Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01318/16.6BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/22/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:PROCESSO LICENCIAMENTO, PRAZO PRESCRIÇÃO, ACTO NÃO CONFIRMATIVO
Sumário:1 . Não se verifica a excepção de prescrição do direito da recorrente, na medida em que, atenta a causa de pedir e o pedido na acção - seus elementos estruturantes -, houve uma continuada actuação dos serviços da Câmara Municipal (...) que, não assumindo categoricamente uma decisão concreta e indubitável de indeferimento do pedido de licenciamento, foram alimentando uma expectativa e esperança da possibilidade construtiva pretendida pela recorrente e que apenas foi definitivamente afastada com uma Informação Jurídica – IJ - posterior (de 30/11/2011).

2 . Pese embora esta IJ seja um repositório histórico do desenvolvimento do procedimento administrativo, mas também indicando novas razões que legalmente impossibilitam a construção pretendida – violação das zonas de RAN e REN - , concluindo-se assim, pela impossibilidade definitiva do pretendido, levada ao conhecimento da requerente, por determinação da entidade competente para a decisão, constitui um acto administrativo lesivo, enquanto definidor dos direitos da requerente
Recorrente:N.
Recorrido 1:MUNICIPIO (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . N., residente na Rua (…), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Braga, datada de 6 de Novembro de 2019, que, no âmbito da acção administrativa (responsabilidade extracontratual do Estado e Pessoas Colectivas de Direito Público) instaurada contra o MUNICÍPIO (...), concluindo pela verificação da excepção peremptória de prescrição, absolveu o Réu do pedido (condenação do Réu Município a pagar-lhe a quantia de €12.967,49, acrescida de juros, desde a data da citação, até ao efectivo e integral pagamento).
*
Nas suas alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
"I. Interpõe-se recurso da decisão proferida pelo Tribunal a quo que, em sede de despacho saneador, proferiu sentença, absolvendo a Ré, ora Recorrida do pedido, e declarando assim, a prescrição para intentar a acção judicial.
II. Entende a Recorrente que os argumentos trazidos à liça pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão não subjazem ao regime legal aplicável, impugnando-se por conseguinte, o ponto 4. da matéria de facto dada como provada no saneador-sentença e bem assim a matéria de direito que lhe subjaz.
III. Por este motivo, mais não resta à Recorrente do que lançar mão do recurso que ora se interpõe.
IV. Em primeiro lugar, o facto dado como provado no ponto 4. da decisão que ora se recorre, não o poderia ter sido, ou pelo menos na extensão com que se apresenta.
V. Foi dado como provado que [transcrição da decisão recorrida]:
“4. Em 07.06.2006, por ofício n.º1856, a CCDR-N emitiu parecer desfavorável sobre o PIP apresentado, onde se evidencia o seguinte: “(…) Reportando-me ao solicitado pelo ofício n.º 5846 de 31 de maio de 2006, P.N 65/06 – Req. N.º 4797/06, informo V. Exa. que em cumprimento do estipulado no n.º 1 do artigo 9.º do RJUE e no estrito âmbito do Domínio Hídrico (DH), a pretensão tem que obedecer a esse regime jurídico (Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro e DL n.º 46/94, de 22 de fevereiro), nomeadamente quanto a afastamentos (de 10 metros sem necessidade de licença ou até 5 metros com prévia licença destes serviços) às linhas de água, nomeadamente à referenciada pelos serviços municipais, a que se condiciona o parecer favorável. Mais informo V. Exa. que não abrange vedações (…)” (cfr. documento 3 junto à PI, de fls. 14 e 15 do suporte físico dos autos; e documento de fls. 33 do PA referente ao Processo 65/06);”
VI. Se analisado o mencionado ponto da matéria de facto dada como provada, denotamos que o mesmo parece crer dar a entender que o parecer emitido pela CCDR-N, em 07.06.2006, consubstancia um parecer desfavorável sobre o pedido de informação prévio apresentado pela Recorrente.
Ora,
VII. Tal facto não corresponde à verdade, pelo que, se consultado o documento n.º 3 junto com a Petição Inicial, que consta de fls. 14 e 15 dos autos de processo físico e bem assim se revisitada a fls. 33 do proc. Administrativo, denotamos que assim não é.
VIII. Tal parecer ressalva um conjunto de questões, designadamente, afastamento da linha de água, sendo que, a conclusão é que pese embora condicionado, o parecer é favorável e não desfavorável como dita a sentença proferida.
IX. Deste modo, sempre se dirá que este facto não deverá ser dado como provado, alterando-se por aquele em que se leia:
4. Em 07.06.2006, por ofício n.º1856, a CCDR-N emitiu parecer favorável, embora condicionado, sobre o PIP apresentado, onde se evidencia o seguinte: “(…) Reportando-me ao solicitado pelo ofício n.º 5846 de 31 de maio de 2006, P.N 65/06 – Req. N.º 4797/06, informo V. Exa. que em cumprimento do estipulado no n.º 1 do artigo 9.º do RJUE e no estrito âmbito do Domínio Hídrico (DH), a pretensão tem que obedecer a esse regime jurídico (Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro e DL n.º 46/94, de 22 de fevereiro), nomeadamente quanto a afastamentos (de 10 metros sem necessidade de licença ou até 5 metros com prévia licença destes serviços) às linhas de água, nomeadamente à referenciada pelos serviços municipais, a que se condiciona o parecer favorável. Mais informo V. Exa. que não abrange vedações (…)” (cfr. documento 3 junto à PI, de fls. 14 e 15 do suporte físico dos autos; e documento de fls. 33 do PA referente ao Processo 65/06);
X. No mais, e relativamente à matéria de direito e subsunção factual que o Tribunal a quo levou a cabo na douta sentença proferida sempre diremos que igualmente não se poderá concordar.
