Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00047/21.3BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/21/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PASSAGEM DE CERTIDÃO; DOCUMENTO ADMINISTRATIVO; DOCUMENTO NOMINATIVO; PRESUNÇÃO;
PRINCÍPIO DA ADMINISTRAÇÃO ABERTA; DADOS PESSOAIS.
Sumário:1 - Tendo subjacente o princípio da administração aberta, dispõe o artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto [LADA], sob a epígrafe “Direito de acesso”, que qualquer pessoa [o legislador refere “Todos”] tem direito de acesso aos documentos administrativos, compreendendo designadamente a sua consulta e a sua reprodução, sem que para tanto lhe esteja assacado qualquer dever de fundamentar esse seu interesse.

2 - Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b) da LADA, é “Documento administrativo”, qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo 4.º do mesmo diploma [designadamente das autarquias locais, e de entre estas, a Freguesia], e “Documento nominativo”, o documento administrativo que contenha dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de proteção de dados pessoais.

3 - Mas não sendo o direito de acesso um direito absoluto, disciplinou o legislador as situações em que pode ocorrer a sua restrição [Cfr. artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto], sendo que em torno do acesso a documentos administrativos nominativos por parte de terceiro, o mesmo só tem direito de acesso se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados a que quer aceder, ou se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação [Cfr. n.º 5 do referido artigo 6.º].

4 - Se o pedido de certidão requerida pela representada do Requerente respeitante aos documentos da despesa por conta da rubrica 01.001.01.00.00, levará a que a mesma fique a saber, ou fique a conhecer quem e quanto receberam os eleitos da Requerida nos anos de 2014 e 2015, muito obviamente que esses dados são intrinsecamente pessoais, porque apenas esses eleitos e só esses podem auferir essas quantias no âmbito e por causa das funções para que foram eleitos, mas que não podem todavia ser considerados “dados pessoais”, para sob essa designação caírem na previsão normativa a que se reporta a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei 26/2016, de 22 de agosto.

5 - Atento o disposto no artigo 6.º, n.º 9 da LADA [na redacção conferida pelo artigo 65.º da Lei n.º 58/2019 de 8 de agosto, que assegurou a execução na ordem jurídica interna, do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, designado abreviadamente por Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD)], mesmo que os documentos requeridos pela representada do Requerente fossem tidos como atinentes a documentos nominativos, sempre teria de se presumir que o pedido se fundamenta no direito de acesso a documentos administrativos, por não estarem em causa documentos que contenham dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:FREGUESIA (...)
Recorrido 1:STAL
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I - RELATÓRIO

FREGUESIA DE (...) [devidamente identificada nos autos], veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 23 de fevereiro de 2021, pela qual foi julgado procedente o pedido deduzido pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional [também devidamente identificado nos autos], atinente à condenação da Junta de freguesia de (...) a emitir as certidões e ou reproduções solicitadas nos exactos termos constantes da comunicação por si recebida em 16 de dezembro de 2020, e consequentemente, intimada a Freguesia de (...) a emitir as certidões solicitadas pela representada do Requerente, ora Recorrido, no prazo de 10 dias, nos termos constantes dos requerimentos datados de 14 de dezembro de 2020, recebidos em 16 de dezembro de 2020.
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No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

III – CONCLUSÕES
1.ª O presente recurso jurisdicional vem interposto contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra de 23 de Fevereiro de 2020 que julgou procedente a intimação para prestação de informações, consulta de processo ou passagem de certidões.

2.ª Consagra a Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto (LADA), que “Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.” (v. n.º 1 do art.º 5.º)

3.ª O direito acesso a documentos administrativos tem restrições expressamente previstas no art.º 6.º da LADA, onde se inclui o acesso a documentos nominativos, isto é, aqueles que contenham dados pessoais, nos termos do regime legal da protecção de dados pessoais (v. alínea b) do n.º 1 do art.º 3.º)

4.º Acontece, porém, que parte dos documentos em relação aos quais a associada do ora recorrido requereu a emissão de certidão dizem respeito a documentos nominativos, uma vez que contêm dados pessoais e por isso tem acesso restrito nos termos do art.º 6.º da LADA.
Senão vejamos.

5.ª São solicitados “documentos da despesa por conta da rubrica 01.001.01.00.00 “Titulares de órgãos de soberania e membros de órgãos autárquicos” referente aos anos de 2014 e 2015” sendo que esta rubrica se refere a pagamentos da compensação do executivo e das senhas de presença dos membros da Assembleia de FREGUESIA DE (...), documentos que, naturalmente, contêm dados intrinsecamente pessoais.

6.ª São ainda solicitadas anexos das guias de recebimento, contudo, alguns destes anexos são documentos nominativos: a guia 760 refere-se ao pagamento de um atestado de um Freguês pelo que, naturalmente, o anexo solicitado contém dados pessoais a que um terceiro só pode ter acesso se tiver autorização escrita do titular dos dados ou se “Se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante” que justifique o acesso. (v. n.º 5 do art.º 6.º da LADA).

7.ª Consequentemente, é manifesto o erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo ao considerar que a pretensão do Recorrido incide sobre documentos não nominativos e que não se verificaria qualquer causa de restrição de acesso à informação consagrado no art.º 5.º da LADA.

