Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00123/03-Porto
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/10/2011
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:IRC
CUSTOS
CUSTOS COM A CONSTITUIÇÃO DE PROVISÕES
PROVISÕES FISCALMENTE DEDUTÍVEIS
PROVISÃO PARA CRÉDITOS DE COBRANÇA DUVIDOSA
PERIODIZAÇÃO DO LUCRO TRIBUTÁVEL
PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DOS EXERCÍCIOS
PRINCÍPIO DA PRUDÊNCIA
IMPUTAÇÃO DOS CUSTOS AO EXERCÍCIO A QUE RESPEITAM
RISCO DE INCOBRABILIDADE DOS CRÉDITOS
FIM DO EXERCÍCIO
ENCERRAMENTO DAS CONTAS
Sumário:I. Os custos com a constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa a que alude o artigo 33.º, n.º 1, alínea a) do C.I.R.C. (redacção de 1994) devem ser imputados no exercício em que, de acordo com o artigo 34.º do mesmo Código, o risco de incobrabilidade se considera devidamente justificado;
II. Os custos com constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa reclamados judicialmente em 1994 ou relativos a devedor cujo processo especial de recuperação de empresa foi instaurado em Fevereiro de 1994 não podem, por isso, ser deduzidos, para efeitos fiscais, em exercício anterior ao de 1994, sem violar o princípio da especialização dos exercícios consagrado no artigo 18.º, n.º 1, C.I.R.C. e o artigo 33.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código;
III. O artigo 18.º, n.º 2, do C.I.R.C., não permite que os custos com provisões de cobrança duvidosa cujo risco de incobrabilidade se considere justificado antes do encerramento de contas de exercício anterior, sejam neste deduzidos, mas tão que os custos com provisões de cobrança duvidosa cujo risco de incobrabilidade era manifestamente desconhecido até ao encerramento de contas do exercício respectivo, sejam deduzidos no exercício posterior.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M..., S.A.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1.Relatório
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto, na parte em que julgou procedente a presente impugnação judicial da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (I.R.C.) do exercício de 1993, com o n.º 8310024164, no valor de € 14.963,94, deduzida por M…, S.A., n.i.f. … … …., com sede na R…a.
Recurso este que foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.
1.2.Notificado da sua admissão, o Recorrente apresentou as respectivas alegações e formulou as seguintes conclusões (que optamos aqui por ordenar por alíneas):
A. A douta sentença sob recurso julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 1993, na parte em que respeita à correcção relativa às provisões constituídas para cobrança duvidosa dos créditos detidos sobre as credoras Empresa Fabril T..., Lda., Fábrica de Confeitaria P..., Lda., e Sociedade União de Indústrias de Lacticínios S..., Lda., por considerar ter ficado provado nos autos o preenchimento dos pressupostos previstos na alínea a), n.º 1 do artigo 33.º e al. a) e b) do n.º 1 do artigo 34.º ambos do CIRC, para a aceitação como custos fiscais da totalidade das provisões em causa.
B. Como tal, a douta decisão sob recurso considerou não se verificar a violação do princípio da especialização dos exercícios.
C. Entende a Fazenda Pública, contrariamente, que apenas podem ser de considerar como créditos de cobrança duvidosa os que tenham por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal, que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade.
D. As provisões são uma consequência do princípio da especialização económica dos exercícios, sendo a sua constituição obrigatória para efeitos fiscais, face à definição de critérios objectivos de constituição e reforço constantes dos artigos 33.º e 34.º do CIRC e à periodização do lucro tributável conforme estipulado no n.º 1 do art.º 18.º do mesmo diploma.
E. A constituição de provisões é também informada pelo princípio contabilístico da prudência que estabelece que é possível integrar nas contas um grau de precaução ao fazer as estimativas exigidas em condições de incerteza impedindo-se, ao mesmo tempo, a criação de reservas ocultas ou provisões excessivas ou a deliberada qualificação de activos e proveitos por defeito ou de passivos e custos por excesso;
F. A aplicação prática deste princípio resulta que a constituição de provisões com desrespeito pelas regras jurídico-tributárias afecta negativamente os resultados da empresa contrariando, também, o princípio da tributação das empresas pelo lucro real e efectivo, cfr. artigo 17.º do CIRC e artigo 107.º da CRP.
