Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01283/07.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/25/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:JUROS COMPENSATÓRIOS, CULPA
Sumário:I - Nos termos do disposto no artigo 35.º da LGT e no actual artigo 96.º (correspondente ao anterior artigo 89.º) do Código do IVA, são requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de IVA, de um atraso na efectivação de uma liquidação desse imposto e da imputabilidade do atraso à actuação culposa do contribuinte.

II - A responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência).*
* Sumário elaborado pela relatora.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:A., SA
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 30/11/2010, que julgou procedente a impugnação judicial, deduzida por A., S.A., pessoa colectiva n.º (…), contra as liquidações de juros compensatórios, referentes ao período de 2000 a 2002, no montante de €193.064,65.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
A) “Não se conforma a Fazenda Pública com a douta sentença recorrida, porquanto considera que da prova produzida se não podem extrair as conclusões em que se suportou, determinando que se julgasse pela ilegalidade das liquidações efectuadas por inverificação dos pressupostos cumulativos para a sua aplicação por parte da Administração Tributária, considerando que apenas se considerou verificado o requisito do retardamento da liquidação mas não o da culpa.
B) A douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, quanto à matéria de facto, uma vez que os factos justificadores para afastar a responsabilidade radicam tão somente no facto de que considerar que não se verifica o requisito da culpa,
C) Dando porém, como provado o facto de, designadamente, que "j). A impugnante regularizou a situação de acordo com o teor da informação referida em i)., logo que esta lhe foi fornecida, apresentando as respectivas declarações periódicas de substituição.".
D) Com a ressalva do devido respeito, que é muito, não pode pois a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, nem com as premissas em que se baseou a douta sentença recorrida, por, em seu entender, considerar ter havido uma ilegal interpretação das normas jurídicas invocadas e errónea apreciação dos factos,
E) Uma vez que, da prova produzida não se podem extrai as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.
F) A questão aqui discutida circunscreve-se à anulação das liquidações de juros compensatórios por, na perspectiva da impugnante, o retardamento da liquidação de imposto não lhe ser imputável a título de culpa.
G) Ora, sempre que a liquidação do imposto só possa ser efectuada com a colaboração do contribuinte, deve este apresentar, no prazo previsto na lei, a declaração ou documento necessários para que a referida liquidação possa ser operada.
H) Não fazendo o contribuinte a entrega ou apresentação, ou fazendo-a mas contendo deficiências, fica sujeito, quando liquidar o imposto, a juros compensatórios, que são devidos quando o atraso da liquidação for imputável ao contribuinte.
I) Os requisitos da existência de juros compensatórios são o retardamento da liquidação base do imposto devido, por facto imputável ao contribuinte.
J) O nexo de imputação do facto (o retardamento da liquidação) ao agente, nos termos gerais de direito, porque só há responsabilidade objectiva quando expressamente prevista (art. 483° do Cód. Civil), é um nexo subjectivo baseado na culpa, na modalidade de erro de conduta,
K) traduzido no incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação fiscal acessória de apresentar a declaração de rendimentos num determinado prazo e de, nessa declaração, informar com verdade, por uma certa forma e com observância dos critérios impostos pelas leis fiscais.
L) O princípio da legalidade da tributação impõe que se afira a obrigação de juros pelo princípio da causalidade adequada face ao qual o retardamento da liquidação devida pelo contribuinte,
M) A conduta omissiva ou deficiente deste é causalmente adequada à verificação do dano até ao momento da prática do acto legalmente previsto para pôr termo às consequências danosas dessa conduta omissiva.
N) Ora o erro do contribuinte, no caso vertente, a não liquidação de imposto no momento da exigibilidade nos termos que resultam das normas do CIVA, acarretou atraso na liquidação, constituindo o contribuinte na obrigação de indemnizar o credor tributário salvo se existir alguma causa de exculpação, como será o caso de o contribuinte ter agido em conformidade com prática anterior longamente reiterada da AF ou corrente jurisprudencial significativa, que justifique a divergência de critérios em relação à AF.
O) Não ocorrendo essa exculpação, no caso dos autos, a impugnante não poderia deixar de ser responsabilizada pelo atraso na liquidação a que deu causa, pois que a liquidação do IVA foi retardada por facto imputável ao contribuinte.
P) Nem se diga que o facto de o contribuinte ter apresentado um pedido de informação vinculativa serve de causa de exculpação,
Q) Porquanto, vindo posteriormente a conformar-se com a posição assumida pela AT e regularizando, nessa medida, o pagamento do imposto, não suportaria o encargo dos juros compensatórios inerentes à dilação causada na liquidação do imposto devido.
R) Poder-se-ia dizer que, nessa circunstância (por nós veementemente repudiada), o pedido de informação, sob a égide da diferente interpretação, compensar por se transformar, efectivamente, numa forma de "suspender" a liquidação atempada do tributo.
S) Por este motivo, deve merecer especial cautela a análise das circunstâncias em que deve ser considerada como causa de exclusão de culpa, na falta de liquidação oportuna do imposto, a mera e compreensível divergência de posições entre o contribuinte e a administração fiscal, para não fomentar o uso do pedido de informação vinculativa como expediente de legitimação de comportamentos desconformes à lei.
T) Sempre se considera que não se pode afirmar que a impugnante não agiu sem culpa, na medida em que a actuação cuidadosa e diligente, na situação em causa, seria a de liquidar o imposto, cumprindo o disposto na lei tributária,
U) Tendo direito à prestação paga indevidamente e aos juros compensatórios respectivos, pelo lapso temporal em que estivesse desembolsado, se, a posteriori, fosse apurado ter liquidado imposto não devido.
V) Sem prescindir, decorre dos princípios previstos na lei civil quanto à vigência, interpretação e aplicação da lei (Parte Geral, Título I, capítulo II, art. 6° do Código Civil), que a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.
