Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00978/14.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/25/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS, INDÍCIOS;
REQUISITOS FORMAIS DAS FACTURAS, PROVA DOCUMENTAL COMPLEMENTAR;
DEDUÇÃO DO IVA;
Sumário:I – O direito à dedução do IVA não pode ser negado quando, ainda que os requisitos formais da factura não tenham sido cumpridos, essa insuficiência seja passível de suprimento e tenha o sujeito passivo fornecido meios de prova complementares que permitam alcançar o objectivo de determinação concreta, designadamente, da natureza e extensão das operações realizadas, ou seja, realidades fácticas que as exigências formais indispensáveis, previstas no artigo 36.º, n.º 5 do CIVA, visam tutelar.

II – No caso de facturas falsas, compete à Administração Tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação correctiva e, só caso o faça, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto.

III – Impõe-se, portanto, à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.

IV - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.

V – Não tendo a Administração Tributária durante a inspecção constatado factos ponderosos e objectivos fortemente indiciadores de que as facturas que titulam diversas transacções comerciais são falsas, isto é, apenas servem de instrumento formal para com elas se poder deduzir o imposto nelas referido, não cumpriu com o ónus da prova dos pressupostos que lhe é exigido e, por tal razão, não abala a presunção de verdade de que goza a escrita formalmente organizada da impugnante, nem determina a inversão do ónus da prova nos termos do artigo 74.º da LGT.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso da AT.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«X Unipessoal, Lda.», pessoa colectiva n.º ..., devidamente identificada nos presentes autos, e a Representação da Fazenda Pública interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 24/11/2022, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.ºs ...70 e ...72, referentes aos períodos 201003T e 201006T e correspectivas liquidações de juros compensatórios, no valor total de €77.081,49.