Nestes termos,
Deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências.
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O Recorrido Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional [devidamente identificado nos autos] apresentou Contra alegações, tendo elencado a final as conclusões que ora se reproduzem:

“Em conclusão:
a) A Recorrente baseia o erro de julgamento assacado ao mui douto aresto recorrido, no essencial, por a sócia do aqui Recorrido ter solicitado o acesso a documentos nominativos especificando, individualizando ou discriminando, os “documentos da despesa por conta da rubrica 01.001.01.00.00 “Titulares de órgãos de soberania e membros de órgãos autárquicos, referente aos anos de 2014 e 2015 documentos que conteriam dados intrinsecamente pessoais, ou anexos de guias de recebimento, por alguns serem documentos nominativos, nomeadamente a guia nº 760, pagamento de atestado fornecido a um freguês (cfr. conclusões 5ª e 6ª da douta alegação);
b) No entanto, em Maio de 2020, a Recorrente entregou guias com anexos, com efeito, enviou os anexos das guias nºs 3; 316; 512 e 531 emitidas por conta da rubrica “aluguer de espaços e equipamentos”, acontecendo que as guias nº 728 de 2014 e 7, de 2015, foram emitidas por conta desta rubrica não se compreendendo a razão pela qual foram entregues sem os anexos? Os restantes anexos pedidos também não poderiam ser nominativos, tanto que das guias entregues em Maio de 2020 consta a identificação e morada da pessoa que efectuou o pagamento, podendo prescindir-se do requerimento que originou a guia nº 760, não se poderia prescindir da ordem de restituição que terá que ser anexa a qualquer guia de pagamento anulada (cfr. parágrafo F) da Fundamentação de Facto);
c) Relativamente às actas das reuniões e sessões dos órgãos da Recorrente, nada poderia justificar a sua recusa bastando para tanto confrontar o que estatuem as normas dos artigos 57º, do Anexo I, à Lei nº 75/2013, de 12/9 e 34º do Código do Procedimento Administrativo, porquanto são documentos sujeitos a uma forçosa publicidade, injunção que visa garantir uma administração aberta e transparente;
d) Garantia naturalmente extensiva: às cópias dos relatórios de prestação de contas, concretamente dos anos de 2016 a 2019; cópias do mapa de recebimentos onde constam todas as guias emitidas por ordem numérica, referentes aos anos de 2016, 2017 e 2019;
e) O mesmo se diga ainda relativamente às cópias dos talões de depósito dos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 quando no âmbito de acções de intimação anteriores a Recorrida entregou tais documentos dos anos de 2013, 2014 e 2015 (cfr. parágrafo F) da Fundamentação de Facto), para mais quando nos talões de depósito está apenas identificada a junta e não que gerou a receita depositada;
f) O artigo 85º, do Código do Procedimento Administrativo tem como finalidade a extensão dos direitos reconhecidos nos artigos 82º a 84º, do mesmo diploma legal, a quaisquer pessoas que provem ter interesse legítimo e directo no conhecimento dos elementos que pretendem;
g) O direito consagrado no artigo 85º sofre, até por maioria de razão, as mesmas limitações sofridas pelos direitos regulados pelos artigos 82º e 83º do mesmo diploma legal;
h) Na verdade a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, LADA, veda o limita o acesso aos documentos nominativos, todavia pare efeitos desta lei considera-se nominativo o documento administrativo que contenha dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de protecção de dados (cfr. artigo 3º, nº 1, alínea b), da LADA);
i) Com todo o respeito, como decorre das conclusões anteriores, o Recorrente limita-se a referir que eram em parte, pretendidos documentos nominativos sem especificar que dados pessoais estão em causa, nomeadamente nomes de terceiros, ou outros, em suma, nem sequer alega que se tratavam de dados como tal definidos pelo regime legal de protecção de dados;
j) Ademais a Requerida, aqui Recorrente, poderia ter recusado a pretensão formulada com fundamento na verificação de uma das situações legalmente previstas como justificativas da restrição no acesso à informação em causa, nomeadamente por se tratar de uma das situações previstas no artigo 6º da LADA, mas não o fez;
k) Pelo que a Recorrida estava, na melhor interpretação das normas do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa e 85º do CPA, obrigada a deferir integralmente o requerido pela sócia do Recorrido, não se descortinando qualquer demérito no mui douto aresto recorrido.
Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso confirmando-se o mui douto aresto recorrido, cumprindo-se desta forma a lei e fazendo-se JUSTIÇA”
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.
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O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.
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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que nas situações em que a declare nula, sempre tem de decidir “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.” [Cfr. artigo 149.º do CPTA], reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, a questão suscitada pela Recorrente e patenteada nas conclusões das suas Alegações resume-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em torno da interpretação dos factos e aplicação do direito, por ter julgado que a pretensão do Recorrido incide sobre documentos não nominativos e que não se verificaria qualquer causa de restrição de acesso à informação consagrado no artigo 5.º da LADA.
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“Com relevância para a decisão da causa considero provados os seguintes factos:
A) No período compreendido entre o ano de 2008 e Outubro do ano de 2014, D., associada do requerente, enquanto funcionária, prestava serviço na Junta de FREGUESIA DE (...) (Provado por acordo); (Cfr. documento junto a fls. 11 e 12 dos autos);
B) No ano de 2015 foi-lhe sujeita ao processo disciplinar nº 1/2015, que culminou com a sua demissão (Provado por acordo);
C) A associada do requerente seria igualmente condenada, por acórdão proferido pelo Tribunal Coletivo do 1.º Juízo Central Criminal de Coimbra em 15/02/2019, posteriormente confirmado por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/01/2020, pela prática de um crime de peculato, p. e p. no art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal (cfr. docs. n.º 1 e 2 juntos com a contestação);