W) Motivo pelo qual não pode esta "má interpretação" vir alegada como causa de justificação, por na sua base não se encontrar "prática anterior longamente reiterada da AP ou corrente jurisprudencial significativa, que justifique a divergência de critérios em relação à AF", situação em que se poderia afirmar, ser a omissão de liquidação um comportamento censurável.
X) O argumento de que inexistiu prejuízo para o Estado, não tem sustentação, porque das declarações de substituição por si apresentadas em sede de regularização da situação, resulta imposto liquidado a pagar, resultante de operações tributáveis verificadas, segundo as regras de exigibilidade do imposto, naqueles períodos ali em causa e não em qualquer outro momento em que a impugnante entendesse regularizar o IVA.
Y) Os juros são frutos civis constituídos por coisas fungíveis, que o credor aufere como rendimento de uma obrigação de capital e variam em proporção do valor deste capital, do tempo durante o qual se mantém a privação deste e da taxa de remuneração; isto é, o juro traduz, normalmente, uma obrigação pecuniária, homogénea em relação a outra - a obrigação de capital - e corresponde a uma percentagem desta, contada ao ano Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, nota 1, art. 559.º..
Z) Ora, resultando das considerações supra expostas que só há lugar a juros quando seja devido imposto sobre cujo montante terão de ser calculados!
AA) Se não houvesse imposto não liquidado, não seria possível calcular juros aplicando o disposto no art. 35° da LGT, não havendo sobre o que os calcular, melhor dizendo,
BB) o produto desse cálculo seria nulo (zero é o elemento absorvente da multiplicação, sendo um dos factores zero, o produto também será zero).
CC) No caso concreto pode ser afirmada a culpa da impugnante à luz dos aludidos critérios pela razão de que existe facto tributário que obriga à liquidação e entrega nos cofres do Estado do IVA, visto tratar-se de operações por este tributáveis.
DD) Para que haja lugar a juros compensatórios pressupõe-se, necessariamente, que a liquidação de imposto se encontre total ou parcialmente retardada e que tal retardamento seja devido, em termos de causalidade adequada, a um incumprimento ou cumprimento defeituoso de obrigações fiscais acessórias, peio seu não acatamento oportuno, com verdade e transparência, nos termos do ordenamento jurídico aplicável, imputável ao contribuinte a título de culpa, ainda que a título meramente negligente.
EE) O impugnante procedeu à regularização da sua situação declarativa e de pagamento em termos de imposto, apresentando as declarações periódicas de IVA de substituição para os períodos em causa.
FF) Estando em causa apenas os actos tributários de liquidação de juros compensatórios, calculados com base em factos já submetidos e acatados pelo contribuinte, como se infere do facto de ter procedido às inerentes regularizações de imposto.
GG) Pelo que a douta sentença recorrida incorreu, pois, em nosso entender, em erro de julgamento sobre a matéria de facto, e ainda em erro de julgamento sobre a matéria de direito, consubstanciado este em errada interpretação e aplicação das normas legais citadas, violando o disposto nos art.ºs, 89° do IVA, 35º LGT e 6° do CC, pelo que não se deverá manter no ordenamento jurídico.
Nestes termos,
Deve a presente impugnação ser a final julgada improcedente, com as legais consequências.”
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A Recorrida contra-alegou, tendo concluído da seguinte forma:
I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a qual julgou procedente a impugnação deduzida pela recorrida.
II. Inconformado com tal decisão, o Digno Representante da Fazenda Pública interpôs o presente recurso, no qual alega, essencialmente, que no caso dos autos verifica-se existir culpa da impugnante, pelo que deveria ter sido julgada improcedente a impugnação deduzida, entendimento que não pode aceitar-se.
III. Desde logo, alega o recorrente que a impugnante "não indica de onde retira o entendimento por si seguido", o que é falso - conforme se verifica da petição inicial apresentada, e mais concretamente do art.° 10º e ss., a impugnante enquadra devidamente a sua actividade, explicitando que, uma vez que estava a agir por conta e no interesse da autarquia, considerou que o momento oportuno para efectuar a regularização do IVA seria o da data da entrega da obra final (cfr., além do mais, alíneas e) f), e g) da matéria de facto dada como provada), e não o momento do recebimento da subvenção, na medida em que os projectos em causa eram directamente custeados pela Câmara e eram da sua propriedade.
IV. Alegou ainda a impugnante que, sendo apenas no momento da reversão das obras para o domínio público que se verifica o verdadeiro valor acrescentado, o entendimento da impugnante era de que só aí seria devido o imposto, e que colocou a situação pessoalmente perante os Serviços do IVA, e que lhe foi referido que o seu era um caso fora do comum, que deveria ser devidamente analisado pelos serviços através de um pedido de informação vinculativa.
V. A dúvida da impugnante residia, não só no momento da entrega do imposto ao Estado, mas igualmente na concreta taxa a aplicar, o que foi igualmente devidamente exposto no pedido de informação vinculativa, que foi bem compreendido e devidamente respondido pela administração fiscal.
VI. Ao contrário do que refere o recorrente, não é necessário, para que haja uma fundada e legítima dúvida, que haja "prática anterior longamente reiterada pela administração fiscal ou corrente jurisprudencial significativa" - até porque mal estaríamos em casos como o presente, que sai fora do comum dos casos e não existem casos semelhantes anteriores.
VII. Foi precisamente por não haver prática corrente e reiterada que a impugnante teve fundadas dúvidas sobre o procedimento a adoptar, mesmo agindo no âmbito de toda a diligência que lhe era exigível.
VIII. A impugnante não pode deixar de rechaçar totalmente a insinuação que parece fazer-se nas alegações apresentadas de que se aproveitou do pedido de informação vinculativa para deixar de cumprir aquilo que era devido: desde logo, porque sempre tratou seriamente uma questão que era séria, não tendo fugido às suas responsabilidades - pelo contrário, fez reuniões nos próprios serviços do IVA sobre o assunto em causa, e suspendeu os pedidos de reembolso até obter resposta ao pedido que fez; por outro lado, a recorrente parece esquecer que a impugnante é uma entidade participada maioritariamente por entes públicos, que não serve interesses particulares de enriquecimento à custa do Estado.