A Recorrente «X Unipessoal, Lda.» terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“I. O Tribunal a quo condenou a Recorrente no pagamento de parte do IVA (17%) por a Recorrente nas faturas N.º ...07, ...02, ...07, ...05 não ter junto documentos de suporte, sucede que tal fato não é verdade.
II. Os documentos que justificam as faturas acima referenciadas estão junto aos autos.
III. Os documentos alegadamente em falta por parte da Recorrente/«X Unipessoal, Lda.» constam do Relatório da Inspeção Tributária à data da sua realização.
IV. É inequivocamente afirmado pela AT que a Recorrente/«X Unipessoal, Lda.» entregou os documentos em questão.
V. A justificação documental das faturas existe e estava acoplada às mesmas.
VI. A Meritíssima Juiz a quo faz referência na sua sentença aos documentos (com descrição dos mesmos) para posteriormente, talvez por lapso, referir que os mesmos não existem.
VII. Não pode, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo condenar a Recorrente ao pagamento do IVA das faturas acima referenciadas por falta de documentos que as justifiquem quando, na verdade esses documentos existem e vão juntos ao presente processo.
VIII. O Tribunal a quo e a AT estiveram sempre na posse dos documentos cuja falta originou a condenação da Recorrente/«X Unipessoal, Lda.», pelo que, nunca esta poderia ser condenada.
IX. Andou mal o Tribunal a quo ao condenar a Recorrente no pagamento do IVA relativamente às faturas N.º ...07, ...02, ...07, ...05.
Termos em que Vs. Exas. deverá revogar a sentença que ora se recorre e substitui-la por outra onde se considere a impugnação procedente por provada e em consequência, ordenar a anulação das liquidações oficiosas de IVA, bem como as liquidações de juros compensatórios com as legais consequências,
FAZENDO DESTA FORMA, Vs. EXAS., INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”
****
Não houve contra-alegações.
****
A Recorrente Representação da Fazenda Pública concluiu as suas alegações de recurso da seguinte forma:
“A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a Impugnação apresentada por «X Unipessoal, Lda.», NIPC n.º ..., contra as liquidações adicionais de IVA n.ºs ...70 e ...72, referentes aos períodos 201003T e 201006T e correspectivas liquidações de juros compensatórios, n.ºs ...71 e ...73, no valor total a pagar de Eur 77.081,49.
B. As liquidações impugnadas têm origem no procedimento de inspecção dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., no âmbito da Ordem de Serviço n.º OI..........18, que incidiu sobre IVA do ano de 2010.
C. Nos autos foram impugnadas as correcções que se reflectiram nas liquidações do IVA e que tem origem “no entendimento de que configuram operações simuladas quanto ao seu valor e/ou na efectivação da sua realização, que originaram por parte da Impugnante uma dedução indevida do IVA naquelas facturas aposto (artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA), e que as facturas que titularam tais operações não dão cumprimento ao disposto no artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA, uma vez que não referem a quantidade e o preço unitário dos serviços prestados e contêm uma menção genérica dos serviços/bens, razão pela qual a dedução do IVA seria sempre indevida ao abrigo do disposto no artigo 19.º n.º 2 do Código do IVA.”
D. O Tribunal a quo elegeu como quaestio decidenda (conforme de folhas 98 e 99 da douta sentença recorrida), aferir “se os elementos apontados pela AT permitem inferir, com um grau de probabilidade séria e elevada, a não materialidade das operações subjacentes às facturas contabilizadas pela Impugnante, que lhe foram emitidas em 2010, pelos sujeitos passivos (i) «Q, Lda.» (cfr. fatura coligida em 5) do probatório), (ii) «R, Lda.» (cfr. faturas coligidas em 9) do probatório), (iii) «T, Lda.» (cfr. faturas coligidas em 16) do probatório), (iv) «Y, Lda.» (cfr. faturas coligidas em 33) do probatório) e (v) «U, Lda.» (cfr. faturas coligidas em 40) do probatório), em causa nos autos.”
E. A Fazenda Pública não se conforma com o decidido, porquanto entende que a matéria de facto dada como assente na douta sentença, deveria ter ditado decisão diferente, tendo em conta a prova recolhida pela inspecção tributária; senão vejamos:
F. No Relatório da Inspecção Tributária, pág. 204 a 221 estão coligidos todos os indícios da simulação e juízo crítico da análise efectuada, que pela sua extensão remetemos para a mesma, com as seguintes conclusões:
G. “Como tal, e tendo em atenção tudo o que exposto anteriormente ao longo do presente documento, é nosso entendimento que existem operações entre as entidades pertencentes ao «Grupo Y», incluindo neste grupo, para efeito desta análise, a sociedade «X Unipessoal, Lda.», que configuram operações simuladas, quer no que concerne ao seu valor, quer ainda na sua efectiva realização, visando, essencialmente, a comprovação de despesas de investimento no(s) pedido de pagamento(s) por parte das entidades do «Grupo Y» que celebraram com o IAPMEI contratos de concessão de incentivos financeiros.
H. Independentemente do referido anteriormente, verifica-se que as facturas em causa não dão cumprimento ao disposto no número 5 do artigo 36.º do Código do IVA, uma vez que não referem a quantidade e o preço unitário dos serviços prestados ou contêm uma menção genérica dos serviços prestados (por exemplo, “Consultoria e aconselhamento legal na área comercial”), razão pela qual, nos termos do número 2 do artigo 19.º do Código do IVA, a dedução do imposto seria sempre indevida.”
I. As facturas em questão, não discriminam nem os serviços que em concreto foram prestados a que as mesmas se referem, nem as quantidades unitárias ou totais dos mesmos e respectivo preço unitário, bem como a(s) data(s) em que este foi(foram) prestado(s).
J. Na verdade, nelas consta apenas uma indicação vaga e imprecisa que não preenche os requisitos legais a que se referem as als. b) e c) do referido nº 5 do art. 36º do CIVA, pois não estão discriminados nem os serviços (nem a sua natureza) que em concreto foram prestados e a que se referem aquelas facturas, nem as quantidades unitárias ou totais dos mesmos;
K. Ora, não estando emitidas na “forma legal” não permitem deduzir o respectivo imposto.
L. Em relação ao IVA, a lei impõe a estrita obrigação de emissão de um documento que acompanhe a transacção – a factura - alínea b) do nº 1 do art. 29º do CIVA), incluindo com a concreta previsão dos seus requisitos e elementos integrativos (nº 5 do art. 36º do CIVA).
M. No entanto, das facturas em causa, nos autos, constam, na designação, descrições genéricas não especificando quando foram prestados, e se ao serviço acresce incorporação de bens. A expressão "quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos bens necessários à determinação da taxa aplicável" tem como finalidade permitir quer ao cliente quer à AF controlarem se a taxa incidente sobre o valor tributável é a correcta. Por isso, porque a exigência de tais documentos assim apercebidos tem também esta finalidade de apetrechar a entidade pública (AF) para o controlo da situação tributária, e não somente a de obter prova segura dos factos a controlar, os mesmos são formalidades substanciais, que não meramente probatórias, e, como tal, insubstituíveis por qualquer outro género de prova, como decorre do art. 364º do C. Civil (cfr. ac. do STA, de 27/9/2000, rec. 25033).
N. Acresce que a dedução do IVA só se mostra possível, no caso de haver um suporte documental, e como tal as declarações das testemunhas, não suprem a falta de documento de suporte válido; tal prova não era idónea como não seria a feita por documentos internos que não podem substituir as indicações que a lei impõe sejam discriminadas na própria factura: para efeitos de IVA só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal e, como assim, por mais apropriados que sejam outros métodos, dado que o legislador só conferiu o direito à dedução do imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes, estes têm que ser necessariamente os processados pelos vendedores (cfr. Ac. de 20/1/93, da 2ª Secção do STA, in RL Jurisprudência nº 3835, p. 291).
O. Com efeito, a factura ou documento equivalente que o suporta torna-se um elemento fundamental e decisivo, pois é esse documento que vai permitir ou não a dedução e ainda vai definir as taxas aplicadas aos diversos bens e serviços transaccionados ou prestados. Conforme evidencia Miguel Durham Agrellos & Paulo Pichel (in “Jurisprudência do TJUE sobre exigência de forma das facturas e direito à dedução do IVA”, Cadernos IVA 2015, pp.191 e 192) “a factura é uma espécie de “cheque” sobre o Estado”, esclarecendo, ulteriormente, que: “o direito à dedução enquanto trave mestra da mecânica deste imposto, está fundamentalmente assente numa ideia de “título de crédito”, isto é, o documento necessário para constituir, exercer e transferir o direito literal e autónomo nele incorporado”.
P. Contudo, entendemos que a impugnante agora recorrida não apresentou meios de prova susceptíveis de suprir as falhas das facturas em questão como passamos de seguida a desenvolver.
Q. A lei não exige à AT senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à AT a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que reflectem, bastando indícios fundados para fazer cessar a presunção de veracidade da contabilidade e dos respectivos documentos de suporte, a favor do contribuinte, não sendo necessário que a AT prove os pressupostos da simulação previstos no art. 240º do Código Civil, sendo bastante o recurso à prova indirecta, isto é, “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154.
R. Os indícios recolhidos pela IT em seu conjunto, são suficientes e bastantes para fundamentar as conclusões vertidas no Relatório, de que as facturas em questão não titulavam serviços efectivamente prestados tratando-se antes de negócio simulado tendo em vista a contabilização do valor titulado na factura para a dedução do IVA.
S. Contudo, o Tribunal a quo assim não o entendeu, tendo analisado cada um dos indícios de per si.
T. Quando, ressalvado o devido respeito por diverso entendimento, se impunha que o Tribunal, para efeitos de avaliação do cumprimento do ónus de prova que incumbia à AT, analisasse e considerasse todos os indícios no seu conjunto,
U. Assim, apesar de a Impugnante não ter apresentado prova que contrariasse os indícios recolhidos pela IT, o Tribunal a quo acabou por concluir pela insuficiência dos indícios de falsidade.
V. É entendimento da Fazenda Pública que o procedimento de análise da prova adoptado pelo Tribunal não foi o mais correcto, o que inquinou a apreciação que fez da prova, e assim, a própria justeza da decisão.
W. Assim, em sede de prova indiciária em processo tributário, ao tribunal cabe aferir se, face às regras técnicas e de experiência, os indícios permitem a ilação deles extraída pela AT, isto é, cabe aferir da adequação e plausibilidade da relação estabelecida entre os factos indiciantes e os factos indiciados.
X. Verificada essa adequação, o tribunal tem que concluir pela sua correcção e aceitá-la nos seus justos termos.
Y. Não lhe cabe desvalorizar os indícios apenas e tão só porque eles podem ser explicados por razão ou motivo diversos.
Z. Na verdade, a natureza do próprio indício, assente num pressuposto de normalidade e regularidade, implica algum grau de incerteza e a possibilidade da ocorrência de uma excepção.
AA. Só que o ónus da demonstração da excepção ou desvio à normalidade compete ao contribuinte e não ao tribunal, que não pode, nem deve substituir-se ao mesmo, e muito menos pode fazê-lo sem qualquer contra-indício ou facto que coloque em causa, de forma relevante, o indício que serviu de base à inferência.
BB. Por outro lado, os indícios não valem autonomamente, eles têm que ser apreciados na sua globalidade, designadamente através da verificação da sua concordância e convergência quanto ao facto indiciado.
CC. Ora, não se pode escamotear que, todos os indícios recolhidos pela AT, analisados e articulados globalmente, são aptos para concluir pela utilização de facturação falsa.
DD. No fundo, e sempre com a ressalva do muito respeito que nos merece o Tribunal, a sentença recorrida, escalpelizou individualmente cada um dos indícios aventados pela IT, e, a cada um deles, contrapôs uma conclusão alternativa, equacionando factualidade que não foi demonstrada pela impugnante.
EE. Posto isto, não resta dúvida que a prova da AT é susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita da impugnante (art. 75º da LGT) e dos respectivos documentos de suporte e formal e materialmente, a AT demonstrou e fundamentou a decisão administrativa de não aceitação da dedução de IVA dessas facturas (art. 19º n.º 3 do CIVA).
FF. Competia então à impugnante fazer prova da realidade das operações económicas tituladas pelas facturas e apresentar documentação que demonstrasse o circuito económico, o que não fez.
GG. Cabia, pois, à Impugnante a contraprova e fundamentação por prova documental e testemunhal (prova essa inexistente como se constata pelos factos provados) de que suportou os custos titulados pelas facturas que contabilizou e que estas titulam e documentam efectivos fornecimentos de serviços.
HH. Porém, a este propósito resulta da matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo que nenhum impulso probatório digno de referência foi feito pela impugnante.
II. Ora, a AT carreou e verteu no RIT indícios fundados quanto à irrealidade dos serviços enunciados nas facturas em questão.
JJ. Por um lado, como se sublinhou supra, a impugnante não apresentou prova material dos serviços mencionados nas identificadas facturas, nem em sede de procedimento inspetivo, nem em sede judicial.
KK. O artigo 19º nº 3 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado exclui o direito à dedução do imposto que resulte de operação simulada.
LL. A falsidade indiciária da facturação relativa a estes emitentes está amplamente demonstrada.
MM. Assim cumprido pela AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação, caberia em contrapartida, à Impugnante apresentar prova da existência das operações materiais tituladas pelas facturas desconsideradas, nomeadamente, uma pormenorizada e detalhada descrição dos serviços.
NN. Ressalvado o devido respeito por diversa opinião, é entendimento da Fazenda Pública que a douta sentença incorreu em erro de julgamento porquanto não apreciou os indícios coligidos pelos SIT, na sua globalidade.
OO. E desprezando o facto de caber à Impugnante a prova do direito à dedução do IVA.
PP. De facto, e quanto à realidade dos serviços contidos nas facturas, nenhuma prova relevante foi efectuada.
QQ. Ora, é convicção da Fazenda Pública que os indícios recolhidos pelos SIT, quando encarados como um todo, são suficientes para abalar a presunção de veracidade de que goza a contabilidade da Impugnante (cfr. n.º 1 do artigo 75.º da LGT),
RR. E que as correcções realizadas pela IT cumprem o ónus de fundamentação na medida em que os indícios recolhidos, quer pelo seu número quer pela sua relevância, à luz da experiência comum são sérios sinais de que as operações constantes das facturas não correspondem à realidade.
SS. Do exposto se infere que a sentença recorrida, fez uma aplicação inadequada do disposto nos artigos 74º e 75º da LGT, incorrendo em erro de julgamento no tocante à apreciação que fez da matéria de facto, nomeadamente por ter desrespeitado as regras de repartição do ónus da prova, entende assim, a Fazenda Pública que os factos provados deveriam ter por consequência a improcedência do pedido da impugnante e ao decidir em sentido contrário o Tribunal errou na apreciação e valoração da matéria de facto, pelo que deverá ser revogada.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.”
****
Também quanto a este recurso da Representação da Fazenda Pública não houve contra-alegações.
****
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso interposto pela AT e dever ser concedido provimento ao recurso interposto pela impugnante.
****
Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
****
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que, quanto ao recurso da impugnante, importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, designadamente, por não ter atendido a toda a prova documental oferecida e ínsita nos autos; no concernente ao recurso da AT, importa apreciar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, ao considerar não estarem reunidos os indícios suficientes para concluir pela existência de facturação falsa e ao ter julgado, em parte, que a falta de requisitos formais das facturas se mostra suprida pela existência de documentos sustentadores e concretizadores, que complementam os elementos em falta relativamente às operações indicadas nas mesmas.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Tendo presente a elevadíssima extensão da decisão da matéria de facto e a ausência de controvérsia, dado que não foi impugnada nem há lugar a qualquer alteração da mesma, dispensamo-nos da transcrição do cenário factual inscrito na sentença recorrida, considerando, aqui, integralmente reproduzido o teor desta, no que tange ao julgamento factual (factos provados e não provados), incluindo a convicção do julgador – cfr. artigo 663.º, n.º 6 do Código de Processo Civil.
*
2. O Direito