XI. Tal subsunção ocorre, ainda que se desse como pacificamente aceite toda a matéria dada como provada.
XII. Ultrapassada a questão relativa ao ponto 4. da matéria de facto dada como provada, sempre diremos que incorreu o Tribunal a quo em erro quando entende que o acto impugnável pela Recorrente seria o acto/decisão proferida em 2007 e não o que foi efectivamente impugnado e que data de 2013.
XIII. Na verdade, o Tribunal a quo entende que o acto e decisão proferida em 2013 não consubstancia uma verdadeira decisão, e logo, carece de ser considerado como um acto administrativo impugnável.
XIV. O que não se crê.
XV. Entende a Recorrente que, só com o acto praticado em 2013, a Autora ora Recorrente vê a sua posição jurídica definida, contrariamente ao propugnado pelo Tribunal a quo, e igualmente defendido pela Recorrida.
XVI. Importa, em nosso entender, chamar à colação o conceito de acto administrativo para aferir se, a decisão impugnada em 2013, deverá – ou não – ser considerado como tal. Vejamos:
XVII. Na esteira do preconizado por Rogério Soares, o acto administrativo será aquele que se caracterize por ser uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração, no uso de poderes de direito administrativo, pela qual se produzem efeitos jurídicos externos, positivos ou negativos.
XVIII. Daqui decorre desde logo que, um acto administrativo não pode ser considerado como uma sentença em que ocorrendo caso julgado, os efeitos são automaticamente produzidos.
XIX. Na verdade, e na concepção defendida pela Recorrente um acto administrativo reveste a característica da modificabilidade e da sua revogabilidade, característica que, no caso em apreço, se torna deveras relevante porque, se revisitarmos a factualidade, denotamos que entre 2007 e 2013, fruto das diversas comunicações, exposições, reclamações e bem assim fruto de todos os elementos novos que foram trazidos ao procedimento administrativo pela Recorrente, a Recorrida sempre poderia ter revogado o acto primeiramente praticado e praticar, em 2013, um acto ex novo, que deferisse a sua pretensão.
XX. Se assim ocorresse, não resultava qualquer dúvida que o acto praticado – de deferimento – consubstanciaria um verdadeiro acto administrativo.
XXI. Por que não ocorre de igual modo perante um acto de indeferimento? Veja-se que, até 2013, a Recorrente ficou na expectativa que a sua pretensão poderia efectivamente ser alterada, sendo que, só em 2013 se consolida a posição jurídica da Recorrente.
Mas mais,
XXII. Se aludirmos a uma outra característica do acto administrativo denotamos que, só em 2013, e após a fundamentação expendida pela divisão jurídica, a Recorrente percepciona – pese embora com a introdução de fundamentos novos – o motivo do indeferimento, algo que, efectivamente não ocorreu em 2007.
XXIII. Tal nos leva a crer que a necessidade de explicitar em 2013 decorre precisamente porque o acto emanado em 2007 era confuso e vago, bem assim, nulo, pelo que, apercebendo-se a Recorrida de tal facto, emenda a mão, indeferindo novamente.
XXIV. De referir por último, e de acordo com a doutrina propugnada por Figueiredo Dias e Fernanda Paula Oliveira, o acto administrativo terá que revestir um carácter de autoridade, sendo esta característica que delimita o conceito de acto administrativo impugnável, dos conceitos de actos confirmatórios/confirmativos e actos executórios.
XXV. O acto praticado em 2013, questione-se, não detinha tal carácter? Estamos em crer que sim.
XXVI. Mas adiante-se que, ainda que assim não fosse – o que apenas academicamente admitimos – a lei prevê expressamente, ainda que a título excepcional, o regime de recorribilidade/impugnação de actos confirmativos e executórios, pelo que, ainda que se entendesse deste modo, as possibilidades da Recorrente não estariam vedadas, ainda que nos reportássemos ao acto praticado no ano de 2007.
XXVII. Todavia, assim não entendeu o Tribunal a quo, que lançando mão da sua fundamentação, tudo nos leva a crer que classificou esta decisão como – quanto muito – um acto confirmatório.
XXVIII. Tal como aludimos, não concordamos. E não concordamos porque se subsumirmos toda a factualidade à matéria de direito aqui mencionada não podemos retirar essa conclusão.
XXIX. Se analisarmos toda a documentação junta com o PA verificamos que o acto praticado e notificado à Recorrente em 2013 foi um acto inovador, face ao conjunto de requerimentos, explicações, reclamações que a Recorrente foi formulando precisamente desde o momento em que recepciona a comunicação em 2007.
XXX. Se o acto de 2007 fosse o verdadeiro acto impugnável e estivessem esgotados todas as vias de recurso da Recorrente, por que motivo a Recorrida foi respondendo, adiantado informações e explicações?
XXXI. Se o acto de indeferimento em 2007 se tivesse tornado como um acto definitivo, por que motivo em 2013 a Recorrida remete todo o processado para a divisão jurídica?
XXXII. Sublinhemos que, mesmo em 2007, foi conferido prazo à Recorrente para reformulação e apresentação do projecto, pelo que, em momento algum, aquele indeferimento seria o acto definitivo e assim o acto administrativo impugnável para efeito de contabilização do prazo de prescrição para lançar mão da acção judicial.
XXXIII. Mas, sempre se dirá que, ainda que fosse o caso de estarmos perante um acto confirmativo, ainda assim, sempre estaria a via aberta para a Recorrente, atendendo ao regime excepcional consagrado no CPTA.
XXXIV. No entanto, temos plena convicção que, o parecer da divisão jurídica não reproduz a factualidade de 2007, muito pelo contrário.
