Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00067/03 - Porto
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/14/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO
Sumário:1. Segundo o disposto no artigo 613.º/ 1, aplicável "ex vi" do art. 666º/1 do do CPC, uma vez proferido o acórdão, fica esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa.
2. Contudo, em conformidade com as disposições combinadas dos artigos 613.º/2, 615.º "ex vi" do art.º 666.º/1, todos do CPC e 125.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), é lícito a qualquer das partes arguir a nulidade do acórdão quando faltar a assinatura de juiz, não se mostrem especificados os fundamentos de facto e de direito da decisão, ocorra oposição dos fundamentos da decisão, falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva conhecer ou pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
3. De acordo com o artigo 615.º/1, alínea d) do CPC ("ex vi" do art. 666º/1), é nulo o acórdão quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento.
4. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1.º segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2.º segmento).
5. A referida nulidade reconduz-se a um incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2 ex vi artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma, o qual consiste por um lado, em resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
6. É nulo também quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (art.º 615º/1-c) do CPC, "ex vi" do art. 666º do mesmo Código).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:S..., SGPS, S.A.
Decisão:Indeferido o pedido de nulidade e reforma do acórdão
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

S…, SGPS, SA notificada do acórdão deste Tribunal de fls. 512 e segs., vem arguir a nulidade do mesmo, por ter extravasado o objecto do recurso. Alega que a sentença recorrida ordenou a anulação de três correções efetuadas pela AT e a RECORRENTE (AT) restringiu o objecto do seu recurso apenas a uma das correções efetuadas, pelo que em relação às restantes duas correções decididas a sentença transitou em julgado.
Não obstante, o douto acórdão em apreciação ao conceder provimento ao recurso decidiu em II A) “revogar a sentença recorrida na parte em que julgou procedente a impugnação judicial”.
Ou seja, o acórdão em apreço revogou a sentença recorrida relativamente a segmentos decisórios que não tinham sido objecto de recurso jurisdicional. Por isso, padece de nulidade ora por oposição entre a decisão e a respetiva fundamentação, ora por excesso de pronúncia. Por outro lado, ocorreu manifesto lapso no decidido a final, dado constarem do processo “documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, implicam necessariamente decisão diversa da proferida” pelo que deve ser objecto de reforma.

Notificada, a Requerida respondeu que a única interpretação possível do acórdão é a de que ele revogou a sentença da 1ª instância na parte relativa à correção que foi objecto de recurso e não qualquer outra. Assim sendo, a leitura do acórdão feita pela recorrida é nitidamente abusiva e não pode ser aceite, pelo que inexistem quaisquer das nulidades arguidas nem fundamento para a requerida reforma.

O Ministério Público acompanhou a resposta do Exmo. Representante da Fazenda Pública.

Colhidos os vistos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento, nos termos do disposto no artigo 666.º/2 do CPC.

Segundo o disposto no artigo 613.º/ 1, aplicável "ex vi" do art. 666º/1 do do CPC, uma vez proferido o acórdão, fica esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa.

Contudo, em conformidade com as disposições combinadas dos artigos 613.º/2, 615.º "ex vi" do art.º 666.º/1, todos do CPC e 125.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), é lícito a qualquer das partes arguir a nulidade do acórdão quando faltar a assinatura de juiz, não se mostrem especificados os fundamentos de facto e de direito da decisão, ocorra oposição dos fundamentos da decisão, falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva conhecer ou pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Nos termos do disposto no artigo 615.º/1, alínea d) do CPC ("ex vi" do art. 666º/1), é nulo o acórdão quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento.
Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1.º segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2.º segmento).

A referida nulidade reconduz-se a um incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2 ex vi artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma, o qual consiste por um lado, em resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.

É nulo também quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (art.º 615º/1-c) do CPC, "ex vi" do art. 666º do mesmo Código).

Os presentes autos tiveram o seu início com a contestação da liquidação de IRC relativa ao exercício de 1993, respeitante à tributação pelo lucro consolidado do grupo de sociedades de que era então dominante a sociedade impugnante – ora requerente – S… SGPS que se traduziu na redução do montante de prejuízos fiscais para Esc. 2.532.617.605$00, discordando a Impugnante, entre o mais, da correção positiva de Esc. 46.826.458$00 por força da aplicação do n.º 11 do art. 59º do CIRC devido à saída de sociedades do âmbito da consolidação fiscal, correção positiva da verba de Esc. 8.943.428$00 relativa a perdão de dívidas (designação que a Impugnante não aceita), na qual se inclui o valor de Esc. 1.562.079$00 e 6.192.948$00 a título de revogação de contrato de arrendamento

A sentença julgou a impugnação parcialmente procedente e determinou a anulação na parte em que (i) se mostra influenciada pelas correções efectuadas de 46.826.458$00 (ii) na parte respeitante à desconsideração dos custos de 1.562.079$00 e (iii) 6.192.948$00.