O presente processo foi objecto já de duas sentenças prolatadas pelo tribunal recorrido.
A primeira sentença foi anulada, oficiosamente, por este tribunal superior, segundo o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, fossem efectivadas diligências probatórias ou outras que se mostrassem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, de aspecto considerado deficitariamente instruído.
Nesse primeiro recurso, a Recorrente acentuara que a sentença a quo não apreciou os documentos juntos ao relatório inspectivo, uma vez que se guiou pelo relatório projecto e não verificou os documentos que lhe foram juntos em momento posterior, aquando dos esclarecimentos solicitados pelos serviços de inspecção tributária. Concluindo não ter atendido a toda a prova documental junta com o relatório inspectivo, tendo-se cingido a apreciar e a valorar um relatório incompleto. Acrescentou que, de igual forma, não atendeu aos documentos juntos, posteriormente, ao relatório inspectivo.
Este TCA Norte, no primeiro acórdão que deu origem à anulação dessa sentença, havia constatado que o processo administrativo apontava para eventual incompletude na sua organização, dado que o relatório, designadamente, no ponto 3.9.2.1 se reportava aos documentos 22 a 25 e 26 a 30, ou no ponto 3.8.3.1.1 (provavelmente será ponto 3.9.4) existia a menção aos documentos 1 a 21, e não se vislumbrava que tais elementos constassem dos autos.
Recordamos que na sua petição inicial a impugnante invocou a existência de contratos de prestação de serviços e propostas comerciais que estariam anexos às facturas em crise e que esses documentos contêm a quantidade e o preço unitário dos serviços prestados, bem como a respectiva descrição detalhada que, em virtude da sua extensão, não foi comportável transcrevê-los para as respectivas facturas. Mais se afirmou que as fotocópias de todos os documentos anexados às facturas foram entregues à inspecção tributária.
Já na primeira decisão deste tribunal se observou que o relatório inspectivo mencionava estes documentos e ponderava a relevância dos mesmos, porém, tais elementos não estavam ínsitos no processo administrativo.
Tal como agora, estava em discussão nos autos o incumprimento do formalismo das facturas, para efeitos de dedução do respectivo IVA, nos termos do artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA e artigo 19.º, n.º 2 do mesmo Código, detectado pela AT.
No relatório inspectivo está dito pelo senhor inspector tributário que, no dia 2013/06/05, o sujeito passivo apresentou diversos elementos e esclarecimentos, tendo posteriormente, no dia 2013/06/11 procedido à apresentação de documentos adicionais. De seguida, no relatório inspectivo dá-se conta do solicitado pelos serviços de fiscalização e das respostas obtidas. Eram estes documentos que aí se mencionam que não constavam dos autos, impossibilitando a sindicância pelo tribunal para efeitos do disposto nos artigos 19.º, n.º 2 e 36.º, n.º 5, ambos do Código do IVA, e que, na sequência da anulação da primitiva sentença, foram anexos ao processo (cfr. suporte informático “CD” composto pelo RIT integral OI........18 e processo de evidência de trabalho anexo ao RIT apresentados pela AT em 10/12/2021 a fls. 199 e 200 do processo físico).
Foi já com a análise e ponderação destes documentos, como propostas comerciais detalhadas dos serviços prestados, contratos de prestação de serviços celebrados que estariam anexos às facturas desconsideradas pela AT para efeitos de dedução do respectivo IVA, textos correspondentes aos serviços prestados pela impugnante aos seus clientes, designados nas facturas por “Desenvolvimento de Conteúdos”, “Aconselhamento Legal e Comercial”, etc., que na sentença agora recorrida se realizou um novo julgamento.
A sentença recorrida, não olvidando a invocação de que tais documentos estariam anexos às facturas, deu razão à impugnante quanto a quase todas as operações em apreço, não obstante as designações genéricas constantes das facturas, pois, além do mais, existiria o próprio contrato de prestações de serviços onde se discriminavam todos os serviços prestados ou propostas comerciais relacionadas com os produtos mencionados nas facturas.
A decisão “a quo” fundou-se juridicamente em jurisprudência mais recente, que tem vindo a entender, na sequência de decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia, que será de aceitar o direito à dedução do IVA de uma factura que não respeite a totalidade dos elementos formais requeridos, desde que seja, ainda, possível estabelecer uma conexão com a operação material subjacente, admitindo-se outros meios de prova para superar tais falhas.
Não está questionada esta linha de entendimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia citada na sentença recorrida, que também acolhemos, mas somente a análise que o tribunal recorrido efectuou dos elementos complementares existentes quanto às seguintes facturas:
a) Factura n.º ...07, emitida pela sociedade «Y, Lda.», com a designação “CRM”, quanto ao IVA no valor de €4.800,00;
b) Factura n.º ...02, emitida pela sociedade «R, Lda.» com a designação “criação de conteúdos para plataforma de e-learning”, quanto ao IVA no valor de €3.840,00;
c) Factura n.º ...07, emitida pela sociedade «T, Lda.», com a designação “consultoria e aconselhamento legal na área comercial”, quanto ao IVA no valor de €800,00;
d) Factura n.º ...05, emitida pela sociedade «U, Lda.», com a designação “servidor de aplicações”, quanto ao IVA no valor de €1.780,00.
Com efeito, a sentença agora recorrida julgou a impugnação parcialmente procedente, tendo mantido apenas as correcções atinentes ao IVA destas facturas, por, na óptica do tribunal recorrido, não terem qualquer suporte documental que supra as suas designações genéricas.
Começando, então, pelo recurso interposto pela impugnante, que não se conforma com esta parte da sentença, porque os documentos que justificam as facturas acima referenciadas estão junto aos autos e já constavam do Relatório de Inspecção Tributária à data da sua realização, sendo aí inequivocamente afirmado pela AT que a impugnante entregou os documentos em questão.
Efectivamente, na decisão da matéria de facto, o tribunal recorrido faz referência aos documentos, com descrição dos mesmos, mas, depois, na subsunção dos factos refere que os mesmos não existem e que nenhum documento complementar foi apresentado pela impugnante.
Apesar de estes documentos já constarem dos autos, tendo sido juntos no CD apresentado pela AT em 10/12/2021, a Recorrente, atenta a elevadíssima extensão dos elementos que envolvem o presente processo, anexou cópia dos mesmos, por facilidade, às suas alegações de recurso.
De facto, como veremos, estes documentos são pertinentes e complementam os elementos formais em falta nas facturas em apreço:
a) Resulta comprovado que, com relação à factura ...07 emitida pela «Y, Lda.», com a designação “CRM”, quanto ao IVA no valor de €4.800,00 (valor sem IVA €24.000,00) – ponto 33 do probatório, se encontra junto aos autos uma “Proposta de implementação da aplicação b@ng CRM, com um prazo de 2 semanas, após adjudicação, com um esforço total de serviço (…) estimado em 380 horas, por um preço de 24.000,00€, incluindo as licenças dos módulos de entidades (valor unitário de 1.000,00€) e de workflow (valor unitário de 4.000,00€)”; não obstante a factura não mencionar tal proposta, da mesma se extraem os elementos em falta na factura, coincidindo o preço e complementando a descrição do produto em causa. A indicação da existência de tal documento consta do ponto 43 da decisão da matéria de facto, por via da transcrição do RIT, do ponto 3.2.2.1, na página 41 da sentença recorrida.
b) Está provado que, com relação à factura ...02, emitida pela «R, Lda.», com a designação “Criação de conteúdos para Plataforma de e-learning”, quanto ao IVA no valor de €3.840,00 (valor sem IVA €19.2000,00) – ponto 9 do probatório, se encontra junto aos autos uma “Proposta de 09-12-2009 para Criação de conteúdos para Plataforma de e-learning, com uma duração estimada para a realização do serviço de 370 horas, por um preço de 19.200,00€”; não obstante a factura não mencionar tal proposta, da mesma se extraem os elementos em falta na factura, coincidindo o preço e complementando a descrição do produto em causa. A indicação da existência de tal documento consta do ponto 43 da decisão da matéria de facto, por via da transcrição do RIT, do ponto 3.3.2.1, na página 46 da sentença recorrida.
c) Comprova-se, também, que, com relação à factura ...07, emitida pela «T, Lda.», com a designação “Consultoria e aconselhamento legal na área comercial”, quanto ao IVA no valor de €800,00 (valor sem IVA €4.000,00) – ponto 16 do probatório, se encontra junto aos autos uma “Proposta de 02-10-2009, referente a serviços de consultoria especializada para a elaboração de um plano de adesão à legislação comercial relevante para a área de atuação da «X Unipessoal, Lda.», com um esforço estimado total de 70 horas, pelo preço de 4.000,00€”; não obstante a factura não mencionar tal proposta, da mesma se extraem os elementos em falta na factura, coincidindo o preço e complementando a descrição do serviço em causa. Apesar da matéria vertida no ponto 17 do probatório, a indicação da existência de tal documento consta do ponto 43 da decisão da matéria de facto, por via da transcrição do RIT, do ponto 3.5.2.1, na página 50 da sentença recorrida.
d) Resulta demonstrado que, com relação à factura ...05, emitida pela «U, Lda.», com a designação “Servidor de aplicações”, quanto ao IVA no valor de €1.780,00 (valor sem IVA €8.900,00) – ponto 40 do probatório, se encontra junto aos autos uma “Proposta de 01-03-2010, referente ao fornecimento e instalação servidor [de Aplicações], pelo preço unitário de 8.900,00€”; não obstante a factura não mencionar tal proposta, da mesma se extraem os elementos em falta na factura, coincidindo o preço e complementando a descrição do produto em causa. A indicação da existência de tal documento consta do ponto 43 da decisão da matéria de facto, por via da transcrição do RIT, do ponto 3.7.2.1, na página 53 da sentença recorrida.
Salientamos que igualmente no ponto 3.8.3.1.1 do RIT se realiza uma remissão para diversas facturas pró-forma e para propostas elaboradas pelas entidades pertencentes ao «Grupo Y» apresentadas pela impugnante.
Nestes termos, é nossa convicção que se mostram ínsitos nos autos documentos que complementam também as facturas sobre as quais a sentença recorrida decidiu manter a correcção atinente ao IVA, pelo que, nesta parte, a decisão será revogada, por não se mostrar, na integra, violado o disposto nos artigos 19.º, n.º 2 e 36.º, n.º 5, ambos do CIVA.