IX. Considera ainda o recorrente que não se pode aceitar que não ocorreu prejuízo para o Estado porque os próprios juros são um prejuízo - ora, o prejuízo para o Estado a que se deverá atender, para este efeito, é o prejuízo que resulta do concreto imposto a pagar, e não o prejuízo decorrente dos próprios juros indemnizatórios sub judice, pois que de outra forma haveria sempre prejuízo, independentemente da análise da situação.
X. A impugnante alegou que o procedimento por si adoptado era, inclusive, mais favorável ao Estado, porquanto, muito embora se antecipasse o momento de liquidação do IVA, baixou-se, em alguns casos, a taxa de 17% para 5%, matéria que não foi contestada pela recorrente nos seus articulados.
XI. A sentença proferida fez correcta aplicação do Direito aos factos, não merecendo qualquer censura.
XII. Conforme ficou demonstrado e resulta dos factos dados como provados, a impugnante encontrava-se numa situação de tributação especial, porquanto foi designada entidade gestora do "Projecto de Valorização da Zona Oriental da Cidade do Porto no Âmbito do Programa Metrópolis", que resulta de um Protocolo de Colaboração celebrado entre a Câmara Municipal do Porto e o Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.
XIII. Nessa qualidade, candidatou-se a um conjunto de projectos consignados no Protocolo de Colaboração às subvenções previstas no Mecanismo Financeiro de Espaço Económico Europeu, tendo ficado convencionado que asseguraria a execução dos projectos, coordenaria os serviços de revisão e fiscalização dos projectos, adjudicaria e geriria as respectivas empreitadas, procedendo aos respectivos pagamentos das obras.
XIV. Nestas circunstâncias, a impugnante efectuou um conjunto alargado de pagamentos por conta, que incluíam IVA a taxas diversas, esclarece-se que ia liquidando o IVA, à medida em que recebia uma subvenção, sendo certo que fazia as contas do IVA apenas quando terminava cada empreitada, data em que procedia à sua exacta liquidação.
XV. Isto porque a impugnante considerava que, no que respeita aos projectos que incidem sobre a requalificação dos espaços públicos, directamente custeados pela Câmara Municipal do Porto ou por via do MFEEE, sendo os mesmos propriedade do Município, agindo a A. por conta e no interesse da autarquia, o momento oportuno para efectuar a regularização do IVA seria na data da entrega da obra.
XVI. Querendo confirmar aquela sua prática, a impugnante solicitou reuniões na Direcção de Serviços do IVA, tendo sido aconselhada a colocar a questão através de um pedido de informação vinculativa, o que veio a fazer em 13.12.2000, só tendo obtido resposta em Março de 2003.
XVII. Em resposta, e no que interessa para o caso dos autos, foi dito à impugnante que deveria passar a liquidar IVA aquando dos pagamentos que fossem efectuados, tendo a mesma impugnante de imediato regularizado a situação, apresentando declarações periódicas de substituição de IVA.
XVIII. Entretanto, a impugnante foi notificada das liquidações em causa nos presentes autos, de juros compensatórios por ter ocorrido atraso na entrega do imposto devido.
XIX. Conforme resulta da douta sentença proferida, a impugnante tudo fez, agindo de acordo com uma interpretação totalmente de boa fé, no sentido de obter a confirmação da administração fiscal acerca da legalidade e legitimidade do seu procedimento.
XX. E só quase três anos depois lhe foi transmitida a informação por parte da administração fiscal, de que o procedimento deveria ser outro, informação que a impugnante de imediato acatou, regularizando a situação de acordo com tal informação que lhe foi fornecida.
XXI. A conduta da impugnante não poderá qualificar-se como dolosa, ou sequer negligente, porquanto foi a impugnante que solicitou à administração fiscal, em 2000, informação sobre a conduta que vinha adoptando, primeiro presencialmente e depois por escrito, a qual apenas veio a ser respondida em 2003, tendo suspendido todas as deduções e pedidos de reembolso enquanto a questão não fosse apreciada.
XXII. Os juros compensatórios em causa referem-se ao período em que a reclamante, não obtendo resposta da administração fiscal, actuou de acordo com os pressupostos constantes daquele pedido de informação, de boa fé.
XXIII. Esclarece-se que, depois da reunião referida nos Serviços do IVA e antes da resposta ao pedido de informação, a impugnante não poderia ter liquidado o imposto de outra forma, até porque não sabia a que taxa o deveria liquidar, não se podendo aceitar o que a esse propósito consta das alegações a que se responde, de que deveria sempre aplicar "a taxa mais elevada".
XXIV. Com efeito, as subvenções recebidas eram depois aplicadas em rubricas a 5% de IVA, outras a 17% e outras a 0%.
XXV. Assim, não se tratava sequer, apenas, da questão de não saber qual o momento em que deveria ser liquidado o IVA - sendo totalmente discutível, ao contrário do que agora se pretende nas alegações apresentadas, que fosse no momento do recebimento da subvenção - mas igualmente de determinar a que taxa deveria ser liquidado o IVA.
XXVI. Assim, a impugnante dirigiu-se à própria Direcção Geral dos Impostos, e adoptou precisamente o procedimento que lhe foi aconselhado - de fazer um pedido de informação vinculativa, e aguardar a análise do assunto.
XXVII. Assim sendo, a impugnante não agiu com qualquer espécie de culpa no caso dos autos, sendo certo que a administração fiscal tinha perfeito conhecimento, porque tal lhe foi comunicado pela impugnante que a mesma estava a actuar daquela forma, por entender ser a mais correcta, o que não foi corrigido pela administração fiscal: pelo contrário - não respondeu durante três anos, e vem, posteriormente, a liquidar juros compensatórios, o que não pode aceitar-se.
XXVIII. É de realçar que, feitas as contas finais, a impugnante, em cumprimento da informação vinculativa, passou a liquidar IVA a 5%, e a deduzir a 5% e a 17%, pelo que as deduções passaram a ser mais altas do que as liquidações, procedimento que era mais favorável ao Estado, porquanto, muito embora se antecipasse o momento da liquidação de IVA, baixou-se, em alguns casos, a taxa de 17% para 5% - o que é expressamente referido no douto parecer do Ministério Público junto aos autos.
XXIX. Não houve, nestes termos, sequer prejuízo para a Fazenda Nacional com a mudança de procedimento da impugnante, conforme se alegou na petição inicial, e agora se reafirma.