G. Nos termos do art.º 33.º, n.º 1 al. a) do Código do IRC, podem ser deduzidas, para efeitos fiscais, em determinado exercício, as provisões que tenham por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim desse exercício possam ser consideradas de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade.
H. No que respeita à situação sob recurso, a douta sentença considerou, erradamente, que a data relevante para efeitos de qualificação dos créditos como de cobrança duvidosa era a do encerramento das contas do exercício de 1993 (por referência à instauração dos processos de recuperação de empresa e de reclamação de créditos) e não o fim do correspondente exercício, como determina a al. a), do n.º 1 do art.º 33.º do CIRC.
I. A impugnante não provou nem documentou, para efeitos do art.º 34.º do CIRC, a mora, no exercício de 1993, da parte dos créditos considerados como de cobrança duvidosa nesse exercício.
J. Desta forma, não se podem dar como provados os requisitos impostos pelo disposto no art.º 33.º, n.º 1 al. a) do CIRC, como pretende a douta sentença recorrida, para serem aceites fiscalmente como custos do exercício, as provisões para créditos de cobrança duvidosa.
K. Tendo decidido como decidiu, incorreu a douta sentença em erro de julgamento em matéria de direito, violando as disposições legais supra citadas
A Recorrida não contra-alegou.
Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer onde invocou a prescrição do tributo impugnado e promoveu fosse declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Notificadas as partes para se pronunciarem quanto à questão prévia invocada pelo Digno Magistrado do M.º P.º, veio a Recorrente dizer que não se verifica a invocada prescrição. Pelo seu lado, a Recorrida veio informar que foi declarada falida conforme informação que junta.
Entretanto, o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia informou «que a liquidação n.º 8310024164 referente ao IRC/1993 respeitante ao SP “M..., S.A.”, NIPC ... encontra-se integralmente paga no processo de execução fiscal n.º 3204199801029096 que se encontra extinto por pagamento voluntário desde 17.10.1998, conforme “print” em anexo».
Indo os autos, novamente, com vista ao Digno Magistrado do M.º P.º, manteve o douto parecer adrede exarado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
A questão fundamental a decidir é a de saber se o Tribunal “a quo” interpretou erradamente os artigos 33.º e 34.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (doravante sob a sigla “C.I.R.C.”) ao concluir que a data relevante para efeitos de qualificação dos créditos como de cobrança duvidosa era a do encerramento das contas (por referência à instauração dos processos de recuperação de empresa e de reclamação de créditos) e não o fim do exercício correspondente.
Previamente, porém, haverá que conhecer da questão da prescrição, suscitada pelo Ex.mo P.G.A.
2.Fundamentação de Facto
2.1É o seguinte o acervo dos factos que em primeira instância foram dados como provados:
a) Na sequência de uma análise interna à declaração Modelo 22 apresentada pela impugnante referente ao exercício de 1993, foram efectuadas várias correcções à matéria colectável no montante global de € 138.311,02.
b) Do mapa de apuramento Mod. DC 22 elaborado pelos Serviços de Inspecção Tributária resulta que foram efectuadas as seguintes correcções:
- € 10.760,22 – reintegrações em excesso, por ter sido utilizadas taxas superiores às previstas na Portaria n.ºº 737/81, de 29 de Agosto, para bens adquiridos antes de 1989 e efectuar reintegrações para além do período máximo de vida útil;
- € 86.921, 49 – provisões a mais para crédito em contencioso que deram entrada em Tribunal os processos em 1992 e 1994, contrariando assim o princípio da especialização dos exercícios a que se refere o n.º 1 do art. 18.º do CIRC;
- € 16.876,37 – donativos, por ultrapassar o limite estabelecido no n.º 3 do art. 40.º do CIRS;
- € 6.921,57 – reintegrações de avaliações;
- € 30.676,07 – publicidade não devidamente comprovada ao “Sporting Clube de Espinho” e “Associação de Estudantes da Faculdade de Engenharia”, nos termos do art. 23.º do CIRC.
c) Relativamente à correcção referente a provisões, escreveu-se no mapa de apuramento o seguinte: “LINHA 7 – (+ 17.426.195$00) – contabilizou no exercício em causa provisões para crédito em contencioso, sem ter em atenção o princípio da especialização dos exercício (n.º 1 do art. 18.º do CIRC), pelo que as mesmas são relativas a:
- proc. 608/94, no valor de 7.654.345$00 – fact. de Agosto de 1993 (s/mora)
- proc. 5309/94, no valor de 616.088$00 – fact. de Dez. 93 (mora até 12 m)…
- proc. 3093/92, no valor de 177.811$00 –
- proc. 4335/94, no valor de 303.908$00 – fact. de Março 92 (mora até…)
- proc. 231/92, no valor de 2.138.800$00 – …
- proc. 2941/92, no valor de 6.507.278$00 – …
(…)”
d) Com base nas correcções efectuadas, a Administração Tributária emitiu a liquidação de IRC n.º 8310024164, no valor a pagar de 17.429.726$00, cuja data limite de pagamento voluntário ocorreu em 8 de Janeiro de 1998.
e) Em 2 de Janeiro de 1998, a impugnante apresentou reclamação graciosa da referida liquidação – cfr. autos de reclamação apensos.
f) A Administração Tributária deferiu parcialmente a reclamação graciosa, “passando assim a considerar-se como custo do exercício o valor de 6.150.000$00 e, como consequência havendo diminuição da matéria colectável de Esc. 30.015.314$00 para Esc. 23.865.314$00”, nos termos que melhor constam da decisão de fls. 96 do p.a. em apenso e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
e)A decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa foi notificada à impugnante em 14 de Abril de 2003.
g) O processo especial de recuperação de empresa referente à sociedade Fabril T.., Lda (processo n.º 608/94, 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Santo Tirso) foi intentado em Fevereiro de 1994;
h) A acção judicial destinada à reclamação do crédito da impugnante sobre a Fábrica de Confeitaria P..., Lda. (processo n.º 5309/94, 1.º Juízo Cível de Vila Nova de Gaia) foi intentada em 12 de Janeiro de 1994.
i) A acção judicial destinada à reclamação do crédito da impugnante sobre a Sociedade União de Industriais de Lacticínios S..., Lda (processo n.º 4235/94, 2.º Juízo Cível de Vila Nova de Gaia) foi intentada em 6 de Janeiro de 1994.
j) A acção judicial destinada à reclamação do crédito da impugnante sobre a sociedade F..., Lda. (processo n.º 2941/92, 4.º Juízo Cível de Vila Nova de Gaia) foi intentada em 1 de Abril de 1992, tendo sido efectuada transacção judicial em 19 de Maio de 1992.
l)Na sequência do não cumprimento da transacção referida na alínea anterior, em 7 de Janeiro de 1993, a Impugnante executou a sentença homologatória de tal transacção – cfr. fls.
m) A acção judicial destinada à reclamação do crédito da impugnante sobre a sociedade S... – Produtos de Higiene e Limpeza, Lda foi intentada em Novembro de 1992.
2.2 À fundamentação da resposta à matéria de facto aditou-se ainda na douta sentença o seguinte: «A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise da prova documental produzida nos autos».
2.3 Ao abrigo do disposto no artigo 712.º do C.P.C. e dada a sua relevância para a boa decisão da causa, adita-se a seguinte matéria de facto, que também resulta provada face à informação de fls. 132 e ao documento de fls. 133:
n) O processo de execução fiscal n.º 3204199801029096, instaurado no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2 para cobrança coerciva da liquidação impugnada encontra-se extinto por pagamento voluntário desde 17.10.1998.
3.Fundamentação de Direito
3.1 Merece prioridade o conhecimento da excepção deduzida pelo Exm.º P.G.A. Tem-se entendido, na verdade, que a prescrição da obrigação tributária pode ser conhecida, incidentalmente, em processo de impugnação judicial da liquidação respectiva, por pôr em causa a manutenção da utilidade da lide e obstar, assim, ao conhecimento do mérito.