Tomando conhecimento, desta feita, do recurso interposto pela AT, verificamos que, quanto a esta questão relativa aos requisitos formais das facturas, na parte em que decaiu, a Fazenda Pública apenas enuncia o seu inconformismo, não chegando a densificar os motivos e os aspectos da sentença recorrida com os quais não concorda – cfr. conclusões I) a P) das alegações do recurso.
A AT parece conformar-se com o sentido da jurisprudência mais recente, alinhada com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, aceitando a dedução do IVA de facturas que não respeitem a totalidade dos elementos formais requeridos, desde que seja possível estabelecer uma conexão com a operação material subjacente, admitindo outros meios de prova para superar tais falhas. Porém, afirma que a impugnante não apresentou meios de prova susceptíveis de suprir as falhas das facturas em questão, dizendo que passará de seguida a desenvolver; o que nunca chegou a ocorrer nem no corpo das alegações nem nas suas conclusões, “saltando” para a temática dos “indícios fundados” e da “facturação falsa” (artigo 19.º, n.º 3 do CIVA), que se distingue da questão dos requisitos formais das facturas (artigo 19.º, n.º 2 do CIVA) – cfr. conclusões P), Q) e seguintes, até ao final.
Considerando tudo o que já ficou espelhado na análise do recurso interposto pela impugnante, designadamente quanto à possibilidade de elementos documentais juntos às facturas poderem complementar e auxiliar na identificação concreta das operações que estiveram em causa em cada factura questionada pela AT, na medida em que o presente recurso em apreciação não individualiza nenhuma situação em que, afinal, a impugnante não tenha apresentado documentos susceptíveis de suprir as omissões ou deficiências detectadas pela AT, abster-nos-emos de ulteriores considerações, entendendo-se que a Fazenda Pública não tinha razão em aditar este fundamento (incumprimento dos requisitos formais das facturas) para operar as correcções de IVA que levou a cabo.
A sentença recorrida julgou também não se verificar o outro fundamento que ainda poderia sustentar as liquidações em apreço, por considerar que a AT não cumpriu com o seu ónus, ao não ter recolhido factos suficientes nem indícios fundados de que estariam em causa facturas falsas.
A Recorrente AT alerta impor-se ao Tribunal, para efeitos de avaliação do cumprimento do ónus de prova que incumbia à AT, que este analisasse e considerasse todos os indícios no seu conjunto, não lhe cabendo desvalorizar os indícios recolhidos apenas porque eles podem ser explicados por razão ou motivos diversos, sem qualquer contra-indício ou facto que coloque em causa, de forma relevante, o indício que serviu de base à inferência.
Tem razão a AT quando afirma que os indícios recolhidos devem ser analisados de forma global e integrada. O Tribunal “a quo” teve necessidade de proceder a uma análise individualizada de cada indício autonomizado pela AT, por um lado, porque alguns não são verdadeiros factos (factos-índice) e, por outro lado, por a Recorrida ter contraposto incorrecções ou procedimentos comerciais distintos da sua realidade económica e do desenvolvimento da sua actividade (referentes à organização e modo de funcionamento, às relações comerciais ou aos detalhes que emergem dos extractos bancários entregues – cfr. petição de impugnação), apontando para erros nos pressupostos dos factos-índice reunidos pela AT. Somente após a estabilização da factualidade será possível verificar quais os factos a considerar, aí sim, de forma integral e articulada.
Realmente, denota-se algum “pré-juízo” acerca da circunstância de poderem existir “relações especiais” entre os intervenientes comerciais em apreço, afigurando-se que quaisquer ilações retiradas não deixam de configurar meras conjecturas quanto à imputada falsidade das facturas.
Este tipo de situações serve apenas para espelhar a necessidade de uma abordagem prévia individual dos indícios, a fim de autonomizar os que poderão consubstanciar verdadeiros factos-índice. Na medida em que se constatou que todos eles são demasiado frágeis e insubsistentes, também vistos globalmente e no contexto específico da actividade da Recorrida continuamos a concluir que seria imperiosa uma mais profunda e abrangente investigação da parte da AT.
Vejamos, em concreto, os factos (indícios) que foram coligidos no relatório de inspecção tributária e que serviram de fundamento às correcções controvertidas subjacentes às liquidações impugnadas e que dizem respeito às facturas contabilizadas pela impugnante, que lhe foram emitidas em 2010, pelos sujeitos passivos «Q, Lda.» [cfr. ponto 5) do probatório], «R, Lda.» [cfr. ponto 9) do probatório], «T, Lda.» [cfr. ponto 16) do probatório], «Y, Lda.» [cfr. ponto 33) probatório] e «U, Lda.» [cfr. ponto 40) do probatório]:
- relativamente à Impugnante:
(i) no exercício de 2010, prestou serviços exclusivamente a entidades pertencentes ao «Grupo Y», no valor global de € 317.000,00;
(ii) teve gastos contabilizados com colaboradores que não foram pagos;
(iii) por relação aos serviços prestados e que se encontra consubstanciado num documento com 144 páginas, foram imputadas 3.600 horas, parecendo inverosímil face ao documento apresentado;
(iv) apresentou uma candidatura ao Sistema de Incentivos à Inovação como Projecto de Empreendedorismo Qualificado, no âmbito do QREN, junto do IAPMEI, com o propósito de implementar um Portal de Robótica Virtual, complementado com o desenvolvimento de uma Loja Online, com um investimento total de € 345.200,00, sendo que de acordo com o IAPMEI não foi efetuado qualquer pagamento por este no âmbito do projecto;
(v) por relação aos montantes relativos a “Estudos de mercado e diagnósticos de sector” e “Plano de Marketing” adquiridos à sociedade «T, Lda.», pelo preço de € 12.400,00 cada, foi possível verificar semelhanças com outros trabalhos de outros autores ou entidades;
(vi) apresentou por relação às facturas por si contabilizadas propostas elaboradas pelas emitentes com a descrição dos bens ou serviços, estimativa de horas para o serviço e preço;