XXX. Sem prescindir, e caso se entenda que são procedentes as questões suscitadas pelo recorrente, sempre deverá ampliar-se o âmbito do recurso, nos termos do disposto no artº 684º A do Código de Processo Civil, no que diz respeito à matéria de facto dada como provada, fazendo-se aditar a tal matéria os factos constantes dos art.ºs. 39º, 40º, 53º e 54º da petição inicial, mais concretamente os seguintes:
"A dúvida da impugnante expressa no pedido de informação vinculativa não era apenas relacionada com o momento em que deveria ser liquidado o Iva, mas igualmente de determinar a que taxa deveria ser liquidado o Iva.
Feitas as contas finais, a impugnante, em cumprimento da informação vinculativa, passou a liquidar Iva a 5%, e a deduzir a 5% e a 17%, pelo que as deduções passaram a ser mais altas do que as liquidações.
O procedimento anteriormente adoptado pela impugnante era mais favorável ao Estado, porquanto, muito embora se antecipasse o momento da liquidação de Iva, baixou-se, em alguns casos, a taxa de 17% para 5%."
XXXI. Tais factos resultam demonstrados dos elementos documentais juntos pela impugnante, mais concretamente da resposta ao pedido de informação vinculativa junto à petição inicial sob o nº 3, bem com do próprio relatório de inspecção junto aos autos.
XXXII. Acresce que deverá ainda questionar-se a matéria constante dos art.ºs 15º, 16º, 32º, 34º a 37º, 45º a 47º da petição inicial, devendo ser admitida a prova testemunhal para prova dos factos ali alegados.
XXXIII. Pelo que, e sempre apenas prevenindo a hipótese de o recurso agora interposto merecer provimento, deverá, nesse caso, tomar-se conhecimento do recurso oportunamente interposto pela recorrente a propósito da inquirição das testemunhas arroladas, o que expressamente se declara nos termos do disposto no art.º 748º nº 1 do Código de Processo Civil.
XXXIV. De toda a forma, a recorrida mantém a sua convicção de que a douta sentença recorrida fez correcta aplicação do Direito aos factos, não merecendo qualquer censura.
Termos em que deverá negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença proferida, assim se fazendo JUSTIÇA!”
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O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer, tendo aposto “visto” no processo.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar não estarem verificados os pressupostos para liquidação de juros compensatórios, nos termos do artigo 35.º da Lei Geral Tributária.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos:
a). A impugnante é uma sociedade anónima de capitais mistos, sendo participada maioritariamente pela Câmara Municipal do Porto e pelo então Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, através da Administração dos Portos do Douro e Leixões.
b). A impugnante tem como actividade principal a consultadoria para os negócios e a gestão, efectuando prestações de serviços que conferem direito à dedução.
c). No exercício da sua actividade, a impugnante foi designada entidade gestora do "Projecto de Valorização da Zona Oriental da Cidade do Porto no Âmbito do Programa Metrópolis", que resulta de um protocolo de colaboração celebrado entre a Câmara Municipal do Porto e o Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.
d). Na atribuição das suas funções de entidade gestora, a impugnante celebrou em 18 de Dezembro de 1998, juntamente com a Câmara Municipal do Porto, o Estado Português e o Banco Europeu do Investimento um contrato relativo à atribuição de uma subvenção proveniente do MFEEE que assegura o financiamento parcial dos projectos, devendo o remanescente ser assegurado pela Câmara Municipal do Porto.
e). A impugnante, enquanto entidade gestora do programa, assegura a execução dos programas, coordena os serviços de revisão e fiscalização dos projectos, adjudica e gere as respectivas empreitadas e procede aos respectivos pagamentos das obras.
f). A impugnante foi liquidando o IVA, à medida que recebia uma subvenção, fazendo as contas do IVA apenas quando terminava cada empreitada, data em que procedia à sua exacta liquidação.
g). A impugnante efectuava a regularização do IVA na data da entrega da obra.
h). Face aos circunstancialismos do exercício da actividade referida e as circunstâncias do desenvolvimento do referido Programa, em 13/12/2000, a impugnante solicitou aos Serviços da Administração do IVA a competente informação sobre os procedimentos adoptados.
i). Através da informação n° 1160, de 25/2/2003, com o despacho concordante do Director Geral, de 7/3/2003, foi sancionado o seguinte entendimento:
"21.1. Nas empreitadas adjudicadas pela A., que posteriormente as debita à Câmara do Porto, a relação contratual que se estabelece é entre a A. e a Câmara Municipal do Porto, pelo que é possível afirmar-se que a A. actua em nome próprio, mas por conta e no interesse do Município dono da obra, verificando-se um mandato sem representação.
21.2. Esta situação tem pleno enquadramento na previsão do n° 4 do art. 4° do Código do IVA. Aí se refere "quando a prestação dos serviços for efectuada por intervenção de um mandatário agindo em nome próprio, este será sucessivamente, adquirente e prestador do serviço."
21.3. Assim, na relação que se estabelece entre os empreiteiros e a A. a taxa do IVA a aplicar é a taxa normal, conforme alínea a) - n° 1 do art. 18° do CIVA.
21.4. O exercício do direito a dedução do imposto suportado pela requerente está subordinado às regras consagradas no CIVA, nomeadamente nos arts. 19° a 25° do mesmo.
21.5. No que respeita à liquidação do imposto é de observar o disposto nos art. 7°, 8°, 16° e 28° do CIVA. Assim, a exigibilidade ocorre aquando do recebimento dos pagamentos que lhe são efectuados (subvenções do MFEEE - e comparticipação da Câmara Municipal do Porto, ou outro).
21.6. (...)".
j). A impugnante regularizou a situação de acordo com o teor da informação referida em i), logo que esta lhe foi fornecida, apresentando as respectivas declarações periódicas de IVA de substituição.
k). Na sequência de uma acção de inspecção, a Administração Tributária emitiu as liquidações impugnadas referentes a juros compensatórios, no montante global de 193.064,65 euros.
l). A impugnante apresentou reclamação graciosa contra tal liquidação, a qual foi totalmente indeferida, por despacho de 13/4/2007.
m). A presente impugnação foi apresentada em 18/5/2007.
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Factos não provados:
Não se provaram outros factos não referidos supra.
*
Motivação da decisão de facto:
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise da prova documental produzida nos autos e na posição assumida pelas partes nos seus articulados.”
*
2. O Direito