D) Na sequência da apresentação pela associada do requerente de três requerimentos dirigidos ao Presidente da Junta de FREGUESIA DE (...) no ano de 2020, aquela solicitou a emissão de certidões de diversos documentos, nomeadamente, dos duplicados das guias n.ºs 525; 537; 667; 744; 745; 746; 756; 757; 758; 759 e 760 do ano de 2014 (Provado por acordo e Cfr. sentença Processo n.º 207/20.4BECBR, acessível via Sitaf);
E) Perante a recusa da Junta de Freguesia na entrega das requeridas certidões, a associada do requerente apresentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, pedido para intimação para a emissão de certidões, que originou o processo nº 207/20.4BECBR, e no qual viria a ser proferida sentença em 7/05/2020, que intimou a requerida a emitir as certidões e prestar as informações, solicitadas pela requerente no prazo de 10 dias (Provado por acordo e cfr. sentença Processo n.º 207/20.4BECBR, acessível via Sitaf);
F) Em 13/05/2020, a FREGUESIA DE (...) viria a emitir uma certidão, composta por 28 folhas, extraída das Guias de Recebimento, n.ºs 90; 3 e anexo 101 e anexo; 316 e anexo; 512 e anexo; 525; 531 e anexo; 537; 667; 728; 744; 745; 746; 756; 757 e anexo; 758; 759; 760; e anexo; 7 e 138 (Cfr. doc. n.º1 junto com a petição inicial);
G) Através dois requerimentos datados de 12/06/2020 dirigidos ao Sr. Presidente da Junta de FREGUESIA DE (...), a associada do requerente viria a requerer a emissão de certidão de «todos os documentos da despesa referentes à rubrica “Estudos, Pareceres, Projetos e Consultadoria” e ou outra que contemple despesas com serviços jurídicos/Tribunais, referente aos anos de 2015 até à presente data», bem como a emissão de certidão de talões de depósito dos anos de 2013, 204 e 2015 mais referindo que o pedido apresentado se destinava a instruir recurso extraordinário (Cfr. doc. n.º 2 junto com a petição inicial);
H) Em 25/06/2020, o Sr. Presidente da Junta de FREGUESIA DE (...) enviou mensagem de correio eletrónico à mandatária da associada do requerente, pelo qual dava conta de ter sido emitida certidão de todos os depósitos bancários referentes aos anos 2014 e 2015, sendo que, no que concerne aos documentos de despesa da rubrica “estudos, pareceres, projetos e consultadoria” e outras despesas com serviços jurídicos/tribunais referente aos anos de 2015 até ao presente, solicitava informação sobre o destino dos referidos documentos, por entender não estarem os mesmos relacionados com o processo para o qual aquela pretendia apresentar recurso subordinado (Cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial);
I) Em 7/02/2020 foi emitida por “V.” a Fatura n.º FT M/10 junta doc n.º 4 – fls. 1 da petição inicial, no valor de €1.845,00, com a designação “Estudo de investigação nas áreas das ciências sociais e humanas”;
J) Em 9/04/2020 foi emitida por “V.” a Fatura n.º FT M/14 junta doc n.º 4 – fls. 2 da petição inicial, no valor de €1.230,00, com a designação “Estudo de investigação nas áreas das ciências sociais e humanas”;
K) Em 11/04/2020 foi ordenada uma transferência bancária no valor de €1.230,00, com o descritivo “Processo D.”, figurando no nome do destinatário “V.” (Cfr. doc. n.º 5 junto aos autos com a petição inicial, cujo teor se tem por reproduzido);
L) Em 13/11/2020, a associada do requerente dirigiu ao Sr. Presidente da Junta de FREGUESIA DE (...), o requerimento junto como doc. n.º 6 com a petição inicial, recebido em 16/11/2020, cujo teor se tem por inteiramente reproduzido, e de onde se extrai o seguinte segmento:
“(…)
Na sequência do pedido de certidões dos documentos da despesa inerentes à rubrica "Estudos, pareceres, projetos e solicitadoria " e tendo requerido "todos", a verdade é que até à data, pese embora a intimação do Tribunal Administrativo, ainda não foram entregues os "Estudos de investigação na área das ciências sociais e humanas” sobre os quais recaem as faturas N9. FT M/10 e N9. FT M/14 emitidas por " V.", pelo que reitera o pedido de emissão destes documentos em falta pois só assim se se verificará satisfeito na Integra o pedido de certidão efetuado.
Relativamente á certidão das guias de recita emitida em 13 de Maio de 2020, após intimação do TAF, constata-se que as guias n9,s 537 a 760 e 7 e 138 não vêm acompanhadas de anexos, pelo que se requer sejam esses anexos entregues para cumprimento integral do pedido de emissão de certidão para o efeito.
Requer ainda certidão de todos os documentos da despesa por conta da referida rubrica que datem de momento posterior á data 09.04.2020 até á presente data, aí se incluindo todos os pedidos de pareceres , estudos, etc. e respetivos pareceres e ou estudos, bem como o comprovativo da despesa que originaram ainda, todos os documentos inerentes à despesa assumida por via das ações administrativas para intimação á emissão de certidões apresentadas peia requerente ao TAF de Coimbra, aí se devendo incluir os valores despendidos com a contestação/contestações apresentada(s) pela Junta relativamente ás ação administrativas para intimação. (…)”;
M) Em 13/11/2020, a associada do requerente dirigiu ao Sr. Presidente da Junta de FREGUESIA DE (...), o requerimento junto como doc. n.º 6, fls. 2, com a petição inicial, recebido em 16/11/2020, cujo teor se tem por inteiramente reproduzido, e de onde se extrai o seguinte segmento:
“(…)
Na sequência do pedido para reapreciação do processo disciplinar n.º 1/2015, enviado pelo STAL no dia 11 de Novembro de 2020, vem requerer ao abrigo do direito à informação previsto no artigo 82.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo,
- Cópias simples dos documentos da despesa por conta da rubrica 01.001.01.00.00 “Titulares de órgãos de soberania e membros de órgãos autárquicos” referentes aos anos de 2014 e 2015 até,
- Cópia simples das atas do executivo referentes aos anos de 2015 até à presente data;
- Cópias simples do mapa de recebimentos onde constem todas as guias emitidas por ordem numérica, referente aos anos de 2016, 2017 e 2019,
- Cópia simples dos talões de depósito referentes aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019,
- cópias simples das ordens de pagamento emitidas a favor da Comissão de Melhoramentos de Mouronho nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2019. (…)”;
N) Mediante quatro requerimentos dirigidos ao Sr. Presidente da Junta de FREGUESIA DE (...), datados de 14/12/2020, e recebidos em 16/12/2020, juntos como doc. n.º 7 com a petição inicial, e cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido, a mãe da associada do requerente, em representação da mesma, solicitou a emissão das seguintes certidões:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

O) A requerida não respondeu aos requerimentos apresentados pela associada do requerente, identificados na alínea anterior, não tendo igualmente emitido as certidões solicitadas (Não controvertido);
P) A petição inicial com que se iniciaram os presentes autos, deu entrada em juízo no dia 20/01/2020 (cfr. fls. 1 do processo no SITAF).

FACTO NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.

MOTIVAÇÃO
A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos mencionados em cada uma das alíneas do probatório, bem como na posição assumida por cada uma das partes.“
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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 23 de fevereiro de 2021, pela qual foi julgado procedente o pedido deduzido pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional atinente à condenação da Junta de freguesia de (...) a emitir as certidões e ou reproduções solicitadas nos exactos termos constantes da comunicação por si recebida em 16 de dezembro de 2020, e consequentemente, intimada a Freguesia de (...) a emitir as certidões solicitadas pela representada do Requerente, ora Recorrido, no prazo de 10 dias, nos termos constantes dos requerimentos datados de 14 de dezembro de 2020, recebidos em 16 de dezembro de 2020.

Com o assim decidido não se conforma a ora Recorrente Freguesia de (...), tendo a mesma sustentado para tanto e em suma, que é manifesto o erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo ao ter julgado que a pretensão do Recorrido incide sobre documentos não nominativos e que não se verificaria qualquer causa de restrição de acesso à informação consagrado no artigo 5.º da LADA, e tanto, pelo facto de considerar que parte dos documentos em relação aos quais a representada do ora Recorrido requereu a emissão de certidão dizem respeito a documentos nominativos, uma vez que contêm dados pessoais e por isso tem acesso restrito nos termos do artigo 6.º da LADA – Cfr. conclusões 4.ª e 6.ª das alegações de recurso.

Contrapõe o Recorrido, tendo concluído no sentido de ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a Sentença recorrida, sustentando para tanto que os documentos em causa estão sujeitos a uma forçosa publicidade, decorrente de uma administração aberta e transparente, e que pese embora a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, LADA, vedar/limitar o acesso aos documentos nominativos, sendo documento administrativo (nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea b), da LADA, aquele que contenha dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de protecção de dados), que de todo o modo a Recorrente se limita a alegar que parte dos pretendidos documentos eram nominativos, sem ter especificado que dados pessoais eram os que estavam então em causa, nomeadamente nomes de terceiros, ou outros, em suma, que nem sequer alega que se tratavam de dados como tal definidos pelo regime legal de protecção de dados. Mais referiu que a Requerida, ora Recorrente, poderia ter recusado a pretensão formulada com fundamento na verificação de uma das situações legalmente previstas como justificativas da restrição no acesso à informação em causa, nomeadamente por se tratar de uma das situações previstas no artigo 6.º da LADA, mas que não o fez.

Neste patamar.

Os recursos jurisdicionais constituem os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, razão pela qual é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso, os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

A Recorrente sustentou a sua pretensão recursiva em termos que sintetizou a final das suas conclusões, na ocorrência de erro de julgamento em torno da solução jurídica aportada pelo Tribunal a quo, decorrente da errada aplicação do direito, e que por essa razão deve assim ser concedido provimento ao recurso e consequentemente, revogada a Sentença com as legais consequências.

Como assim perspectivamos, o núcleo essencial da pretensão recursiva da Recorrente assenta na invocação de que parte dos documentos relativamente aos quais a representada do Requerente, ora Recorrido, pretende aceder por via de certidão, dizem respeito a documentos nominativos, por conterem dados pessoais, que nos termos do artigo 6.º da LADA são de acesso restrito. E nesse conspecto, refere que contêm dados pessoais os documentos que titulam os pagamentos da compensação do executivo, assim como as senhas de presença atribuídas aos membros da Assembleia de freguesia, assim como as guias de pagamento de um atestado emitido a um residente na freguesia, e que a representada do Requerente não demonstrou de forma fundamentada ser titular de um interesse directo, pessoal e legítimo que justifique o acesso, enfatizando que o que foi solicitado foi um arbitrário acesso a extenso e indiscriminado número de documentos apenas balizados por períodos temporais, e que o erro de julgamento que imputa ao Tribunal a quo tem subjacente o facto de o mesmo não ter estabelecido qualquer causa de restrição ao direito de acesso a esses documentos.

Neste patamar, cumpre para aqui extractar parte da essência da fundamentação aportada na Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
O objecto do pedido de intimação judicial delimita-se por referência ao pedido formulado pelo requerente à Administração.

Nos presentes autos, o requerente peticionou que a entidade requerida seja intimada a emitir as certidões referentes a documentos que identifica que lhe foram solicitadas pela mãe da sua associada, em representação desta, mediante requerimentos recebidos em 16/12/2020.

Atentos os pedidos formulados, temos que a pretensão do requerente se enquadra no âmbito da informação não procedimental, na medida em que aqueles não se enquadram em nenhum procedimento administrativo em curso, em relação ao qual a associada do requerente intervenha diretamente.

Com efeito, os documentos em causa constituem documentos administrativos, sendo assim definido como tal “qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, neles se incluindo, designadamente, aqueles relativos a: i) procedimentos de emissão de atos e regulamentos administrativos; ii) procedimentos de contratação pública, incluindo os contratos celebrados; iii) gestão orçamental e financeira dos órgãos e entidades; iv) gestão de recursos humanos, nomeadamente os dos procedimentos de recrutamento, avaliação, exercício do poder disciplinar e quaisquer modificações das respetivas relações jurídicas” [Cfr. artigo 3.º, n.º1, al. a) da LADA].

Mais concretamente, estão em causa documentos não nominativos, assim tidos como tal aqueles que contenham dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de proteção de dados pessoais [cfr. artigo 3.º, n.º1, al. b) da LADA].

O acesso aos documentos administrativos é regulado pelo artigo 5.,º da LADA, onde se estabelece no seu n.º 1 que “Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”.

Há porém situações, em que o legislador entendeu que o direito de acesso devesse ser restringido, elencando as mesmas no artigo 6.º da LADA. É o caso dos documentos elencados nos n.ºs 1 a 6 do referido artigo, e onde se destacam: “os documentos que contenham informações cujo conhecimento seja avaliado como podendo pôr em risco interesses fundamentais do Estado”, “documentos protegidos por direitos de autor ou direitos conexos designadamente os que se encontrem na posse de museus, bibliotecas e arquivos, bem como os documentos que revelem segredo relativo à propriedade literária, artística, industrial ou científica”, os “ documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos”, documentos nominativos, e “documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa”.

Nos termos do n.º 7 do referido artigo, para além das demais restrições previstas, a interdição de acesso aos documentos administrativos, ou o seu acesso restrito por decisão do órgão competente, apenas poderá manter-se durante o tempo estritamente necessário à salvaguarda de outros interesses relevantes.

Feito este enquadramento, e tendo em conta o que se deixou já antedito relativamente aos documentos em relação aos quais pretende o requerente que venham a ser objeto de emissão de certidão, temos que os mesmos são de livre acesso (Cfr. artigos 3.º, n.º1, als. a) e b), e 5.º, n.º1 da LADA). Resulta dos citados normativos, que estando em causa informação não procedimental, o legislador entendeu não a condicionar à invocação de qualquer interesse, bastando para o efeito requerimento apresentado no mesmo sentido (Cfr. artigo 12.º da LADA).

Conforme se decidiu no ac. do TCA Norte de 23/09/2015, Processo n.º 01306/15.0BEBRG: “Qualquer pessoa pode aceder aos arquivos e documentos administrativos (informação não procedimental) sem necessidade de invocação de qualquer interesse, bastando a solicitação por escrito, através de requerimento do qual constem os elementos essenciais à identificação dos elementos pretendidos, bem como o nome, morada e assinatura do requerente (princípio da transparência administrativa) – artigos 65.º do anterior CPA, 5.º e 13.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, que aprovou o regime de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA).”

Assim, contrariamente ao alegado pela requerida, não tinha a associada do requerente de demonstrar ser titular de um interesse legítimo no acesso aos documentos em causa. Deste modo, o facto de o processo disciplinar ou o processo crime estarem concluídos, e de, nessa medida, inexistir um interesse legítimo da associada da requerente em aceder aos documentos em causa, como defendido pela requerida, estando-se perante o acesso a informação não procedimental, não releva para efeitos da presente intimação.

Não obstante, tendo-lhe sido requerida a emissão das identificadas certidões, aquela poderia recusar a pretensão formulada com fundamento na verificação de uma das situações legalmente previstas como justificativas da restrição no acesso à informação em causa, nomeadamente, por se tratar de uma das situações previstas no artigo 6.º da LADA.

Todavia, não resulta dos autos que assim se trate. Com efeito, não alega a requerida que os documentos em causa se enquadrem numa das situações em relação às quais o legislador decidiu restringir o seu acesso. Por outro lado, considerando os documentos em relação aos quais requereu a associada do requerente a emissão de certidão, não antevê o Tribunal que os mesmos possam ser enquadrados em qualquer uma das categorias previstas no artigo 6.º da LADA.

Alega igualmente a requerida que a associada do requerente se limitou a “exigir de um modo genérico e vago todos os documentos referentes a um período temporal”, sendo que, no seu entender, se mostra abusivo que esta solicite o acesso a um conjunto extenso de documentos relativamente aos quais não é parte interessada, dificultando a tarefa da entidade requerida de dar cumprimento ao solicitado.

A requerida concretiza o alegado, através da referência aos documentos requeridos pela associada do requerente no requerimento de 13/11/2020, e onde são requeridos:
i) Documentos da despesa por conta da rubrica “Titulares de órgãos de soberania e membros de órgãos autárquicos referentes aos anos de 2014 e 2015;
ii) Actas do executivo referentes aos anos de 2015 até à presente data;
iii) Relatórios de prestação de contados dos anos de 2016; 2017, 2018 e 2019;
iv) Talões de depósito referentes aos anos de 2016 a 2016; e
v) Ordens de pagamento emitidas a favor da Comissão de Melhoramentos de (…) entre 2016 e 2019.”