- relativamente à sociedade «Q, Lda.»:
(i) sociedade gerida pelos sócios «AA» e «BB», detentores de 50% do capital social cada;
(ii) rendimentos desta sociedade foram obtidos exclusivamente junto de entidades relacionadas, pertencentes ao «Grupo Y» e junto da aqui Impugnante;
(iii) imputação de horas por parte de colaboradores, após a data de emissão da factura correspondente ao projecto em causa;
(iv) imputação de horas por parte de um dos gerentes da sociedade, sem que tenha suportado qualquer custo com o mesmo;
(v) activo fixo imobilizado adquirido a entidades do «Grupo Y»;
(vi) apresentou por relação à fatura emitida à Impugnante proposta por si elaborada com a descrição do fornecimento de uma plataforma e o preço;
(vii) apresentou, para esclarecimento da natureza dos serviços prestados à Impugnante, um documento intitulado “Relatório do Projecto”, cujos dados constam do anexo 2 do relatório de inspeção, do qual se extrai por relação à Plataforma identificada na factura, a identificação do colaborador «AA» e o número de horas imputado (12+32) em janeiro de 2010;

- relativamente à sociedade «R, Lda.»:
i) sociedade gerida pelos sócios «CC» e «DD», detentores de 48,00% e 3,00% do respectivo capital social;
ii) o valor das vendas e serviços prestados a sociedades do «Grupo Y» e à aqui Impugnante representou cerca de 99,80% do valor total dos rendimentos obtidos;
iii) serviços prestados a outras entidades do «Grupo Y» exactamente pelo preço que foram adquiridos, não existindo valor acrescentado por parte desta entidade;
iv) teve gastos no ano de 2010 com cinco funcionários;
v) imputação de horas por parte dos colaboradores, após a data de emissão das facturas, sendo exemplo, por relação à factura emitida à Impugnante com o n.º ...12 em 29/01/2010, em que pelos elementos fornecidos pela emitente, foram imputadas 28 horas em Fevereiro de 2010;
vi) imputação de horas por parte de dois colaboradores, sem que tenha suportado qualquer custo com os mesmos;
vii) gasto incorrido de € 120.000,00, titulado por factura emitida pela aqui Impugnante, sem qualquer rendimento ao mesmo associado;
viii) a totalidade dos seus activos fixos foi adquirido a entidades do «Grupo Y»;
ix) apresentou por relação a todas as facturas emitidas à Impugnante propostas com a descrição dos serviços, estimativa de horas para o serviço e preço;
x) apresentou, para esclarecimento da natureza dos serviços prestados à Impugnante, um documento intitulado “Relatório do Projecto”, cujos dados constam do anexo 2 do relatório de inspecção, do qual se extrai por relação às prestações de serviços referentes ao software identificado nas facturas, a identificação dos colaboradores e o número de horas imputado.

- relativamente à sociedade «T, Lda.»:
(i) sociedade gerida pelos sócios «CC» e «EE», detentores de 50% cada, do respectivo capital social;
(ii) 99,14% dos rendimentos desta sociedade foram obtidos junto de entidades relacionadas, pertencentes ao «Grupo Y», junto da aqui Impugnante e da sociedade e «P,Lda.»., cuja sócia gerente é a mesma que a da Impugnante;
(iii) existência de alguns serviços prestados a outras entidades do «Grupo Y» exactamente pelo preço que foram adquiridos, não existindo valor acrescentado por parte desta entidade;
xi) imputação de horas por parte dos colaboradores, após a data de emissão das facturas, sendo exemplo, por relação às facturas emitidas à Impugnante com os n.ºs ...05 em 05/02/2010, em que pelos elementos fornecidos pela emitente, foram imputadas 4 horas em Março de 2010 e n.º FT.....12 em 31/05/2010, em que pelos elementos fornecidos pela emitente, foram imputadas 32 horas em Junho, Agosto e Setembro de 2010;
(iv) imputação de horas por parte de cinco colaboradores, sem que tenha suportado qualquer custo com os mesmos, uma vez que só tinha uma funcionária;
(v) gasto incorrido de € 98.000,00, titulado por factura de uma empresa do grupo, sem qualquer rendimento ao mesmo associado;
(vi) activo fixo imobilizado adquirido a entidade do «Grupo Y»;
(vii) apresentou por relação a todas as facturas emitidas à Impugnante propostas por si elaboradas com a descrição dos serviços, estimativa de horas para o serviço e preço;
(viii) apresentou, para esclarecimento da natureza dos serviços prestados à Impugnante, um documento intitulado “Relatório do Projecto”, cujos dados constam do anexo 2 do relatório de inspeção, do qual se extrai por relação às prestações de serviços referentes ao software identificado nas facturas, a identificação dos colaboradores e o número de horas imputado.

- relativamente à sociedade «Y, Lda.»:
(i) sociedade gerida pelos sócios «CC» e «FF», detentores de 74,71% e 2,94% do respetivo capital social;
(ii) 86,68% dos rendimentos desta sociedade foram obtidos junto de sociedades relacionadas, pertencentes ao «Grupo Y», e junto da aqui Impugnante e da sociedade «P,Lda.»., sendo a sócia gerente destas últimas sociedades «GG»;
(iii) a nível de gastos incorridos, na rubrica fornecimentos e serviços externos, para além dos gastos incorridos com a elaboração da contabilidade, os gastos mostram-se titulados por facturas emitidas por sociedades do «Grupo Y» e da aqui Impugnante;
(iv) no ano de 2010, os gastos incorridos com pessoal ascenderam a € 15.069,26, tidos com o sócio gerente «CC» e o funcionário «AA»;
(v) existência de serviços prestados a outras entidades do «Grupo Y» exactamente pelo preço que foram adquiridos, não existindo valor acrescentado por parte desta entidade;
(vi) algumas situações de emissão de factura em data anterior à data da emissão da factura de aquisição do referido serviço, como sendo por exemplo as faturas emitidas à Impugnante com os n.ºs ...07 e ...09 emitidas em Fevereiro de 2010 e as facturas referentes à aquisição foram emitidas por sociedades do «Grupo Y» em Março, Junho e Novembro de 2010;
(vii) imputação de horas por parte dos colaboradores, após a data de emissão das facturas, como por exemplo, por relação à factura emitida à Impugnante com o n.º ...11 em 26/02/2010, em que pelos elementos fornecidos pela emitente, foram imputadas 704 horas entre as datas de Março a Junho de 2010;
(viii) imputação de horas por parte de colaboradores, sem que constem como funcionários da Impugnante, como por exemplo, cerca de 672 horas por “«HH»” entre Março e Junho de 2010 por relação à factura emitida à aqui Impugnante com o n.º ...11 de 26/02/2010,
(ix) imputação de horas por parte de colaboradores, sem que tenha suportado qualquer custo com os mesmos, como por exemplo, com os colaboradores “«HH»” e “«DD»”;
(x) gasto incorrido de € 95.000,00, titulado por factura emitida pela aqui Impugnante, sem qualquer rendimento ao mesmo associado;
(xi) factos apurados pelo Departamento de Fiscalização e Controlo do IAPMEI, entidade com a qual a sociedade celebrou um contrato de incentivos financeiros, que permitiram concluir não se encontrarem reunidas as condições necessárias para efectuar os pagamentos, designadamente, porque nem todos os investimentos se mostravam concluídos e/ou em funcionamento, que estariam em causa despesas com activos fixos intangíveis não elegíveis por não terem sido adquiridos a terceiros, aquisições cruzadas de serviços entre empresas do grupo que também teriam candidaturas aprovadas no âmbito do QREN, volume de transações maioritariamente “intragrupo” (70%) e todas essas empresas operam no mesmo segmento de mercado, algumas das quais partilham o mesmo espaço físico, os sites/plataformas desenvolvidos partilham o mesmo endereço de IP com outros sites/plataformas de outras empresas;
(xii) apresentou por relação a todas as facturas emitidas à Impugnante propostas com a descrição dos serviços, estimativa de horas para o serviço e preço;
(xiii) apresentou, para esclarecimento da natureza dos serviços prestados à Impugnante, um documento intitulado “Relatório do Projecto”, cujos dados constam do anexo 2 do relatório de inspeção, do qual se extrai por relação às prestações de serviços referentes ao software identificado nas faturas, a identificação dos colaboradores e o número de horas imputado;

- relativamente à sociedade «U, Lda.»:
(i) sociedade gerida pela sócia «EE», detentora de 1% do capital social, sendo o remanescente detido pela sociedade do grupo «T, Lda.» (64%) e pela sociedade «J, Lda.» (35%);
(ii) 68,29% dos rendimentos desta sociedade foram obtidos junto de entidades relacionadas, pertencentes ao «Grupo Y» e junto da aqui Impugnante e da sociedade «P,Lda.»., sendo a sócia gerente desta comum à Impugnante;
(iii) imputação de horas por parte dos colaboradores, após a data de emissão da factura;
(iv) activo fixo imobilizado adquirido a entidades do «Grupo Y»;
(v) apresentou por relação a todas as facturas emitidas à Impugnante propostas por si elaboradas com a descrição do fornecimento e instalação de servidores, e de outros bens e preço.