A questão objecto do presente recurso consiste em saber se a liquidação de juros compensatórios impugnada nos autos padece, ou não, de ilegalidade, por se não verificarem todos os necessários pressupostos legais, e, por consequência e em função dela, se a decisão recorrida enferma, ou não, de erro de julgamento em tal matéria.

A Recorrente não se conforma com a sentença que julgou procedente a impugnação deduzida pela aqui Recorrida, defendendo que, no caso dos autos, se verifica existir culpa da impugnante, pelo que deveria ter sido julgada improcedente a impugnação deduzida; entendimento que a Recorrida não aceita, como se retira das suas contra-alegações.

Vejamos a ponderação realizada pela sentença recorrida para julgar a impugnação procedente:
“(…) A única questão que cumpre decidir prende-se com a (i)legalidade da exigência de juros compensatórios liquidados à impugnante, em virtude de esta ter liquidado IVA em momento posterior ao do momento do recebimento da subvenção, no âmbito do contrato relativo à atribuição de uma subvenção proveniente do Mecanismo Financeiro de Espaço Económico Europeu (MFEEE).
A impugnante sustenta que não se verificam os pressupostos de aplicação de juros compensatórios previstos no art. 35° da LGT, porquanto o atraso na liquidação de IVA em causa não ter acarretado qualquer prejuízo à receita tributária, a conduta da impugnante ter sido de boa fé e assentar em dúvidas perfeitamente razoáveis atentas as circunstâncias específicas da situação colocadas em devido tempo aos Serviços Fiscais, os quais demoraram perto de três anos a responder à solicitação da impugnante.
Por seu turno, a Fazenda Pública sustenta a culpa da impugnante, por lhe ser imputável o atraso na liquidação e entrega do imposto nos cofres do Estado.

Vejamos.
Estabelece o art. 89°, n° 1 do CIVA que "Sempre que, por facto imputável ao contribuinte, for retardada a liquidação ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido, acrescerão ao montante de imposto juros compensatórios nos termos do art. 35° da lei geral tributária."
E, segundo o art. 35°, n° 1 da LGT "são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária."
Resulta, assim, do n° 1 do art. 35° da LGT que o direito a juros compensatórios depende da conjugação de um elemento objectivo, o atraso na liquidação ou entrega do imposto retido ou a reter ou a pagar por conta e, de outro subjectivo, a culpa do contribuinte (António Lima Guerreiro, in Lei Geral Tributária anotada, pág. 170). Ou seja, para haver lugar a juros compensatórios é necessário que a conduta do contribuinte no atraso da liquidação e entrega do imposto devido seja passível de um juízo de censura, por dolo ou negligência.

A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência, aptidão e conhecimento de um bónus pater familiae; a culpa exprime um juízo de responsabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo.
Portanto, face ao preceituado nos arts. 35° da LGT e 89° do CIVA, constituem requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de IVA, de um atraso na efectivação de uma liquidação desse imposto e a imputabilidade do atraso à actuação culposa do contribuinte.
No caso vertente, a liquidação impugnada teve origem no entendimento da Administração Tributária [em conformidade com a Informação n° 01160, de 25/2/2003, da DSIVA, que mereceu despacho de concordância do Director Geral] de que a impugnante deveria ter liquidado e entregue o IVA aquando do recebimento do valor da subvenção ao Projecto, "uma vez que é na data do recebimento parcelar da subvenção atribuída pelo MFEEE ou da comparticipação suportada pela CMP que ocorre a exigibilidade do imposto" e procedeu à liquidação dos juros compensatórios em virtude desse facto, já que a situação foi, entretanto, totalmente regularizada pela impugnante
A impugnante, enquanto entidade gestora do programa, para além do mais, assegurava a execução dos projectos, adjudicava e geria as respectivas empreitadas e procedia ao pagamento das obras, fazendo o acerto das contas do IVA apenas quando terminava cada empreitada (data em que procedia à sua exacta liquidação).

Porém, face aos circunstancialismos do exercício da actividade em causa e as circunstâncias do desenvolvimento do referido Programa, em 13/12/2000, a impugnante apresentou aos Serviços da Administração do IVA pedido de esclarecimento sobre os procedimentos adoptados em sede de liquidação de IVA.

Ora, importa referir que esta entidade respondeu apenas em 2003, através da supra referida Informação e ainda que, logo após ter tomado conhecimento do entendimento vertido nesta, a impugnante procedeu de imediato à regularização da situação, mediante a apresentação de declarações de substituição e pagamento do IVA em falta.

Afigura-se-nos que, perante o factualismo concreto da situação, apenas se pode considerar preenchido o requisito do retardamento da liquidação e não o requisito da culpa.

Com efeito, para além de serem perfeitamente razoáveis as dúvidas quanto ao procedimento a adoptar na situação concreta, é bem evidente da boa fé da impugnante, o pedido de esclarecimentos e a colocação da situação perante a Administração Tributária que demorou mais de 2 anos a responder à impugnante.

E, logo que a Administração Tributária comunicou o seu entendimento à impugnante, esta, de imediato, se apressou a regularizar toda a situação de acordo com a informação que lhe foi fornecida.
Conclui-se, pois, face à factualidade assente, não se verificar, in casu, a culpa exigida pela lei (falta de diligência normal da impugnante) em relação ao retardamento da liquidação de IVA e, consequentemente, não haver lugar às liquidações de juros compensatórios. (…)”

A sentença recorrida adoptou o conceito de culpa do contribuinte defendido pela doutrina e aplicou-o ao caso concreto, valorando a boa-fé da ora Recorrida em pretender dilucidar dúvidas quanto à liquidação de IVA, formulando um pedido de esclarecimento, e o facto de a AT ter demorado mais de dois anos a dar resposta a esse pedido.

Com efeito, estabelece o artigo 35.º da LGT, no seu n.º 1, que, sempre que ocorra retardamento da liquidação, do total ou de parte do imposto devido, são devidos juros compensatórios pelo sujeito passivo, desde que tal retardamento decorra de facto que lhe seja imputável.
A razão de ser dos juros compensatórios prende-se, pois, necessariamente, com um juízo de censura, a título de culpa e, por consequência, numa conduta, no mínimo, negligente, imputável ao sujeito passivo e que se prende com a sua responsabilização cível, no sentido de indemnizar o Estado pelos prejuízos decorrentes do não recebimento atempado do imposto devido com suporte numa conduta ilícita ou de desvalorização normativa do quadro legal vigente e aplicável injustificável/indesculpável, ou, dito de outra forma censurável; Ou seja, numa conduta a que é alheia uma qualquer eventual responsabilização de natureza “penal/fiscal”.
Trata-se, pois, do conceito civilista de culpa, cuja demonstração cabe à AT, seja enquanto conduta positiva e agressiva na prática do acto tributário do respectivo apuramento, seja enquanto entidade que a invoca em suporte do aludido acto, nos termos do preceituado no art.º 572.º do CC – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 12/01/2010, proferido no âmbito do processo n.º 03177/09.

A jurisprudência tem vindo a acolher aquela mesma ideia de culpa, vertida na decisão recorrida, no que tange à menção, nos artigos 35.º da LGT e 89.º do Código do IVA, à data, ao “facto imputável ao sujeito passivo” – cfr., entre outros, os Acórdãos do STA, de 23/10/2002, de 16/02/2005, de 19/11/2008, de 11/03/2009, de 16/12/2010, proferidos nos recursos n.º 1145/02, n.º 1006/04, n.º 0325/08, n.º 0961/08, n.º 0587/10, respectivamente, e Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 22/01/2014 e de 21/01/2015, proferidos no âmbito dos processos n.º 01490/13 e n.º 0632/14:
«De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 89.º do Código do IVA (na redacção dada pelo n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de Novembro), «Sempre que, por facto imputável ao contribuinte, for retardada a liquidação ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido, acrescerão ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35.º da Lei Geral Tributária» […].
Disposições legais deste género são qualificadas pela doutrina como um meio de carácter repressivo e preventivo com a natureza própria de uma medida de pressão destinada a assegurar a declaração e a cobrança dos impostos – cf. a Revista Fisco, n.º 32, p. 48.

Os juros compensatórios têm a natureza de indemnização por facto ilícito: o incumprimento de um dever. Ora, a responsabilidade por actos ilícitos tem assento na culpa do causador do dano, segundo o artigo 483.º do Código Civil; esta, nos termos do artigo 487.º deste último diploma, não pode ir além da exigibilidade da diligência do homem médio, ou seja, da diligência reportada ao campo do cumprimento recíproco dos deveres impostos ao devedor e ao credor (ver Prof. Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, p. 196) – cf. Duarte Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal, I, 1984, p. 362.

A culpa, como é sabido, consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (a diligência de um bom pai de família), quer no que respeita à responsabilidade extracontratual, quer no domínio da responsabilidade contratual – cf. os artigos 487.º, n.º 2, e 799.º, n.º 2, do Código Civil; e Vaz Serra, na Revista de Legislação e Jurisprudência n.º 110, p. 151.

A culpa, em sentido restrito, traduz-se na omissão da diligência exigível. O agente devia ter usado de uma diligência que não empregou. Devia ter previsto o resultado ilícito, a fim de o evitar, e nem sequer o previu. Ou, se previu, não fez o necessário para o evitar, não usou das adequadas cautelas para que ele se não produzisse – cf. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 2.ª edição, p. 328.

A culpa exprime um juízo de responsabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo.
É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor, e pode revestir duas formas distintas: o dolo, e a negligência – cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, p. 559. Em suma: a culpa, em qualquer das suas modalidades, traduz-se sempre num juízo de censura em relação à actuação do agente: o lesante, pela sua capacidade, e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo.
Para além da possibilidade da enunciação de um juízo de censura sobre o comportamento decorrente da violação dos deveres de colaboração e de lealdade para com a Administração Fiscal, torna-se necessária ainda a verificação de um nexo de causalidade adequada entre o comportamento do contribuinte e o retardamento da contribuição devida – cf., neste sentido, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 31-5-1989, e de 1-2-1989, no Apêndice ao Diário da República, respectivamente, de 15-5-1991, a p. 691 e ss., e de 12-10-1990, a p. 128 e ss.

Se não estiver demonstrada a culpa do contribuinte, designadamente porque a Administração Fiscal ou terceiro de algum modo concorreram para o atraso na liquidação, não devem ser liquidados juros compensatórios.

Também não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação respectiva ficou a dever-se a mera e compreensível divergência de critérios de qualificação de custos entre a Administração e o contribuinte ou a erro desculpável do contribuinte – cf., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17-2-1982, e de 5-6-1985, nos Acórdãos Doutrinais n.ºs 247 e 281, respectivamente, pp. 966, e 220.(…)»
In casu, a AT aponta retardamento ao contribuinte, por não ter liquidado imposto no momento da exigibilidade, nos termos que resultam das normas do Código do IVA, defendendo que somente estaria excluída a culpa no caso de o contribuinte ter agido em conformidade com prática anterior longamente reiterada da AT ou corrente jurisprudencial significativa, que justificasse a divergência de critérios em relação à AT.
Porém, a enunciação de um juízo de censura sobre o comportamento do sujeito passivo deve ser efectuada em face das circunstâncias concretas da situação, procedendo à análise do caso, verificando se podia e devia ter agido de outro modo.

Conforme resulta da matéria de facto apurada – cfr. alíneas c) a g), no exercício da sua actividade, a impugnante foi designada entidade gestora do "Projecto de Valorização da Zona Oriental da Cidade do Porto no Âmbito do Programa Metrópolis", que resulta de um protocolo de colaboração celebrado entre a Câmara Municipal do Porto e o Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território. Na atribuição das suas funções de entidade gestora, a impugnante celebrou, juntamente com a Câmara Municipal do Porto, o Estado Português e o Banco Europeu do Investimento, um contrato relativo à atribuição de uma subvenção proveniente do MFEEE que assegura o financiamento parcial dos projectos, devendo o remanescente ser assegurado pela Câmara Municipal do Porto. A impugnante, aqui Recorrida, enquanto entidade gestora do programa, assegurava a execução dos programas, coordenava os serviços de revisão e fiscalização dos projectos, adjudicava e geria as respectivas empreitadas e procedia aos respectivos pagamentos das obras. Neste circunstancialismo, foi liquidando o IVA, à medida que recebia uma subvenção, fazendo as contas do IVA apenas quando terminava cada empreitada, data em que procedia à sua exacta liquidação. Portanto, efectuava a regularização do IVA na data da entrega da obra.

Assim, a Recorrida, entendendo que estava a agir por conta e no interesse da autarquia, considerou que o momento oportuno para efectuar a regularização do IVA seria o da data da entrega da obra final e não no momento do recebimento da subvenção, na medida em que os projectos em causa eram directamente custeados pela Câmara e eram da sua propriedade. Mais, sendo apenas no momento da reversão das obras para o domínio público que se verificava o verdadeiro valor acrescentado, a Recorrida era do entendimento de que só aí seria devido o imposto.

Contudo, perante a singularidade da situação, a Recorrida tinha dúvidas quanto a tal procedimento, residindo as mesmas não só no momento da entrega do imposto ao Estado, mas igualmente na concreta taxa a aplicar, motivo pelo qual colocou a questão perante os Serviços do IVA. Segundo a Recorrida, estes serviços terão considerado o caso fora do comum, pelo que deveria ser devidamente analisado pelos serviços através de um pedido de informação vinculativa.

É, portanto, neste contexto, que a AT demora mais de dois anos a dar uma resposta à Recorrida; afigurando-se, de facto, inadmissível que venha, entretanto, liquidar juros compensatórios por este período em que os serviços do IVA estavam a analisar a situação concreta.

O retardamento da liquidação de imposto só dá origem a juros compensatórios, se estiver demonstrada a culpa do contribuinte em tal situação de retardamento. A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto, pelo padrão de esmero do bonus pater familiae, hipoteticamente colocado na situação concreta. A compreensível dúvida, dificuldade, ou divergência razoável de critério quanto à qualificação e enquadramento de determinada situação tributária não concorre para a integração do dito conceito de culpa – pelo que, por tal via, não se dá azo à cominação de juros compensatórios – cfr. Acórdão do STA, de 11/03/2009, processo n.º 0961/08.

No entanto, a Recorrente insiste - não se poder dizer que o facto de o contribuinte ter apresentado um pedido de informação vinculativa serve de causa de exculpação, porquanto, vindo posteriormente a conformar-se com a posição assumida pela AT e regularizando, nessa medida, o pagamento do imposto, não suportaria o encargo dos juros compensatórios inerentes à dilação causada na liquidação do imposto devido. A Recorrente repudia veementemente esta solução, já que, nessa circunstância, o pedido de informação, sob a égide da diferente interpretação, se transformaria numa forma de "suspender" a liquidação atempada do tributo.