O Exmo. Representante da Fazenda Pública recorreu da sentença (nas contra alegações o recorrido requereu ampliação do recurso nos termos do art. 684º-A/2, actual 636º do NCPC).

Mas como é patente na conclusão “C” das respetivas alegações, o Exmo. Representante da Fazenda Pública restringiu expressamente o recurso “...à questão da correção de 46.826.458$00 respeitante ao acréscimo do diferencial de prejuízo por afrontar os números 10 e 11 do art.º 59º do CIRC, cuja interpretação, segundo defende, a AF interpretou erradamente”.
Com esta delimitação, formou-se caso julgado em relação à parte da sentença não recorrida (arts. 671º, 677º, 684º/4 - correspondente aos atuais 619º, 628º/1 e 635º/5 do NCPC).

E foi precisamente o assunto assim delimitado que foi analisado no acórdão interpretando o n.º 11 do art. 59º do CIRC, na redação aplicável, respondendo à questão de saber se era devido ou não a majoração de 50% a que alude aquele preceito, como defendia a AT.

A sentença entendeu que não, mas o acórdão decidiu o contrário, concluindo que “ Em suma, o n.º 11 do artigo 59º do Código do IRC não deve ser interpretado na forma restritiva como o fez a sentença recorrida, pis há uma vontade inequívoca do legislador no sentido de aplicação de majoração de 1,5 no caso de saída de uma ou mais sociedades do perímetro societário, verificando-se coincidência entre o teor literal do preceito e a razão de ser do mesmo. O que significa que a correção efetuada pela administração tributária obedeceu à determinação legal, não padecendo a liquidação impugnada, nesta parte, de qualquer ilegalidade.
Deste modo, o recurso da Fazenda Pública merece provimento” (fls. 541 dos autos e 30 do acórdão).

Por conseguinte, quando no segmento decisório o acórdão concede “provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que julgou procedente a impugnação judicial” apenas poderá ser interpretado com o sentido restrito que o Exmo. Representante da Fazenda Pública formulou no recurso e não com a amplitude que a Requerente lhe dá.

Tendo isto presente, parece-nos claro que o acórdão não extravasou o objeto do recurso, os fundamentos não estão em oposição com a decisão, nem padece de qualquer ambiguidade ou obscuridade.
Tão pouco violou o caso julgado em relação à parte decisória que não foi alvo de recurso.

Razão por que, inexistindo a arguida nulidade, a pretensão da Requerente não pode proceder.

A Requerente pede ainda a reforma do acórdão nos termos do art. 616º/2-b do CPC) por ter ocorrido manifesto lapso no decidido a final, dado constarem do processo “documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, implicam necessariamente decisão diversa da proferida”.

Embora não seja apresentado de forma subsidiária em relação ao pedido de nulidade, configuramos este pedido como uma forma subsidiária de pedir a retificação do segmento decisório, na linha da argumentação desenvolvida para a arguição de nulidade.

Mesmo que os fundamentos invocados pudessem sustentar em abstrato o pedido de reforma do acórdão, nos termos do invocado art. 616º/2-c) CPC, em face do caso concreto também não vemos qualquer pertinência neste pedido, tendo em conta a necessária interpretação que acima deixámos exposta.

Por tudo o que deixámos dito o acórdão não enferma de nulidade nem carece reforma.

No entanto, cremos que o segmento decisório que determinou a revogação da “...sentença recorrida na parte em que julgou procedente a impugnação judicial” poderá induzir uma leitura que a sua interpretação de modo algum comporta.

No limite, com esta fórmula decisória poderá perspetivar-se um mero erro material, suscetível de correção nos termos do art. 613º/2 do NCPC para que dele conste, expressamente, a revogação da sentença recorrida na parte que foi objeto de recurso pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública.

III – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em conferência,
1) indeferir a requerida nulidade e reforma do acórdão.
2) Ao abrigo do disposto no art. 613º/2 do CPC, corrigir a alínea A) do segmento decisório que passará a ter o seguinte teor:
A) “Conceder provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que foi objecto de recurso pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública julgando improcedente a impugnação judicial nessa parte.”

Sem custas, uma vez que embora a requerente tenha decaído no pedido, o requerimento formulado permitiu a correção de erro material que de outro modo poderia não ser detetado.
Porto, 14 de setembro 2017
Ass. Mário Rebelo
Ass. Fernanda Esteves.
Ass. Pedro Vergueiro.