Ora, os “factos-índice” recolhidos junto dos emitentes subsumem-se essencialmente, (i) no facto de os emitentes em causa serem entidades relacionadas, com sócios e/ou gerentes comuns, comummente designado «Grupo Y»; (ii) a aqui Impugnante apesar de não ser uma entidade relacionada ter prestado serviços exclusivamente a sociedades do «Grupo Y»; (iii) a aqui Impugnante ter adquirido bens e serviços exclusivamente a sociedades do «Grupo Y»; (iv) ser elevada a percentagem do valor dos serviços prestados/bens transmitidos “intra-grupo” e entre a aqui Impugnante (nalguns casos, superior a 90%), (v) de existirem horas imputadas depois da data de emissão das facturas; (vi) de existir imputação de horas de colaboradores, sem que tenham sido registados gastos com os mesmos; (vii) de se ter verificado a existência de serviços prestados a outras sociedades do «Grupo Y» exactamente pelo preço que foram adquiridos, não existindo valor acrescentado ou vantagem económica associada.
Em face de todos os elementos recolhidos junto das referidas sociedades, concluiu a inspecção tributária que existiam operações simuladas, quer no que concerne ao seu valor quer ainda na sua efectiva realização, entre as sociedades pertencentes ao «Grupo Y», bem como com a aqui Impugnante, visando, essencialmente, a comprovação de despesas de investimento no âmbito dos contratos de concessão de incentivos financeiros celebrados com o IAPMEI, simulação essa que, no que concerne à Impugnante, acarretou uma dedução indevida de IVA, no ano de 2010, no valor total de €67.440,00.
Conforme julgou o tribunal recorrido, é nossa convicção que, analisada esta factualidade indiciária descrita pelos SIT, à luz das regras da experiência comum, os indícios recolhidos pela AT não se mostram suficientes para suportar a conclusão extraída por relação às operações em causa.
Com efeito, parece que a AT se terá deixado influenciar pelo facto de existirem “relações especiais” entre a Impugnante e as sociedades emitentes das facturas (designadamente, por terem sócios e/ou gerentes comuns, com excepção da aqui Impugnante), mas a verdade é que tal circunstância, por si só, não constitui um indício sério e atendível de que as operações comerciais são simuladas.
A sentença recorrida, na nossa óptica, avaliou devidamente os factos-índice da seguinte forma:
“(…) Por outro lado, também o facto de grande parte dos rendimentos obtidos pela Impugnante e pelas emitentes das faturas advir de relações comerciais estabelecidas dentro do g...” e de os seus ativos fixos terem sido adquiridos intragrupo ou pela Impugnante junto das sociedades pertencentes ao «Grupo Y», jamais pode, por si só, legitimar qualquer juízo indiciário de simulação.
Acresce que no caso das faturas emitidas à Impugnante foram apresentados, quer pelas empresas emitentes quer pela própria Impugnante, documentos elaborados pelas sociedades referentes a propostas com discriminação dos serviços, número de horas a imputar e preço e/ou discriminação dos bens ou ativos patrimoniais.
Foram de igual modo apresentados pelas sociedades emitentes documento intitulado “Relatório do Projecto”, cujos dados constam do anexo 2 do relatório de inspeção, do qual resulta a identidade dos colaboradores que prestaram o serviço e o número de horas despendidas.
Não se olvida, tal como se extrai dos indícios apontados que existem serviços prestados por colaboradores das emitentes e mesmo da aqui Impugnante pelos serviços que prestou às sociedades do «Grupo Y» sem que tenham suportado quaisquer custos com estes e sem que tenha sido apresentada explicação válida para o sucedido, bem como decorre que em alguns serviços prestados na elaboração de software adquirido pela Impugnante foram imputadas horas após a emissão das faturas, mas não obstante estarmos perante indícios que se podem até considerar como seguros e objetivos, não se mostram suficientes para se concluir pela falsidade das faturas, tanto mais que, para além de estarmos perante factos alheios à Impugnante, não são sequer referenciados quaisquer elementos da incapacidade logística (meios humanos ou técnicos) das sociedades emitentes para realização das operações em causa.
Ademais, e como emerge das faturas emitidas, essencialmente as mesmas se referem à aquisição de software pela Impugnante alegadamente elaborado por aqueles emitentes (como Plataformas, Portal), cuja descrição da sua elaboração decorre das propostas apresentadas pelos emitentes e pela Impugnante durante o procedimento inspetivo, bem como de servidores e bens físicos (como Projetor, Máquina de Filmar e fotográfica), software, servidores e bens esses, que a existirem poderia ter sido visualizada pelos SIT a sua existência junto da Impugnante, não decorrendo no entanto sequer uma linha do RIT sobre se a AT diligenciou ou não nesse sentido, ou se diligenciou o que apurou, sendo que a Impugnante aduz que os SIT verificaram da existência do software, não tendo no entanto tido interesse em verificar da existência do hardware.
Com efeito, não se verifica a descrição sequer de qualquer diligência perante a Impugnante de verificação do software/hardware/bens vendidos, sendo que na nossa ótica, e assim nos trazem as regras de experiência comum, a sua verificação, pelo menos quanto à sua existência seria pelo menos possível de verificar, ou seja, não decorre se os mesmos não existiam ou se existiam mas não foram fornecidos pelas sociedades emitentes, ou se todos os valores foram simulados, o que além do mais se impunha, na medida em que a AT genericamente refere que estamos perante simulação de operações quanto à sua existência e valor.
Ademais, mesmo por relação ao alegado valor simulado, sem concretizar quais foram, ou seja, se todos ou só algumas operações, apenas decorre do RIT que uma vez que o valor dos vencimentos pagos aos colaboradores pelos emitentes varia entre € 2,51 e € 10,38, comparado com os € 50,00 em regra faturado, como refere “verifica-se uma discrepância substancial entre o gasto e o rendimento diretamente obtido”, sendo que na nossa ótica para além de, segundo as regras de experiência comum, no mercado de trabalho/comercial, não ser tão incongruente assim tal acontecer, pelo menos por relação às operações aqui em causa, a AT não refere qualquer elemento factual em que suporta a conclusão de simulação de preço, designadamente aos valores de mercado para ativos/bens iguais ou equivalentes, referindo até em sede de direito de audição que “No tocante aos “serviços prestados / equipamentos fornecidos” verificados no presente procedimento inspetivo (e que apenas abarcou apenas alguns itens do hardware/software adquirido), pese embora o subscritor do presente documento tenha tido contacto, no âmbito da sua actividade profissional, com diverso software (por exemplo, ao nível de CRM), uma opinião eventualmente por si emitida de que o valor de aquisição do mesmo se afiguraria exorbitante nunca poderia ser mais do que isso mesmo, uma mera opinião, em virtude da falta de conhecimentos técnicos para o efeito.”.
De referir ainda quanto aos estudos de mercado e trabalhos de marketing constantes das faturas emitidas pela sociedade «T, Lda.», que os mesmos foram apresentados à AT, sendo que o facto de decorrer dos mesmos a interpretação pelos SIT do alegado “plágio” de outros trabalhos, não afasta que foram realizados, na medida da sua existência.
Por outro lado, quanto ao não pagamento de qualquer incentivo por parte do IAPMEI, a AT no RIT não se refere qual a razão desse não pagamento, se porque não existia na verdade o dito projeto fisicamente, se o mesmo não foi executado ou outra razão para os pagamentos do incentivo requerido pela Impugnante não terem sido efetuados, tanto mais que todas as faturas em causa, e como decorre do RIT ali foram apresentadas no âmbito do projeto apresentado ao IAPMEI, e pelo menos o software em causa era atinente ao dito projeto - Portal de Robótica Virtual, não sendo então possível extrair de não ter sido efetuado o pagamento pelo IAPMEI qualquer indício de que as operações eram simuladas.
Acresce que, e sendo certo que a existência ou não de fluxo financeiro tem relevância na aferição da existência material das operações, sabendo-se que as anomalias detetadas no circuito do dinheiro constitui um dos indicadores fiáveis da falsidade ou realidade das operações faturadas, não decorre sequer uma única linha sobre a averiguação por parte da AT se existiu ou não pagamento das faturas em causa, e/ou na medida da sua existência, o destino do mesmo, sendo que perante as ditas “relações especiais” entre as sociedades em causa poderia ter relevância se diligenciado e apurado nesse sentido.
Em súmula, não emerge do Relatório de Inspeção, pese embora a sua extensão e a alusão à atividade e aos elementos de contabilidade dos fornecedores e da Impugnante, nenhum facto objetivo que seja suficiente de que possa ser extraída a conclusão de que os elementos fornecidos pela Impugnante, sempre pontualmente apresentados, não devam ter-se como verdadeiros, que conforme dimana inequívoco do mesmo, a Impugnante aquando da notificação para apresentação de documentos tendentes a demonstrar a realidade em apreço, adotou sempre uma postura colaborante, sendo então que se atentarmos nos indícios apontados no RIT, os que assim se podem configurar, vistos numa luz conjugada, são assim demasiadamente frágeis e insuficientes, não existindo a necessária adequação entre os factos em que a AT se sustenta e a conclusão de que as faturas em causa contabilizadas pela Impugnante cujo IVA foi deduzido, não correspondem a operações efetivamente realizadas ou o preço é simulado, mesmo de forma articulada e concatenada entre si.
Não descuramos que o fenómeno da faturação falsa, muitas vezes é acompanhado pela preocupação em documentar todas as operações, mas perante todos os elementos fornecidos pela Impugnante e pelos emitentes por relação às operações em causa nos autos, impunha-se à AT ter ido mais longe na sua ação inspetiva em razão dos deveres legais de investigação e apuramento da verdade material que sobre si impendem, ou seja, que encetasse diligências por forma a recolher mais indícios sérios e suficientes da simulação das operações constantes nas faturas contabilizadas pela Impugnante que aventou, ou pelo menos indícios que pusessem em causa ou que abalassem os documentos e elementos fornecidos quer pelos emitentes quer pela Impugnante relativos às operações em causa, mormente, como já aludimos, apurar da existência do software/hardware e bens constantes das faturas em causa.
Com efeito, e não obstante os indícios recolhidos pelos SIT terem sido alguns isoladamente analisados, os quais como tal, são insuficientes para extrair a conclusão de que os serviços apostos nas faturas em causa não se realizaram, numa análise conjugada de todos os indícios e documentos recolhidos, que não deixamos de o fazer, designadamente perante todos os elementos fornecidos pela Impugnante e pelos próprios emitentes por relação às operações em causa, conjugado ainda com a falta de algumas diligências que se impunham perante tais elementos fornecidos, à luz da lógica e das regras de experiência comum, não configuram elementos probatórios ponderosos, objetivos, sérios e suficientes que permitam inferir, com um grau de probabilidade séria e elevada, a não materialidade das operações subjacentes às faturas contabilizadas pela Impugnante.
Destarte, e verificando-se que os indícios avançados pela AT por relação às operações em causa manifestamente se mostram insuficientes para suportar as conclusões extraídas, o mesmo é dizer que a AT não cumpriu o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar em substância a correção impugnada, o que significa que não tendo a AT feito a prova que lhe competia, não ilidindo, assim, nesta parte, a presunção da veracidade de que goza a contabilidade da Impugnante (cfr. n.º 1 do artigo 75.º da LGT), desnecessário se torna analisar se a Impugnante logrou, ou não, provar a materialidade das operações que lhe estão subjacentes, pois nenhum ónus de prova sobre si recai no sentido de demonstrar a realidade das operações faturadas e por si contabilizadas.
Nesta conformidade, inexistem motivos válidos para com fundamento em simulação, não aceitar a dedução do IVA liquidado nas faturas em causa, procedendo nesta parte o invocado pela Impugnante. (…)”
Assim, o Tribunal não incorreu em erro de julgamento por ter procedido, num primeiro momento, a uma análise compartimentada ou individualizada dos indícios de falsidade, tanto mais que, como se mostra assumido pela Meritíssima Juíza “a quo”, foi ainda realizada uma análise conjugada de todos os indícios e de todos os documentos recolhidos. Apesar de a prova que a AT tem que realizar não ter de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível; a verdade é que a AT não reuniu factos ponderosos e objectivos fortemente indiciadores de que as facturas em causa são falsas, não sendo suficiente, como vimos, apelando a um critério de bom senso e razoabilidade, a existência de serviços prestados por colaboradores das emitentes e mesmo da aqui Impugnante pelos serviços que prestou às sociedades do «Grupo Y» sem que tenham suportado quaisquer custos com estes e sem que tenha sido apresentada explicação válida para o sucedido, nem que em alguns serviços prestados na elaboração de software adquirido pela Impugnante tivessem sido imputadas horas após a emissão das faturas. Principalmente quando a AT não averiguou se as facturas se apresentavam pagas ou sequer qual foi o fluxo financeiro subjacente às operações em crise.
Improcedendo, assim, as conclusões das alegações do recurso da AT.
O que ficou dito basta para manter a sentença recorrida, nesta parte, na ordem jurídica, pelo que se mostra prejudicado o conhecimento de outras razões suscitadas no recurso, que não são mais do que meros argumentos adicionais da Fazenda Pública para sustentar um trabalho/actuação que deveria ter ido mais além.
Deste modo, é de concluir que as liquidações de IVA impugnadas padecem de ilegalidade, devendo ser anuladas, não tendo incorrido em erro de julgamento, nesta parte, a sentença que assim entendeu.
Nesta conformidade, urge conceder provimento ao recurso da impugnante, revogar a sentença na parte recorrida e julgar a impugnação judicial totalmente procedente, com as legais consequências; negando provimento ao recurso interposto pela AT.