Conforme se referiu anteriormente, o acesso à informação não procedimental, fora dos casos das restrições positivadas na lei, está dependente da apresentação de requerimento do qual constem os dados necessários à satisfação da pretensão (cfr. artigo 12.º da LADA).

Analisados os pedidos formulados por esta última, verifica-se que dos mesmos consta informação suficiente em ordem a permitir individualizar os documentos abrangidos por cada pedido.

Com efeito, não obstante poderem respeitar a um período mais ou menos longo, os documentos em causa estão concretizados por referência à sua natureza (v.g. despesa por conta da uma determinada rubrica, atas, relatórios de prestação de contas, talões de depósito, e ordens de pagamentos emitidas a favor da Comissão de Melhoramentos), e ao período em causa.

A eventual extensão dos períodos em causa, como se deixou já antedito, nada tem que ver com a eventual existência de um interesse legítimo na consulta dos mesmos, o qual não é exigido em face do tipo de informação requerida, inexistindo assim qualquer comportamento abusivo da associada do requerente, impondo-se a satisfação da pretensão da mesma.
[…]”
Fim da transcrição

Neste patamar, atentemos agora no probatório.

Conforme assim resulta do vertido sob as alíneas N) e O), a representada do Requerente, ora Recorrido [então representada pela sua mãe] endereçou quatro requerimentos ao Presidente do órgão executivo da Requerida ora Recorrente, datados de 14 de dezembro de 2020 e que a mesma os recebeu em 16 de dezembro de 2020, pelos quais requereu cópia e/ou certidão de documentos por si identificados.

Num desses quatro requerimentos, a Requerente referiu que no mês de novembro de 2020 tinha efectuado requerimento pelo qual peticionou a emissão de cópias simples/reprodução de documentos que identificou [a que se reporta a alínea M) do probatório], sem que até essa data [14 de dezembro de 2020] o mesmo tenha sido objecto de apreciação pela Requerida, ora Recorrente, tendo nesse mesmo requerimento vindo a reiterar o pedido que então tinha efectuado.

Nesse requerimento [de 13 de novembro de 2020], a Requerente reportou-se a um outro requerimento, datado de 11 de novembro de 2020, enviado pelo Sindicato ora Recorrido à Requerida, e que no qual era requerido um “pedido para reapreciação do processo disciplinar n.º 1/2015”, assunto este que tornou a ser referido no 2.º parágrafo dos outros requerimentos que a representada do Requerente remeteu à Requerida, datados de 14 de dezembro de 2020, nos seguintes termos: “Este pedido é efetuado ao abrigo do artigo 82.º e seguintes do CPA e destina-se a instruir o processo de reapreciação do processo disciplinar n.º 1/2015 ou outro.

Ora, como assim resulta da alínea O) do probatório, a Requerida ora Requerente não respondeu aqueles requerimentos datados de 14 de dezembro de 2020, nem emitiu as certidões requeridas.

E em sintonia com o invocado pela Requerida na Resposta deduzida, de que era vasto/extenso o conjunto de documentos peticionado aceder pela Requerente, nas Alegações de recurso, e face a tão invocado vasto suporte documental, a Requerida ora Recorrente, queda-se pela alegação, vaga, de que “uma parte” dos documentos [sem referir que parte é essa] contém dados pessoais.

E nesse conspecto, exemplificou com o que é atinente aos pagamentos da compensação dos membros do executivo e das senhas de presença dos membros da Assembleia de freguesia, assim como com guias de recebimento [tendo aqui exemplificado com o que é atinente ao pagamento da emissão de um atestado], e como também sustenta, refere que os anexos dos documentos visados contêm dados pessoais, sem que tenha a Recorrente cumprido o ónus mínimo de alegação em torno de qual era, em concreto, a natureza desses “dados pessoais”, designadamente, se contendiam com quaisquer apreciações negativas ou depreciativas sobre os visados, ou se versavam a intimidade da sua vida privada.

Como se extrai da Resposta deduzida pela Requerida em face do Requerimento inicial apresentado pelo Requerente e que motivou os presentes autos, a mesma [ora Recorrente] bem compreendeu qual o âmbito do pedido formulado, tendo até referido ser árdua a tarefa em dar-lhe cabal cumprimento, invocando ainda que a Requerente não tem nem alega possuir interesse legítimo na obtenção dos documentos, e que a mesma devia identificar quais os documentos que pretende.

Portanto, seja em sede do procedimento administrativo aberto por impulso da representada do Requerente, peticionando a emissão de certidão de documentos que identificou/balizou, seja em sede judicial [no Tribunal a quo], a ora Recorrente nunca invocou que os documentos em causa fossem atinentes a documentos administrativos nominativos.

E em sede judicial, ou melhor dizendo, no âmbito do recurso jurisdicional que apresentou visando a Sentença proferida pelo Tribunal a quo [que foi integralmente favorável à pretensão da representada do Requerente na obtenção das requeridas certidões] é que a Requerida, ora Recorrente vem arguir, que “parte” dos documentos que são visados pela Requerente dizem respeito a documentos nominativos por conterem dados pessoais.

Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b) da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, é “Documento administrativo”, qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo 4.º do mesmo diploma [designadamente das Autarquias locais, e de entre estas, a Freguesia], e “Documento nominativo”, o documento administrativo que contenha dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de proteção de dados pessoais.

Por seu turno, e tendo subjacente o princípio da administração aberta, dispõe o artigo 5.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Direito de acesso”, que qualquer pessoa [o legislador refere “Todos”] tem direito de acesso aos documentos administrativos, compreendendo designadamente a sua consulta e a sua reprodução, sem que para tanto lhe esteja assacado qualquer dever de fundamentar esse seu interesse.

De todo o modo, porque esse direito de acesso não é um direito absoluto, disciplinou o legislador as situações em que pode ocorrer a restrição desse direito [Cfr. artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto], sendo que em torno do acesso a documentos administrativos nominativos, dispôs que um terceiro só tem direito de acesso se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados a que quer aceder, ou se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação [Cfr. n.º 5 do referido artigo 6.º].

Aquele artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto foi alterada pelo artigo 65.º da Lei n.º 58/2019 de 8 de agosto [que assegura a execução, na ordem jurídica interna, do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, designado abreviadamente por Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD)], que lhe introduziu um novo normativo, o n.º 9, que para aqui extraímos como segue:

“9 - Sem prejuízo das ponderações previstas nos números anteriores, nos pedidos de acesso a documentos nominativos que não contenham dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa, presume-se, na falta de outro indicado pelo requerente, que o pedido se fundamenta no direito de acesso a documentos administrativos.

Aqui chegados.

Como extraído supra, o Tribunal recorrido apreciou e decidiu que tendo a representada do Requerente, ora Recorrido, peticionado à Requerida ora Recorrente a emissão de certidão de documentos que eram passíveis de ser identificados [e principalmente pela Requerida, por os deter em seu poder], e atenta a sua natureza, atinentes a documentos administrativos e cujo acesso é requerido por se tratar de informação não procedimental, por não ser relativa a nenhum procedimento administrativo em curso, que esses documentos são de livre acesso nos termos dos artigos 3.º, n.º 1, alínea a), e 5.º, n.º 1, ambos da LADA, e para tanto, que não se mostrava devida a invocação de qualquer interesse por parte da representada do Requerente ora Recorrido, bastando a apresentação de requerimento para esse efeito.

Julgou o Tribunal a quo, e de forma acertada, que em face do que a representada do Requerente ora Recorrido fez constar nos seus quatro requerimentos que dirigiu à Requerida em 14 de dezembro de 2020, que não tinha a mesma que alegar sequer ser titular de um interesse legítimo, por estar em causa acesso a informação não procedimental, e se tratarem de documentos administrativos.

Ou seja, que estavam em causa meros documentos administrativos não nominativos.

Desde logo e em torno da compensação devida aos membros do órgão executivo da Requerida, ou das senhas de presença dos membros da Assembleia de freguesia, nem a Recorrente fundamenta, nem este TCA Norte alcança, por que termos e pressupostos é que a atribuição de prestações a eleitos locais possa constituir um documento nominativo, quando as mesmas e respectivos montantes estão legalmente previstos.

Se o pedido de certidão requerida pela representada do Requerente respeitante aos documentos da despesa por conta da rubrica 01.001.01.00.00, levará a que a mesma fique a saber, ou fique a conhecer quem e quanto receberam os eleitos da Requerida nos anos de 2014 e 2015, muito obviamente que esses dados são intrinsecamente pessoais [como assim refere a Recorrente sob a 5.ª conclusão], mas como assim julgamos, porque apenas esses eleitos e só esses podem auferir essas quantias no âmbito e por causa das funções para que foram eleitos, mas que não podem todavia ser considerados “dados pessoais”, para sob essa designação caírem na previsão normativa a que se reporta a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei 26/2016, de 22 de agosto.

Enquanto pessoa colectiva de população e território, e sendo representada por eleitos locais no exercício de funções públicas, a sua actuação deve pautar-se pela observância, designadamente, dos princípios gerais de direito administrativo, em especial os que encontram respaldo no Código de Procedimento Administrativo, a saber, a transparência, a isenção e a publicidade/publicização da sua actuação.

Como assim julgamos, atento o disposto no artigo 6.º, n.º 9 da LADA, mesmo que os documentos requeridos pela representada do Requerente fossem tidos como atinentes a documentos nominativos, sempre teria de se presumir que o pedido se fundamenta no direito de acesso a documentos administrativos, por não estarem em causa documentos que contenham dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa.

Ou seja, como assim julgamos, sempre e de todo o modo a representada do Requerente invocou pretender esses documentos para lhes dar uma finalidade.

Vejamos.

Como decorre do vertido nos requerimentos que apresentou, a mesma referiu que com os pretendidos documentos visava instruir processo de reapreciação do processo disciplinar n.º 1/2015, ou outro, sendo que, tendo a representada do Requerente sido alvo de um processo disciplinar e nessa sequência sido demitida [como assim alegou o Requerente sob o ponto 3.º do Requerimento inicial], essa invocação por parte da interessada e o conhecimento detido pelo Requerido, constituiriam por si fundamento bastante para ter acesso a esses documentos administrativos nominativos.

Com efeito, tendo subjacente o disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo 6.º da Lei 26/2016, de 22 de agosto, é manifesto que o pedido de reapreciação invocado pela representada do Requerente [terá querido a mesma dizer “pedido de revisão do procedimento disciplinar”], por estar legalmente previsto no artigo 235.º e seguintes da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho [Lei geral do trabalho em funções públicas, alterada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31/12, pela Lei n.º 84/2015, de 07/08, pela Lei n.º 18/2016, de 20/06, pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, pela Lei n.º 25/2017, de 30/05, pela Lei n.º 70/2017, de 14/08, pela Lei n.º 73/2017, de 16/08, pela Lei n.º 49/2018, de 14/08, pela Lei n.º 71/2018, de 31/12, pelo Decreto-Lei n.º 6/2019, de 14/01, pela Lei n.º 79/2019, de 02/09, pela Lei n.º 82/2019, de 02/09, e pela Lei n.º 2/2020, de 31/03], constitui demonstração de ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, que justifica o acesso a essa informação.

Efectivamente, tendo a representada do Requerente sido demitida precedendo decisão disciplinar, e se a mesma pretende efectuar um pedido de revisão do procedimento disciplinar, esse pedido comporta uma disciplina própria, e como desde logo se retira do artigo 236.º, n.º 2 da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, a interessada, deve indicar no requerimento que dê início a esse procedimento “… as circunstâncias ou meios de prova não considerados no procedimento disciplinar que ao requerente parecem justificar a revisão e é instruído com os documentos indispensáveis.”.

Portanto, só a representada do Requerente sabe que prova quer ou pretende fazer, em ordem a alcançar esse seu objectivo, e esse seu direito está fundamentado e tem cobertura legal, e a Requerida não pode obstaculizar a que tal seja por si prosseguido. Se a final, vem a conseguir, ou não, a revisão do procedimento disciplinar, e nesse sentido a ser revogada ou alterada a decisão disciplinar proferida, tal já contende com o mérito do seu pedido. Porém o demérito do pedido, ou a sua improcedência, não pode ter subjacente o facto de a mesma não conseguir fazer a prova que entende deve ser por si coligida e apresentada.

Os pedidos de documentos formulados pela representada do Requerente têm na base um fundamento que é claro, apreensível, e cujo acesso perpassa pela legalidade e transparência da actuação da Requerida, quer enquanto garante da prestação desses documentos, quer a final, da averiguação do bem fundado do pedido de revisão com base nos elementos probatórios que resultem das provas apresentadas.

Daí que, e em suma, não constituindo os documentos requeridos pela representada do Requerente
documentos administrativos nominativos, antes meros documentos administrativos que não contêm dados pessoais, assim entendidos aqueles que contêm juízos de valor ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada, estão os pedidos da representada do Requerente a coberto do disposto nos artigos 17.º do CPA e 5.º, 12.º e 13.º, todos da LADA.

De todo o modo, mesma que se entendesse, como assim pugna a Recorrente [mas que não lhe assiste razão alguma], que uma parte” dos documentos [sem todavia ter identificado e concretizado essa ordem de grandeza] reveste a natureza de documentos administrativos nominativos, sempre a representada do Requerente tinha direito a eles aceder, tendo subjacente o disposto no artigo 6.º, n.º 5, alínea b) e n.º, da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, pelo facto de a mesma invocar um interesse directo, pessoal e legítimo, que não podemos deixar de o julgar como relevante, atento o facto previsionado de querer estar na posse de documentos bastantes e adequados em ordem a prosseguir na formulação de um pedido de revisão do procedimento disciplinar.

De maneira que, porque não padece a Sentença recorrida do erro de julgamento que a Recorrente lhe imputa, tem assim de improceder a sua pretensão recursiva.
*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Intimação para passagem de certidão; Documento administrativo; Documento nominativo; Presunção; Princípio da administração aberta; Dados pessoais.

1 - Tendo subjacente o princípio da administração aberta, dispõe o artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto [LADA], sob a epígrafe “Direito de acesso”, que qualquer pessoa [o legislador refere “Todos”] tem direito de acesso aos documentos administrativos, compreendendo designadamente a sua consulta e a sua reprodução, sem que para tanto lhe esteja assacado qualquer dever de fundamentar esse seu interesse.

2 - Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b) da LADA, é “Documento administrativo”, qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo 4.º do mesmo diploma [designadamente das autarquias locais, e de entre estas, a Freguesia], e “Documento nominativo”, o documento administrativo que contenha dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de proteção de dados pessoais.

3 - Mas não sendo o direito de acesso um direito absoluto, disciplinou o legislador as situações em que pode ocorrer a sua restrição [Cfr. artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto], sendo que em torno do acesso a documentos administrativos nominativos por parte de terceiro, o mesmo só tem direito de acesso se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados a que quer aceder, ou se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação [Cfr. n.º 5 do referido artigo 6.º].

4 - Se o pedido de certidão requerida pela representada do Requerente respeitante aos documentos da despesa por conta da rubrica 01.001.01.00.00, levará a que a mesma fique a saber, ou fique a conhecer quem e quanto receberam os eleitos da Requerida nos anos de 2014 e 2015, muito obviamente que esses dados são intrinsecamente pessoais, porque apenas esses eleitos e só esses podem auferir essas quantias no âmbito e por causa das funções para que foram eleitos, mas que não podem todavia ser considerados “dados pessoais”, para sob essa designação caírem na previsão normativa a que se reporta a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei 26/2016, de 22 de agosto.

5 - Atento o disposto no artigo 6.º, n.º 9 da LADA [na redacção conferida pelo artigo 65.º da Lei n.º 58/2019 de 8 de agosto, que assegurou a execução na ordem jurídica interna, do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, designado abreviadamente por Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD)], mesmo que os documentos requeridos pela representada do Requerente fossem tidos como atinentes a documentos nominativos, sempre teria de se presumir que o pedido se fundamenta no direito de acesso a documentos administrativos, por não estarem em causa documentos que contenham dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa.
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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em negar provimento ao recurso, mantendo a Sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
**
Notifique.
*

Porto, 21 de maio de 2021.

Paulo Ferreira de Magalhães
Fernanda Brandão
Hélder Vieira