Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02391/21.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/22/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:VALOR DA CAUSA;
RECLAMAÇÃO DE ACTO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL;
Sumário:I - A admissibilidade do recurso de decisões sobre reclamações de actos do órgão de execução fiscal segue as regras aplicáveis ao processo de execução onde foi praticado o acto reclamado.

II - Não há qualquer autonomia que possa retirar-se da lei, em matéria de admissibilidade de recurso para o processo de reclamação dos demais actos praticados pelo órgão de execução fiscal, face às regras legais aplicáveis a esse processo executivo.

III- O artigo 280.º, n.º 4, do CPPT, na redacção à data, estabelecia a alçada dos tribunais tributários, fixando-a em um quarto da alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância.

IV - A alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância é de €935,25 para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 10/04/2023, que julgou procedente a reclamação formulada por «AA», NIF ..., residente na Rua ..., ..., em ..., contra os actos que indeferiram os pedidos de falta de citação e a prescrição das dívidas exequendas, proferidos em 11/11/2021, pela Coordenadora da Secção de Processo de ..., do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...01 e apensos, instaurado à sociedade «W, S.A.», e revertido contra o reclamante «AA».

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“A. Incide o presente recurso sobre a sentença proferida a 10-04-2023 que determinou a Reclamação procedente com a consequente extinção do PEF nº ...01 e apensos contra o Executado por reversão, «AA», NIF ... na qual é devedora originária «W, S.A.», NIPC ... no âmbito do PEF ...01 e apensos (...09 e ...05).
B. O PEF em causa é referente a dívidas resultantes de Encargos – Coimas, Cotizações e Contribuições ao Instituto de Segurança Social dos períodos 2002/01 a 2007/07, no montante total de €13.134,10 referente a quantia exequenda instaurada e juros de mora em dívida dos PEF ...01 e apensos.
C. Conforme ressalta dos autos, pelo Tribunal a quo, foi fixado o valor da causa em 2.208,38€, “(...) por corresponder ao montante da dívida exequenda (cf. informação de 07.12.2021, de pág. 38 do Sitaf), atento o preceituado na al. e), do n.º 1 do art. 97º-A do CPPT.”
(itálico nosso)
D. Da análise da douta sentença do Tribunal a quo, o valor fixado, salvo melhor opinião, não respeita os critérios previstos na lei, pelo que vem o Recorrente impugnar a respectiva decisão, para o que, aliás, conta com a regra especial do art. 629º, nº 2, al. b), do Novo Código de Processo Civil (NCPC), que admite sempre recurso nesta matéria quando a parte pretenda que se fixe um valor superior ao da alçada do Tribunal de que se recorre.
E. Compulsados os presentes autos, resulta que a 22/11/2021 o Recorrido apresentou reclamação nos termos do artigo 276.º do CPPT, em que termina a sua Petição Inicial com o seguinte pedido :
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
F. Ora é consabido que toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.
G. Atende-se ao valor da causa para determinar se cabe recurso da sentença proferida em primeira instância e que tipo de recurso.
H. E o pedido, nada mais é que a pretensão do autor (cfr. art.º 552º, n.º 1, alínea e)), o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial, o modo por que intenta obter essa tutela, o efeito jurídico pretendido pelo autor (art.º 581º, n.º 3).
I. In casu, na data da propositura da acção de Reclamação a alçada dos Tribunais da Relação, em matéria cível, ascende a €30.000,00 (cf. art. 44º, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto e com produção de efeitos a partir de 01.09.2013 e com referência a processos instaurados após essa data), sendo aqui igualmente aplicável no âmbito do processo de execução fiscal.
J. O Recorrido com a apresentação da petição inicial, tem de indicar o valor da causa, a fim de representar a utilidade económica imediata do pedido, isto é, o benefício visado com a acção, dependendo a sua fixação dos critérios legalmente fixados para o efeito (cf. artigos 296.º e seguintes do NCPC).
K. E a sua omissão é fundamento de rejeição da petição inicial pela secretaria, conforme estatui na al. e) do art. 558 do CPC ex vi al. e) do art 2.º do CPPT.
L. Ora, dos autos, a Petição Inicial de Reclamação do Reclamante/Recorrido não consta o valor da acção.
M. Contudo, não tendo sido indicando o valor, o douto Tribunal decidiu fixar o valor da ação no montante da dívida exequenda, indicado na informação 208.º do CPPT, conforme print infra da douta sentença: (sic)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
N. Ora, s.m.o, da informação 208.º CPPT não corresponde ao montante de 2.208,38€ de quantia exequenda.
O. Afigura ao Recorrente, com o devido respeito pelo douta sentença, que o valor da causa atribuído pelo Tribunal a quo corresponde às quantia em dívida (juros de mora) do PEF ...09, no montante de 1.417,76€ e à quantia em dívida (juros em mora) do PEF ...05, no montante de 790,62€; olvidando, inclusive e certamente por lapso, o montante de 138.13€ quanto a quantia em dívida (de juros de mora), do PEF principal n.º ...01.
P. Destarte, face ao pedido que é efetuado pelo Recorrido não entende, ao aqui Recorrente, o valor da acção ser fixado (apenas) o somatório dos dois montantes supra que perfaz a quantia de 2.208,38€.
Q. A causa de pedir na reclamação de actos praticados pelo órgão da execução fiscal consiste nos vícios concretos imputados pelo reclamante/recorrido ao “acto impugnado”, isto é, in casu, trata-se do despacho de indeferimento da arguida falta de citação e da prescrição da dívida.
R. E o pedido concretizado pelo Reclamante/recorrido foi, como já anteriormente referido o seguinte: (sic)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
S. Pelo que, no caso dos autos, o douto Tribunal a quo fixou o valor da acção em montante diverso face à conjugação entre o pedido e da causa de pedir.
T. No entanto, a fls 16 da do dispositivo da sentença o Tribunal a quo decide nos seguintes termos (sic):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
U. Ora, com o devido respeito que é devido ao douto Tribunal, a Exequente não concede que assim seja, isto é, que esteja plasmado a restituição dos montantes, quando o valor da acção não engloba esse montante.
V. Além de que, nem no dispositivo da decisão foi dada como provada de que houve a efetiva penhora, de que conta bancária, período, que valores foram efetivamente penhorados e imputados nos autos de processo de execução, nem o douto Tribunal a quo especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, sendo a decisão nula nos termos da al. b) do n.º 1 do art 615.º NCPC.
W. Face ao supra exposto, deve a sentença aqui colocada em crise, quanto ao valor da causa, ser revogada com fundamento de que o seu valor excede a alçada do Tribunal, alterando para o montante de €13.134,10 referente a quantia exequenda dos PEF ...01 e apensos (...09 e ...05) ou caso, assim não se entenda, com o devido respeito deve o douto Tribunal ad quem anular a decisão proferida em 1.ª instância e mandar baixar para análise de todos os elementos que permitam alterar a decisão proferida sobre o valor da causa.

FAZENDO, ASSIM, V.ªs Ex.ªs, A HABITUAL E ACOSTUMADA JUSTIÇA!”
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O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
“1 - As partes concordam que aos presentes autos dizem respeito os processos de execução fiscal n.º ...01 e apensos (...09 e ...05).
2 - A ora Recorrente não coloca em causa que procede a invocada falta/nulidade de citação do responsável subsidiário e que, em consequência da falta/nulidade de citação do responsável subsidiário, ocorreu a prescrição de todas as dívidas exequendas nos processos de execução fiscal.
3 - Isto porque, “afigurando-se, pois, não terem sido observados os requisitos previstos na lei” e não colocados em causa pelo OEF.
4 - Daí concluiu-se, que “o ato realizado a 1 de março de 2008, não teve a virtualidade de interromper duradouramente o prazo de prescrição.” Daí decorrendo, s.m.j. que todas as dívidas em causa se encontram prescritas.
5 - Note-se que, quanto à prescrição e ex vi art. 175.º do CPPT “A prescrição ou duplicação da colecta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito.”
6 - Da informação de 07.12.2021 – pág. 38 do SITAF consta, s.m.j., que o montante em dívida, referido como QE instaurada relativamente aos processos em causa, proc. n.ºs ...01 e apensos (...09 e ...05), é de € 13.134,10.
7 - A estes valores acrescem juros e custas, no total de € 8.129,85.
8 - Perfazendo, entre quantias exequendas (€ 349,98 + € 8.727,34 + € 4.056,78 = € 13.134,10) e demais quantias (€ 388,03 + € 5.232,61 + € 2.509,21 = 8.129,85), um total de € 21.263,95.
9 - O pedido principal da reclamação, de que dependem os demais, é o reconhecimento de que não ocorreu a citação do ora Recorrido e ainda de que (ainda que tal, neste âmbito, possa ser oficiosamente verificado – ex vi art. 175.º do CPPT), ocorreu a prescrição da totalidade das dívidas exequendas nos processos.
10 - Estando os factos assentes (valores do processo de execução fiscal e apensos) nos autos quanto ao valor da causa, deve o Tribunal ad quem, por força do art. 662.º n.º 1 CPC ex vi art. 281.º do CPPT, determinar a revogação da sentença proferida quanto ao valor da causa, para o montante de € 21.263,95, por dispor de todos os elementos para tal nos autos, devendo ainda manter toda a demais sentença proferida, mantendo a reclamação procedente e anulando os despachos reclamados de 11.11.2021, com a consequência legal que daí decorre quanto ao levantamento das penhoras realizadas ao reclamante e consequente restituição dos valores indevidamente penhorados e retidos nos processos de execução fiscal n.ºs ...01, ...09 e ...05.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, que V. Exas., Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve o Recurso interposto ser julgado procedente e, em consequência, ser alterada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, quanto ao valor da causa, mantendo o demais decidido, nomeadamente mantendo a reclamação procedente e anulação dos despachos reclamados de 11.11.2021, com a consequência legal que daí decorre quanto ao levantamento das penhoras realizadas ao reclamante e consequente restituição dos valores que hajam sido indevidamente penhorados e retidos nos processos de execução fiscal n.ºs ...01, ...09 e ...05, assim fazendo a já acostumada JUSTIÇA.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro na fixação do valor da causa.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“São os seguintes os factos provados:
A) Com apoio na certidão de dívida n.º ...70, emitida em 11.01.2005, a Secção de Processo de ..., do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., em 24.03.2005, instaurou à sociedade «W, S.A.» o processo de execução fiscal n.º ...01, para cobrança coerciva de dívida de coima e custas, no valor de € 349,98 (cf. fls. 2 e 3 do processo de execução fiscal – pág. 45 do Sitaf);
B) Com referência ao processo de execução fiscal n.º ...01, a Secção de Processo de ..., do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., em 24.03.2005, emitiu ofício dirigido à sociedade «W, S.A.», intitulado “[C]ITAÇÃO” (cf. fls. 4 do processo de execução fiscal – pág. 45 do Sitaf);
C) Em 29.03.2006, a Secção de Processo de ..., do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., instaurou à sociedade «W, S.A.» o processo de execução fiscal n.º ...83, para cobrança coerciva de dívida de juros, no valor de € 96,43, referente aos períodos de 2001/09 e 2001/11 (cf. fls. 102 e 103 do processo de execução fiscal – pág. 45 do Sitaf);
D) Com referência ao processo de execução fiscal n.º ...09 e apensos, a Secção de Processo de ..., do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., em 10.07.2006, emitiu ofício dirigido à sociedade «W, S.A.», intitulado “[C]ITAÇÃO” constando no mesmo que a dívida corresponde à quantia exequenda de € 12.784,12 e acrescidos no valor de € 5.591,79 (cf. fls. 104 do processo de execução fiscal – pág. 45 do Sitaf);
E) No âmbito do processo de execução fiscal n.º ...01 e apensos, a Secção de Processo de ..., do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. dirigiu ofício ao Reclamante, com o registo RP.......25PT, datado de 24.09.2007, intitulado “[N]otificação para exercício de audição prévia em sede de reversão do responsável subsidiário”, no qual participa a preparação do referido processo para reversão contra si e informa estar em causa as dívidas seguintes:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]”cf. fls. 72 a 74 do processo de execução fiscal – pág. 45 e 437 do Sitaf);
F) Em data não apurada, foi proferido despacho que determinou a reversão do processo de execução fiscal n.º ...01 contra o Reclamante (cf. fls. 75 do processo de execução fiscal – pág. 45 do Sitaf);
G) Com referência ao processo de execução fiscal n.º ...01, a Secção de Processo de ..., do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., em 06.03.2008, emitiu ofício dirigido ao Reclamante, intitulado “[C]ITAÇÃO (REVERSÃO)”, constando no mesmo que a dívida em reversão corresponde à quantia exequenda de € 349,98 e acrescidos no valor de € 388,03 (cf. fls. 76 e 77 do processo de execução fiscal – pág. 45 do Sitaf);
H) Em data não apurada, foi proferido despacho que determinou a reversão do processo de execução fiscal n.º ...09 contra o Reclamante (cf. fls. 124 do processo de execução fiscal – pág. 45 do Sitaf);
I) Com referência ao processo de execução fiscal n.º ...09, a Secção de Processo de ..., do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., em 06.03.2008, emitiu ofício dirigido ao Reclamante, intitulado “[C]ITAÇÃO (REVERSÃO)”, constando no mesmo que a dívida em reversão corresponde à quantia exequenda de € 8.727,34 e acrescidos no valor de € 5.232,61 (cf. fls. 125 e 126 do processo de execução fiscal – pág. 45 do Sitaf);
J) Em data não apurada, foi proferido despacho que determinou a reversão do processo de execução fiscal n.º ...05 contra o Reclamante (cf. fls. 127 do processo de execução fiscal – pág. 45 do Sitaf);
K) Com referência ao processo de execução fiscal n.º ...05, a Secção de Processo de ..., do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., em 06.03.2008, emitiu ofício dirigido ao Reclamante, intitulado “[C]ITAÇÃO (REVERSÃO)”, constando no mesmo que a dívida em reversão corresponde à quantia exequenda de € 4.056,78 e acrescidos no valor de € 2.509,21 (cf. fls. 128 e 129 do processo de execução fiscal – pág. 45 do Sitaf);
L) Em data não apurada, foi proferido despacho que determinou a reversão do processo de execução fiscal n.º ...83 contra o Reclamante (cf. fls. 130 do processo de execução fiscal – pág. 45 do Sitaf);
M) Com referência ao processo de execução fiscal n.º ...83, a Secção de Processo de ..., do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., em 06.03.2008, emitiu ofício dirigido ao Reclamante, intitulado “[C]ITAÇÃO (REVERSÃO)”, constando no mesmo que a dívida em reversão corresponde a acrescidos no valor de € 99,93 (cf. fls. 131 e 132 do processo de execução fiscal – pág. 45 do Sitaf);
N) Em 28.10.2021, o Reclamante dirigiu requerimento ao Director do Centro Distrital ..., do Instituto da Segurança Social, I.P, com referência ao processo de execução fiscal n.º ...01 e apensos, onde arguiu a nulidade por falta de citação e a prescrição das dívidas exequendas (cf. fls. 145 a 161 do processo de execução fiscal – pág. 45 do Sitaf);
O) Com menção ao requerimento referido na alínea N), a Coordenadora da Secção de Processo Executivo de ... do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP proferiu, em 11.11.2021, despacho que indeferiu a arguida falta de citação no processo de execução fiscal n.º ...01 e apensos, apoiando-se na informação/proposta n.º ...77/2021, de 10.11.2021, que se transcreve:
«
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cf. fls. 163 e 164 do processo de execução fiscal – pág. 45 e 389 do Sitaf);
P) Com alusão ao requerimento referido na alínea N), a Coordenadora da Secção de Processo Executivo de ... do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP proferiu, em 11.11.2021, despacho que indeferiu a prescrição das dívidas em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º ...01 e apensos, apoiando-se na informação/proposta n.º ...80/2021, de 10.11.2021, que se transcreve:
«
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]» (cf. fls. 165 a 168 do processo de execução fiscal – pág. 45 e 393 do Sitaf);
Q) No processo de execução fiscal n.º ...01 e apensos estão em cobrança coerciva dívidas, no valor global de € 2.208,38, relativas a juros de mora referentes a coimas e encargos, do período de 2003/12, e referentes a contribuições e cotizações, dos períodos de 2002/01 a 2002/10, 2002/12 a 2004/08 e 2005/07, conforme infra se discrimina:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. informação de 07.12.2021, de pág. 38 do Sitaf).
*
Factos não provados:
1. Os ofícios referidos nas alíneas B) e D) dos factos provados foram enviados à sociedade «W, S.A.» e recebidos pela mesma;
2. Os ofícios referidos nas alíneas G), I), K) e M) dos factos provados foram enviados ao Reclamante e recepcionados pelo mesmo.
*
Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa.
*
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
O Tribunal alicerçou a sua convicção quanto aos factos provados na prova documental.
A prova documental teve por base os documentos juntos aos autos e o processo de execução fiscal junto aos mesmos, conforme referido a propósito nas alíneas do probatório.
Os factos não provados resultaram da ausência de prova, uma vez que inexistem nos autos comprovativos documentais quer do envio quer do recebimento dos ofícios de citação.
Com efeito, compulsados os autos e o processo de execução fiscal, constata-se existir apenas um único aviso de recepção dirigido à sociedade «W, S.A.», que se encontra a fls. não paginada do processo executivo, inserida entre fls. 104 e fls. 105, datado de 20.03.2006, e assinado em 12.04.2006, o qual, além de não ter qualquer referência a que tipo de documento ou processo respeita, face às datas introduzidas no mesmo e considerando as datas dos ofícios referidos nas alíneas B) e D) dos factos provados, 24.03.2005 e 10.07.2006, respectivamente, não permite a correspondência entre tal aviso de recepção e qualquer um dos ofícios, ao que acresce inexistir, nos autos e no processo de execução fiscal, qualquer outro ofício de citação dirigido à sociedade devedora originária, com menção a algum dos processos executivos aqui em causa.
Por seu lado, o aviso de recepção de fls. 78 do processo executivo, junto como doc. n.º 1 com a petição inicial e com a resposta, o qual, vistos os autos e o processo de execução fiscal, ser o único dirigido ao Reclamante e para a morada do seu domicílio fiscal (cf. ofício de 15.02.2022, de pág. 412 do Sitaf), tem assinatura e data ilegíveis, somente se apreendendo o ano de 2008, o que é, manifestamente, insuficiente para conferir a data em que de facto foi assinado, aliás nem o Reclamado esclarece essa data, unicamente aludindo como data da citação em reversão à data aposta nos ofícios de citação da reversão referidos nas alíneas G), I), K) e M) dos factos provados [cf. artigo 10º da resposta e alíneas O) e P) do probatório], o que para o efeito não tem qualquer relevo, já que não atesta nem o envio nem a recepção dos ofícios, além de não ser possível fazer a correspondência do aviso de recepção em questão com qualquer dos ofícios, sendo, ainda, inverosímil que tal aviso de recepção se reporte a quatro ofícios de citação da reversão, de diferentes processos de execução fiscal, e incompreensível a existência de um ofício de citação em reversão para cada processo executivo quando, anteriormente, designadamente na notificação para a audição prévia, as execuções eram identificadas por “processo de execução fiscal n.º ...01 e apensos” [cf. alínea E) do probatório].”

2. O Direito

As alegações do presente recurso inculcam a ideia de que o Recorrente somente não aceita o valor fixado ao processo (€2.208,38) por estar convencido da inexistência de alçada para a propositura de recurso, a manter-se o valor da causa fixado – cfr. conclusões C), D), I) e W) das alegações de recurso.
O artigo 280.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na versão inicial, havia estabelecido a alçada dos tribunais tributários, fixando-a em um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância. Ulteriormente, esta alçada, prevista apenas para os processos de impugnação judicial e de execução fiscal, foi fixada no mesmo montante para a generalidade dos processos da competência dos tribunais tributários, pelo artigo 6.º, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 2002.
A alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância em processo civil foi fixada em €5.000,00 pelo n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro [Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ)], na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, a que corresponde o artigo 31.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto (LOFTJ de 2008), mas só se aplica a processos iniciados após a sua entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2008 (artigos 11.º e 12.º deste Decreto-Lei). Para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007, continua a vigorar a alçada de € 3.740,98, fixada pelo n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 3/99, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro. Assim, a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância é de €935,25 para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007 e de €1.250,00 para processos iniciados a partir de 1 de Janeiro de 2008 - cfr., neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, volume I, anotação 4 ao artigo 6.º, pág. 88 e volume IV, anotação 9 ao artigo 280.º, págs. 418/419.
Contudo, impõe-se dilucidar se, para aferir o valor da alçada, deve considerar-se a data da instauração do presente processo de reclamação, que ocorreu em 2021, ou se deverá ser tida por referência a data de instauração dos processos de execução fiscal, que foram autuados em 2005 e 2006.
Com efeito, o valor da alçada dos tribunais tributários encontra-se fixado em €5.000,00, por força da alteração do artigo 105.º da LGT, realizada pela Lei do Orçamento de Estado - Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro - desde 01/01/2015.
Porém, o legislador estabeleceu no artigo 225.º da referida Lei um regime transitório, instituindo que “as alterações introduzidas pela presente lei às normas do CPPT e da LGT sobre alçadas e constituição de advogados apenas produzem efeitos relativamente aos processos que se iniciem após a sua entrada em vigor.”
No caso sub judice, estamos perante uma reclamação de actos do órgão de execução fiscal que não tem autonomia, em matéria de admissibilidade de recurso, face às regras legais aplicáveis ao processo de execução fiscal.
Aliás, como é jurisprudência dos Tribunais Superiores, a admissibilidade de recurso das decisões sobre incidentes, oposição, pressupostos da responsabilidade subsidiária, verificação e graduação definitiva de créditos, anulação da venda e recursos dos demais actos praticados pelo órgão da execução fiscal – nomeadamente as reclamações dos demais actos praticados pelo órgão da execução fiscal, como no caso dos autos, seguirá as regras aplicáveis ao processo de execução onde foi praticado o acto reclamado (cfr. Acórdãos do STA, de 18/01/2017, proferido no âmbito do processo n.º 1295/16 e de 28/02/2018, processo n.º 079/18 e Acórdão deste TCA Norte, de 27/07/2018, proferido no âmbito do processo n.º 1278/17.6BEAVR).
Sucede que a presente reclamação de decisões do órgão de execução fiscal foi deduzida no âmbito da execução fiscal PEF n.º ...01 e apensos, a qual se encontrava pendente desde 24/03/2005.
Daí que seja abrangida pelo referido regime transitório, não lhe sendo aplicáveis as alterações introduzidas pela Lei n.º 82-B/2014, de 31/12 às normas do CPPT e da LGT sobre alçadas.
A admissibilidade de recurso, por efeito das alçadas, é regulada pela lei em vigor à data em que seja instaurada a acção – cfr. artigo 6.º, n.º 6 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e artigo 24.º, n.º 3 da Lei de Organização e do Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ).
Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar um quarto das alçadas fixadas para os tribunais judiciais de 1.ª instância – cfr. artigo 280.º, n.º 4 do CPPT, na redacção aplicável à data.
Esta alçada foi prevista neste n.º 4 do artigo 280.º apenas para os processos de impugnação judicial e de execução fiscal, mas foi fixada no mesmo montante para a generalidade dos processos da competência dos tribunais tributários pelo artigo 6.º, n.º 2 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, como referimos inicialmente.
Ora, os presentes processos de execução fiscal foram instaurados em 2005 e 2006 e, nessas datas, o valor da alçada dos tribunais tributários de primeira instância era de €935,25, uma vez que a alçada dos tribunais judiciais de primeira instância foi fixada em €3.740,98 pelo n.º 1 do artigo 24.º da Lei de Organização e do Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13/01, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17/12 – conjugado com o disposto no artigo 6.º, n.º 2 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aplicável à data (a alçada dos tribunais tributários corresponde a ¼ da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância).
Tendo os processos de execução fiscal em causa sido instaurados em 2005 e 2006, e fixado o valor da causa em €2.208,38, sendo a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância, naquelas datas, de €935,25, estava acautelada a admissibilidade de recurso.
Nesta conformidade, é destituído de sentido o recurso interposto ao abrigo do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea b) do CPC, na medida em que o valor da causa já excede a alçada do tribunal de primeira instância de que o Recorrente recorre; pelo que se julga prejudicado o conhecimento do presente recurso com esse fundamento.
Com efeito, não se justifica qualquer dúvida a respeito da natureza pública dos principais fins visados com a fixação do valor da causa, sejam eles a determinação da competência do tribunal de julgamento ou a possibilidade de abertura de instância de recurso. É verdade que estas finalidades se acabam por repercutir em utilidades particulares, seja do autor ou do réu, porém, a sua matriz não deixa de ser pública: assegurar a organização, competência e actividade do poder judiciário, e assegurar o direito de recurso que emana da Lei Fundamental.
In casu, não residem dúvidas de que o direito de recurso estava assegurado. Por outro lado, a alteração do valor da causa não se traduziria no pagamento acrescido de taxa de justiça pelo impulso processual inicial, uma vez que se aplica a Tabela II do Regulamento das Custas Processuais (como vimos, a presente reclamação não tem autonomia, aplicando-se as regras da execução até €30.000,00 – cfr. artigo 7.º).
Nestes termos, resta apreciar a alegação vertida nas alíneas U. e V. das conclusões:
A Exequente não concede que esteja plasmado a restituição dos montantes, quando o valor da acção não engloba esse montante.
Além de que, nem no dispositivo da decisão foi dada como provada que houve a efectiva penhora, de que conta bancária, período, que valores foram efectivamente penhorados e imputados nos autos de processo de execução, nem o Tribunal a quo especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, sendo a decisão nula nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Quanto à primeira perplexidade demonstrada pelo Recorrente, não encontramos fundamento para a mesma, dado que a determinação do valor da causa assenta em regras próprias definidas legalmente, podendo, por vezes, não corresponder ao benefício económico auferido com o ganho de causa, basta pensar nas situações em que o valor da penhora é inferior ao da quantia exequenda, por exemplo [artigo 97.º-A, n.º 1, alínea e) do CPPT], e pode ser conhecida/declarada oficiosamente a prescrição dessa dívida [artigo 175.º do CPPT].
Na presente situação, o importante é não perder de vista o pedido e a causa de pedir, pois delimitam o objecto da acção e os termos decisórios.
O presente meio processual é impugnatório das decisões reclamadas e visa a eliminação desses actos da ordem jurídica, com as legais consequências. Trata-se de um contencioso de estrita legalidade, determinando a mera anulação dos actos reclamados. Logo, tendo a presente reclamação sido julgada procedente e anulados os despachos reclamados proferidos em 11.11.2021, com a declaração de prescrição de todas as dívidas exequendas, não vislumbramos que a sentença recorrida tenha errado na indicação das consequências legais que daí decorrem nas execuções fiscais em causa, quanto ao levantamento das penhoras eventualmente realizadas e consequente restituição dos valores que hajam sido indevidamente penhorados e retidos nos processos de execução fiscal n.ºs ...01, ...09 e ...05.
O segundo aspecto em análise prende-se com a alegação de imputação de nulidade à sentença recorrida, por, alegadamente, o Tribunal a quo não ter especificado os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Efectivamente, a falta de especificação dos fundamentos da decisão, em violação das regras próprias de elaboração da sentença, é passível de gerar nulidade da mesma segundo previsão no artigo 125.º do CPPT.
No que concerne ao núcleo essencial desta arguição, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação – cfr. Acórdão do S.T.A., de 16-11-2011, Proc. n.º 0802/10, www.dgsi.pt - , sendo que, tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140, “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Porém, como refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
In casu, resultam claros na sentença recorrida os motivos para julgar não ter ocorrido “citação” e considerar prescritas a totalidade das dívidas exequendas subjacentes aos processos de execução fiscal devidamente identificados. Pelo que é forçoso concluir não enfermar a sentença recorrida do vício de nulidade.
Pelo exposto, urge negar provimento ao recurso, mantendo a decisão a quo na ordem jurídica.
Conclusões/Sumário

I - A admissibilidade do recurso de decisões sobre reclamações de actos do órgão de execução fiscal segue as regras aplicáveis ao processo de execução onde foi praticado o acto reclamado.

II - Não há qualquer autonomia que possa retirar-se da lei, em matéria de admissibilidade de recurso para o processo de reclamação dos demais actos praticados pelo órgão de execução fiscal, face às regras legais aplicáveis a esse processo executivo.

III- O artigo 280.º, n.º 4, do CPPT, na redacção à data, estabelecia a alçada dos tribunais tributários, fixando-a em um quarto da alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância.

IV - A alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância é de €935,25 para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 22 de Junho de 2023

Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Ana Paula Santos