Conclusões/Sumário

I – O direito à dedução do IVA não pode ser negado quando, ainda que os requisitos formais da factura não tenham sido cumpridos, essa insuficiência seja passível de suprimento e tenha o sujeito passivo fornecido meios de prova complementares que permitam alcançar o objectivo de determinação concreta, designadamente, da natureza e extensão das operações realizadas, ou seja, realidades fácticas que as exigências formais indispensáveis, previstas no artigo 36.º, n.º 5 do CIVA, visam tutelar.
II – No caso de facturas falsas, compete à Administração Tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação correctiva e, só caso o faça, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto.
III – Impõe-se, portanto, à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
IV - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
V – Não tendo a Administração Tributária durante a inspecção constatado factos ponderosos e objectivos fortemente indiciadores de que as facturas que titulam diversas transacções comerciais são falsas, isto é, apenas servem de instrumento formal para com elas se poder deduzir o imposto nelas referido, não cumpriu com o ónus da prova dos pressupostos que lhe é exigido e, por tal razão, não abala a presunção de verdade de que goza a escrita formalmente organizada da impugnante, nem determina a inversão do ónus da prova nos termos do artigo 74.º da LGT.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso da impugnante, revogar a sentença na parte recorrida e julgar a impugnação judicial totalmente procedente, com as legais consequências; negando provimento ao recurso interposto pela AT.

Custas totalmente a cargo da AT em ambas as instâncias, apenas incluindo a taxa de justiça nesta instância relativamente ao seu recurso, uma vez que não contra-alegou no recurso interposto pela impugnante.




Porto, 25 de Maio de 2023

Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares