipar tais dúvidas.
Nestes termos, ao contrário do entendimento da Autora, esta tinha sempre de apresentar os documentos de autorização, e depois a A.T., perante os elementos apresentados, decidiria se seria ou não necessário aceder à informação bancária. (…)”

Alertamos que, mesmo nos casos em que lhe é permitido o acesso a toda a documentação bancária, a actuação da Administração Tributária deverá limitar-se ao que for necessário para obtenção dos fins em vista, como impõe o princípio da proporcionalidade, que deve nortear a sua actuação (cfr., neste sentido, Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 4ª edição, pag. 569).

Ora, como bem se nota na sentença recorrida, esta autorização de acesso às contas bancárias só poderá valer para o procedimento em causa e não para qualquer outro, uma vez que o fim daquele procedimento é claramente determinado, sendo as acções adoptadas adequadas e proporcionais aos objectivos a atingir.

Assim, a autorização que seja concedida na qualidade de administrador da referida empresa, para os efeitos do artigo 139.º, n.º 6 do CIRC, não permite concluir que este consentimento permitirá à AT a utilização de elementos protegidos pelo sigilo bancário para outros fins que não os constantes do referido normativo – cfr., neste sentido, o Acórdão do STA, de 05/09/2012, proferido no âmbito do processo n.º 0837/12.

Tendo improcedido todas as conclusões do recurso referentes ao alegado erro de julgamento da matéria de direito, fica prejudicado o conhecimento do erro de julgamento de facto, dado que de nada serve estarem reunidos todos os demais pressupostos, se falta o requisito legal, imprescindível, para dar início ao procedimento previsto no artigo 139.º, n.º 3 do CIRC – a autorização de levantamento do sigilo bancário referente aos administradores da Recorrente (cfr. o seu n.º 6).

Nesta conformidade, não deveria o requerimento de prova de preço efectivo em questão ser deferido para efeitos da validação dos montantes declarados pela Recorrente, como de facto não foi, uma vez que não estão reunidos todos os requisitos previstos no artigo 139.º do CIRC; improcedendo, por isso, também as conclusões 42.ª a 44.ª.

Pelo exposto, urge negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Conclusões/Sumário

I - A autorização de acesso à informação bancária prevista no artigo 139.º, n.º 6 do CIRC tem como única finalidade a comprovação do preço efectivo na transmissão de imóveis, no âmbito de procedimento aí previsto, com vista, a pedido e como garantia do contribuinte, a obviar à aplicação do disposto no artigo 64.º, n.º 2 do CIRC.

II - Obtida a autorização do sujeito passivo e dos seus administradores ou gerentes de acesso às suas contas bancárias no âmbito de um procedimento para os efeitos do artigo 139.º, n.º 6 do CIRC, essa informação bancária não pode ser utilizada pela Administração Tributária para outros fins que não os constantes do referido normativo, designadamente, para fundamentar correcções efectuadas no âmbito de outro procedimento contra o mesmo sujeito passivo.

III - O n.º 6 do artigo 139.º do CIRC, no que respeita à obrigação de serem juntas, pelo sujeito passivo de IRC, para prova do preço efectivo ou real na transmissão de imóveis, declarações de administradores, concedendo autorização para aceder às respectivas informações bancárias, não padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da tributação pelo lucro real e da igualdade tributária (artigos 104.º, n.º 1, da C.R.P., 3.º, n.º 1, a), e 17.º, n.º 1, do CIRC), do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º n.º 2 da C.R.P.), do direito à reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.º n.º 1 da C.R.P.) nem do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.º, n.ºs 1 e 4 e 104.º, n.º 1, da C.R.P.).

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
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Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
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Porto, 25 de Fevereiro de 2021

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Celeste Oliveira