XXXV. Se discorrermos pela jurisprudência abalizada e bem assim pela jurisprudência que tem sido firmada por este Tribunal Central Administrativo verificamos que, para ser considerado como um acto confirmativo, o acto não pode conter qualquer novidade de fundamentação relativamente ao acto confirmado.
XXXVI. Neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal Central Administrativo, em 14.02.2014, no âmbito do processo n.º 03303/10.2BEPRT e cujo relator foi o ilustre Desembargador Antero Pires Salvador, onde se decidiu no sentido que [que com a devida vénia transcrevemos a passagem para o que aqui releva]: “3. Um acto confirmativo pressupõe que os dois actos (confirmado e confirmativo) tenham sido praticados sob a mesma disciplina jurídica, que o interessado tenha tido conhecimento oportuno do acto confirmado e que entre ambos haja correspondência de fundamentos e de efeitos jurídicos.4. Existindo no acto, dito como confirmativo, novidade de fundamentos em relação ao acto confirmado, temos de considerar aquele como contenciosamente impugnável.” [negrito e sublinhado da nossa autoria].
XXXVII. Veja-se, igualmente, que o Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 00371/12.6BEVIS, em 21.04.2016, cujo relator foi o ilustre Desembargador Rogério Paulo da Costa Martins – entendeu que: “Não é confirmativo de outro um acto que não tenha os fundamentos de facto e de direito totalmente coincidentes, pelo que tal acto é impugnável, face ao disposto no artigo 51º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.” [negrito da nossa autoria]
XXXVIII. Daqui retiramos, sem qualquer margem para dúvida que, o acto praticado em 2013 não pode ser considerado como um acto confirmativo, atendendo a que existem fundamentos não totalmente coincidentes.
XXXIX. No mesmo sentido, Mário Aroso Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais”, que em comentário ao artigo 53.º do CPTA mencionam e exemplificam que não é confirmativo o acto de legalização de uma construção ilegal, que constitui um acto inovatório, como tal contenciosamente impugnável, na medida em que pressupõe uma nova avaliação das circunstâncias.
XL. Entendem igualmente estes autores que, não será considerado um acto confirmativo um acto que esteja a coberto por uma reclamação e bem assim o acto que por efeito de reclamação mantendo embora o sentido da decisão anterior aprecia questões de facto e de direito que não foram apreciadas.
XLI. Tais considerações porque em tudo semelhantes ao caso apreciando, deverão igualmente ser consideradas, decidindo-se como se decidiu nos doutos Acórdãos citados.
XLII. No entanto, e para que dúvidas não restem, se analisados os dois actos, tanto o proferido em 2007, como o proferido em 2013, claramente denotamos que em 2007 a decisão tem por base o parecer emitido pela CCDR-N relativamente às questões do domínio hídrico e por sua vez em 2013, tendo por base todas as exposições, considerações, reclamações levadas pela Recorrente e bem assim pelo parecer favorável da CCDR-N entretanto obtido, decide com fundamento no facto da implantação se localizar junto da RAN e REN, não constituindo aquela construção os regimes excepcionais previstos na legislação ali em causa.
XLIII. Aliás, se revisitada a decisão de 2013 denotamos que a Recorrida, Município é a primeira a mencionar que a Recorrente trouxe ao debate questões novas no âmbito daquele procedimento administrativo, “através dos quais se começou a discutir outras questões processuais”.
XLIV. Neste seguimento, e de molde a obviar a exposição que se pretende na via recursória, sempre se dirá que existe um verdadeiro acto em 2013, consubstanciado na análise jurídica de 2013.
XLV. Tal reveste um verdadeiro acto administrativo porque emanado por um órgão com competência para tal e precisamente porque regula ex novo a situação jurídica da Recorrente.
XLVI. Ainda que, tal apenas se bastasse com a decisão da divisão jurídica. Não pode o Tribunal olvidar-se que tendo sido o parecer/informação jurídica notificada à Recorrente, tal acto em si, é um acto decisório conferido no âmbito de um poder de autoridade, sendo vinculativo para o particular. Se assim não fosse a Recorrente não teria a sua pretensão indeferida novamente.
XLVII. Não será de questionar que se a questão trazida pela Recorrente não fosse uma questão nova, a Recorrida não reencaminharia apenas para a informação de 2007? Qual a necessidade de proceder a uma reapreciação?
XLVIII. Bem sabemos que não seria necessário, pelo que, diversamente do que entende o Tribunal a quo, não podemos concordar que o acto praticado seja um acto confirmativo ou um mero parecer que apenas reproduz a mesma questão e facto e de direito.
XLIX. Neste sentido, estamos perante um acto impugnável, não podendo proceder a invocada prescrição.
L. Por tudo o quanto vai expendido, entende a Recorrente que mal andou o Tribunal a quo a decidir como decidiu, devendo para tanto a decisão ser revogada e substituída por aquela que entenda que se encontrava em prazo a Autora/Recorrente quando lançou mão da acção judicial, não procedendo a prescrição invocada, e por conseguinte, levando os ulteriores termos do processo até final.
LI. Decidindo de resto, como vai igualmente espelhado, tanto na Petição Inicial apresentada e respectiva Réplica.
LII. Fazendo-se assim inteira e sã justiça!"
*
Notificadas as alegações, apresentadas pela recorrente, supra referidas, veio o MUNICÍPIO (...) apresentar contra alegações que concluiu do seguinte modo:
"I. Salvo o devido respeito, justifica-se, efectivamente, a correcção do ponto 4. da matéria de facto provada, de forma a que onde se lê “...parecer desfavorável sobre o PIP apresentado...”, se passe a ler “parecer favorável condicionado sobre o PIP apresentado...”, porquanto se trata de lapso de escrita patente, atento o teor do próprio documento transcrito no referido ponto, e bem assim, atento o teor do ponto 5. da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida, sendo que, contudo, tal correcção se mostra absolutamente irrelevante no contexto da douta decisão recorrida.
II. A recorrente nas suas alegações de recurso (e bem assim, desde a resposta que apresentou à matéria de excepção invocada pelo recorrido na sua contestação) faz decorrer o seu pretenso direito indemnizatório da alegada prática pelo recorrido de um pretenso acto administrativo datado de 1 de Agosto de 2013, numa tentativa de justificar a tempestividade da presente acção, quando é certo que, na p.i. fez decorrer o seu alegado direito indemnizatório da prática pelo recorrido de um outro acto administrativo (despacho do Vereador da Gestão Urbanística da CM de 08.08.2006 proferido no PIP n.º 65/06.), bastante anterior àquele pretenso acto de 1 Agosto de 2013, comportamento processual a que este Venerando Tribunal não ficará, certamente, indiferente.
III. A verdade é que, tal como configurou a acção na p.i., a mesma é de facto extemporânea, porquanto dos pontos 10 e sgs. da matéria de facto provada resulta que a recorrente foi notificada do despacho de indeferimento do seu processo de licenciamento em 13.09.2007, o qual assentou no teor da informação técnica da DGU de 08.08.2007, e bem assim, do parecer da CCDR-N de 03.07.2007, e não reagiu contra o mesmo (não reclamou do acto, não o impugnou pela via administrativa, nem o impugnou pela via contenciosa), pelo que tal conduta não pode deixar de configurar uma clara conformação e uma nítida aceitação do desfecho do pedido/processo de licenciamento.
IV. Se a recorrente entendesse que tal acto contrariava pretensamente a decisão de viabilidade proferida no âmbito do PIP, e punha eventualmente em causa os direitos constitutivos decorrentes de tal decisão, naturalmente que não teria deixado de reagir contra o mesmo, pugnando pela respectiva reforma, anulação ou revogação, graciosa e/ou contenciosamente.
V. Por outro lado, se ela entendia que o conteúdo da decisão do PIP lhe permitia exigir da CM o deferimento do processo de licenciamento, a par de um eventual pedido anulatório do despacho que indeferiu o pedido de licenciamento, poderia perfeitamente ter cumulado um pedido de condenação à prática do acto devido, peticionando a condenação do Município na prática do acto de deferimento do processo de licenciamento.
VI. Com a notificação de 13.09.2007 a recorrente tomou conhecimento de que não poderia edificar a construção pretendida no local projectado e, consequentemente, tomou conhecimento do direito que lhe assistia de pôr em causa o referido acto administrativo, e bem assim, do direito de pedir o ressarcimento de pretensos prejuízos sofridos, pelo que, nada tendo feito, deixou, pois, consolidar o acto administrativo de indeferimento da sua pretensão na ordem jurídica como acto definitivo e inatacável.
VII. Tendo a recorrente tido conhecimento do despacho do Sr. Vereador da Gestão Urbanística da CM proferido no âmbito do PIP n.º 65/06 através de notificação feita à mesma em 14.08.2006 (acto eventualmente gerador dos prejuízos por si peticionados), e bem assim, tido conhecimento do despacho de indeferimento da sua pretensão no processo de licenciamento em 13.09.2007, há muito que decorreu o prazo de três anos que a lei estabelece para efeitos de instauração de eventual acção de responsabilidade civil extra-contratual contra o Município (o prazo iniciou-se em 14.09.2007 e terminou em 14.09.2010), aliás, tal como considerou – e bem- a Meritíssima Juíza a quo.
VIII. O pedido formulado na p.i. pela ora recorrente é, pois, manifestamente extemporâneo, verificando-se, efectivamente, a prescrição do direito indemnizatório que a mesma pretende fazer valer através dos presentes autos, tal como considerou - e bem - a douta sentença recorrida, não merecendo a mesma qualquer reparo.
IX. O acto notificado à recorrente em 01.08.2013 no processo de licenciamento n.º 275/07 é uma mera informação jurídica emitida por um funcionário municipal (jurista) e não um acto administrativo na acepção do art. 148.º do CPA.
X. Tal informação jurídica tem conteúdo meramente informativo e não decisório, não foi produzida no âmbito de um poder jurídico-administrativo, e não produz quaisquer efeitos jurídicos externos na esfera da recorrente, designadamente lesivos dos direitos ou interesses da mesma, legitimadores do pedido indemnizatório formulado nos autos, limitando-se antes a fazer uma descrição completa da matéria de facto relevante do processo, e bem assim, a fazer uma análise jurídica do mesmo, tal como resulta do ponto 12. dos factos provados.
XI. A informação jurídica manifestou o entendimento, à semelhança do que já tinha sido manifestado anteriormente em outras informações jurídicas, de que se deveriam manter, por válidos e legais, todos os actos praticados no procedimento, pelo que nada mais deveria ser decidido (nada decidindo, como aliás, nem podia).
XII. Tal informação jurídica constitui apenas mero juízo de valor ou opinião e não qualquer decisão que produza efeitos jurídicos concretos, não tendo, por isso, qualquer valor para reconhecer o que quer que seja à recorrente, designadamente qualquer pretenso direito a ser ressarcida, não constituindo qualquer confissão ou reconhecimento de qualquer pretenso erro em que o Município tenha alegadamente incorrido na decisão do PIP, nem colidindo, de resto, com a decisão de indeferimento proferida no processo de licenciamento n.º 275/07 (despacho do Vereador da área da Gestão Urbanística da CM de 10.08.2007), ao contrário do defendido pela recorrente.
XIII. Por outro lado, tal informação jurídica não tem qualquer virtualidade para introduzir qualquer inovação ou modificação ao acto administrativo de indeferimento praticado pelo referido Sr. Vereador em 10.08.2007, ou sequer para o anular, substituir ou revogar.
XIV. O Município, no procedimento administrativo em causa, praticou apenas um único acto de indeferimento da pretensão da recorrente, e que corresponde ao referido despacho de 10.08.2007 e notificado à recorrente em 13.09.2007, o qual consolida definitivamente a posição jurídica da mesma e com o qual a recorrente se conformou, e não a informação jurídica notificada à mesma em 01.08.2013.
XV. Ora, a recorrente não impugnou o despacho de 10.08.2007 e foi sempre tentando reavivar o processo ao longo dos anos, apresentando requerimentos e documentação numa tentativa de fazer de reverter o sentido de tal decisão, não podendo a CM deixar de apreciar os argumentos e fundamentos dos mesmos constantes, atento o dever de pronúncia que sobre si impende. - art. 13.º do CPA.
XVI. Mas o que é certo é que, após a prática do referido acto de indeferimento, a Administração não praticou qualquer outro acto administrativo ex novo, ou qualquer acto administrativo confirmatório ou executório do anterior.
XVII. A referida informação jurídica é apenas mais uma resposta a uma missiva da recorrente, pelo que, a data de notificação da mesma à recorrente não pode ser invocada pela mesma para efeitos de tempestividade da presente acção de responsabilidade civil extra-contratual pela prática de alegado acto administrativo ilícito, pelo que se encontra, efectivamente, prescrito o pretenso direito indemnizatório da recorrente, não merecendo reparo a douta sentença recorrida".
*
O Digno Magistrado do M.º P.º, notificado nos termos do art.º 146.º, n.º1 do CPTA, não emitiu Parecer.
*
Sem vistos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
*
2 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO
Quanto aos factos fixados na sentença recorrida --- impõe-se, desde já, em assentimento ao desejo da recorrente - cfr. conclusões II a IX - a correcção do ponto 4 dos factos dados como provados, na medida em, como o Município reconhece nas suas contra alegações (em abono da verdade) - cfr. conclusão I - e resulta do documento de fls. 33 do PA, referente à PIP, a CCDR-N, emitiu parecer favorável sobre o PIP apresentado, ainda que condicionado, como dele objectivamente resulta e não, como consta do ponto 4, parecer desfavorável.
Igualmente se corrige o ponto 12 da matéria dada como provada, atento o despacho de rectificação de erro material decidido no Despacho de 15/10/2020, em apreciação de requerimento apresentado pelo MUNICÍPIO (...) Consta do despacho de 15/10/2020 : "Defere-se a requerida retificação da sentença e, em consequência:
- No facto provado do ponto 12, onde se Por despacho emitido pela divisão jurídica da (...)Câmara Municipal (...), datado de 01.08.2013, foi a Autora notificada da informação sobre toda a matéria de facto e de todas as implicações jurídicas do processo de licenciamento requerido pela Autora, onde se evidencia o seguinte:
(), deve passar a ler-se Por despacho emitido pelo Sr. Vereador L. datado de 29.07.2013, foi a Autora notificada em 01.08.2013 da informação da Divisão Jurídica datada de 30.11.2011 sobre toda a matéria de facto e de todas as implicações jurídicas do processo de licenciamento requerido pela Autora, onde se evidencia o seguinte:
(), mantendo-se a restante redação"
.
São, assim, estes os factos que devem ser dados como provados:
1. A Autora é proprietária do prédio rústico sito na (…), inscrito sob o artigo matricial 807 (cfr. documento 1 junto à petição inicial, de fls. 11 do suporte físico dos autos).
2. Em 23.05.2006, a Autora apresentou, na Câmara Municipal (...), um Pedido de Informação Prévia (PIP) relativo à viabilidade de construção de uma moradia unifamiliar, no prédio rústico descrito em 1. [(acordo), cfr. documento 2 junto à Petição Inicial (PI), de fls. 12 e 13 do suporte físico dos autos; documento 6 junto à PI de fls. 22 a 31 do suporte físico dos autos; fls. 1 e 2 do Processo Administrativo (PA) referente ao Processo 65/06].
3. Em data não apurada, mas necessariamente posterior a 23.05.2006, foi proferida, pela divisão de licenciamento e obras particulares da Câmara Municipal (...), a seguinte informação técnica:
“(…)
Trata-se do pedido de informação prévia para um terreno que se encontra inserido, segundo o PDM, em espaço de Reserva Agrícola Nacional (RAN) e também, face à existência de uma linha de água que atravessa a propriedade, está delimitada a Reserva Ecológica Nacional (REN).
(…)
Contudo face ao parecer emitido da CCDR-N (fls. 33) e dado que nas peças desenhadas não está identificada a referida” (cfr. fls. 2 verso do PA. referente ao Processo 65/06].
4. Em 07.06.2006, por ofício n.º1856, a CCDR-N emitiu parecer favorável Cfr. despacho supra interlocutório à descrição da matéria de facto dada como provada no saneador/sentença recorrido. sobre o PIP apresentado, onde se evidencia o seguinte:
“(…)
Reportando-me ao solicitado pelo ofício n.º 5846 de 31 de maio de 2006, P.N 65/06 – Req. N.º 4797/06, informo V. Exa. que em cumprimento do estipulado no n.º 1 do artigo 9.º do RJUE e no estrito âmbito do Domínio Hídrico (DH), a pretensão tem que obedecer a esse regime jurídico (Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro e DL n.º 46/94, de 22 de fevereiro), nomeadamente quanto a afastamentos (de 10 metros sem necessidade de licença ou até 5 metros com prévia licença destes serviços) às linhas de água, nomeadamente à referenciada pelos serviços municipais, a que se condiciona o parecer favorável. Mais informo V. Exa. que não abrange vedações (…)” (cfr. documento 3 junto à PI, de fls. 14 e 15 do suporte físico dos autos; e documento de fls. 33 do PA referente ao Processo 65/06).
5. Por despacho datado de 08.08.2006, proferido no uso de competência subdelegada pelo Presidente da Câmara de (...), o pedido foi considerado “viável” para construção de moradia unifamiliar, nas condições da informação técnica que se transcreve:
“Trata-se do pedido de informação prévia para um terreno que se encontra inserido, segundo o PDM, em espaço de Reserva Agrícola Nacional (RAN) e também, face à existência de uma linha de água que atravessa a propriedade, está delimitada a Reserva Ecológica Nacional (REN).
Analisada a pretensão verifica-se que a implantação da construção enquadra-se no regime de exceção previsto no ponto 5 do art. 72 do regulamento do PDM relativamente ao espaço urbano contíguo. Contudo face ao parecer emitido da CCDR-N (fls. 33) e dado que nas peças desenhadas não está identificada a referida linha de água, a viabilidade construtiva para uma habitação unifamiliar deverá ficar condicionada ao parecer emitido pela CCDR-N, garantindo uma cedência ao domínio público de 3.0m ao eixo a norte; área máxima de 200 m2, e cumprimento dos demais p.u. estabelecidos” (cfr. documento 2 junto à PI de fls. 12 e 13 do suporte físico dos autos).
6. Em 14.05.2007, a Autora apresentou, na Câmara Municipal (...) um pedido de licenciamento da construção de uma moradia unifamiliar, no prédio descrito em 1., o qual tinha como antecedente o PIP n.º 65/06 (cfr. fls. 1 do PA, referente ao Processo 275/07).
7. Em 24.05.2007, pela divisão de licenciamento de obras particulares da Câmara Municipal (...), foi proferida a seguinte informação técnica:
“(…)
Consulte-se a CCDRN (proximidade a uma linha de água)”. (cfr. fls. 2 verso do PA referente ao Processo 275/07).
8. Em 03.07.2007, a CCDRN emitiu parecer com o seguinte teor:
“Reportando-me ao solicitado pelo ofício n.º 5437 de 30 de maio de 2007, P.N. 275/07 – Req. 4069/07, informo V. Exa. que se emite parecer desfavorável, uma vez que a pretensão além de colidir com o domínio hídrico, insere-se no solo que faz parte integrante da Reserva Ecológica Nacional” (fls. 33 do PA, referente ao Processo 275/07);
9. Por ofício n.º 2341, de 10.08.2007, a CCDR-N notificou a Autora, informando-a do seguinte:
“(…)
Reportando-me ao solicitado pelo requerimento de 16 de junho de 2007 cumpre-me informar V. Exa. que após deslocação ao local e reanalisado o processo, verifica-se que o percurso da linha de água foi alterado e que a sua implantação não está de acordo com a Carta de Ordenamento do PDM/(...), em vigor.
Ressalta claro que além do assinalamento da linha de água, esta constitui um dos sistemas da Reserva Ecológica Nacional.
Nestas circunstâncias, cumpre-me informar V. Exa que se mantém os pressupostos constantes do ofício n.º 1959 de 3 de julho de 2007, remetido à Câmara Municipal (...), pelo que se mantém o parecer desfavorável.
O processo poderá ser reanalisado desde que a pretensão não interfira com o Regime da REN e deixe uma faixa Marginal de 5,00 m ao curso de água, assinalado na Carta de Ordenamento do PDM/(...), em vigor. A verificarem-se estes condicionalismos a pretensão carece de autorização destes Serviços, de acordo com o disposto no Dec.-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio. (…)” (cfr. documento 3 junto à PI, de fls. 16 do suporte físico dos autos).
10. Em 13.09.2007, a Autora foi notificada do despacho pelo Senhor Vereador da área de Planeamento e Gestão Urbanística da CM de indeferimento do processo de licenciamento para construção apresentado pela Autora, com base na informação técnica que lhe serviu de base e do parecer da CCDR-N, nos seguintes termos:
“(…)
Mais informo V. Exa. de que, num prazo de 6 meses, poderá apresentar projeto contemplando as alterações necessárias face à informação prestada. Caso não seja apresentado projeto de alteração, o processo será arquivado no fim do prazo atrás referido. (…)”
(cfr. documento 4 junto à PI, de fls. 17 e 18 do suporte físico dos autos; e documento de fls. 34 e 35 do PA referente ao Processo 275/07).
11. Em 03.12.2007, a Autora apresentou nos Serviços da Câmara Municipal (...), o parecer favorável da CCDR-N de 26.12.2007, relativamente à construção que pretendia levar a efeito no seu imóvel sito no lugar da (…), solicitando, ainda, que fosse reapreciado e deferido o processo de obras em referência nos autos (cfr. documento 5 junto à PI, de fls. 19 e 20 do suporte físico dos autos).
12. Por despacho emitido pelo Sr. Vereador L. datado de 29.07.2013, foi a Autora notificada em 01.08.2013 da informação da Divisão Jurídica datada de 30.11.2011 sobre toda a matéria de facto e de todas as implicações jurídicas do processo de licenciamento requerido pela Autora, onde se evidencia o seguinte
Cfr. despacho supra interlocutório à descrição da matéria de facto dada como provada no saneador/sentença recorrido e Nota de Rodapé de fls. 12 supra.:
“(…)
Dos elementos do processo conclui-se que houve uma apreciação técnica do projeto em 29.08.2007, não obstante estar a decorrer a revisão do PDM, fundamentada na existência de uma informação prévia válida e constitutiva de direitos (IP 65/06).
A informação técnica, face ao parecer desfavorável (vinculativo) emitida pela CCDR-N (fls. 32 e 33) culminou no indeferimento da pretensão por despacho de 10.09.2007. Realça-se que o indeferimento, sustentou-se no facto da pretensão colidir com o domínio hídrico e a Reserva Ecológica Nacional.
A requerente não suscitou qualquer ilegalidade do ato administrativo praticado, nem dele reclamou hierarquicamente ou contenciosamente por qualquer vício que entendesse existir.
Nestes termos, não obstante os sucessivos requerimentos e informações prestadas a partir do requerimento registado sob o número 10885 em 05.12.2007, através dos quais se começou a discutir outras questões processuais relativas ao regime que estabelece as medidas e ações a desenvolver no âmbito do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra incêndios do DL 124/2006, de 28.06, foi prestada nova informação técnica em 04.11.2008, na vigência do PDM aprovado em 04.04.2008.
Assim considerando que:
1.a IP não está válida e, por isso, não é constitutiva de direitos (a reapreciação do pedido em 05.12.2007 por ofício 10885 na sequência do indeferimento de 10.09.2007 é feita fora do prazo de vinculação da IP) que possam justificar a aprovação do projeto no âmbito dos instrumentos de planeamento que lhe estavam subjacentes;
2.A questão relativa à interferência da pretensão com a área afeta à REN não foi resolvida e mantém-se em vigor;
(…)
17. Assim, quer no Regulamento do PDM de 1991, quer no de 2008, o terreno onde a requerente pretende edificar situa-se em zona de RAN e REN, pelo que a pretensão nunca poderia ser deferida, conforme levantamento aerofotogramétrico anexo.
18. Tal indeferimento não se verificou logo na IP porque o projeto de arquitetura apresentado não contemplava a identificação da linha de água existente no terreno, vindo, no entanto, a verificar-se na fase de apresentação do projeto de arquitetura, face à informação técnica da DGU junta ao processo da IP, a fls. 2A.
(…)
23. (…) se esta autarquia deferisse o pedido estaria a praticar um ato que seria, de todo, lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos do requerente, na medida em que ao deferir a sua pretensão estaríamos a praticar um ato nulo que não teria qualquer efeito na ordem jurídica a não ser induzir o requerente em erro, ao permitir construir num local para o qual não possui ius aedificandi”. [cfr. documento 6 junto à PI, de fls. 22 a 31 do suporte físico dos autos].
13. Em 08.07.2016, a Autora instaurou a presente ação administrativa no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [cfr. documentos de fls. 2 e 3 do suporte físico dos autos].

2 . MATÉRIA de DIREITO

No caso dos autos, a questão essencial a decidir resume-se em determinar se, na situação vertente, a decisão recorrida, ao julgar verificada a prescrição do direito reclamado nos autos pela recorrente --- condenação do MUNICÍPIO (...) a pagar-lhe a quantia de €12.967,49, acrescida de juros, desde a data da citação, até ao efectivo e integral pagamento --- concluindo assim pela absolvição do Réu/Recorrido do pedido, incorreu em erro de julgamento.
Vejamos!
A causa de pedir subjacente a estes autos reside no facto de, alegadamente, ter existido um comportamento por parte dos serviços do MUNICÍPIO (...) que abalaram a situação de confiança em que a A./recorrente se viu investida, com o decorrer de todo o procedimento que culminou com a notificação que lhe foi endereçada em 1/8/2013 - contendo o Parecer jurídico de 30/11/2011.
Analisando todo o PA, seja o referente ao PIP - Proc. n.º 65/06 - seja ao referente ao pedido de licenciamento - Proc. n.º 275/07 - verificamos que:
- o despacho de 10/8/2007 do Vereador do Pelouro da área de Planeamento e Gestão Urbanística, L., alegadamente de indeferimento, mas que, na realidade, mais não é que uma notificação para audiência prévia, onde se dão 10 dias úteis para a A. se pronunciar, refere, ainda que, a requerente poderá, num prazo de 6 meses, apresentar projecto contemplando as alterações necessárias face à informação prestada, ou seja, atento o Parecer desfavorável, mas vinculativo, prestado pela CCDR-N;
- o Parecer da CCDR-N foi desfavorável, mas ainda assim condicionado;
- na sequência daquele despacho de 10/8/2007, notificado à A., em 13/9/2007, a A. apresentou parecer favorável da CCDR-N, em 3/12/2007;
- igualmente apresentou outros requerimentos e documentos, teve reunião em 4/1/2008 (fls. 55 do PA), nomeadamente, requerimento em 18/11/2008 (fls. 57 do PA), que foram objecto de informações jurídicas de 25/1/2008, 4/11/2008 - na sequência da qual foi pelo Vereador da área funcional proferido despacho, em 9/11/2008 - (fls. 56 do PA), para que fosse prestada informação definitiva por parte da DGU e GJ - prestado pela DGU em 29/6/2009 e ainda a Informação final da Divisão Jurídica - DJ, de 30/11/2011 (fls. 59 do PA) - onde é efectivada uma resenha de todo o processo -, que foi sujeita à consideração superior e ainda por decisão de 19/7/2013 da Chefe de Divisão Jurídica, Dr.ª I., foi objecto de Despacho do Vereador da área funcional, L., de 29/7/2013 "Comunique-se" - cfr. consta do processo físico.
De referir que este documento original do PA - fls. 61 a 66 - não contém - inexplicavelmente - os despachos posteriores à assinatura do autor da Informação jurídica - Dr. J. - como se evidencia do mesmo documento junto ao processo físico pela recorrente, a despacho do Tribunal, depois de ter requerido à CM de (...) cópia certificada da informação jurídica de Agosto de 2013 e que foi levada à consideração da A. em 1/8/2013.
**
Ou seja, da análise do PA, referente ao processo de licenciamento - Proc. 275/07 - em especial da Informação jurídica de 30/11/2011, transcrita parcialmente no ponto 12 da matéria de facto dada como provada, levada ao conhecimento da A./recorrente apenas em 1/8/2013, em conformidade com Despacho de Vereador L. de 29/7/2013, resulta evidente que ao longo de todos esses anos houve reiterada troca de correspondência entre a CM de (...) --- com sucessivas Informações dos serviços e ainda mesmo solicitadas informações a entidades exteriores (seja ao Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas - cfr. fls. 46 e 47 do PA - seja ao Sr. Presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses - fls. 48 e 49 do PA --- com a A./recorrente, tendo havido mesmo reuniões, como resulta também do PA (fls. 55 e 57), pelo que não podemos deixar de considerar que os serviços da CM de (...), com o suporte constante do Vereador responsável da área em causa, acabaram por, ao longo de todo esse tempo, alimentar uma possibilidade de licenciamento da construção pretendida.
Se assim não entendiam - como resulta da postura manifestada nestes autos - porque não foi a requerente informada da impossibilidade do licenciamento da construção, o que apenas se evidencia da Informação Jurídica - IJ - de 30/11/2011?
A resposta devida aos constantes requerimentos da requerente passava necessariamente por uma resposta concreta e não por consecutivas consultas, pareceres e indefinições.
Aliás, a razão definitiva para o necessário, legal e pertinente indeferimento da pretensão construtiva da requerente apenas aparece na IJ de 30/11/2011, onde se refere, no ponto 17, que "... quer no Regulamento do PDM de 1991, quer no de 2008, o terreno onde a requerente pretende edificar situa-se em zona de RAN e REN, pelo que a pretensão nunca poderia ser deferida, conforme levantamento aerofotogramétrico anexo", sendo que não vislumbramos no PA, nem o Réu/recorrido, o demonstra, que, de forma assertiva, tenha sido dada, previamente, esta informação à A./recorrente.
Se existe também erro na documentação apresentada pela recorrente na instrução do pedido - nomeadamente, por não estar devidamente identificada a linha de água, condicionante, em parte, da possibilidade de licenciamento, apenas constatado com o levantamento aerofotogramétrico - terá de ser analisado em sede de verificação dos pressupostos da responsabilidade civil e sua eventual contribuição para um alegado erro, facto ilícito da entidade recorrida.
*
Deste modo, temos de concluir que não se verifica a excepção de prescrição do direito da recorrente, na medida em que, atenta a causa de pedir e o pedido na acção - seus elementos estruturantes -, houve uma continuada actuação dos serviços da Câmara Municipal (...) que, não assumindo categoricamente uma decisão concreta e indubitável de indeferimento do pedido de licenciamento, foram alimentando uma expectativa e esperança da possibilidade construtiva pretendida pela recorrente que apenas foi definitivamente afastada com a IJ de 30/11/2011.
Nem se diga que esta IJ apenas é uma mera informação, que não um verdadeiro acto administrativo, inovatório, nos seus fundamentos.
Efectivamente, a entidade com poderes decisórios - Vereador do Pelouro da área de Planeamento e Gestão Urbanística, L., com poderes subdelegados pelo Sr. Presidente da CM de (...), ainda que não tenha expressado uma decisão específica de indeferimento, não deixou de despachar no sentido de a IJ ser comunicada à requerente, na qual são, de forma decisiva, definidos e justificados os motivos legais e factuais para o indeferimento, com carácter inovatório.
Efectivamente, essa notificação da IJ, além de um repositório de toda a factualidade verificada ao longo do procedimento administrativo, faz uma análise jurídica que culmina com a impossibilidade construtiva para o local onde se pretendia a construção, por violação do PDM, em desacordo com o respeito pelas zonas de RAN e REN.
Naturalmente que esta IJ, aceite pela entidade decisória competente que a manda notificar à interessada, não pode deixar de ser considerado um verdadeiro acto administrativo, enquanto definidor dos direitos da requerente/A./recorrente.
*
Deste modo, presente toda a dogmática técnico-jurídica atinente ao que deve ser considerado acto administrativo e um acto confirmativo, lesivo e de carácter inovatório - que nos dispensamos de aqui repetir -, impõe-se, deste modo, a revogação da decisão recorrida, devendo o tribunal a quo prosseguir com a tramitação processual, se entretanto, nada obstar ao prosseguimento.

III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em:
- conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida;
- ordenar a remessa dos autos ao TAF de Braga para continuação da tramitação processual se, entretanto, a tal nada obstar.
*
Custas, em ambas as instâncias, pelo recorrido MUNICÍPIO (...).
*
Notifique-se.
*
DN.

Porto, 22 de Outubro de 2021

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Conceição Silvestre

__________________________________________________
i)c Consta do despacho de 15/10/2020 : "Defere-se a requerida retificação da sentença e, em consequência:
- No facto provado do ponto 12, onde se Por despacho emitido pela divisão jurídica da (...)Câmara Municipal (...), datado de 01.08.2013, foi a Autora notificada da informação sobre toda a matéria de facto e de todas as implicações jurídicas do processo de licenciamento requerido pela Autora, onde se evidencia o seguinte:
(), deve passar a ler-se Por despacho emitido pelo Sr. Vereador L. datado de 29.07.2013, foi a Autora notificada em 01.08.2013 da informação da Divisão Jurídica datada de 30.11.2011 sobre toda a matéria de facto e de todas as implicações jurídicas do processo de licenciamento requerido pela Autora, onde se evidencia o seguinte:
(), mantendo-se a restante redação"

ii) Cfr. despacho supra interlocutório à descrição da matéria de facto dada como provada no saneador/sentença recorrido.

iii) Cfr. despacho supra interlocutório à descrição da matéria de facto dada como provada no saneador/sentença recorrido e Nota de Rodapé de fls. 12 supra.