Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00981/09.9BEVIS |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 05/11/2023 |
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Tribunal: | TAF de Viseu |
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Relator: | Carlos de Castro Fernandes |
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Descritores: | RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO; IRC; INDISPENSABILIDADE DOS CUSTOS; |
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Sumário: | I – Sobre o recorrente que impugne a matéria de facto constante da sentença recorrida, impõe-se que dê cumprimento às regras previstas no artigo 640º do CPC. Concretizando, as três alíneas do nº 1 do artigo 640º do CPC, impõem à Recorrente a especificação (i) dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, (ii) dos concretos meios probatórios, constantes do processo, nomeadamente documentos, registo ou gravação da prova nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos a matéria de facto impugnados diversa da recorrida e (iii) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. II - Não cabe à AT apreciar o mérito das decisões dos administradores na gestão das suas empresas, devendo quedar-se pela indispensabilidade, como se estatui no art. 23º, nº 1 do CIRC, ou seja, apenas averiguar da indispensabilidade dos custos, no sentido de o gasto estar relacionado com a realização do fim social da empresa ou do seu escopo, bem como no interesse exclusivo da mesma. III - Além dos requisitos legais da indispensabilidade e relevância fiscal do custo, assume particular destaque para que haja dedutibilidade do custo, por um lado, a existência de um custo, isto é, o gasto económico [o qual podemos qualificar como pressuposto material ou substancial], por outro lado, a comprovação do custo [o qual se pode qualificar de pressuposto formal]. Destes dois últimos requisitos, resulta que só podem ser deduzidos os custos que a empresa efetivamente suporta, que concorrem para o seu empobrecimento económico e que seja materialmente comprovado, quer formal [art. 42º, nº 1, al. g)] quer substancialmente, ou seja, subjacente ao documento haja sido suportado um custo económico real, que a empresa tenha desembolsado valor pecuniário ou equivalente. IV - Verificados os requisitos da comprovação formal, ou seja, estando o custo devidamente documentado, a lei faz presumir a existência material do mesmo (art. 75º, nº 1 da LGT).* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I – A Representação da Fazenda Pública – RFP (Recorrente) veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual se julgou procedente a impugnação deduzida pela «X, S.A.» (Recorrida), intentada contra a liquidação de IRC do exercício de 2006. No presente recurso, a Apelante (RFP) formula as seguintes conclusões: 1) Na sentença recorrida considera-se que a liquidação é ilegal porque a AT não fez a prova que lhe competia no sentido de apurar os necessários indícios que lhe permitiriam qualificar como falsas as faturas contabilizadas pela impugnante, relativas às comissões pagas à «Y, Limited». 2) A sentença não fez um correto julgamento da matéria de facto, ao desconsiderar cada um dos factos-índice. 3) Os fundamentos invocados pela inspeção para não aceitar como custo fiscalmente dedutível as comissões pagas à «Y, Limited», são os seguintes; 4) O prestador das referidas comissões é a empresa «Y, Limited» que segundo a inspeção não tem estrutura organizacional para prestar os serviços à impugnante. 5) A AT baseou-se em informações transmitidas pelas autoridades do Reino Unido, que atestam que a empresa «Y, Limited» não tem estrutura empresarial efetiva no Reino Unido. E está alojada no escritório que é um “ninho de empresas” que agrega a um nome um conjunto de elementos e facilidades de forma a conferir uma existência aparentemente real à empresa. 6) Por outro lado, foi apurado pela Administração Tributária, que a «Y, Limited» dispôs ao longo do tempo de um único funcionário ao seu serviço, em Londres. 7) Mais resulta do relatório de inspeção que a maioria da correspondência com a «Y, Limited» teve origem e destino em Itália. 8) A inspeção tributária diz que na documentação fornecida pela «X, S.A.» não se encontra qualquer elemento que prove ou indicie qualquer intervenção da «Y, Limited» na prestação de serviços, nomeadamente, no contacto com os clientes, encomendas, publicidade ou outros. 9) A inspeção refere que dos diversos esclarecimentos prestados pela «X, S.A.» se retira que o trabalho de intermediação das vendas existiu, sendo que das provas encontradas levam a considerar que sempre foi realizado pelo Sr. AA e a empresa «Z, SRL», da qual ele é o gerente. 10) A prestação de serviços de intermediação apesar de serem prestados pelo Sr. AA, são pagos à «Y, Limited». 11) Ora, tais elementos recolhidos pela AT afiguram-se como indícios sérios e credíveis de que a «Y, Limited» não tinha qualquer estrutura instalada que permitisse prestar os serviços que faturou à agora Impugnante. De facto, apurando-se que a «Y, Limited» não tinha funcionários ao seu dispor, tratando-se de mero “escritório”, pode-se legitimamente pôr em causa que essa estrutura seja suficiente para justificar a faturação efetuada em determinado ano. 12) Assim, ao contrário do decidido a AT apresentou, fundados indícios de que «Y, Limited» não tem estrutura quer a nível logístico, quer a nível de recursos humanos para prestar os serviços de agenciamento contratados. 13) O Meritíssimo Juiz do tribunal a quo, diz que a AT não prova que a sociedade «Y, Limited» não tinha qualquer estrutura instalada que permitisse prestar os serviços que faturou à agora Impugnante. 14) A inspeção tributária baseou-se em informações transmitidas pelas autoridades fiscais do Reino Unido, que informam que a «Y, Limited» não tem estrutura organizacional efetiva no Reino Unido para prestar os serviços, que a sociedade «Y, Limited» teve a sua sede localizada sucessivamente em três locais, em Inglaterra, sítios que são conhecidos como “ninhos de empresas”, “escritórios virtuais”, sem capacidade instalada, e que é detida pela «Y, LLC», com sede em ..., EUA, local com regime fiscal privilegiado. 15) Por outro lado, foi apurado pela Administração Tributária, que a «Y, Limited» dispôs ao longo do tempo de um único funcionário ao seu serviço, em Londres. 16) Mais resulta do relatório de inspeção que a maioria da correspondência com a «Y, Limited» teve origem e destino em Itália. 17) Não obstante se encontrem faturas junto aos autos, a verdade é que à Administração Tributária não foram dados a conhecer documentos reveladores da participação direta da «Y, Limited», através de um qualquer colaborador seu nas vendas e contactos para esse fim com quaisquer clientes. Apenas foram juntas faturas de pagamentos de comissões e mais nenhum documento. 18) Ora, tais elementos recolhidos pela AT afiguram-se como indícios sérios e credíveis de que a «Y, Limited» não tinha qualquer estrutura instalada que permitisse prestar os serviços que faturou à agora Impugnante. De facto, apurando-se que a «Y, Limited» não tinha funcionários ao seu dispor, tratando-se de mero “escritório”, pode-se legitimamente pôr em causa que essa estrutura seja suficiente para justificar a faturação efetuada em determinado ano. 19) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo diz que a Administração Tributária não consegue demonstrar a ausência de participação direta da «Y, Limited», através de um qualquer colaborador seu, na prestação de serviços de apoio «X-Comercial» à impugnante. 20) Ora o que a inspeção tributária constatou, foi que o trabalho de intermediação de vendas existiu na empresa «X, S.A.» desde 1995, sendo que das provas encontradas a empresa prestadora de tais serviços não foi a «Y, Limited», mas antes a «Z, SRL» através do gerente o Srº AA, dado que aquela não possui estrutura empresarial para tanto. 21) As autoridades fiscais inglesas, informaram que a «Y, Limited» não tinha estrutura organizacional efetiva no Reino Unido para prestar os serviços. 22) Ora se a «Y, Limited» não tinha estrutura económica para prestar os serviços relativos às comissões, e dos esclarecimentos prestados pela «X, S.A.» resulta que os serviços de intermediação foram realizados pela empresa «Z, SRL», afigura-se-nos que estes elementos são suficientes para a AT questionar a conexão entre o prestador efetivo e o emitente das faturas e concluir que se a emitente das faturas não prestou qualquer serviço (e a que realmente os prestou não emitiu as respetivas faturas), então não poderão ser considerados tais custos. 23) Segundo as regras da experiência, tendo sido efetivamente prestados serviços de divulgação da empresa em mercados internacionais e em organização de feiras, somos levamos a concluir que o que seria normal era existirem vestígios documentais da intervenção daquela empresa, e tal nunca foi exibido pela impugnante. 24) Ora estes “factos-índice”, ponderados à luz da experiência, são suficientes para permitir concluir que as comissões da «Y, Limited» que não foram aceites pela inspeção, porque não estão relacionadas com uma prestação de serviços efetiva por parte daquele agente. 25) A recorrente defende que os factos-índice, recolhidos pela inspeção analisados em conjunto e ponderados á luz da experiência, são suficientes para permitir á AT desconsiderar os custos relativos a comissões que têm as faturas em causa como suporte documental. 26) Face a tais factos ter-se-á de concluir que a «Y, Limited» não possuía meios materiais e jurídicos que possibilitem as prestações de serviços relativas às comissões que foram faturadas à impugnante, não podendo concluir-se como fez o douto tribunal que se tratava de suspeitas não fundamentadas da inspeção. 27) A Jurisprudência tem entendido que são “indícios suficientes” os que correspondem a elementos de facto juridicamente relevantes, que segundo as regras de experiência comum demonstrem de forma clara, adequada e inequívoca, que existe uma probabilidade séria de existência e quantificação do facto tributário como facto positivo que legitima o direito da Administração Fiscal de tributar. 28) O ónus da prova que recaia sobre a AT consubstancia-se na prova de indícios sólidos e consistentes de que as transações não representam transações reais, mas não se lhe exige a prova plena de que as transações não existiram. 29) E face à fundamentação constante dos autos (relatório de inspeção da recorrida) e em face da prova forte e bem alicerçada em que aquele se baseou, existem “factos-índice”, mais do que suficientes para permitir à AT desconsiderar os custos suportados que tem as faturas em causa como suporte documental, com o fundamento de que as operações referidas nessas faturas não ocorreram. 30) Por conseguinte a decisão do Meritíssimo Juiz pode e deve ser alterada, porquanto tal é permitido pela aplicação subsidiária do artº 662º do CPC, pois do processo constam todos os elementos de prova da matéria de facto em causa. 31) Deve ser alterada a referida decisão e considerando-se que os indícios apontados pela administração fiscal são suficientes para suportar o seu juízo sobre a “falsidade” das respetivas faturas. 32) Assim, a impugnação judicial nunca pode proceder com fundamento na ilegítima atuação da AT ao desconsiderar as comissões em causa como custo fiscal. 33) O Tribunal a quo defende que a AT errou na adoção do método de avaliação, porque entende que a atuação da impugnante não podia ser considerada uma dedução indevida dos custos suportados com as comissões pagas à “«Y, Limited», mas antes uma prática a enquadrar na cláusula geral anti abuso prevista no artº 38º da LGT. 34) In casu, o que resulta do relatório de inspeção tributária, que contêm a fundamentação da liquidação é que as correções efetuadas em sede de IRC, não são justificadas nem fundadas na aplicação da cláusula anti-abuso, conforme resulta do probatório. 35) Tais anomalias e incorreções na contabilidade configuram a situação prevista no artº 23º nº 1 e 42º nº 1 alínea g) do CIRC, e legitimam a correção efetuada. 36) Salvo o devido respeito, não é pelo facto de o Tribunal qualificar a atuação da impugnante de forma diferente da inspeção tributária que pode mudar o método efetivamente utilizado num outro que, manifestamente, não foi aquele que a AT adotou. 37) A inspeção tributária não fez constar do relatório de inspeção tributária os requisitos previstos no artigo 38º da LGT, nem direcionou a sua averiguação de forma a apurar se se verificavam os requisitos aí previstos, nem utilizou o artigo para sustentar as correções efetuadas com base na aplicação da cláusula anti-abuso, assim não pode o Tribunal considerar agora que a correção efetuada se devia fundar noutro método de correção. 38) Conforme foi decidido no Acórdão do TCA-Norte de 20/12/2007, Proc. 00936/04 – VISEU, Relator FRANCISCO ROTHES, é mediante a declaração fundamentadora externada pela AT que se deve averiguar qual o método utilizado na correção. 39) A douta sentença sob recurso, não tirou as ilações de facto que deveria tirar dos factos provados e violou os artigos artº 23º nº 1 e 42º nº 1 alínea g) do CIRC e artº 74º nº 1 da LGT. Finaliza a Recorrente pedindo que seja revogada a sentença recorrida. Respondendo ao apontado recurso, a Recorrida («X, S.A.») apresentou contra-alegações, nestas concluindo que: A) O Recurso deve ser rejeitado por violação do disposto no artigo 640º e 607º do CPC. B) Com efeito, como resulta das Alegações e Conclusões de Recurso, a Recorrente não refere quais os factos que considera que foram erradamente dados como provados, e/ou quais os factos que na Sentença Recorrida foram erradamente dados como não provados, e ainda quais os elementos de prova que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada, diversa da adotada pela decisão Recorrida; C) Em relação à prova testemunhal a Recorrente limita-se a alegar que os depoimentos das testemunhas são vagos e abstratos, sem indicar a exata passagem da gravação que fundamenta tal conclusão; D) A Recorrente não põe em causa a matéria de facto apurada no texto decisório, o que alega é que, deveria ter sido melhor considerado e valorado o consignado no acervo probatório, máxime no Relatório de Inspeção tributária, o que, com o devido respeito e salvo melhor opinião, não tem enquadramento no erro de julgamento quanto à matéria de facto, tratando-se antes de uma divergência na valoração da prova. E) Sendo que, nesses casos, e face ao princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º do CPC, o tribunal de recurso só poderá alterar a decisão sobre a matéria de facto, em casos excecionais de manifesto ou grosseiro erro na apreciação da prova, ou de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão. F) Considerando que a sentença recorrida está doutamente fundamentada, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e que a decisão do julgador é uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, conclui-se que a mesma é inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. G) A Recorrente não cumpriu como seu ónus de prova relativamente à “falsidade” das faturas na medida em que os factos-índices são manifestamente inadequados e insuficientes para colocar em causa a veracidade das faturas. E são insuficientes e inadequados porque: a. A Recorrente não prova a maior parte dos factos-índices. A prova indiciária é indireta, mas tem sempre por base uma prova direta de um facto, ou seja, pressupõe a existência de um facto demonstrados por prova direta, o que manifestamente não aconteceu no caso em apreço; b. Os factos-índices apresentados pela Recorrente não são verdadeiramente factuais, resultando antes de pré-conceitos ou ilações sem fundamentos objetivamente comprovados que resultam em afirmações conclusivas sem relevância. c. Muitos dos factos índices que a Recorrente alega que foram desconsiderados pelo tribunal recorrido são irrelevantes, sendo que a mesma não demonstra em que termos os mesmos permitem demonstrar com uma elevada probabilidade a “falsidade” das faturas. H) A Recorrente não cumpriu com o seu ónus de prova, mas a Recorrida claramente demonstrou a efetividade das operações tituladas pelas faturas. I) Ora, no que respeita à alegada falta de “estrutura instalada”, não se entende, porque a AT não o diz, que tipo de “estrutura instalada” a «Y, Limited» teria que ter para que se pudesse concluir que a mesma teria capacidade para prestar os serviços que deram origem às comissões. J) Ao contrário do que conclui a AT a existência de um escritório (que a mesma aceita que existia), de um número de telefone, de um fax, de uma secretária (que a AT reconhece que exista), de um trabalhador (que a AT reconhece que existia), e de um Diretor para além do Sr. BB, é uma estrutura mais do que suficiente para o desenvolvimento da atividade de comissionista, ou seja, é uma estrutura perfeitamente adequada para a obtenção das comissões. K) Os comissionistas têm como atividade angariar e acompanhar os clientes, pelo que o trabalho é sempre desenvolvido nas instalações dos clientes, dos fornecedores ou em feiras. Ou seja, é uma atividade que não requerer uma grande estrutura instalada; L) Tendo-se dado como provado que a «Y, Limited» subcontratou a «Z, SRL» para o setor doméstico, é normal que a correspondência existente seja sobretudo entre a «Z, SRL» e a Recorrida. M) As comissões-bónus foram pagas porque a Recorrida atingiu os objetivos de vendas internacionais; N) Em 2003 a «X-Comercial» pôs termo à relação «X-Comercial» com a «Y, Limited», sendo que as comissões bónus pagas nos anos seguintes teve como propósito compensar/indemnizar a «Y, Limited» pelo fim da relação «X-Comercial». O) Desde logo importa salientar que a Recorrida desconhecia que a «Y, Limited» era detida por uma sociedade em ..., desconhecia que esta sociedade era detida pelo Sr. BB e pela sua mulher, como também desconhecia que a «Y, Limited» faturava comissões a essa sociedade. P) A Recorrida teve os cuidados que lhe são exigidos pelo princípio da prudência, da proporcionalidade e pela lei, traduzidos na obrigação de não efetuar qualquer pagamento à «Y, Limited» (ou a qualquer comissionista não residente) sem que este previamente apresente o respetivo certificado de residência fiscal atestando que o mesmo tem sede no país que diz ter e que aí está sujeito a imposto sobre o rendimento. Q) Mais, considerando que a «Y, LLC» é detida pelo Sr. BB e pela mulher deste, e que a «Y, Limited» é detida pela «Y, LLC», não se percebe qual o ganho que a «X, S.A.» retiraria em pagar à «Y, Limited» comissões, se estas na realidade não correspondessem a trabalho efetivo. R) Mais, tal como o Tribunal Recorrido concluiu, os factos alegados poderiam servir de fundamento a uma correção através do mecanismo de aplicação das normas anti-abuso, previsto nos artigos 38º da LGT e 63º do CPPT, e nunca através por aplicação do disposto no artigo 23º, nº 1 e 42º, nº 1, alínea g) do CIRC. S) O requisito da comprovação do custo, imposto no artigo 23º do CIRC, está relacionado com a prova da efetiva realização dos factos constitutivos dos encargos. T) Sendo certo, que o meio de prova mais relevante é sem dúvida o documental, consubstanciado pela fatura ou documento equivalente. U) No Acórdão de 06/10/1999, proferido no processo nº 23 817, o STA, perante a invocação por parte do representante da Fazenda Pública de que as instâncias haviam violado o disposto no artigo 655º, nº 2 do Código Civil, ao dar como provados factos que só poderiam ser provados por documentos, o STA veio a reafirmar a posição anteriormente assumida segundo a qual a exigência de prova documental nesta sede não se confunde com a exigência de fatura, bastando, para comprovação de que o custo foi incorrido, a existência de simples documento interno, acompanhado por outros meios de prova que inculquem no julgador a convicção de que a operação material teve lugar e que efetivamente foi necessária para a obtenção dos proveitos. V) Assim, perante uma situação de incongruência de natureza formal e a realidade material, deverá decidir-se no sentido da aceitação do custo como fiscalmente dedutível, designadamente, quando fica demonstrado, ainda que não por via documental, que o contribuinte efetivamente incorreu no encargo e que o mesmo é indispensável (cfr. princípio da tributação do rendimento real constitucionalmente imposto no artigo 104º, nº 2 da CRP). Termina, a Recorrida, pedindo que seja rejeitado o presente recurso por violação do disposto nos artigos 607º e 640º do CPC, ou, caso assim não se entenda, deverá o mesmo ser considerado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida. * Os autos foram com vista ao digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, tendo este emitido parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cf. fls. 515 e segs. dos autos – paginação do SITAF). * Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento. -/- II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância: 1. A “«X, S.A.»”, NIPC ..., ora impugnante, iniciou a sua atividade em 18.06.1952, dedicando-se à fabricação de lava-louças, de acessórios de ciclismo (aros e rodas) e de armários em inox (setor marginal). – cfr. fls. 6 e 7 do processo administrativo apenso aos autos. 2. A aqui impugnante era, à data dos factos (2004, 2005 e 2006), a empresa que assumia toda a produção, assegurando a comercialização diretamente no mercado apenas dos produtos do setor doméstico e dos armários de casas de banho. – cfr. fls. 10 verso do processo administrativo apenso aos autos. 3. A sociedade «X-Comercial S.A.», NIPC ..., foi constituída por escritura de 14.08.1988, tendo como objeto social o comércio, importação e exportação de artigos de ciclismo, nomeadamente, os aros produzidos pela «X, S.A.» – cfr. fls. 7 do processo administrativo apenso aos autos. 4. As sociedades “«X, S.A.»” e «X-Comercial S.A.», embora fossem duas entidades jurídicas diferentes, partilhavam os mesmos espaços ou partes destes e tinham os mesmos administradores – cfr. fls. 6 e 7 do processo administrativo apenso aos autos. 5. As comissões do setor do ciclismo eram contabilizadas na sociedade «X-Comercial S.A.» e as comissões do setor doméstico eram contabilizadas na sociedade “«X, S.A.»” – cfr. fls. 11 do processo administrativo apenso aos autos. 6. Em 2006 foi constituída a «X & X, S.A.», por cisão/fusão que passou a assumir a atividade antes afeta às duas empresas originárias: «X, S.A.» e «X-Comercial S.A.», com efeitos na atividade declarada no ano de 2007 – cfr. fls. 7 verso e oito do processo administrativo apenso aos autos. 7. Em 1991 a impugnante faturou vendas para o mercado externo inferiores a 1.000.000,00 €. – cfr. artigo 188.º da petição inicial; facto não controvertido. 8. Em 1992, o «Grupo X» aumentou acentuadamente as vendas para o mercado externo, na altura em que fez um acordo de agenciamento com BB – cfr. depoimentos das testemunhas, designadamente CC. 9. As vendas faturadas pela impugnante para o mercado externo ascenderam em 1993 a 4.850.000,00 €, em 1995 a 6.928.000,00 € e em 2002, a 12.000.000,00 € – cfr. artigo 189.º da petição inicial; facto não controvertido. 10. Em 2003, 2004, 2005 e 2006 as vendas para o mercado externo faturadas foram de, respetivamente, 14.111.351,84 €, 17.318.298,67 €, 18.724.452,67 € e 19.469.763,52 – cfr artigo 190.º da petição inicial; facto não controvertido. 11. BB disse ser dono da sociedade “«W, S.R.L.», com sede em Itália, dedicada a agenciamento de produtos de ciclismo, que a partir de então passou a ser agente do «Grupo X» – cfr. fls. 225/248 do suporte físico dos autos; fls. 149 do processo administrativo apenso; e depoimentos das testemunhas, designadamente CC. 12. Com data de 02.01.1996, pela impugnante e «Y, Limited» com sede em ..., Channel Islands, foi subscrito documento redigido em língua inglesa designado “Commission Contract”, válido por 24 meses, através do qual a segunda se obrigava a comercializar os produtos da primeira e ficava habilitada a nomear subagentes que representem os interesses da segunda contratante a favor dos interesses da primeira, comprometendo-se esta a pagar ao segundo contratante ou aos subagentes todas as comissões sobre as vendas, nos termos contratados, sendo esse pagamentos efetuados imediatamente após o pagamento das faturas emitidas aos clientes, e acordando pagar um bónus de 1,5% relativo ao total de faturação caso fossem atingidos volumes de faturação definidos no contrato – cfr. fls. 200/207 do suporte físico dos autos; facto não controvertido. 13. A sociedade «Y, Limited», com sede em Londres, Inglaterra, passou a ser agente da impugnante, com vista à expansão dos negócios para outros mercados fora da Europa – cfr. fls. 142/185 do processo administrativo apenso aos autos; e depoimentos das testemunhas, nomeadamente CC. 14. A sociedade «Y, Limited» já teve sede em três moradas diferentes em Londres: de 15.01.1998 a 26.10.2003 em 72, ...; de 27.10.2003 a 23.07.2006 em ... [...] ..., 26ª, ...; e de 24.07.2006 até à data da consulta, em 4TH floor, 3 ..., ... – cfr. fls. 124, 132, 142, 145 do processo administrativo apenso os autos. 15. A sociedade «Y, Limited» teve como diretor DD – cfr. fls. 151/185 do processo administrativo apenso aos autos; depoimento das testemunhas designadamente CC e EE. 16. A sociedade «Y, Limited» foi detida pela “«Y, LLC»” com sede em 1220 ..., ..., ..., ..., EUA – cfr. fls. 40 do relatório de inspeção (a fls. 22 verso do processo administrativo) e fls. 178 do processo administrativo apenso aos autos. 17. BB é italiano e pessoa conhecida, com relevo mundial, na área dos componentes de bicicletas e fundou a sociedade «W, S.R.L.» e controla (na altura dos factos) a sociedade «Y, Limited», bem como a sociedade “«Y, LLC»” – cfr. fls. 29 do relatório de inspeção (a fls. 17 do processo administrativo apenso aos autos; e depoimentos das testemunhas, nomeadamente CC e EE. 18. Em abril/maio de 2003 a «X, S.A.» cessou a relação contratual que mantinha com BB, através da «W, S.R.L.», por este ter decidido dedicar-se à fabricação de aros de bicicletas, em Itália – cfr. fls. 250/251 do suporte físico dos autos; depoimentos das testemunhas, designadamente CC e EE. 19. Pela “«X, S.A.»” e a sociedade «Y, Limited», representada por DD, foi subscrito documento redigido em língua inglesa designado “Commission Contract”, a começar em 02.01.2004, renovável automaticamente, do qual consta, além do mais, que ficou acordado entre os outorgantes que a «Y, Limited» tem a obrigação de promover a venda dos produtos domésticos, como lava louças em aço inoxidável para cozinhas e cabines em metal para banheiros, o interesse da «X, S.A.» com potenciais clientes, podendo nomear subagentes que representarão os interesses da «X, S.A.»; que as comissões e bonificações são devidas à «Y, Limited» de acordo com as tabelas de preços publicadas pela «X, S.A.» – Metalúrgicas periodicamente; que as comissões e bónus serão pagos à «Y, Limited», ou seus agentes, imediatamente após a faturas terem sido pagas pelos clientes à «X, S.A.»; que, para além das comissões acordadas, a «Y, Limited» terá direito a receber um bónus no valor de 1,5%, com referência ao valor das metas atingidas estabelecidas para o volume de negócios; que a «Y, Limited» suportará todos os custos relacionados com essas atividades sem direito a qualquer reembolso pela «X, S.A.» – cfr. fls. 134/136 do processo administrativo apenso aos autos. 20. As faturas emitidas à impugnante pela «Y, Limited», no ano de 2006, respeitam a comissões bónus e comissões de vendas na Europa de Leste – cfr. anexo 13 ao relatório de inspeção (a fls. 120 do processo administrativo apenso aos autos). 21. A «Z, SRL», sociedade com sede em Itália, era representada pelo Sr. AA, tendo este sido subcontratado pelo Sr. BB e depois continuou a prestar serviços como agente da impugnante para o setor doméstico – cfr. fls. 201/219, 224, 237/239 e seguintes do processo administrativo apenso aos autos; e depoimentos das testemunhas, designadamente CC e EE. 22. Nos anos de 2004, 2005, 2006, a impugnante recebeu da sociedade denominada «Z, SRL», diversos pedidos de encomendas de produtos – cfr. fls. 201/219, 224, 237/239 e seguintes do processo administrativo apenso aos autos; e depoimentos das testemunhas designadamente CC e EE. 23. A estrutura de comissionistas da sociedade “«X, S.A.»” tinha as seguintes categorias: i. Comissionistas-inspetores – que tinham como função supervisionar e delinear as ações estratégicas dos subagentes; ii. Comissionistas-agentes – que exerciam as suas funções diretamente nos clientes da empresa e que não reportavam a qualquer comissionista- inspetor”; iii. Comissionistas diretos ou subagentes – que tendo as mesmas funções dos comissionistas agentes, estavam sujeitos à supervisão dos comissionistas-inspetores. (cfr. fls. 11 verso do processo administrativo apenso aos autos; depoimentos das testemunhas, designadamente CC). 24. A distinção entre comissionistas descrita no ponto anterior não era estanque, podendo o mesmo comissionista ser inspetor relativamente a uns clientes e comissionista direto ou agente relativamente a outros – cfr. fls. 18 verso e 19 do relatório de inspeção (a fls. 11 verso e 12 do processo administrativo apenso aos autos) e depoimentos das testemunhas, designadamente CC. 25. Nem todos os mercados, nem todos os clientes tinham associado um “comissionista inspetor”, sendo que nestes casos o agenciamento apenas era efetuado através dos “comissionistas agentes” – cfr. fls. 18 verso e 19 do relatório de inspeção tributária (a fls. 11 verso e 12 do processo administrativo apenso aos autos) e depoimentos das testemunhas, designadamente CC. 26. A «Y, Limited», para além da função de inspeção, tinha ainda a função de supervisão – cfr. fls. 19 do relatório de inspeção (a fls. 12 do processo administrativo apenso aos autos) e depoimentos das testemunhas, designadamente CC. 27. A função de supervisão incluía a obrigação do agente desenvolver novos produtos, de prospeção de mercados, auxílio na participação de feiras, auxilio na elaboração de catálogos, bem como outras atividades de índole promocional – depoimentos das testemunhas, designadamente CC. 28. Como forma de retribuição do trabalho dos agentes a impugnante pagava três tipos de comissões: i. Comissões diretas, que eram pagas aos comissionistas diretos e aos comissionistas agentes e representavam uma determinada percentagem sobre o valor das vendas efetuadas pela impugnante aos clientes agenciados pelos agentes e/ou subagentes; ii. Comissões de inspeção, que tinham como objetivo remunerar o trabalho dos comissionistas inspetores e eram calculadas sobre o valor das vendas efetuadas para os clientes finais pelo subagente; nas situações em que havia subagenciamento o valor da comissão que havia sido inicialmente acordado entre a «X, S.A.» e o comissionista era repartida pelo comissionista direto e o comissionista inspetor; iii. Comissões – bónus, que tinham o propósito de remunerar as prestações de serviços relacionadas com a atividade de supervisão, mas sendo apenas pagas quando e se fosse atingido o objetivo do volume de vendas para o mercado internacional, que todos os anos era definido pela impugnante. (cfr. fls. 20 do relatório de inspeção (a fls. 12 verso do processo administrativo apenso aos autos) e depoimentos das testemunhas, designadamente CC. 29. No cálculo das comissões bónus eram retiradas as vendas que já tinham gerado comissões como inspetor – cfr. fls. 21 do relatório de inspeção (a fls. 13 do processo administrativo apenso aos autos) e depoimentos das testemunhas, designadamente CC. 30. Em cumprimento das ordens de serviço n.º ...05, de 15.01.2008 e n.º ..., de 15.12.2008, os serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças ... realizaram uma ação inspetiva à atividade da aqui impugnante, de âmbito parcial (IRC, IVA e RFS), abrangendo os anos de 2004, 2005 e 2006 – cfr. fls. 5 verso do processo administrativo apenso aos autos. 31. Pelo ofício n.º ...54, foi a impugnante notificada do projeto de relatório de inspeção tributária, para exercer o direito de audição prévia, no prazo de 10 dias, tendo-o feito por requerimento apresentado na Direção de Finanças ..., em 16.01.2009 – cfr. fls. 50 e 469/481 do processo administrativo apenso aos autos. 32. Em 20.01.2009, foi elaborado o relatório de inspeção tributária, que foi homologado por despacho de 21.01.2009, tendo efetuado, entre o mais, correções meramente aritméticas à matéria tributável do IRC dos anos 2004, 2005 e 2006 por desconsideração como custo fiscal das comissões pagas à «Y, Limited» – fls. 1 e seguintes do processo administrativo apenso aos autos. 33. Do relatório de inspeção tributária consta, para além do mais, o seguinte: “(...) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (...) (...)”. (cfr. fls. 1/55 do processo administrativo apenso aos autos). 34. Em 29.04.2009, na sequência do procedimento inspetivo, foi emitido o ato de liquidação adicional n.º ...19, referente a IRC do ano de 2006 e respetivos juros compensatórios, inserta na demonstração de acerto de contas n.º ...96, com saldo a pagar de 80.001,03 € – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial (a fls. 49/52 do suporte físico dos autos). 35. Em 08.06.2009 foi remetida a este Tribunal, por via postal registada, a petição inicial que deu origem aos presentes autos. – cfr. fls. 2 do suporte físico dos autos. 36. Em 19.08.2009, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...70, foi prestada, pelo Banco 1..., a garantia bancária n.º ...90, até ao limite de 111.362,44 € – cfr. fls. 296 do suporte físico dos autos. 37. Da referida garantia bancária consta, designadamente, o seguinte: O Banco 1..., S.A., Sociedade Aberta, com sede na Rua ..., ... ..., com o capital social de 900.000.000 Euros, Pessoa Colectiva nº. ..., Registado na CRC ... sob o nº. 501 214 ..., declara, pelo presente documento, prestar uma garantia bancária até ao limite de EUR 111.362,44 (CENTO ONZE TREZENTOS SESSENTA DOIS EUROS E QUARENTA QUATRO CÊNTIMOS), em nome e a pedido de «X, S.A.», Contribuinte nº. ..., com sede/morada na Rua ..., ... ... – ..., destinada a garantir o pagamento do valor da dívida referente ao Processo de Execução Fiscal nº. ..., que corre os seus termos nessa Repartição de Finanças, pelo que se obriga como fiador e principal pagador, com renúncia ao benefício da excussão prévia, a fazer as entregas de quaisquer importâncias que se tornem necessárias até àquele limite, se o mesmo o não fizer em devido tempo. O valor da presente garantia bancária é, pois, de EUR 111.362,44 (CENTO ONZE ML TREZENTOS SESSENTA DOIS EUROS E QUARENTA QUATRO CÊNTIMOS). (cfr. fls. 296 do suporte físico dos autos). * Na sentença recorrida considerou-se que inexistiam factos não provados com relevância para a decisão da presente questão. * No que diz respeito à motivação factual, escreveu-se na sentença recorrida que: «A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos e do processo administrativo apenso, os quais não foram impugnados, da posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, bem como dos depoimentos das testemunhas, conjugados com as regras da experiência comum, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório. Foram ouvidas as seguintes testemunhas: i) FF; ii) EE; iii) CC; e iv) GG. FF, contabilista, funcionária da impugnante, referiu, em suma, que a contabilização das comissões passava por si, sendo atribuídas automaticamente, aquando do lançamento no sistema da encomenda efetuada pelo cliente. Aludiu à existência de três tipos de comissões: comissões diretas, recebidas pelos agentes que trabalhavam diretamente com os clientes e que consistiam numa percentagem das vendas; as comissões-inspeção, atribuídas aos comissionistas inspetores que angariavam os agentes (regime de subagenciamento) e regulavam e supervisionavam o seu trabalho; e as comissões-bónus, percebidas em função de objetivos anuais pré-estabelecidos aos comissionistas. Referiu ainda que apenas a «Y, Limited» recebia comissões-bónus, mas que só conhece a «Y, Limited» em termos documentais, pessoalmente não conhece as pessoas. EE, Diretor Financeiro, funcionário da impugnante há 27 anos (na data em que se realizou a inquirição de testemunhas) afirmou, em suma, que era da sua competência verificar as faturas e os certificados de residência dos comissionistas e alocar os respetivos meios de pagamento. Afirmou que conhecia a «Y, Limited» e o Sr. BB mas que normalmente contatava com o Sr. DD, via telefone ou fax, era o Sr. DD que assinava as faturas. Referiu ainda que a «Y, Limited» realizava toda a parte promocional da empresa no exterior, designadamente presenças em feiras. CC, T.O.C., funcionário da impugnante há 22 anos, com relevo, referiu que a ideia de contratar comissionistas surgiu na década de 90, pela necessidade e estratégia de abrir a empresa ao mercado externo. Referiu no seu depoimento que o Sr. BB que declarou conhecer pessoalmente, lançou-se inicialmente em nome individual, como agente na atividade do ciclismo, estabelecendo-se, depois com a «W, S.R.L.» quando começou a avançar no mercado europeu. Esclareceu ainda que a “sucessão” da «W, S.R.L.». para a “«Y, Limited»” se deveu tão só ao facto de o Sr. BB ter expandido a sua atividade do mercado europeu para o mercado mundial, chegando a referir que toda a estratégia «X-Comercial» da impugnante no mercado externo começou por delineada pelo Sr. BB. Quanto à comissionista “«Z, SRL»” disse pertencer ao Sr. AA, que foi apresentado à «X, S.A.» pelo Sr. BB, com o intuito de expandir o mercado da área do setor doméstico (lava-loiças), salientando que o Sr. BB nunca teve intervenção direta no setor doméstico. Explicou ainda que a impugnante pagava três tipos de comissões: comissões diretas, comissões-inspetor e comissões-bónus, acrescentando que a “«Y, Limited»” tinha funções de supervisão, tendo como competências a definição das regras de participação em feiras, definição de catálogo, definição dos produtos a desenvolver e das tecnologias a utilizar nesses produtos, definição de estratégia «X-Comercial», sendo estes serviços remunerados através de bónus anuais. Mencionou ainda que a colaboração com o Sr. BB e a «W, S.R.L.», no setor do ciclismo interrompeu-se em maio de 2003, altura em que a «X, S.A.»-Ciclismo teve de criar uma equipa de supervisão o que implicou um acréscimo de custos, frisando que a rutura aconteceu porque houve concorrência desleal por parte do Sr. BB, que decidiu começar a fabricar produtos concorrentes da «X, S.A.», o que gerou falta de confiança. Estes depoimentos, não obstante as relações profissionais que as uniam (pelo menos até à data da inquirição de testemunhas) à impugnante, revelaram-se isentos e credíveis, coerentes entre si. Tais testemunhas, designadamente as testemunhas CC e EE, evidenciaram ter conhecimento direto e concreto dos factos, depondo sem hesitações que fizessem o Tribunal duvidar da veracidade e consistência das suas declarações. Também o depoimento da testemunha GG, inspetor tributário e autor do relatório de inspeção em causa nos autos, mostrou-se sério e descomprometido, procurando vincar que nunca questionou que a impugnante tenha suportado as comissões faturadas pela «Y, Limited», nem a sua materialidade ou a sua indispensabilidade, mas apenas a sua titularidade, ou seja, quem terá prestado efetivamente os serviços, que, conforme consignou no relatório de inspeção, não foi a «Y, Limited». No entanto, na sua valoração teve-se em conta que a testemunha limitou-se a reproduzir, no essencial, o que já constava do relatório de inspeção. Do conjunto da prova produzida resultou a convicção de que os serviços subjacentes às comissões pagas pela impugnante à «Y, Limited» foram efetivamente prestados à «X, S.A.», ainda que por intermédio da sociedade “«Z, SRL»”, representada pelo Sr. AA. Nesse sentido aponta a prova documental, nomeadamente o contrato de agenciamento celebrado entre a impugnante e a “«Y, Limited»”, bem como as faturas relativas às comissões e os respetivos meios de pagamento, conjugada com a prova testemunhal que atestam a existência de uma relação de agenciamento entre a impugnante e a “«Y, Limited»”. Por sua vez, os documentos constantes do anexo 19 ao relatório de inspeção, correspondentes alguns processos de encomenda efetuados pela “«Z, SRL»” evidenciam que, no setor doméstico, era esta empresa, através do Sr. AA, que tinha contacto direto com os clientes da impugnante, organizando os eventos de acordo com a estrutura organizacional que detinha em Itália. Para além disso, as testemunhas, designadamente CC e EE, referiram que a «Z, SRL», representada pelo Sr. AA, foi subcontratada pelo Sr. BB e depois continuou a prestar serviços como agente da impugnante para o setor dos lava-louças. Sendo assim, quer a prova documental quer a prova testemunhal apontam no sentido de que a “«Z, SRL»” era um subagente, sujeito à supervisão da “«Y, Limited»”, recebendo esta as comissões de inspeção/supervisão, calculadas sobre o valor das vendas efetuadas para os clientes em que havia o subagenciamento, acrescendo as comissões bónus que eram sempre atribuídas ao agentes inspetores sobre o somatório das vendas diretas dos outros comissionistas, tal como, aliás, consta do contrato subscrito pela impugnante e a «Y, Limited» a que se alude no ponto 19. do probatório.» -/- III – Questões a decidir. No presente recurso, cabe analisar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, nomeadamente no que concerne ao erro de julgamento da matéria de facto e ao erro de julgamento de direito. Assim, quanto a este último, defende a Recorrente, em síntese, que os serviços inspetivos da AT recolheram indícios sérios e suficientes no sentido que inexistiram certas prestações de serviços que a Recorrida deduziu como custos. -/- IV – Da apreciação do presente recurso. Constitui objeto dos presentes recursos a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em sede de processo de impugnação, pela qual se concedeu provimento ao pedido anulatório formulado pela Recorrida («X, S.A.»), direcionado contra a liquidação de IRC do ano de 2006 e contra a correspetiva liquidação de juros compensatórios. A liquidação supra referida teve por suporte uma ação inspetiva promovida pelos serviços da AT e que incidiu sobre os exercícios de 2004, 2005 e 2006. Assim, na apontada ação inspetiva, os serviços da AT concluíram pela aplicação de correções técnicas relativas aos apontados exercícios, que culminaram na elaboração de liquidações adicionais relativas aos supra apontados anos. No entanto, na presente situação, está unicamente em causa o julgamento feito pelo Tribunal recorrido quanto à invalidade da liquidação adicional de IRC do ano de 2006, assim como a consequente invalidade da correspetiva liquidação de juros compensatórios (cf. ponto n.º 34 dos factos assentes na sentença recorrida e acima enunciado). Ora, as questões presentes nesta apelação são em tudo idênticas às suscitadas no processo n.º 984/09.3BEVIS, que foi objeto de recente acórdão desta instância datado de 13.04.2023. Com efeito, as questões do recurso nestes autos e naqueles são as mesmas, sendo as conclusões recursivas iguais, sendo que as liquidações de IRC num e noutro caso, emergem do mesmo relatório inspetivo. Assim sendo, dando-se cumprimento ao disposto no n.º 3 do art.º 8.º do CC, julgamos serem integralmente transponíveis para os presentes autos os fundamentos do acórdão supra citado. Assim, no aresto desta instância proferido no processo acima referido, relatou-se que: “[…] A questão em dissídio, conforme definido pelo Tribunal a quo, prende-se com apurar se a Administração Tributária logrou coligir indícios sérios e credíveis de que os pagamentos de comissões efectuados pela Impugnante, ora Recorrida, no ano de 2005, à sociedade «Y, Limited», não correspondem a serviços efectivamente prestados por esta, com a consequência, em caso afirmativo, de tais custos não poderem ser considerados fiscalmente dedutíveis no apuramento da matéria colectável de IRC naquele exercício, nos termos conjugados do disposto nos artigos 23º e 42º, nº 1, alínea g) do Código do IRC, posição sustentada pela Administração Tributária no relatório inspectivo que deu origem à liquidação adicional aqui impugnada e reiterada nesta sede pela Recorrente Fazenda Pública. Em sede de recurso, o inconformismo da Fazenda Pública assenta, antes de mais, no erro de julgamento de facto imputado à sentença recorrida, argumentando, para tanto, que face à fundamentação constante do relatório de inspecção e da prova forte e bem alicerçada em que aquele se baseou, existem “factos-índice” mais do que suficientes para permitir desconsiderar os custos suportados nas facturas contabilizadas pela Impugnante, relativas às comissões pagas à «Y, Limited», com o fundamento de que as operações referidas nessas facturas não ocorreram, concluindo, assim, que deve ser alterada a decisão recorrida, ao abrigo do artigo 662º do CPC, considerando-se que os indícios apontados pela Administração Tributária são suficientes para suportar o seu juízo sobre a “falsidade” das facturas. Vejamos. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1.ª instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida - artigo 640º do CPC, ex vi artigo 281º do CPPT (cfr. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil anotado”, volume 3º, tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pp. 61-62; Fernando Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9ª edição, Almedina, 2009, p. 181, em anotação ao anterior artigo 685º-B do CPC). Importa, ainda, ter presente que o poder de cognição do tribunal ad quem sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal a quo não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artigo 640º do CPC e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vd., sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, volume II, pp. 250 e ss.). Daí que sobre o recorrente impenda um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artigo 640º do CPC. Concretizando, as três alíneas do nº 1 do artigo 640º do CPC, impõem à Recorrente a especificação (i) dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (ii) dos concretos meios probatórios, constantes do processo, nomeadamente documentos, registo ou gravação da prova nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos a matéria de facto impugnados diversa da recorrida e (iii) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que, para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto, deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pela Recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida. Ora, como decorre das alegações e conclusões do recurso, este ónus da Recorrente não foi correctamente estruturado segundo o regime legal aplicável, desde logo, porquanto, se bem atentarmos, e ao contrário do que a mesma refere nas suas alegações de recurso, a divergência da Recorrente com a sentença recorrida não se prende com os factos, nem com a prova dos factos, mas sim com as ilações retiradas pelo Tribunal a quo de tais factos e provas. Com efeito, no entendimento da Recorrente, o Tribunal a quo cometeu um erro de julgamento quanto à matéria de facto porquanto terá desconsiderado, erradamente, os “factos-índice” apresentados pela Administração Tributária no respectivo relatório de inspecção. Ou seja, o que alega a Recorrente é que existe um erro de julgamento da matéria de facto não porque o Tribunal a quo, de forma incorrecta, deu como provado, ou como não provado, determinados factos, que de acordo com os elementos de prova apresentados impunham conclusão diversa, mas sim porque a conclusão que o Tribunal retirou dos “factos-índice” constantes do relatório de inspecção tributária, e da matéria dada como provada, é, no seu entendimento, errada, o que, como está bom de ver, não tem enquadramento no erro de julgamento invocado, tratando-se, antes, de uma divergência na valoração da prova. Assim, apenas está colocada em causa a convicção formada pelo Tribunal a quo quanto à suficiência dos “factos-índice” constantes do relatório de inspecção tributária para abalar a presunção de veracidade da contabilidade da Recorrida, ou seja, o erro na apreciação da prova, resultando das alegações de recurso que a Recorrente apenas pretender discutir a convicção do julgador que fundamentou a decisão, não aceitando o resultado jurídico a que chegou a sentença, ou seja, pretende retirar da factualidade considerada provada na sentença recorrida ilações jurídicas distintas das que o Tribunal a quo retirou e explicitou na respectiva fundamentação. Pelo exposto, cumpre apenas aferir do eventual erro na apreciação e valoração da matéria de facto e, consequentemente, no julgamento de direito e na solução jurídica preconizada na sentença, reapreciando a questão sobre a qual se debruçou o Tribunal a quo, qual seja, a de saber, se a Administração Tributária, como defende a Recorrente Fazenda Pública, mas não logrou convencer o Tribunal a quo, conseguiu coligir indícios sérios e credíveis de que os pagamentos de comissões efectuados pela Impugnante, ora Recorrida, no ano de 2005, à sociedade «Y, Limited», não correspondem a serviços efectivamente prestados por esta, com a consequência, em caso afirmativo, de tais custos não poderem ser considerados fiscalmente dedutíveis no apuramento da matéria colectável de IRC naquele exercício, nos termos conjugados do disposto nos artigos 23º e 42º, nº 1, alínea g) do Código do IRC. Ora, como bem alerta a Recorrida nas suas contra-alegações de recurso, sobre a questão suscitada nos presentes autos, e em situação idêntica, já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Norte, em diversos Acórdãos, todos no mesmo sentido da posição sancionada na sentença sob recurso, defendida pelas respectivas Impugnantes, a aqui Recorrida «X, S.A.» (acórdão de 3 de Novembro de 2022, no Processo nº 979/09.7BEVIS), a «X-Comercial S.A.» (acórdão de 2 de Fevereiro de 2023, no Processo nº 541/07.9BEVIS) e a «X & X, S.A.» (acórdãos de 30 de Novembro de 2022 e 2 de Fevereiro de 2023, respectivamente, nos Processos nºs 980/09.9BEVIS e 983/09.5BEVIS, e decisão sumária de 30 de Março de 2023, no Processo nº 982/09.7BEVIS), pelo que, afigurando-se que a apreciação ali levada a efeito é inteiramente válida e transponível para os presentes autos, por assentar em factualidade essencialmente sobreponível à aqui provada e subsumível ao mesmo regime legal, e considerando o comando constante do nº 3 do artigo 8º do Código Civil - que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito - acolhemos o decidido no primeiro dos mencionados Acórdãos, em que também estavam em causa as comissões pagas pela aqui Recorrida «X, S.A.» à sociedade «Y, Limited» [«Y, Limited»], mas no ano de 2004, e cujos correspondentes custos suportados também foram desconsiderados pela Administração Tributária no apuramento da matéria tributável daquele exercício ao abrigo dos artigos 23º e 42º, nº 1, alínea g) do Código do IRC, com base no entendimento de que os serviços não haviam sido prestados por aquela empresa, entendimento, esse, vertido no mesmo relatório de inspecção tributária que esteve na origem das correcções técnicas e liquidação adicional aqui impugnada. Assim, aderindo integralmente ao seu discurso fundamentador (à semelhança, de resto, da sentença recorrida, que remeteu, in fine, para a fundamentação aí vertida) transcreve-se seguidamente o expendido no referido Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 3 de Novembro de 2022, proferido no Processo nº 979/09.7BEVIS, no segmento mais relevante, permitindo-nos, apenas, efectuar as adaptações relativas ao caso concreto dos presentes autos: «(…) Para compreensão da questão é preciso realçar que o que aqui está em debate são as comissões (bónus) pagas pela «X, S.A.» à «Y, Limited» no exercício de 2004 [2005] em matéria de comercialização e expansão dos negócios respeitantes a materiais domésticos, como lava- -louças, cabines de casa de banho, entre outros. Na verdade, o que esteia a liquidação é um extenso relatório inspetivo que inclui muita informação respeitante a vários anos e a outras empresas do grupo que comercializam outros materiais, ligados ao ciclismo, e vários outros comissionistas. O relatório está pejado de documentos redigidos originariamente em língua inglesa, tratando-se de vários contratos de comissões celebrados entre a «X, S.A.» e «X-Comercial» e outras empresas ou pessoas individuais. Ora, este manancial de factos acaba por ser transportado, ainda que de forma mais sucinta, para o julgamento de facto da sentença e transforma-a numa peça difusa, pouco precisa e objetiva, ainda mais porque, também, transcreve inúmeros textos em língua inglesa, alguns sem sério relevo para a economia da decisão, ao arrepio das regras processuais de seleção da matéria de facto com relevo para a decisão da causa e ainda quanto à regra que define a junção dos documentos em língua estrangeira. Prosseguindo, As faturas emitidas pela «Y, Limited» no ano de 2004 [2005] para a «X, S.A.» (aqui recorrente), conforme resumo de faturas de fls. 120 do p.a. (anexo 13 ao relatório), respeitam a comissões bónus e comissões de vendas na Europa de Leste. A fls. 134 (anexo 14) encontra-se um contrato de comissão celebrado entre a «X, S.A.» Metalúrgica do Eixo e a «Y, Limited» para o ano de 2004 [renovável automaticamente] em que a «Y, Limited» tem a obrigação de promover a venda dos produtos domésticos, como lava louças em aço inoxidável para cozinhas e cabines em metal para banheiros, pelo mundo e no interesse da «X, S.A.» com potenciais clientes, ficando acordado que a «Y, Limited» terá o direito de nomear subagentes que representarão os interesses em nome da «X, S.A.»; em matéria de comissões bónus, estabelece que as comissões e bonificações lhe são devidas deacordo com as tabelas de preços publicadas pela «X, S.A.» periodicamente; as comissões e bónus serão pagos ao segundo contratante, «Y, Limited», ou seus agentes, imediatamente após as faturas terem sido pagas pelos clientes à «X, S.A.». Para além das comissões acordadas a «Y, Limited» terá direito a receber um bónus no valor de 1.5%, com referência ao valor das metas atingidas estabelecidas para o volume de negócios; acresce que o segundo contratante («Y, Limited») suportará todos os custos relacionados com essas atividades sem direito a qualquer reembolso pela «X, S.A.». A sentença confirma o conjunto de indícios descritos pela administração fiscal na sua fiscalização à contabilidade da impugnante para afastar a dedutibilidade dos custos com o pagamento das comissões, já que os indícios aportados conduzem à conclusão de que os serviços não foram prestados pela «Y, Limited» mas pela empresa italiana «Z, SRL». Conclusão que assenta nas seguintes premissas: A «Y, Limited», segundo as informações do Reino Unido, não tem estrutura organizacional efetiva para prestar serviços na organização de feiras, escolhas de publicações para publicidade, elaboração de catálogos de produtos e aconselhamento ao alargamento de novos mercados e já teve diferentes moradas; é detida pela «Y, LLC», com sede em ..., EUA, local de regime fiscal privilegiado e tem como únicos sócios o Sr. BB e a mulher, que detém patentes relacionadas com produtos comercializados pela «X, S.A.», ou seja, dispõe apenas de um escritório e uma pessoa que nele trabalha; desde a sua existência esteve sedeada em locais diferentes do país (UK), logo não dispõe de estrutura organizacional para escolha de feiras de publicações e publicidade, bem como aconselhamento de novos mercados; na documentação fornecida pela «X, S.A.» à AT não se encontra qualquer elemento que prove ou indicie qualquer intervenção dessa empresa neste tipo de prestação de serviços; quer a emissão da faturas quer o pagamento do bónus são irregulares; parte significativa da correspondência entre a «Y, Limited» e a «X, S.A.» tem origem em Itália; a «X, S.A.» assumia custos com atividades promocionais cujas faturas eram emitidas diretamente pelos prestadores de serviços; era a «W, S.R.L.» que através do seu staff, liderado pelo Sr. BB e o Sr. AA que serão de facto operacionais da área «X-Comercial» - ciclismo e doméstico, respetivamente, que operam em Itália aonde dispõem de empresas instaladas nas áreas da produção mas também na área da intermediação de negócios, esta intermediação da responsabilidade da “«W, S.R.L.»” e da «Z, SRL», os serviços embora prestadas pelo Sr. BB são pagos à «Y, Limited» por instrução deste último; há um tratamento desigual entre comissionistas, não se percebendo porque só existe contrato escrito com a «Y, Limited» e porque só esta recebe comissões bónus, mesmo quando não foi atingido o objetivo anual, as comissões foram pagas. Não há razão para pagamento de comissões sobre todas as vendas no mercado externo quando em 2003 houve um corte de relações comerciais com o Sr. BB. Porque existe contrato de comissão escrito com a «Y, Limited» e não há com outros. Se atentarmo-nos nestes indícios erigidos pela administração e sancionados na sentença recorrida desde logo se vê que alguns não têm qualquer conexão com as empresas em questão, ou seja, «X, S.A.» que fabrica produtos para área doméstica, comercializados através da «Z, SRL», do Sr. AA (agente e/ou subagente) e a «Y, Limited» que no ano de 2004 [2005] tinham o encargo de expandir o negócio nomeadamente para os países de Leste dos produtos domésticos [anexos 1, 2, 4 e 19 do P.A.]. Outros indícios, de per si, têm um valor indiciário ambivalente e pouco sustentado em dados objetivos, em contraponto com as considerações de teor especulativo realizadas pela AT. A inspeção realça a falta de documentação na posse da impugnante que ilustre a prestação de serviços pela «Y, Limited», referindo que os documentos relacionam-se com a empresa «Z, SRL», concluindo assim ser esta a efetiva prestadora, não obstante, as faturas são emitidas pela «Y, Limited», sendo esta que recebe a comissão. Ora dos elementos constantes dos autos e do historial que remonta, pelo menos, a 1998, o agente direto é a «Z, SRL», sendo esta empresa através do Sr. AA que tem o contacto direto com os clientes e sendo a organizadora dos eventos de acordo com a estrutura organizacional que detém em Itália, como emerge do acervo factual sob os n.ºs 25 a 27 [U) e V)] e parte do que consta do n.º 31, do qual resulta, entre outras coisas, que a «Y, Limited» foi o impulsionador do mercado externo da «X, S.A.», estando incluídas vendas em que tenha tido intervenção direta ou indireta como comissionista em contraponto com outros agentes como a ... (equivalente à «Y, Limited») noutra área de negócio em que esta tem uma intervenção absoluta no negócio, envolvendo negociação de condições comerciais de clientes, aprovação de todas as encomendas de clientes, acompanhamento da entrega/faturação e acompanhamento de cobranças. Ora, no que tange à «Y, Limited» não há evidencias deste tipo de intervenção para além da que se respalda na responsabilidade da gestão estratégica dos clientes e aconselhamento, veja-se o caso da «Z, SRL» em relação à «Y, Limited», recebendo esta as comissões de supervisão, calculadas sobre o valor das vendas efetuadas para os clientes em que havia o subagenciamento, acrescendo as comissões bónus que eram sempre atribuídas ao agentes inspetores (aliás, como consta do contrato subscrito pela «X, S.A.» e «Y, Limited» (em 2-01-2004), sobre o somatório das vendas diretas dos outros comissionistas. Neste enquadramento, é plausível que a Recorrente não tenha na sua posse a documentação que esteie a intervenção da «Y, Limited» já que o que se indicia são relações de agenciamento entre a «Z, SRL» e a «Y, Limited» sem intervenção da «X, S.A.» que apenas tem no final de pagar as comissões, que segundo o contrato podem ser feitas diretamente à «Y, Limited» ou ao subagente, apenas estão espelhadas as faturas da «X, S.A.» para clientes em 2004 [2005], como da República Checa [anexo 19] Acresce não ter qualquer interesse para o caso o facto de haver pagamentos de comissões bónus à «Y, Limited» e o incidente com o Sr. BB em 2003 pelo corte de relações comerciais, na presente correção estão em causa comissões pagas à «Y, Limited» relativamente ao agenciamento de produtos domésticos produzidos pela recorrente («X, S.A.») e agenciados diretamente pela «Z, SRL» do Sr. AA. Quando se deu a quebra nas relações comerciais entre o Sr. BB, que representava a empresa italiana «W, S.R.L.» as relações respeitavam à área do ciclismo que nada se relaciona com os produtos domésticos e são empresas e pessoas diferentes. Os pagamentos que ocorreram por ordem da «Y, Limited» ao Sr. BB respeitam a anos anteriores e produtos diversos, ciclismo. Por fim, não é razoável a consideração de que há um tratamento desigual entre comissionistas, não entendendo a AT porque só existe contrato escrito com a «Y, Limited» e porque só esta recebe comissões bónus, como o facto de afirmar que desde 2003 que a «X, S.A.» tem recursos técnicos e humanos capazes de assegurar a coordenação e supervisão das vendas, porquanto tal realidade não foi objetivada com dados da empresa. Não estando evidenciado que a «Y, Limited» tem uma intervenção direta e ativa junto dos clientes, organizando feiras e outos eventos não é oportuna a consideração de falta de estrutura organizacional no Reino Unido. Também não se consegue acompanhar o raciocínio da ATA relativamente ao facto de não serem prestados serviços pela «Y, Limited» e esta ser detida pela «Y, LLC» dos EUA e deter as patentes dos produtos comercializados pela «X, S.A.». Não se descortina como descredibiliza a prestação de serviços pela «Y, Limited» com o facto de o momento da emissão das faturas e o seu pagamento serem irregulares, diferente do estipulado no contrato; No ano de 2004 [2005], não são identificadas essas irregularidades na emissão e pagamento. As questões dos certificados de residência respeitam a ano muito anterior. Ademais, não cabe à AT apreciar o mérito das decisões de quem administra a empresa, nomeadamente no que respeita ao pagamento do bónus quando o valor previamente definido para o pagamento fica aquém, [o que não ocorreu em 2004, mas em 2002] havendo aqui uma margem de discricionariedade que está conexionada com a política e estratégia «X-Comercial» da empresa. O que nos permite concluir, ao invés do que fez a sentença, estando os custos documentados com faturas, estas esteadas noutros documentos, como contratos de agência, correspondência vária, não é possível concluir que as faturas são falsas no sentido de que quem as emitiu não prestou o serviço que titula.¹ (1 Apontamentos ao Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, Rui Morais, pág. 88 e seguintes.) Não cabe à AT apreciar o mérito das decisões dos administradores na gestão das suas empresas, devendo quedar-se pela indispensabilidade, como se estatui no art. 23º, nº 1 do CIRC², ou seja, apenas averiguar da indispensabilidade dos custos, no sentido de o gasto estar relacionado com a realização do fim social da empresa ou do seu escopo, bem como no interesse exclusivo da mesma. (2 Neste sentido a doutrina, Tomás Maria Cantista de Castro Tavares, in CTF, nº 396, páginas 7 a 177, António Moura Portugal, in “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Portuguesa”, Coimbra editora, pág. 112 a 127 e Ac. do STA de 21-11-2019 no processo n.º 0306/12, disponível em www.dgsi.pt) Por fim um outro indício que é indicado pela AT é o esquema de “elisão fiscal” a geometria da sociedade «Y, Limited» estar relacionado com paraísos fiscais e assim a sua existência para emitir faturas, sustentando uma forma de arrecadar benefícios fiscais; todavia não passa do papel o que especula sobre o assunto, sem antes mover os meios, o mesmo é dizer os procedimentos legais (art. 38º, nº 2 da LGT e 63º do CPPT) para o efeito. Os factos relatados pela AT sobre a sociedade «Y, Limited» são: estar associada às mudanças de território, em 1995 apresenta-se como uma empresa com sede em ..., nas ... (Reino Unido) que encaixava no conceito de paraíso fiscal; em 1998 é constituída a «Y, Limited», com sede em Londres e simultaneamente é constituída «Y, LLC», com sede em ..., (EUA) território com regime tributário privilegiado; os únicos clientes da «Y, Limited» são quatro empresas portuguesas todas relacionadas com o “«Grupo X»”, estarem as prestações de serviços sujeita a retenção na fonte por não residentes do nosso pais (art. 88º, nº 1 al. g) e art. 4º, al. c) pontos 1 e 7 do CIRC) e a isenção da retenção na fonte ao abrigo da convenção para evitar a dupla tributação celebrada com Portugal (art. 90º, nºs 2 e 3 do CIRC). Assim, permite-nos concluir que estando os custos, comissões pagas, titulados por faturas emitidas pela «Y, Limited», tendo a impugnante a sua contabilidade organizada de acordo com as regras contabilísticas e fiscais, como expressamente assume a inspeção, não tendo carreado para o relatório factos objetivos que suportem a conclusão de que as comissões pagas à «Y, Limited» não assentam em efetivas prestações de serviços, não se pode desconsiderar tais custos. Não pode concluir que a fatura não foi emitida por quem prestou efetivamente os serviços, mas por entidade sem estrutura económica incapaz de ter tido a responsabilidade de prestá-los. Não obstante a indispensabilidade dos custos para a formação dos proveitos a que se refere o art. 23º do CIRC, há necessidade de que os mesmos sejam devidamente documentados; é por este facto não se ter verificado que o custo não é aceite com suporte no disposto na al. g), nº 1, do art. 42º do CIRC. Com base neste fundamento e no facto de estar em causa um modelo em que o prestador do serviço não está relacionado com a empresa que emite as faturas e que beneficia do rendimento, o qual acaba sem tributação no território com regime de tributação privilegiado, concluímos que as comissões contabilizadas como custo que se relacionam com «Y, Limited» não podem afetar a determinação do lucro tributável a que se refere o art. 17º do CIRC. Simultaneamente, não pode afirmar que os custos não são indispensáveis, porquanto esta vertente não está equacionada factualmente no relatório, porquanto, o que ali se diz é que efetivamente o agenciamento das vendas aos agentes e/ou comissionistas permitiram alavancar as vendas e tal é elucidativo no aumento progressivo das vendas.³ (³ Apontamentos sobre o IRC, obra e página citadas.) Por fim, não devidamente documentado [diferente do comprovado do art. 23º, nº 1], relacionado com o princípio da documentação que enforma a contabilidade das empresas. Todo o sistema de escrituração comercial assenta em livros e registos obrigatórios e respetivos documentos justificativos, que não só descrevem, como comprovam os lançamentos escriturados, que podem ser documentos internos (elaborados na empresa, normalmente para uso exclusivo interno, como folhas de vencimento, as notas de lançamento, e a correspondência entre os operadores económicos) e documentos externos (os que provêm ou se destinam ao exterior, como as faturas, recibos e notas de debito) ou documentos justificativos. Na perspetiva dos interesses fiscais, as exigências formais de documentação encontram a sua razão de ser numa dúplice justificação: a necessidade de comprovar a efetivação do custo, a sua existência (alcançado pelo desiderato em si) e para se aferir a natureza e respetiva comprovação da indispensabilidade do custo face à atividade do sujeito passivo (privilegiando-se os elementos constantes do documento, art. 115º, nº 3, l. a) do CIRC). No âmbito da temática em que se situa o presente diferendo, além dos requisitos legais da indispensabilidade e relevância fiscal do custo, assume particular destaque para que haja dedutibilidade do custo, por um lado, a existência de um custo, isto é, o gasto económico [o qual podemos qualificar como pressuposto material ou substancial], por outro lado, a comprovação do custo [o qual se pode qualificar de pressuposto formal]. Destes dois últimos requisitos, resulta que só podem ser deduzidos os custos que a empresa efetivamente suporta, que concorrem para o seu empobrecimento económico e que seja materialmente comprovado, quer formal [art. 42º, nº 1, al. g)] quer substancialmente, ou seja, subjacente ao documento haja sido suportado um custo económico real, que a empresa tenha desembolsado valor pecuniário ou equivalente. Verificados os requisitos da comprovação formal, ou seja, o custo esteja devidamente documentado, a lei faz presumir a existência material do custo (art. 75º, nº 1 da LGT). A administração tributária no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade dos contribuintes com a lei atua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus da prova da existência de todos os pressupostos do ato de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação de indícios sérios e credíveis que presidem às correções que suportam a liquidação. Ora, a AT não demonstrou o bem fundado da formação da sua convicção, evidenciando a pertinência do seu juízo quando desconsiderou a despesa contabilizada como custo fiscal e acresceu ao lucro tributável no ano de 2004 [2005] porque quem emitiu a fatura não prestou o correlativo serviço. Deste modo não se pode confirmar o juízo da sentença que considerou que havia indícios de que os serviços não foram prestados por quem emitiu a fatura e recebeu o bónus.(…)» [fim de citação] […]”. De acordo com a jurisprudência supra citada que aqui também se considera aplicável às questões suscitadas no presente recurso, uma vez que se trata inclusivamente de casos relativos à mesma Impugnante, tendo subjacentes a mesma ação e relatório inspetivo, que subjazem às liquidações em causa nos arestos supra citados e às liquidações aqui referidas, terá que se considerar improcedente o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida. * Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, apresenta-se o seguinte sumário: I – Sobre o recorrente que impugne a matéria de facto constante da sentença recorrida, impõe-se que dê cumprimento às regras previstas no artigo 640º do CPC. Concretizando, as três alíneas do nº 1 do artigo 640º do CPC, impõem à Recorrente a especificação (i) dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, (ii) dos concretos meios probatórios, constantes do processo, nomeadamente documentos, registo ou gravação da prova nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos a matéria de facto impugnados diversa da recorrida e (iii) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. II - Não cabe à AT apreciar o mérito das decisões dos administradores na gestão das suas empresas, devendo quedar-se pela indispensabilidade, como se estatui no art. 23º, nº 1 do CIRC, ou seja, apenas averiguar da indispensabilidade dos custos, no sentido de o gasto estar relacionado com a realização do fim social da empresa ou do seu escopo, bem como no interesse exclusivo da mesma. III - Além dos requisitos legais da indispensabilidade e relevância fiscal do custo, assume particular destaque para que haja dedutibilidade do custo, por um lado, a existência de um custo, isto é, o gasto económico [o qual podemos qualificar como pressuposto material ou substancial], por outro lado, a comprovação do custo [o qual se pode qualificar de pressuposto formal]. Destes dois últimos requisitos, resulta que só podem ser deduzidos os custos que a empresa efetivamente suporta, que concorrem para o seu empobrecimento económico e que seja materialmente comprovado, quer formal [art. 42º, nº 1, al. g)] quer substancialmente, ou seja, subjacente ao documento haja sido suportado um custo económico real, que a empresa tenha desembolsado valor pecuniário ou equivalente. IV - Verificados os requisitos da comprovação formal, ou seja, estando o custo devidamente documentado, a lei faz presumir a existência material do mesmo (art. 75º, nº 1 da LGT). -/- V – Dispositivo Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente (por vencida). Porto, 11 de maio de 2023 Carlos A. M. de Castro Fernandes Tiago A. Lopes de Miranda Cristina da Nova |