De facto, neste ponto, tenderíamos a concordar com a Recorrente, todavia, deve merecer especial cautela a análise das circunstâncias em que deve ser considerada a ausência de culpa, na falta de liquidação oportuna do imposto. Ao contrário do que parece ser a posição da Recorrente, não estamos perante uma mera e compreensível divergência de posições entre o contribuinte e a administração fiscal; estamos, antes, de fronte de uma compreensível dúvida, dificuldade, quanto à qualificação e enquadramento desta situação tributária suis generis, que os próprios serviços do IVA tiveram, certamente, constrangimentos na sua dilucidação, pois somente o facto de não ser uma situação linear justifica tal demora na resposta. Salientamos que, em rigor, não existia uma divergência razoável de critério quanto à qualificação e enquadramento da situação tributária, mas uma dúvida legítima da Recorrida, pelo que não poderemos falar, in casu, em fomento do uso do pedido de informação vinculativa, como expediente de legitimação de comportamentos desconformes à lei. Observamos, no comportamento da Recorrida, uma diligência acrescida em querer sintonizar-se com a legalidade, pelo que a sua actuação não concorre para a integração no dito conceito de culpa.

Sustenta, ainda, a Recorrente decorrer dos princípios previstos na lei civil quanto à vigência, interpretação e aplicação da lei (Parte Geral, Título I, capítulo II, artigo 6.° do Código Civil), que a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas. Motivo pelo qual não pode esta "má interpretação" vir alegada como causa de justificação, por na sua base não se encontrar “prática anterior longamente reiterada da AP ou corrente jurisprudencial significativa, que justifique a divergência de critérios em relação à AF”.

É nossa convicção não estar propriamente em causa “má interpretação” da lei, que, manifestamente, a Recorrida não ignorava, mas somente fundadas dúvidas sobre a interpretação e a aplicação de normas tributárias (relativas a IVA) ao caso concreto. E nesta especial situação, não podemos olvidar que a Recorrida é uma sociedade anónima de capitais mistos, sendo participada maioritariamente pela Câmara Municipal do Porto e pelo então Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, através da Administração dos Portos do Douro e Leixões. São as relações jurídicas entre estas entidades, em especial a qualidade de gestora do projecto assumida pela Recorrida, que terão dificultado a aplicação de normas do IVA no desenrolar dessas relações específicas no âmbito da execução do programa.

Não podemos esquecer que os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco, presumindo-se de boa-fé a actuação de ambos. Note-se que a colaboração da AT com os contribuintes compreende, além do mais, o esclarecimento regular e atempado das fundadas dúvidas sobre interpretação e aplicação das normas tributárias – cfr. artigo 59.º, n.º 3, alínea f) da LGT, na redacção aplicável à data.

Considerada a especificidade dos contornos do caso, entendemos que era fundada a dúvida da Recorrida e legítimo ter aguardado pelo esclarecimento da AT, que deveria ter sido atempado, ao invés de ter decorrido um período de mais de dois anos na resposta; não podendo deixar de ser, ainda, relevante o facto de a impugnante, ora Recorrida, ter regularizado a situação de acordo com o teor da informação referida em i) da decisão da matéria de facto, logo que esta lhe foi fornecida, apresentando as respectivas declarações periódicas de IVA de substituição – cfr. alínea j) do probatório.

De facto, não vislumbramos que esteja demonstrada a culpa do contribuinte, designadamente porque a AT, de algum modo, concorreu para o atraso na liquidação; logo, não deveriam ter sido liquidados juros compensatórios.
Crê-se que o que já deixámos expresso é suficiente para determinar a improcedência de todas as conclusões das alegações de recurso, pois ficou demonstrado, pela positiva, que a conduta da Recorrida se encontrava justificada, nessa medida excluindo qualquer juízo de censura apto a suportar a liquidação dos juros compensatórios em causa.
Ainda que assim se não entenda, é, no entanto, indiscutível que se não demonstra a ocorrência do referido juízo de censura, o que, atenta a circunstância do ónus de tal prova recair sobre a AT, acarreta que a conclusão final seja a mesma, isto é, a da não verificação dos necessários e legais pressupostos à concretização do acto tributário impugnado.
Nesta conformidade, urge negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Em vista do decidido quanto ao recurso interposto da sentença, não se vislumbra qualquer interesse processual objectivo para a Recorrida na apreciação do recurso interposto do despacho interlocutório.
Com efeito, nas suas contra-alegações, a Recorrida prevenindo a hipótese de o recurso interposto pela Fazenda Pública merecer provimento, alertou para a eventual necessidade de tomar-se conhecimento do recurso oportunamente interposto a propósito da inquirição das testemunhas arroladas – cfr. conclusão XXXIII das contra-alegações de recurso.
Apenas se conhecerá de recurso interposto de despacho interlocutório, se se vislumbrar, atento o decidido quanto ao recurso interposto da sentença final, interesse processual para o recorrente numa decisão favorável naquele – cfr. artigo 660.º do CPC.
Efectivamente, a Recorrida, prevenindo a eventualidade de, nesta sede, serem julgadas procedentes as questões suscitadas pela Recorrente, ampliou o âmbito do recurso, nos termos do disposto no artigo 684.º A do Código de Processo Civil, no que diz respeito à matéria de facto dada como provada, pretendendo aditar a tal matéria os factos constantes dos artigos 39.º, 40.º, 53.º e 54.º da petição inicial – cfr. conclusão XXX das contra-alegações.
Na medida em que será negado provimento ao recurso da sentença recorrida, é evidente que a decisão final se mostra favorável à Recorrida. Pelas apontadas razões de falta de interesse processual, este tribunal decide não tomar conhecimento do recurso interposto do despacho interlocutório e ficando, também, prejudicado o conhecimento do pedido de ampliação do objecto do recurso.

Conclusões/Sumário

I - Nos termos do disposto no artigo 35.º da LGT e no actual artigo 96.º (correspondente ao anterior artigo 89.º) do Código do IVA, são requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de IVA, de um atraso na efectivação de uma liquidação desse imposto e da imputabilidade do atraso à actuação culposa do contribuinte.

II - A responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência).

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
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Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
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Porto, 25 de Março de 2021

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Celeste Oliveira