No entanto, e atendendo à informação prestada pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2 [e ao que – com base nessa informação e no documento junto – se deu como provado na alínea n) supra], pode também concluir-se desde já que tal excepção improcede porque o pagamento – como a prescrição – é também uma causa de extinção da obrigação tributária. E se a obrigação se encontra extinta pelo pagamento não pode, posteriormente, extinguir-se por prescrição. Porque não pode, obviamente, extinguir-se uma obrigação que já se extinguiu por outra razão.
Por outro lado, o pagamento voluntário do tributo não implica renúncia ao direito de impugnação ou recurso, como decorre agora do artigo 96.º da Lei Geral Tributária (doravante sob a sigla “L.G.T.). Pelo que também não interfere com a apreciação do mérito, destinada agora a aferir se a liquidação é ilegal (na parte recorrida) e se deve ser restituído o tributo correspondente.
Importa, assim, conhecer do mérito do recurso, o que se fará já de seguida.
3.2 Está em causa a dedutibilidade de custos com provisões para cobrança duvidosa, imputados na declaração de rendimentos da ora Recorrida do remoto exercício de 1993 e referentes aos seguintes créditos:
1º Crédito sobre a “Empresa Fabril…, Lda.”, no valor de 7.654.345$00;
2º Crédito sobre a “Fábrica de C…, Lda.”, no valor de 616.088$00;
3º Crédito sobre a “Sociedade U…, Lda.”, no valor de 303.908$00.
No mapa de apuramento “Mod. DC-22”, elaborado pela Administração Tributária consignou-se que a dedutibilidade desses custos violava o princípio da especialização dos exercícios, consagrado no artigo 18.º, n.º 1, do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (doravante sob a sigla “C.I.R.C.”, sendo que todas as disposições citadas deste código se reportarão à redacção que tinham à data, salvo indicação expressa em contrário), porque os créditos respectivos só foram reclamados judicialmente em 1994.
A ora Recorrida não se conformou com tal entendimento porque, embora os processos respectivos só tenham sido instaurados em 1994, o foram antes da data do encerramento das contas. Invocou o artigo 18.º, n.º 2, do C.I.R.C. e o princípio da substância sobre a forma.
Em Primeira Instância, a M.mª Juiz “a quo” deu razão à ora Recorrida, neste segmento, tendo-se consignado na douta sentença que «apesar do processo especial de recuperação do primeiro credor ter sido apresentado em 12 de Janeiro de 1994 e de as acções judiciais do segundo e terceiro credores só terem sido apresentadas no ano seguinte ao da constituição das provisões (1994), na data do encerramento das contas do ano de 1993, já os referidos processos se encontravam instaurados, pelo que as provisões já se subsumiam à alínea a) e b) do nº 1 do art. 34º do CIRC, respectivamente».
E é contra tal entendimento que a Recorrente se insurge por entender que o assim decidido viola o artigo 33.º, n.º 1, alínea a), do C.I.R.C. Isto é, porque os créditos não podem ser considerados de cobrança duvidosa «no fim o exercício».
E, no entendimento deste Tribunal, a razão está do lado da Recorrente.
Anote-se, antes de mais, que o que a Recorrida fez foi constituir uma provisão ou reportá-la a um exercício anterior àquele em que, de acordo com o artigo 34.º, n.º 1, do C.I.R.C., o risco de incobrabilidade se poderia considerar devidamente justificado.
O risco de incobrabilidade do crédito sobre a “Empresa Fabril T..., Lda.” só poderia ter-se como verificado no exercício de 1994, de acordo com a alínea a) do preceito, porque o processo especial de recuperação de empresa respectivo só foi intentado em Fevereiro de 1994. Mas a Recorrida imputou-o no exercício de 1993. O risco de incobrabilidade do crédito sobre a “Fábrica de Confeitaria P..., Lda.” só poderia ter-se como verificado no exercício de 1994, de acordo com a alínea b) do mesmo preceito, porque a acção judicial destinada à reclamação do crédito respectivo só foi intentada em 12 de Janeiro de 1994. Mas a Recorrida imputou-o no exercício de 1993.
O risco de incobrabilidade do crédito sobre a “Sociedade União de Industriais de Lacticínios S..., Lda.” só poderia ter-se como verificado no exercício de 1994, também de acordo com a referida alínea b), porque a acção judicial destinada à reclamação do crédito respectivo só foi intentada em 6 de Janeiro de 1994. Mas a Recorrida imputou-o no exercício de 1993.
Poderá dizer-se – é certo – que decorre das regras da experiência que a Recorrida não poderia ter deixado de equacionar o risco de incobrabilidade já antes do fim do exercício de 1993, pelo menos quanto aos dois últimos créditos, porque a decisão interna de mover as duas acções contra as suas devedoras teria que ser tomada anteriormente. Só que o regime fiscal das provisões para créditos de cobrança duvidosa foi concebido e construído com grande rigidez estrutural, de molde a reduzir substancialmente o grau de indeterminação e a margem de manobra das empresas, com a evidente preocupação de obviar à manipulação do resultado fiscal, maximizando o impacto das provisões nos exercícios mais positivos.
À lei fiscal não interessa, por isso, o momento (subjectivo) em que a empresa equacionou o risco de incobrabilidade, que muito dificilmente poderia ser sindicado. Interessa sim o momento em que, objectiva e externamente, se manifestou o risco de incobrabilidade. «A ratio legis destes afunilamentos fiscais ancora-se, em especial, na impossibilidade desta ciência tolerar a subjectividade inerente à provisão contabilística, a qual, por repousar sobre critérios de probabilidade, contém necessariamente uma certa margem de discricionariedade» (Tomás Tavares, «Da relação da dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: Algumas reflexões ao nível dos custos», in C.T.F. n.º 396, pág. 81/82)
Também por essa razão não poderiam vir em apoio da posição da Recorrida princípios contabilísticos geralmente aceites como o invocado princípio da prevalência da substância sobre a forma ou (talvez com mais interesse para o caso) o princípio da prudência. O primeiro para defender que o risco efectivo de incobrabilidade se sobrepõe aos factores formais que o determinem e o segundo para sustentar que as perdas se devem relevar na data mais antiga em que se tornaram previsíveis e, por isso, mesmo antes de terem sido contenciosamente reclamadas.
É que, no que tange ao regime fiscal das provisões, o legislador não apontou para o conteúdo substancial das relações contratuais nem se quedou na promoção de comportamento prudenciais ou na salvaguarda dos interesses individuais de sócios e de credores. A sua preocupação – como se disse – é a de obviar à artificial redução do lucro fiscal através do provisionamento excessivo, servindo, assim, um interesse que até pode colidir com os outros. O regime fiscal das provisões é, de resto, um dos exemplos de que o nosso direito fiscal se ficou por uma relação de dependência parcial entre o balanço contabilístico e o balanço comercial, ao introduzir regras que intencionalmente divergem dos princípios contabilísticos geralmente aceites (neste sentido, António Mouta Portugal, «A dedutibilidade de custos em IRC: Reflexos sobre custos incorridos em actividades isentas e não tributadas», in C.T.F. n.º 401, pág. 74;
Resta-nos, por isso, o artigo 18.º, n.º 2, do C.I.R.C.
Poderia, na verdade, defender-se que os artigos 33.º, n.º 1, alínea a) e 34.º, ambos do C.I.R.C. deveriam ser interpretados em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, do mesmo Código, e que por «fim do exercício» para os efeitos daqueles dispositivos legais se deveria entender, não a data em que ocorreu o seu termo final, mas a data em que as respectivas contas foram (ou deveriam ter sido) encerradas. O que, no fundo, se traduziria em admitir que o exercício fiscal se prolongaria, ao menos para este efeito, pelo primeiro trimestre do exercício seguinte, visto que relevariam para o balanço e influenciariam o resultado fiscal factos que ocorreram depois do seu termo.
Só que não é para aí que aponta o conteúdo literal nem do artigo 18.º, n.º 2, nem do artigo 33.º citado. Não é esse o sentido que se extrai do teor literal do artigo 18.º, n.º 2, porque ali se distinguem claramente o período que corresponde ao exercício e o período que corresponde à elaboração e ao encerramento das contas do exercício. Não é esse o sentido que se extrai do teor literal do artigo 33.º porque, a ser assim, não faria corresponder ao fim do exercício o período a que se reporta a natureza duvidosa dos créditos, mas à própria data do encerramento de contas. Seria particularmente desastrado o legislador que, pretendendo remeter para o período que vai até ao encerramento das contas do exercício, utilizasse a expressão «fim do exercício», que é utilizada noutros lugares do Código para aludir a um período diferente. Porque estaria assim a conceder numa confusão terminológica que poderia ter facilmente evitado.
Por outro lado – e a nosso ver – não é assim que o artigo 18.º, n.º 2, do C.I.R.C., deve ser interpretado. Há uma outra interpretação contextual bastante mais consistente, por salvaguardar a coerência sistémica (e nomeadamente a rigidez com que a lei fiscal encara o princípio da especialização dos exercícios): o desiderato do legislador não foi aqui o de determinar que os custos fossem considerados no exercício mais remoto em que poderiam ser previstos, mas impedir que fossem constituídos em exercício posterior àquele em que se verificaram, por não terem sido oportunamente reconhecidos.
Não se trata, assim, de determinar que, se até à data do encerramento de contas de um exercício se confirmar um risco de incobrabilidade que a empresa já previa, esse custo seja imputado nesse exercício. Trata-se de impedir que seja adiada a constituição de uma provisão se o risco de incobrabilidade se formou em exercício anterior.
Ou seja, do artigo 18.º, n.º 2, do C.I.R.C. – quando aplicado às provisões – decorre que a provisão não pode ser constituída em ano posterior àquele em que o risco de incobrabilidade se deva considerar justificado (de acordo com o artigo 34.º do C.I.R.C.), a menos que esse facto fosse manifestamente desconhecido no ano a que respeita.
Assim, admitia-se que a Recorrente viesse invocar o artigo 18.º, n.º 2, do C.I.R.C. para justificar a imputação do custo com a provisão do crédito sobre a “Empresa Fabril T..., Lda.” em 1995 (se por exemplo, viesse alegar que, apesar de o processo especial de recuperação de empresa respectivo ter sido intentado em Fevereiro de 1994, só dele tomou conhecimento em 1995 e depois do encerramento das contas de 1994, pelo que só então pôde constituir a provisão).
O que já não se pode admitir é que venha invocar a mesma norma para o imputar em 1993, quando o poderia ter imputado no exercício a que, afinal, respeita, que é o de 1994.
E a douta sentença que assim não entendeu também não pode ser confirmada, por não ter – a nosso ver – interpretado correctamente a lei aplicável, neste segmento.
4. Conclusões
4.1 Os custos com a constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa a que alude o artigo 33.º, n.º 1, alínea a) do C.I.R.C. (redacção de 1994) devem ser imputados no exercício em que, de acordo com o artigo 34.º do mesmo Código, o risco de incobrabilidade se considera devidamente justificado;
4.2 Os custos com constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa reclamados judicialmente em 1994 ou relativos a devedor cujo processo especial de recuperação de empresa foi instaurado em Fevereiro de 1994 não podem, por isso, ser deduzidos, para efeitos fiscais, em exercício anterior ao de 1994, sem violar o princípio da especialização dos exercícios consagrado no artigo 18.º, n.º 1, C.I.R.C. e o artigo 33.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código;
4.3 O artigo 18.º, n.º 2, do C.I.R.C., não permite que os custos com provisões de cobrança duvidosa cujo risco de incobrabilidade se considere justificado antes do encerramento de contas de exercício anterior, sejam neste deduzidos, mas tão que os custos com provisões de cobrança duvidosa cujo risco de incobrabilidade era manifestamente desconhecido até ao encerramento de contas do exercício respectivo, sejam deduzidos no exercício posterior.
5.Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em
a)Conceder provimento ao presente recurso;
b) Revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a impugnação judicial improcedente também na parte da liquidação resultante das correcções relativas às provisões constituídas para cobrança duvidosa dos créditos que a impugnante detinha sobre as credoras “Empresa F…, Lda.”, “Fábrica …, Lda.” e “Sociedade …, Lda.”.
Custas pela Recorrida, mas só em primeira instância.
Porto, 10 de Novembro de 2011
Ass. Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Ass. Irene Isabel Gomes das Neves
Ass. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia