Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00113/16.7BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/19/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:URBANISMO- PEDIDO INFORMAÇÃO PRÉVIA.
Sumário:1-O pedido de informação prévia tem por objeto a possibilidade de qualquer interessado obter informação sobre a viabilidade de executar uma concreta operação urbanística sujeita a controlo municipal, bem como dos condicionamentos existentes.

2-A informação prévia pode ser, quanto ao seu conteúdo, favorável à pretensão do interessado, desfavorável a tal pretensão e condicionadamente favorável, quando a viabilidade da pretensão se encontre dependente do cumprimento de determinadas exigências legais.

3-A informação prévia favorável vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento se esse pedido for efetuado no prazo de um ano após a decisão favorável do pedido de informação prévia.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:M., e Outra
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I – RELATÓRIO

1.1.M., com residência no Lugar (…), e N., LDA, com sede na Avenida (…), moveram a presente ação administrativa contra o MUNICÍPIO DE (...), pedindo:
(a) a condenação do Réu a reconhecer a 2.ª A. como titular do direito preexistente e juridicamente consolidado de construção, como componente essencial do direito de propriedade, de uma habitação unifamiliar no prédio rústico situado no Lugar (…), freguesia de (...), com a área de 585 m2, composto por terreno de cultivo, a confrontar do norte, sul e poente com estrada e nascente com M., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 4271, descrito na C. R. Predial de (...) sob o número 2986/20081210, com inscrição de aquisição pela AP. 1563 de 2015/10/09;
(b) a declaração de nulidade relativa da decisão do Vereador do Pelouro de Ordenamento do Território e Planeamento Urbano do MUNICÍPIO DE (...), com data de 18/12/2015, Documento 11 desta p.i., por violação dos artigos 148º, 167º, 3º, 4º e 8º, todos do CPA.
SUBSIDIARIAMENTE,
(c) para o caso do pedido formulado em b) não ser julgado procedente, a declaração de nulidade relativa da decisão do Vereador do Pelouro de Ordenamento do Território e Planeamento Urbano do MUNICÍPIO DE (...), com data de 18/12/2015, Documento 11 desta p.i., por violação dos artigos 148º e 168º, ambos do CPA;
(d) a condenação da R. em custas e procuradoria.
Para tanto, alegam, em síntese, que o prédio de que a 2.ª Autora é proprietária, foi objeto de uma viabilidade para construção de moradia unifamiliar em 2007, a qual foi concedida pela CM em compensação pela expropriação amigável de parte desse prédio, o que constitui um verdadeiro ato administrativo constitutivo de direitos;
Entendem ser titulares de um direito preexistente e juridicamente consolidado de construir essa moradia, que passou do anterior proprietário para o atual por via da transmissão do direito de propriedade;
Dessa forma, não podia a Ré, na sequência do parecer dos serviços emitido em 15-01-2015, revogar aquele ato administrativo, que garantiu o direito à construção de uma habitação unifamiliar;
O despacho de 18 de dezembro de 2015 que revogou o ato viola o art.º 167.º do CPA, viola ainda os princípios da legalidade, da tutela da confiança dos particulares e da segurança jurídica, por referência aos artigos 3.º, 4.º e 8.º do CPA, pelo que, o ato em causa enferma de vício de violação de lei, o que o torna anulável nos termos do art.º 163.º do CPA.
Para o caso de assim se não entender, invocam ainda a impossibilidade de revogação do ato, nos termos do art.º 168.º, n.º1 do CPA, por já terem decorrido mais de 8 anos a contar da sua prática.
Concluem, requerendo a procedência da ação.

1.2. Citado, o Réu contestou, defendendo-se por impugnação, alegando, em síntese, que o ato impugnado é um ato vinculado que não pode ser substituído por outro que defira o requerido;
Refere que o autor não era titular de nenhum direito adquirido ou interesse juridicamente protegido na data do despacho impugnado;
O direito emergente do pedido de informação prévia apenas subsiste durante o prazo de um ano, conforme dispunha o art.º 17.º do RJUE, não tendo sido requerido o respetivo licenciamento de acordo com tal autorização;
O pedido de licenciamento apresentado em 2008 não respeitava a viabilidade concedida, pelo que foi indeferido;
E não tendo sido apresentado outro pedido de viabilidade ou de licenciamento, até ter entrado em vigor o novo PDM, que determinou a perda de capacidade construtiva do prédio dos autores, qualquer pretensão de construção para esse terreno tinha de ser obrigatoriamente indeferida, sob pena de nulidade ( art.º 68.º do RJUE).
Afirma que o novo pedido apresentado em 2012, pretendendo que lhe fosse aprovada a construção anteriormente viabilizada através da revisão do PDM, é inviável, não existindo a favor do autor nenhum direito preexistente à data da publicação do PDM.

1.3. Proferiu-se despacho a dispensar a produção de prova testemunhal por os autos conterem os elementos necessários à prolação de decisão sobre o mérito, e fixou-se o valor da causa em € 30 000,01.

1.4. Em 06 de outubro de 2016, o TAF de Mirandela proferiu sentença, constando da mesma o seguinte dispositivo:
«Pelas razões e fundamentos expostos, julga-se improcedente a presente ação.
Custas pelos autores.
Registe e notifique.»

1.5. Inconformados com o assim decidido, os Autores interpuseram recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1º Os recorrentes não se conformam com a sentença proferida, porquanto o Tribunal recorrido fez errada decisão e incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
2º Os AA. na sua p.i., arrolou prova, e requereu a produção de meios de prova, prova que julgava ser suficiente para, em conjunto com a prova a produzir em audiência, comprovar os factos vertidos nos artigos º, 6º, 7º, 8º, 23º, 26º, 33º, 37º, 40º, 44º, 45º, 56º, e 57 da p.i.,
3º Os AA. requereram a produção dos meios de prova, pois invocaram na sua p.i. factos concretos que careciam de prova a produzir cm audiência de julgamento, compulsando-os com a prova documental já produzida, e a produzir, nomeadamente os elencados nos artigos º, 6º, 7º, 8º, 23º, 26º, 33º, 37º, 40º, 44º, 45”, 56º, e 57 da p.i..
4º Os factos supra constantes da sua p.i. careciam de prova a produzir em audiência de discussão e julgamento, ao abrigo do disposto no artigo 90º do CPTA.
5º O AA. alegaram os factos supra elencados, pretendendo prová-los, designadamente através da produção de prova testemunhal e documental em audiência de discussão e julgamento.
6º No entanto, tal prova enunciada e a cargo dos AA., foi inviabilizada pelo próprio Tribunal “a quo”
7º Ademais, a prova por documentos pode ser feita em qualquer altura do processo, desde que se respeite o vertido no artigo 423º do C.P.C, ex vi art.º 1º do CPTA, até porque existem diversos documentos cuja apresentação não é possível oferecer com o articulado.
8º Sucede, porém, que o Tribunal não admitiu, nem deferiu, os requeridos meios de prova pelos AA..
9º O que configura nulidade processual, que se invoca com as legais consequências.
10º Por um lado, porque o estado do processo não permitia, sem necessidade de mais indagações a apreciação dos pedidos.
11º Assim como o A. não havia requerido a dispensa de alegações finais.
12º Pelo que o Tribunal violou, também, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 87º, nº 1, b) do CPTA.
13º Por outro lado, porque não sendo possível conhecer do mérito da causa, deveria o Tribunal ter ordenado as diligências de prova necessárias para o apuramento da verdade, pois ao não ter procedido dessa forma, o Tribunal violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 90º, nº 1 do CPTA.
14º O Tribunal a quo não proferiu qualquer despacho fundamentado para indeferir a produção de prova como requerido pelos AA., violando o disposto no artigo 90º, nº 2 do CPTA, e desrespeitando a jurisprudência, porquanto o Tribunal Central Administrativo do Norte, por Acórdão proferido em 28-06-2012, entendeu, em suma, que “Tendo sido omitido nos autos o acto de pronúncia acerca da produção da prova indicada na petição inicial, verifica-se nulidade processual – artigo 201º do CPC.”.
Sem prescindir, caso assim não se entenda,
15º O Tribunal ao dispensar a produção de prova quando esta se mostrava importante à correcta apreciação da p.i. fez uma errada interpretação e aplicação do direito, pois todos os meios de prova legítimos são, pois, admissíveis, pelo que a recusa da produção de prova e a recusa de inquirição das testemunhas por si arroladas acarreta a violação do disposto no artigo 2º, 90º, números 1 e 2, do CPTA e 342º do Código Civil.
Sem prescindir,
16º Como resulta do Ponto de facto n.º 7, da matéria de facto dada como provada: “Em 23.02.2005, A. apresentou no Departamento de Gestão do Território um pedido de informação prévia para construção de dois edifícios destinados a habitação colectiva., um com nove fogos/apartamentos e outro com quatro, com uma área bruta de construção de 931m2, e de 410m2, respectivamente, nas duas parcelas de terreno que resultaram da abertura da passagem de acesso, a partir da EM 313 para Folhadela, pela UTAD”,
17º Este pedido de informação prévia não foi formulado para saber se era possível construir, porque isso já garantia o PDM em vigor (área de construção com índice máximo).
18º Como pretendia vender o terreno, António Lebres quis quantificar formalmente a capacidade de construção para apurar o valor de venda.
19º Portanto, o pedido de informação prévia não era para averiguar da possibilidade de construir, mas sim quanto é que a Câmara Municipal permitia construir.
20º Os serviços técnicos da Câmara Municipal analisaram todas as questões pertinentes, inclusivamente a questão nova de agora o terreno se situar num cruzamento e ser necessário garantir a viabilidade de segurança, e propuseram o deferimento do pedido de construção de um edifício de cave + rés do chão + andar, com quatro fogos, com área total de construção de 410m2.
21º A análise minuciosa da proposta, motivou os serviços técnicos a propor a emissão de parecer favorável à construção proposta.
22º Tal como se comprova nos Pontos de Facto n.º 9, 10 e 11, da matéria de facto dada como provada, e documento N.º 2, junto com a p.i..
23º Assim sendo, em reunião ordinária, realizada no dia 19.12.2007, a Câmara Municipal deliberou “viabilizar o pedido de informação prévia apresentado condicionado no entanto a que na parcela 2 seja edificada unia construção destinada a habitação unifamiliar”. – Cfr. Ponto de Facto n.º 12 da matéria de facto provada, e Doc. junto com a p.i..
24º Com efeito, o PDM estabelece que é possível construir no terreno em causa, sendo que o R. Município deliberou que a construção seria uma moradia unifamiliar, cabendo ao autor do projecto cumprir a legislação cm vigor c definir as características da moradia.
25º Assim sendo, em 30 de Abril de 2008, na qualidade de promitente-comprador da parcela 2, M. entregou na Câmara Municipal um projecto de construção de um edifício de habitação colectiva com previsão de 8 habitações tipo TO e 1 habitação tipo T2 (duplex) num terreno com 585 m2, no Lugar da (...), em (...), freguesia de (...).
26º Em 2008-09-30, foi emitido Parecer Jurídico desfavorável quanto à pretensão do projecto de construção de o referido edifício habitacional com previsão de 8 habitações tipo TO e 1 habitação T2 (duplex).
27º No referido Parecer consignou-se, sob a epígrafe de “antecedentes”, que o local foi objecto de um pedido de informação prévia sob processo n.º 78/2005 em nome de A., sendo identificado como Parcela 2, tendo a R. deliberado em 19/12/2007: “viabilizar o pedido de informação prévia apresentado condicionado no entanto a que na parcela 2 seja edificada uma construção destinada a habitação unifamiliar”. (Doc. 4).
28º Face a este parecer, M. inferiu que, embora à luz do Plano Director Municipal (PDM) em vigor o terreno estivesse classificado como Aglomerado Urbano de Nível U1, a Câmara tinha-lhe limitado o uso e diminuído a capacidade construtiva na sequência de um processo de expropriação, ou, dito de outra forma, inferiu que a limitação do uso e da capacidade construtiva estava associada ao processo de expropriação.
29º Mas note-se que nunca esteve em causa a possibilidade de construir, nem nunca o R. colocou em causa essa possibilidade, apenas a área e a tipologia.
30º Portanto, ao contrário do defendido na sentença recorrida, a possibilidade de construir não tinha prazo de um ano, pois essa possibilidade vigoraria enquanto vigorasse o PDM, não se entendendo ainda como é que com a entrada em vigor do novo PDM, o terreno ganhou a classificação de “Estrutura Ecológica Urbana – Áreas Verdes de enquadramento”, sendo que nestas áreas é interdita a construção.
31º As plantas que integram o PDM não são elaboradas de forma automática e instantânea, nem vão sendo alteradas em função de prazos de validade de variadíssimos pedidos de informação prévia que, supostamente, a cada ano dão entrada na Câmara.
32º Há um entendimento coerente, concertado e sustentado subjacente à elaboração de um PDM, não se podendo entender hoje que num determinado terreno se pode construir unia moradia unifamiliar e, amanha, sem que nenhum facto se altere, entender que afinal o terreno é uma área verde de enquadramento.
33º Como o PDM foi publicado em 22 de Março de 2011, e entrou em vigor no dia seguinte, o R. Município tinha que aprovar até lá a construção de uma moradia unifamiliar, e por força dos factos provados números 7, 8, 9. 10,11, 12 e 13 da Sentença recorrida.
34º Erra assim a sentença recorrida quando foca a sua decisão no prazo de validade de um pedido de informação prévia, quanto é mais importante a possibilidade de construir que deixou de existir.
35º Aliás, veja-se que os Serviços da Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística da própria R. emitiram, em 25-07-2014, um novo Parecer indicando que “a solicitação do A. M. ficou devidamente registada nos serviços municipais responsáveis pela gestão do sistema de planeamento municipal, por forma a ser considerada num eventual procedimento de alteração ou revisão do PDM bem como para efeitos de monitorização das dinâmicas territoriais municipais. (sublinhado nosso).
36º Face a tudo isto, o A. M. decidiu esperar, na convicção de que nessa altura o processo seria facilitado pelo facto de já terem decorrido três anos da publicação do PDM.
Portanto,
37º A aqui recorrente N. é dona e legitima possuidora do prédio rústico situado no Lugar da (...), em (...), freguesia de (...), com a área de 585 m2, composto por terreno de cultivo, a confrontar do norte, sul e poente com estrada e nascente com M., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 4271, descrito na C. R. Predial de (...) sob o número 2986/20081210, com inscrição de aquisição pela AP. 1563 de 2015/10/09.
38º Este prédio adveio ao domínio e posse da A. por aquisição a A. e M. que, em 13 de Dezembro de 2010, constituíram como bastante procurador M. a quem concederam os poderes necessários para vender, pelo preço e nas condições que entender convenientes, podendo celebrar o negócio consigo próprio, o prédio rústico sito no lugar de (...), freguesia de (...) e concelho de (...), composto de terra de cultivo, com a área de 585 metros quadrados, inscrito na matriz predial rústica respectiva sob o artigo 4271 e descrito na Conservatória de Registo Predial de (...) sob o número dois mil novecentos e oitenta e seis, da freguesia de (...), assinando c requerendo tudo o que seja necessário para o referido fim.
39º Assim a A. goza da presunção que o seu direito existe e lhe pertence como titular inscrita, nos precisos termos cm que o registo predial o define – artigo 7º do Código do Registo Predial.
40º De resto, a recorrente, por si, antecessores e antepossuidores, a quem sucedeu na posse, sempre usou, gozou e fruiu do dito prédio, cultivando-o e administrando-o, granjeando-o, limpando-o, conservando-o, retirando e colhendo todos os seus frutos e rendimentos e pagando as respectivas contribuições, à vista de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta e consecutiva, na intenção e convicção de que o dito prédio lhe pertencia, como pertence.
41º A recorrente é a titular do direito de propriedade do terreno em causa nos autos e supra melhor descrito, pois a compra e venda tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito. – Artigo 879º, n.º 1 do C.C.
43º O terreno sito no Lugar da (...), em (...), freguesia de (...), e do qual a recorrente é proprietária foi objecto de uma viabilidade para construção de moradia, no ano de 2007, viabilidade essa concedida pela Câmara em compensação parcial pela expropriação amigável no respectivo terreno.
44º A reunião ordinária da R. realizada no dia 19 de Dezembro, culminou na prolação de um verdadeiro acto administrativo de deferimento, concedendo ao requerente a viabilização do pedido de informação prévia, condicionado no entanto a que na parcela 2 seja edificada uma construção destinada a habitação unifamiliar.
45º O direito à construção é, assim, um direito preexistente e juridicamente consolidado, que passou do anterior proprietário para o actual por via da transmissão do direito de propriedade, e que vigorou enquanto o PDM permitiu.
46º Pois a compra e venda tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito. – Cfr. artigo 879º, al. a) do C.C.
47º Ademais, o direito de construir ou jus aedificandi é componente essencial do direito de propriedade. – Cfr. artigos 1305º e segs. do C.C., 62º da C.R.P.
48º Não podendo este direito ser sacrificado, até porque foi consolidado por acto de licenciamento urbanístico ou acto análogo de controlo prévio das operações urbanísticas.
49º Assumindo a natureza de direito subjectivo privado de natureza real, oponível erga omnes.
50º Acresce que as disposições dos planos municipais que atribuem uma “possibilidade objectiva de aproveitamento do solo”, designadamente a “possibilidade de construir”, conferem verdadeiros “direitos urbanísticos”, de tal modo que estes direitos adquiridos pelos particulares não podem ser diminuídos ou subtraídos.
51º No caso dos autos, constata-se que face às normas do anterior PDM sempre concederam a possibilidade de construir na propriedade em causa
52º Significa isto, em termos práticos, que antes era atribuído aos AA. uma possibilidade objectiva de aproveitamento do solo, designadamente a possibilidade de nele construir, observadas que fossem certas condicionantes.
53º Trata-se de um direito adquirido que não podia ser diminuído ou subtraído, pelo que a possibilidade de construir não tinha o prazo de um ano, e sim o prazo de vigência do PDM.
54º Todavia, com a publicação do novo PDM, a área cm causa foi classificada como área verde de enquadramento, ficando os recorrentes impedidos de exercer a referida possibilidade objectiva de aproveitamento do solo, designadamente a possibilidade de nele construir.
55º Neste enquadramento, a deliberação que adveio da reunião ordinária, realizada no dia 19.12.2007, na Câmara Municipal, e na qual se deliberou “viabilizar o pedido de informação prévia apresentado condicionado no entanto a que na parcela 2 seja edificada uma construção destinada a habitação unifamiliar”, constitui um verdadeiro acto administrativo constitutivo de direitos ou de interesses legalmente protegidos.
56º Pugnando-se aqui pela noção ampla de acto administrativo constitutivo de direitos (Defendida aliás por F. Amaral in “Direito Administrativo”, Vol. II, a pág. 370/378, M. Caetano, “Manual...”, pág. 453 e seguintes e João Raposo).
57º O direito à construção é assim um direito preexistente e juridicamente consolidado, que passou do anterior proprietário para o actual por via da transmissão do direito de propriedade, pois a compra e venda tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito. – Cfr. artigo 879º, al. a) do C.C..
58º O direito de construir ou jus aedificandi é componente essencial do direito de propriedades, não podendo ser revogado, tudo porque está em causa um acto administrativo constitutivo de direitos ou de interesses legalmente protegidos. – Cfr. art.º 167º, números 1 e 3 do CPA.
59º Pelo que violou o tribunal recorrido, por erro de aplicação e interpretação, as seguintes disposições legais: 167º, números 1 e 3 do CPTA, 879º, al. a) do CC, 1305º do C.C., 7º do Código do Registo Predial e 62º da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, com a revogação da sentença proferida, substituindo-a por outra que acolha a alegação e conclusões supra expostas e a final determine o procedimento da acção, com as legais consequências, assim se fazendo ... Justiça

1.5. O Réu não contra-alegou.

1.6. O Senhor Juiz a quo proferiu despacho de sustentação quanto às nulidades arguidas.

1.7. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público, emitiu parecer, pronunciando-se pela improcedência do recurso pela manutenção da decisão recorrida.

1.8. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*

II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.

Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Assentes nas enunciadas premissas, a questão que se encontra submetida à apreciação do tribunal ad quem e que importa resolver, passa por saber se:
(i) a sentença é “nula” por o tribunal a quo não ter proferido “qualquer despacho fundamentado para indeferir a produção de prova como requerido pelos AA., violando o disposto no artigo 90º, nº 2 do CPTA”;
(ii) a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito decorrente do Tribunal a quo ter violado o disposto no artigo 167º, n.ºs 1 e 3 do CPTA, artigos 879º, al. a) e 1305º, ambos do Cód. Civil, artigo 7º do Código do Registo Predial e artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.
**

III.FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO

3.1. A 1.ª Instância deu como provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:
«1) A autora N. é dona e legítima possuidora do prédio rústico situado no Lugar da (...), em (...), freguesia de (...), com a área de 585 m2, composto por terreno de cultivo, a confrontar do norte, sul e poente com estrada e nascente com M., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 4271, descrito na C. R. Predial de (...) sob o número 2986/20081210, com inscrição de aquisição pela AP. 1563 de 2015/10/09;
Artigos 5º da p.i. e 1º da contestação
Doc. 12 junto com a p.i.
2) Este prédio adveio ao domínio e posse da referida autora por aquisição a A. e M. que, em 13.12.2010, constituíram como bastante procurador o autor M. a quem concederam os poderes necessários para vender, pelo preço e nas condições que entender convenientes, podendo celebrar o negócio consigo próprio, o prédio rústico sito no lugar de (...), freguesia de (...) e concelho de (...), composto de terra de cultivo, com a área de 585 metros quadrados, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo 4271 e descrito na Conservatória de Registo Predial de (...) sob o número dois mil novecentos e oitenta e seis, da freguesia de (...), assinando e requerendo tudo o que seja necessário para o referido fim;
Artigos 6º da p.i. e 1º da contestação Doc. 13 junto com a p.i.
3) A autora N., por si, antecessores e antepossuidores, a quem sucedeu na posse, sempre usou, gozou e fruiu do dito prédio, cultivando-o e administrando-o, granjeando-o, limpando-o, conservando-o, retirando e colhendo todos os seus frutos e rendimentos e pagando as respetivas contribuições, à vista de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta e consecutiva, na intenção e convicção de que o dito prédio lhe pertencia, como pertence;
Artigos 8º da p.i. e 1º da contestação
4) Em outubro de 2002, no Departamento de Gestão do Território do MUNICÍPIO DE (...), foi apresentado um pedido de informação prévia para o terreno sito no Lugar da (...), (...), (…), em nome de A.;
Artigos 11º da p.i. e 1º da contestação
5) A 12.12.2003, foi assinado o auto de expropriação amigável entre o Primeiro Outorgante Dr. M., na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de (...) e o Segundo Outorgante A., no estado civil de casado sob o regime de Comunhão de Bens, com M.;
Doc. 1 junto com a p.i.
6) Pelo Primeiro Outorgante foi dito que a Câmara Municipal de (...) pretende adquirir a parcela de terreno necessária à execução da obra “Acesso a Folhadela pela UTAD”, parcela essa que de que os segundos outorgantes são legítimos proprietários: Parcela n.º 4 identificada no mapa de expropriações e planta parcelar, aprovados em reunião de câmara de 16 de Outubro de 2002, com 780.67 m2, a desanexar do prédio situado em (...), freguesia de (...), concelho de (...), inscrito na matriz rústica daquela freguesia com o n.º 3898 e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 00985, que confronta a Norte com J., a sul com M., a Poente com Caminho, e a nascente com Estrada Nacional;
Doc. 1 junto com a p.i..
7) Em 23.02.2005, A. apresentou no Departamento de Gestão do Território um pedido de informação prévia para construção de dois edifícios destinados a habitação coletiva, um com nove fogos/apartamentos e outro com quatro, com uma área bruta de construção de 931m2, e de 410m2, respetivamente, nas duas parcelas de terreno que resultaram da abertura da passagem de acesso, a partir da EM 313 para Folhadela, pela UTAD;
Doc. 2 junto com a p.i.; P.A. 78/2005, fls. 1 e ss.
8) A proposta traduzia-se em: Parcela 1 - área de 1050m2 - Foi proposto um edifício de cave + rés-do-chão + 1º andar + andar recuado, com um total de 9 fogos (apartamentos), com um total de área bruta de construção de 931m2; Iu = 931/1050=0,9; Parcela 2 - área de 585 m2 - foi proposto um edifício de cave + rés-do-chão +1º andar com um total de 4 fogos (apartamentos), com um total de área bruta de construção de 410m2; Iu = 410/585 = 0,7;
Doc. 2 junto com a p.i.; P.A. 78/2005, fls. 4
9) Os serviços consideram que as cérceas apresentadas eram as praticadas na envolvente imediata ao terreno do requerente e não as ultrapassam, e que o índice de utilização apresentado para cada uma das parcelas não ultrapassava o máximo permitido pelo P.D.M., para o local que é de 1,2;
Doc. 2 junto com a p.i.
10) Concluíram que «a solução agora conseguida considera-se ser tecnicamente aceitável, pela tentativa de enquadramento urbano da mesma ao nível da implantação, cérceas, volumetrias e tipologias de construção»;
Doc. 2 junto com a p.i.
11) E propuseram o deferimento do pedido;
Doc. 2 junto com a p.i.
12) O pedido de informação prévia apreciado em reunião ordinária da Câmara Municipal, realizada no dia 19.12.2007, tendo sido deliberado «viabilizar o pedido de informação prévia apresentado condicionado no entanto a que na parcela 2 seja edificada uma construção destinada a habitação unifamiliar»;
Doc. 3 junto com a p.i.; P.A. 78/2005, fls. 39
13) Em 30.04.2008, na qualidade de promitente-comprador da parcela 2, o autor M. entregou na Câmara Municipal um projeto de construção de um edifício de habitação coletiva com previsão de 8 habitações tipo T0 e 1 habitação tipo T2 (duplex) num terreno com 585 m2, no Lugar da (...), em (...), freguesia de (...);
Doc. 4 junto com a p.i.
14) Em 30.09.2008, foi emitido Parecer Jurídico desfavorável quanto à pretensão do projeto de construção do referido edifício habitacional com previsão de 8 habitações tipo T0 e 1 habitação T2 (duplex);
Doc. 4 junto com a p.i.
15) No referido Parecer consignou-se, sob a epígrafe de “antecedentes”, que «o local foi objeto de um pedido de informação prévia sob processo n.º 78/2005 em nome de A., sendo identificado como Parcela 2, tendo Câmara deliberado em 19/12/2007: “viabilizar o pedido de informação prévia apresentado condicionado no entanto a que na parcela 2 seja edificada uma construção destinada a habitação unifamiliar”»;
Doc. 4 junto com a p.i.
16) O parecer refere que a proposta de construção do edifício habitacional «é totalmente liberta da informação prévia que já definiu a capacidade de construção para o local, numa proposta aferida mais do que uma vez, na sequência de um processo de expropriação que decorreu a seu tempo»;
Doc. 4 junto com a p.i.
17) E que «a solução conseguida aprovar para o local, foi a máxima possível, tecnicamente, tendo em conta a envolvente local no que diz respeito a usos, tipologias, cérceas, alinhamentos e as características geométricas especificas do lote/parcela, de gaveto que exige particular atenção no que diz respeito à observância de raios de curvatura com ângulo de visão para segurança no trânsito automóvel»;
Doc. 4 junto com a p.i.
18) E ainda que «efectivamente o requerente solicitou “o máximo possível”, aquando do pedido de informação prévia porque se sentia prejudicado com o processo expropriativo. Esta situação foi tomada em linha de conta, no devido tempo, e a Exma. Câmara, com parecer técnico favorável, viabilizou uma maior capacidade de construção na parcela 1»;
Doc. 4 junto com a p.i.
19) Concluindo-se no parecer que «o projecto apresentado não está em condições de ser deferido com base legal na alínea a) do n.º 1 do artigo 24º do DL n. º 555/99 com nova redacção dada pela Lei n.º 60/2007 de 4 de Setembro»;
Doc. 4 junto com a p.i.
20) Em 23.01.2012, o autor M. entregou nos serviços da entidade demandada pedido de informação prévia para construção de uma moradia unifamiliar e foi informado do parecer desfavorável de 15.10.2012, onde é referido, entre o mais, que «não é legalmente possível atender à ponderação desta pretensão, ou qualquer outra de natureza semelhante, até 23 de Março de 2014, por aplicação do disposto no número 1 do artigo 95.º do RJGT»;
Doc. 5 junto com a p.i.; P.A. 21/2012, fls. 1 e ss.
21) A 10.10.2013 o pedido de informação prévia foi indeferido, tendo o autor M. sido notificado por carta registada do indeferimento;
P.A. 21/2012, fls. 45 e ss.
22) A 02.06.2014 o autor M. solicitou «a alteração das regras urbanísticas previstas no PDM em vigor para a área territorial abrangida pelo projeto apresentado, assegurando a manutenção do princípio da justa repartição de benefícios e encargos pelos proprietários, de forma a que no terreno designado por parcela 2 no processo de expropriação seja possível construir a moradia unifamiliar projetada e proposta»;
P.A. 21/2012, fls. 48 e ss.
23) Em 25.07.2014 foi emitido o seguinte parecer:
Doc. 6 junto com a p.i.
1 - Não existe neste momento nenhum procedimento de alteração ou revisão do Plano Diretor Municipal a decorrer que permita que o enquadramento da pretensão de requalificação de uso do solo (obrigatório pelo disposto no atual Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão territorial, Decreto-Lei n. º 380/99 de 22 de Setembro, na sua atual redacção, no n.º2 do seu artigo 71º);
2 - Face ao actual cenário de alteração legislativa na área dos solos, do ordenamento do território e do urbanismo, iniciada com a publicação da Lei n.º 31/2014 de 30 de Maio, ou seja o diploma que publica a nova Lei de Bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, e que se prevê continuar com a revisão do actual Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial e restantes diplomas complementares, por forma a se assegurar o devido enquadramento jurídico dos procedimentos de dinâmicas aplicáveis aos Planos Municipais de Ordenamento do Território (que incluem o PDM), considero que não é aconselhável considerar, neste momento, a abertura de um procedimento de alteração ou revisão do PDM, por falta do devido enquadramento legal a aplicar ao procedimento.
24) E no referido parecer conclui-se que «face ao atrás exposto, sou da opinião que a pretensão do requerente não seja neste momento considerada»;
Doc. 6 junto com a p.i.
25) Acrescentando ainda o técnico autor do Parecer que «a solicitação ficou devidamente registada nos serviços municipais responsáveis pela gestão do sistema de planeamento municipal por forma a ser considerada num eventual procedimento de alteração ou revisão do PDM, bem como para efeitos de monitorização das dinâmicas territoriais municipais»;
Doc. 6 junto com a p.i.
26) Em 17.10.2014, o autor M. elaborou nova exposição à entidade demandada, onde vem «formalmente exigir que, no prazo de 30 dias, seja dada uma resposta adequada que conduza inequivocamente ao registo das autorizações aprovadas no âmbito do processo de expropriação (alteração das regras urbanísticas previstas no PDM em vigor para a área territorial abrangida, de forma a que no terreno designado por parcela 2 no processo de expropriação seja possível construir a moradia unifamiliar projectada e proposta)»;
Doc. 7 junto com a p.i.
27) Foi elaborado Parecer elaborado pelos serviços da entidade demandada em 14.11.2014 que conclui «não possuir o requerente qualquer direito preexistente e juridicamente consolidado que, nos termos da lei, a revisão do PDM ocorrida obrigasse a salvaguardar ou, então, a indemnizar»;
P.A. 21/2012, fls. 65 e ss.
28) O autor M. apresentou resposta, concluindo ser titular de um direito preexistente, juridicamente consolidado e constitutivo de direitos e interesses legalmente protegido»;
Doc. 8 junto com a p.i.
29) A 06.10.2015 foi elaborada informação com as seguintes conclusões:
Doc. 9 junto com a p.i.
(Documento original na sentença)

30) O autor apresentou resposta no sentido de manter a posição já manifestada nos autos requerendo, a título principal, o reconhecimento de ser titular de um direito preexistente, juridicamente consolidado e constitutivo de direitos e interesses legalmente protegidos, e, subsidiariamente, a prolação de ato administrativo final, pelo facto do parecer não ser impugnável;
Doc. 10 junto com a p.i.
31) Por despacho do Vereador do Pelouro de Ordenamento do Território e Planeamento Urbano do MUNICÍPIO DE (...), datado de 18.12.2015, a pretensão do autor M. foi indeferida.
Doc. 11 junto com a p.i.

IV.1.2 – Factos não Provados
Inexistem factos com interesse para a decisão da causa que importe dar como não provados.»
**

III.B.DE DIREITO
b.1. Da invocada nulidade decorrente da falta de despacho fundamentado para indeferir a produção de prova, em violação do disposto no artigo 90º, nº 2 do CPTA.

3.2.Os Recorrentes começam por se insurgir contra o despacho proferido pelo Senhor Juiz a quo que dispensou a produção de prova testemunhal, considerando que tal configura nulidade processual, assim como também não requereu a dispensa de alegações finais, o que tudo configura violação do disposto nos artigos 87,n.º1, al.b) e 90.º, nº 1 e 2 do CPTA e art.º 342.º do Cód. Civil.

Sustentam para tanto que o Tribunal a quo, ao dispensar a produção de diligências probatórias impediu a prova dos factos alegados, nos artigos 6.º, 7º, 8.º, 23.º, 26.º, 33.º, 37.º, 40.º, 44.º, 56.º e 57.º da petição inicial, os quais careciam de prova a produzir em audiência de discussão e julgamento, ao abrigo do art.º 90 do CPTA, o que configura nulidade processual, uma vez que o estado do processo não permitia, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos, razão pela qual devia ter ordenado as diligências de prova necessárias para o apuramento da verdade, assim violando por erro de interpretação e aplicação o disposto nos n.º1 e 2 do art.º 90.º do CPTA e art.º 342.º do Cód. Civil ( vide conclusões 1.ª a 15.ª)

Mas em razão.
Começamos por dar nota que a respeito desta questão, o Senhor Procurador Geral Adjunto, instado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA emitiu o seguinte parecer:
«A) No que concerne ao primeiro ponto, seguimos a linha argumentativa do despacho do Mmo juiz a quo. Com efeito, foram selecionados todos os factos considerados relevantes para a boa decisão da causa. Não se vislumbra a necessidade de novos elementos de prova que possam contrariar o teor da decisão, sendo certo que os recorrentes também não os indicam.
Acresce que, no despacho prévio à decisão, está devidamente fundamentada a razão porque se dispensa a produção de mais prova, ao referir-se que os autos contêm todos os elementos para decidir.
Pelo exposto, deverá improceder a invocada nulidade.»

É inquestionável que o Juiz só deve conhecer do mérito da causa quando dispõe de todos os elementos fácticos necessários a uma correta, criteriosa e justa decisão, pelo que, a prática normal é que o juiz se abstenha de o fazer, se concluir que o processo não contém todos os elementos que permitam uma decisão segura, conscienciosa e justa. Cfr. Ac. TCAN, de 05.03.2021, proc. n.º 173/14.0BECBR-B, por nós relatado;

É abundante e esclarecedora a corrente jurisprudencial segundo a qual o Juiz só deve conhecer do mérito da causa, no despacho saneador, quando tenha adquirido a certeza de que haja o que houver na fase da instrução e na da discussão da causa, a decisão não será diferente, depois dessas fases, daquela que tiver no momento do despacho saneador.
O que não significa que o Juiz não deva optar pelo conhecimento imediato do pedido, quando o estado do processo possibilitar uma decisão conscienciosa, sem necessidade de ulteriores provas e independentemente de a mesma vir a ser favorável a uma ou a outra das partes em litígio.
É, aliás, esta a posição defendida por ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES in “Temas da Reforma do Processo Civil” II volume, pág. 135, que refere, designadamente, na parte que ora nos interessa, «Se, de acordo com as plausíveis soluções da questão de direito, a decisão final de modo algum pode ser afetada com a prova dos factos controvertidos, não existe qualquer interesse na elaboração da base instrutória e, por isso, nada impede que o juiz profira logo decisão de mérito».
E o citado Autor acrescenta, impressivamente, que «Se o conjunto dos factos alegados pelo autor (factos constitutivos) não preenche de modo algum as condições de procedência da ação, torna-se indiferente a sua prova e, por conseguinte, inútil toda a tarefa de seleção da matéria de facto, instrução e julgamento da mesma».
Em suma, a necessidade de produção acrescida de prova deve resultar de uma ponderação a realizar pelo julgador em face da prova documental existente nos autos e da posição assumida pelas partes quanto aos factos essenciais à decisão de mérito a proferir, não havendo qualquer imposição legal relativamente a essa formalidade, pelo que, a dispensa de inquirição de testemunhas, não pode considerar-se a preterição de uma formalidade legal, ou traduzir-se na violação dos princípios do inquisitório ou do acesso ao direito, se a prova fornecida pelos autos se revelar bastante para o conhecimento do objeto da ação.
Foi o que justamente sucedeu no caso em apreço, em que o Tribunal a quo considerou, atendendo à prova documental junta aos autos e à posição assumida pelas partes, que os autos já forneciam os elementos necessários para a seleção dos factos relevantes para a decisão a proferir sem necessidade de quaisquer outras diligências probatórias.
In casu, estando em causa apurar se o ato impugnado enferma ou não de vício de violação de lei, designadamente, saber se existia constituído a favor dos Apelantes o direito a construir uma habitação unifamiliar no terreno que identificam por terem a seu favor o deferimento de um pedido de informação prévia que apresentaram nesse sentido, a prova considerar é exclusivamente documental razão pela qual não se alcança em que medida a abertura de um período de produção de prova se poderia mostrar relevante, sendo que teria consequências meramente dilatórias, traduzindo-se antes na prática de atos inúteis e dilatórios, e como tal, proibidos por lei, nos termos do artigo 130.º do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA.
No caso vertente, os factos que constam do elenco dos factos provados, são os relevantes, necessários e suficientes para a decisão proferida, como melhor veremos infra, pelo que não merece censura o despacho recorrido, o qual foi proferido em respeito e no cumprimento do dever de gestão processual que impende sobre o M. Juiz a quo – artigo 6.º do CPC – e ao abrigo do poder que lhe é conferido pelo disposto no artigo 177.º n.º 4 do CPTA a contrario.

Termos em que improcedem as considerações, em sentido contrário, tecidas pelos Apelantes, por completamente desajustadas e inadequadas à concreta situação de facto configurada nestes autos.

b.2. Do erro de interpretação e aplicação do direito

Nas conclusões 16.ª a 59.ª das alegações de recurso, os Apelantes insurgem-se contra a decisão recorrida por a mesma enfermar de erro de julgamento de direito.

Afirmam resultar dos pontos 7.º, 9.º, 10.º e 11.º dos factos assentes que existia para a parcela de terreno em causa nesta ação ( parcela 2), a viabilização de um pedido de informação prévia, aprovado por deliberação da CMVR, de 19/12/2007, que permitia a edificação de uma moradia unifamiliar, e que ao contrario do defendido na sentença, a possibilidade de construir não tinha prazo de um ano, pois essa possibilidade vigoraria enquanto vigorasse o PDM, não entendendo ainda como é que por força da entrada em vigor do novo PDM o terreno ganhou a classificação de “Estrutura Ecológica Urbana- Áreas Verdes de Enquadramento”, onde é interdita a construção.
Referem que a 2.ª Autora adquiriu o referido prédio, que foi assim objeto de uma viabilidade de construção em 2007, concedida pela CMVR em compensação parcial pela expropriação amigável de parte do prédio, pelo que tem constituído a seu favor um direito preexistente e juridicamente consolidado, que adquiriu do anterior proprietário, e que o jus aedificandi é componente essencial do direito de propriedade, o qual não pode ser sacrificado, até porque foi consolidado por ato de licenciamento urbanístico ou ato análogo de controlo prévio das operações urbanísticas, assumindo a natureza de direito subjetivo privado de natureza real.
Sustentam que os direitos adquiridos pelos particulares em face de um PDM não podem ser subtraídos ou diminuídos, pelo que, um novo PDM não pode condicionar esse direito já constituído, preexistente e consolidado, estando em causa um ato administrativo constitutivo de direitos.
Ao assim não ter sido considerado pelo Tribunal a quo, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 167,.º, n.ºs 1 e 3 do CPTA, artigos 879.º, al.a) e 1305.º do Cód. Civil, artigo 7.º do CRP e artigo 62.º da CRP.

Mas sem razão.
O pedido de informação prévia, à data em que foi apresentado, encontrava-se regulado nos artigos 14.º a 17.º do RJUE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 60/2007, de 4/09.
No artigo 14.º do RJUE, sob a epigrafe” Pedido de informação prévia” dispõe-se o seguinte:
«1 - Qualquer interessado pode pedir à câmara municipal, a título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística ou conjunto de operações urbanísticas diretamente relacionadas, bem como sobre os respetivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infraestruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão.
2- Quando o pedido respeite a operação de loteamento, em área não abrangida por plano de pormenor, ou a obra de construção, ampliação ou alteração em área não abrangida por plano de pormenor ou operação de loteamento, o interessado pode requerer que a informação prévia contemple especificamente os seguintes aspetos, em função dos elementos por si apresentados:
a) A volumetria da edificação e a implantação da mesma e dos muros de vedação;
b) Condicionantes para um adequado relacionamento formal e funcional com a envolvente;
c)Programa de utilização das edificações, incluindo a área bruta de construção a afetar aos diversos usos e o número de fogos e outras unidades de utilização;
d)Infraestruturas locais e ligação às infraestruturas gerais;
e) Estimativa de encargos urbanísticos devidos.
f) Áreas de cedência destinadas à implantação de espaços verdes, equipamentos de utilização coletiva e infraestruturas viárias”.

O pedido de informação prévia, conforme o próprio nome sugere, é prévio ao ato de licenciamento ou de admissão de comunicação previa pelo que só tem razão de ser em função dos mesmos, e tem por objeto a possibilidade de qualquer interessado obter informação sobre a viabilidade de executar uma concreta operação urbanística sujeita a controlo municipal, bem como dos condicionamentos existentes.
“A informação prévia fornecida pela câmara municipal não é uma mera atuação de natureza declarativa mas um verdadeiro ato administrativo que se pronuncia (de forma prévia ou antecipada) sobre uma determinada operação urbanística. Trata-se de um ato prévio de natureza verificativa e sem caráter permissivo, na medida em que não é com base nele que o particular pode promover e executar a operação urbanística apreciada. Para tal o particular terá de dar início a outro procedimento administrativa tendente ao licenciamento ou à admissão da comunicação prévia da operação urbanística, este sim, o ato que se pronuncia, de forma final e definitiva, sobre a operação urbanística, tendo, por isso, natureza permissiva.” Cfr. FERNANDA PAULA E OUTROS, in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, Comentado, 2.ª Edição, pag.216-217;

Quanto ao prazo para a emissão de deliberação sobre o pedido de informação prévia dispõe o artigo 16.º, n.º 1 do RJUE que «A câmara municipal delibera sobre o pedido de informação prévia no prazo de 20 dias ou, no caso previsto no n.º2 do artigo 14.º, no prazo de 30 dias contados a partir:
a) Da data da receção do pedido ou dos elementos solicitados nos termos do n.°3 do artigo 11.°; ou
b) Da data da receção do último dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao município, quando tenha havido lugar a consultas; ou ainda
c) Do termo do prazo para a receção dos pareceres, autorizações ou aprovações, sempre que alguma das entidades consultadas não se pronuncie até essa data
E de acordo com o seu n.º2 «Os pareceres, autorizações ou aprovações emitidas pelas entidades exteriores ao município são obrigatoriamente notificadas ao requerente juntamente com a informação prévia aprovada pela câmara municipal, dela fazendo parte integrante
Conforme previsto no n.º3 «A câmara municipal indica sempre, na informação favorável, o procedimento de controlo prévio a que se encontra sujeita a realização da operação urbanística projetada, de acordo com o disposto na secção I do capítulo II do presente diploma». E, nos termos do n.º 4 «No caso de a informação ser desfavorável, dela deve constar a indicação dos termos em que a mesma, sempre que possível, pode ser revista por forma a serem cumpridas as prescrições urbanísticas aplicáveis, designadamente as constantes do plano municipal de ordenamento do território ou de operação de loteamento.»
Resulta deste regime que a informação prévia pode ser, quanto ao seu conteúdo, favorável à pretensão do interessado, desfavorável a tal pretensão e condicionadamente favorável, quando a viabilidade da pretensão se encontre dependente do cumprimento de determinadas exigências legais.
Por fim, no artigo 17.º do RJUE, sob a epígrafe “ Efeitos”, determina-se, no seu n.º1 que « A informação prévia favorável vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento ou apresentação de comunicação prévia da operação urbanística a que respeita e, quando proferida nos termos do n.º2 do artigo 14.º, tem por efeito a sujeição da operação urbanística em causa, a efetuar nos exatos termos em que foi apreciada, ao regime de comunicação prévia e dispensa a realização de novas consultas externas.», se esse pedido, conforme disposto no n.º 2, for « efetuado no prazo de um ano após a decisão favorável do pedido de informação prévia».
Significa tal, conforme adverte FERNANDA PAULA Cfr. Ob. Cit. pág. 226-227; que “a não apresentação do pedido de licenciamento (ou de comunicação prévia), bem como a sua não apresentação dentro do referido prazo funcionam como condições resolutivas, isto é, factos que, a verificarem-se, implicam a perda dos efeitos vinculativos (e constitutivos de direitos) da informação emitida, determinando a caducidade desta.
A informação prévia favorável é constitutiva de direitos – não do direito a concretizar a operação urbanística- mas do direito ao licenciamento ou pelo menos à aprovação do projeto de arquitetura emitido no âmbito deste (ou à emissão da comunicação prévia) de um projeto se:
a) O projeto corresponder ao que foi apreciado no seio do procedimento de informação prévia).
(…)
Passado o prazo de um ano após a notificação da informação prévia favorável sem que o pedido de licenciamento tenha sido requerido ou a comunicação prévia tenha sido apresentada, aquela perde o seu caráter vinculativo para a câmara municipal e constitutivo de direitos para o particular.
(…) se entretanto as regras urbanísticas se alterarem não está a câmara municipal obrigada a emitir um licenciamento em conformidade com a informação prévia (porque já não é vinculativa)”.
Como assinala a referida autora “aplica-se ao pedido de informação prévia a regra decorrente do princípio geral de direito tempus regit actum, segundo o qual a validade de um ato depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática”.
Feitos estes considerandos, resulta do elenco dos factos provados que em 23.02.2005, A. apresentou no Departamento de Gestão do Território da Câmara Municipal de (...) (CMVR)um pedido de informação prévia para construção de dois edifícios destinados a habitação coletiva, um com nove fogos/apartamentos e outro com quatro, com uma área bruta de construção de 931m2, e de 410m2, respetivamente, nas duas parcelas de terreno que resultaram da abertura da passagem de acesso, a partir da EM 313 para Folhadela, pela UTAD ( ponto 7).
Esse pedido de informação prévia foi apreciado em reunião ordinária da CMVR, realizada no dia 19.12.2007, tendo sido deliberado «viabilizar o pedido de informação prévia apresentado condicionado no entanto a que na parcela 2 seja edificada uma construção destinada a habitação unifamiliar» ( vide ponto 12).
Entretanto, a 30.04.2008, na qualidade de promitente-comprador da parcela 2, o autor M. entregou na CMVR, um projeto de construção de um edifício de habitação coletiva com previsão de 8 habitações tipo T0 e 1 habitação tipo T2 (duplex) num terreno com 585 m2, no Lugar da (...), em (...), freguesia de (...) ( ponto 13), sobre o qual recaiu, em 30.09.2008, parecer jurídico desfavorável quanto à pretensão do projeto de construção do referido edifício habitacional com previsão de 8 habitações tipo T0 e 1 habitação T2 (duplex) ( ponto 14).
Pese embora o pedido de licenciamento tenha sido apresentado dentro do prazo de um ano, no parecer que foi emitido concluiu-se que «o projeto apresentado não está em condições de ser deferido com base legal na alínea a) do n.º 1 do artigo 24º do DL n. º 555/99 com nova redação dada pela Lei n.º 60/2007 de 4 de Setembro» ( ponto 19).
No dia 23.01.2012, o autor M. entregou nos competentes serviços da CMVR pedido de informação prévia para construção de uma moradia unifamiliar, sobre o qual recaiu o parecer desfavorável de 15.10.2012, no qual de refere, entre o mais, que «não é legalmente possível atender à ponderação desta pretensão, ou qualquer outra de natureza semelhante, até 23 de Março de 2014, por aplicação do disposto no número 1 do artigo 95.º do RJGT» ( ponto 20).
Decorre do quadro fatual demonstrado, que dentro do prazo de um ano não foi apresentado um pedido de licenciamento suscetível de ser aprovado, pelo que, tendo decorrido o referido prazo, o pedido de informação prévia que foi deferido por deliberação da CMVR em dezembro de 2007, deixou de ser vinculativo para a CMVR e de conferir um direito subjetivo aos Apelantes.
Conforme refere o Ministério Público, no seu parecer: “(…) Como decorre expressamente do artigo 17.º, n.º 2 do RJUE, a vinculatividade da informação prévia favorável depende da apresentação de pedido de licenciamento ou apresentação de nova informação prévia no prazo de 1 ano após a decisão favorável do pedido de informação prévia.
Decorrido este prazo, o interessado não pode prevalecer-se do conteúdo vinculativo da informação prévia. Ultrapassado este prazo, exige-se uma nova apreciação dos pressupostos de facto e de direito da pretensão urbanística do interessado. A única excepção é aquela a que se refere o artigo 17.º, nº 4 do RJUE, em que existe uma declaração do presidente da câmara reconhecendo que se mantêm os pressupostos de facto e de direito que levaram à anterior decisão favorável, correndo, neste caso, novo prazo de um ano”.

Resulta dos factos provados, como vimos, que o autor M. apresentou a 23.01.2012 pedido de informação prévia para construção de moradia unifamiliar na parcela em causa. Porém, muito após o prazo de 1 ano a contar da obtenção de informação prévia favorável de 19.12.2007, pelo que, como bem nota o Ministério Público no seu parecer, o Município não estava vinculado ao deferimento deste novo pedido, impondo-se-lhe uma análise dos pressupostos de facto e de direito do novo pedido apresentado. Tanto mais que, as normas jurídicas aplicáveis foram alteradas em virtude da revisão do PDM entretanto operada, tendo o terreno aedificandi passado a ser classificado no novo PDM como “Estrutura Ecológica Urbana – Áreas Verdes de Enquadramento”.
Assim, é inquestionável que o apelado não podia apreciar o pedido do autor à luz do PDM anterior, encontrando-se vinculado às regras vigentes nesse momento, em função do princípio geral do tempus regit actum, e por conseguinte, à estrita observância das normas inscritas no PDM em vigor, que deixaram de reconhecer apetência construtiva ao terreno em causa.

Deste modo, não assiste nenhuma razão aos Apelantes, que estão errados quando advogam que que «a possibilidade de construir não tinha prazo de um ano, pois essa possibilidade vigoraria enquanto vigorasse o PDM, não se entendendo ainda como é que com a entrada em vigor do novo PDM, o terreno ganhou a classificação de “Estrutura Ecológica Urbana – Áreas Verdes de enquadramento”, sendo que nestas áreas é interdita a construção».

Não se questiona que a possibilidade de construir na referida parcela se manteve para além do prazo de 1 ano a contar da obtenção de informação prévia favorável, embora condicionada à apreciação de novo pedido.
Nesse sentido veja-se a jurisprudência firmada pelo STA, no seu aresto de 22-03-2007, processo n.º 0390/06, no qual se entende que, passado o prazo de um ano desde a emissão da informação prévia favorável e “ se a viabilidade era legal, isto é, se ela traduzia a fidelização ao quadro jurídico vigente, por obedecer a todas as prescrições imperativas da lei, então não podia a Câmara deixar de decidir de modo diferente no ato final do procedimento, se entre aquela ( informação prévia) e este ( deferimento do licenciamento) não tivesse havido modificação das circunstâncias de facto e de direito”.

Porém, na situação em análise, entre o momento em que foi deferido o pedido de informação prévia e o momento em que foi requerida uma nova informação prévia, ou seja entre dezembro de 2007 e janeiro de 2012, ocorreu a revisão do PDM do MUNICÍPIO DE (...), e por força das suas prescrições, o terreno dos Apelantes deixou de ser urbanizável.
Por fim, os Apelantes invocam ainda que foi violado o seu direito de propriedade que incorpora o direito de construírem, assim se violando o artigo 1305.º do Cód. Civil e o artigo 62.º da CRP.
O artigo 62°, n°1 da CRP consagra o direito à propriedade privada, e o artigo 1305° do Cód. Civil estabelece que "o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas."

Em relação ao “jus aedificandi” – a faculdade de erigir uma nova construção no solo – tem-se questionado se o mesmo integra o núcleo essencial do direito de propriedade constitucionalmente consagrado no artigo 62.º, dependendo apenas o exercício desse direito de uma autorização permissiva da Administração Pública, ou se, ao invés, tal direito não se inclui no âmbito de proteção da garantia constitucional da propriedade privada, sendo antes uma faculdade concedida pelo ordenamento jurídico urbanístico, designadamente os planos.
Entre nós, a jurisprudência constitucional e administrativa tem propendido no sentido de que o
“jus aedificandi” é apenas uma faculdade concedida pelo ordenamento jurídico urbanístico, na medida em que tal “direito” apenas é exercitável nos termos e condições estabelecidas pelos instrumentos de planeamento territorial.
Nesse sentido, veja-se o Acórdão n.º 341/86 do Tribunal Constitucional, no qual aquela alta instância enfatizou que “no direito de propriedade constitucionalmente consagrado contém-se o poder de gozo do bem objeto do direito, sendo certo que não se tutela ali expressamente um direito à edificação como elemento necessário e natural do direito fundiário” (cfr. no mesmo sentido o acórdão do TC n.º 597/2008).
Na mesma linha, veja-se o Acórdão do STA de 18/05/2006, proferido no processo n.º 0167/05, onde se refere que “o direito de propriedade não é um direito absoluto, podendo comportar limitações, restrições ou condicionamentos, particularmente importantes no domínio do urbanismo e do ordenamento do território, em que o interesse da comunidade tem que sobrelevar ao do indivíduo, não fazendo o jus aedificandi parte do acervo de direitos constitucionalmente reconhecidos ao proprietário, antes sendo o resultado de uma atribuição jurídico-pública, decorrente do ordenamento jurídico urbanístico pelo qual é modelado.” Cfr., no mesmo sentido, Ac. do STA de 30.11.2011, Proc. 01495/06;
Também em Acórdão deste TCAN, de 13-12-2019, proferido no proc. n.º 01642/06.6BEPRT, que relatamos, sumariou-se a seguinte jurisprudência: “4.- O direito de propriedade privada de imóveis, cujo conteúdo é definido nos termos do artigo 1305.º do Código Civil, não é pressuposto suficiente para o titular poder construir, ainda que o terreno lhe pertença de modo pleno e exclusivo e lhe assistam os direitos de uso, fruição e disposição. O jus edificandi não se inclui no direito de propriedade privada, sendo antes o resultado de uma atribuição jurídico-pública decorrente do ordenamento jurídico urbanístico.”

Pode assim afirmar-se que é jurisprudência firme dos tribunais superiores que o jus aedificandi (direito de urbanizar, lotear e edificar) é um poder que acresce à esfera jurí­dica dos particulares e não uma decorrência imediata do direito de proprie­dade privada, sendo apenas reconhecido ao proprietário o direito de usufruir da propriedade nos termos consentidos pela ordem jurídica globalmente considerada, onde se inserem as normas elaboradas para a proteção dos interesses de ordem pública, como são aquelas que se destinam a regular o ordenamento do território e o licenciamento de operações urbanísticas. Ac. do Pleno do STA de 06.03. de 2007, Processo n.º 873/03; de 5.11.2013, Processo n.º 466/13; Ac. do TCAS, de 26.09. 2013, Processo n.º 9663/13); Fernando Alves Correia, in “O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade”, Almedina Ed., Coimbra, 1990, pp. 372 e seguintes); Cláudio Monteiro, para quem o direito de construir apenas está pressuposto no estatuto constitucional da propriedade imobiliária urbana (“A garantia constitucional do direito de propriedade privada e o sacrifício de faculdades urbanísticas” in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 91, 2012, pp. 3 e seguintes;
Esta compreensão é também sustentada pela doutrina. Nesse sentido, veja-se Fernando Alves Correia, para quem o jus aedificandi é atribuído ao proprietário por normas e atos de direito público. Cfr. Ob. cit. Fernando Alves Correia
No mesmo sentido, considere-se ainda a doutrina expendida pelo Conselho Consultivo da PGR Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, homologado em 18.05.2017, Parecer n.º 00003388. em recente parecer, no qual se sublinha que « (…) a transformação do imóvel, designadamente por meio de obras de urbanização e de edificação, transcende o âmbito de exclusividade do proprietário.

A paisagem não é privativa, a segurança não é apenas sua nem tão-pouco a salubridade. Os recursos naturais afetados não lhe pertencem, pelo menos, em exclusivo.
O direito de transformar o imóvel pode ou deve, por isso, ficar reservado a uma ampliação dos direitos do proprietário, confiada aos poderes públicos e aos instrumentos de que dispõem para o efeito: o plano, as licenças e autorizações ou simples declarações que facultem à administração pública um controlo sucessivo qualificado.
As transformações do imóvel, pelo menos, aquelas que invertam o seu uso e fruição, hão de fazer-se secundum legem, em conformidade com o plano ou instrumento equivalente (v.g. a operação de loteamento) e com a licença municipal, cujo teor, por sua vez, congrega vinculações múltiplas a pareceres e autorizações de outras autoridades administrativas.
Constitucionalmente, parece-nos ser este um quadro de referência conforme com as exigências da garantia constitucional da propriedade privada e com as incumbências públicas neste domínio: (…)
(…)».
Quanto a nós, subscrevemos a tese de acordo com a qual o
jus edificandi não se inclui no direito de propriedade privada, sendo antes o resultado de uma atribuição jurídico-pública decorrente do ordenamento jurídico urbanístico, acrescendo tal poder à esfera jurídica do proprietário nos termos e nas condições definidas pelas normas jurídico-urbanísticas. Não se desconhece a existência de alguma doutrina que defende que o jus edificandi constitui parte integrante do direito de propriedade, por ser uma das faculdades em que tal direito se analisa, pelo que, tudo o que venha a mais serão condicionalismos ou restrições. Cfr. Na apreciação da Dissertação de Doutoramento do Licenciado Fernando Alves Correia, in Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, 1991, p. 99 a 101.; José de Oliveira Ascensão, “O Urbanismo e o Direito de Propriedade”, in Direito do Urbanismo (coord. Diogo Freitas do Amaral/ Marta Tavares de Almeida), Instituto Nacional de Administração, 1989, Oeiras, p. 320 e seguintes; Maria Elizabeth Moreira Fernandez, Direito ao Ambiente e Propriedade Privada (Aproximação ao estudo da estrutura e das consequências das ‘leis reserva’ portadoras de vínculos ambientais), Stvdia Iuridica (57), Universidade de Coimbra, Coimbra Ed., 2001, pp. 186 e seguintes;
Todavia, mesmo para os seus arautos, como é o caso de Freitas do Amaral, o seu exercício «está dependente de uma autorização da Administração».
Temos, assim, de concluir, perante o quadro jurisprudencial e doutrinal desenhado que o “jus aedificandi” não decorre diretamente do direito de propriedade do solo, sendo apenas uma faculdade conferida pelos planos urbanísticos.
Efetivamente são os planos urbanísticos, maxime os planos municipais de ordenamento do território que definem o regime do destino, uso, ocupação e transformação do solo.
Ora, neste domínio – o planeamento urbanístico -, a Administração Municipal goza de uma ampla margem de discricionariedade.
Como sublinha Fernanda Paula Oliveira “(…) a discricionariedade administrativa envolvida na elaboração de normas jurídicas (discricionariedade normativa), é efectivamente, mais ampla do que aquela que está em causa na prática de actos administrativos, correspondendo ao poder de criação de uma norma dentro de uma hierarquia na qual se integram normas de carácter superior. (…)
Acresce que o grau de discricionariedade de que gozam os órgãos administrativos na tarefa de planeamento do território é, enquanto discricionariedade normativa, bastante acentuado, já que os planos não se limitam a desenvolver ou completar a regulamentação estabelecida de antemão na lei, dispondo antes as entidades que os elaboram, de um amplo poder de decisão próprio: de definir uma estratégia a prosseguir com o plano e, de acordo com ela, de estabelecer um modelo de ocupação territorial de entre vários possíveis.
Este nível de discricionariedade é particularmente visível no caso do planeamento municipal, na medida em que o município pode, em função de uma estratégia previamente por si definida, estabelecer o respectivo modelo de ocupação territorial, decidindo por um ou por outro tipo de destino ou utilização a atribuir a cada parcela do território, pela melhor localização de um equipamento colectivo ou de novas zonas verdes, pela delimitação mais ampla ou mais restrita do respectivo perímetro urbano, determinando a este propósito, a direcção que a expansão urbana há-de tomar, etc.”. Cfr. in “A discricionariedade de planeamento urbanístico municipal na dogmática geral da discricionariedade administrativa”, Almedina, 2011, págs 127/128.

Esta discricionariedade de planeamento comporta várias dimensões: a discricionariedade de elaboração do plano, compreendendo a discricionariedade quanto à decisão de elaboração do plano (o an); quanto à determinação do momento mais adequado para o efeito (o quando); e quanto ao tipo de instrumento a adotar; a discricionariedade procedimental e a discricionariedade na determinação dos conteúdos dos instrumentos planificadores. Esta última dimensão integra, por sua vez, a discricionariedade de aposição de condições, termos, modos e outras cláusulas acessórias ao plano (quomodo) e a de definição das concretas opções de ocupação territorial (o quid).
A todas estas dimensões acresce ainda o poder de modificação (revisão e alteração) do plano, por forma a adaptar-se à evolução das condições económicas, sociais, culturais e ambientais que determinaram a elaboração do mesmo.

No que tange concretamente à conformação do conteúdo dos planos municipais de ordenamento do território, sem embargo de se reconhecer uma ampla discricionariedade aos municípios, a determinação do seu conteúdo material, operada pelo RJIGT (cfr. artigos 85.º, 88.º e 91.º) limita, em larga medida, a sua atuação.
Note-se, porém, que a lei limita-se a determinar o âmbito das opções materiais a tomar pelos municípios, ou seja, as matérias relativamente às quais o município deve tomar posição, e não já as concretas opções sobre as mesmas.
Quanto a estas, como bem salienta Fernanda Paula Oliveira, “em especial no que se refere ao zonamento funcional do território de abrangência (o qual é determinado por intermédio das tarefas de classificação e de qualificação dos solos, que se apresentam como as tarefas essenciais do planeamento municipal e, por isso, integram o conteúdo necessários destes planos), o legislador deixa ao órgão planeador um amplo espaço de decisão, sendo precisamente em relação a ela que se fala no grau máximo de discricionariedade”. Cfr. obra citada, pág. 369
Os planos municipais de ordenamento do território, nomeadamente o plano diretor municipal tem como função primordial a estruturação espacial do território municipal, função que se alcança pela referenciação espacial dos vários usos e atividades neles admitidos, ou seja pela afetação de parcelas do território ao desempenho de determinados fins.
A conformação do território municipal faz-se através da técnica do zonamento funcional, pela qual o município procede às escolhas fundamentais referentes à localização de funções e das atividades humanas a prever – habitacionais, industriais, turísticas, comerciais e de serviços, tendo na sua base as tarefas essenciais para definição do regime do uso do solo: a sua classificação e qualificação.
De harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 15.º da LBPOTU “a classificação do solo determina o destino básico dos terrenos e assenta na distinção fundamental entre solo rural e solo urbano”.
Por outro lado, conforme preceituado no n.º 3 do citado preceito legal “a qualificação dos solos regula, com respeito pela sua classificação básica, o aproveitamento dos terrenos em função da atividade dominante que neles possa ser efetuada ou desenvolvida, estabelecendo o respetivo uso e edificabilidade”.
É, precisamente, nestas concretas tarefas de classificação e qualificação dos solos, as quais se apresentam como o fim último da atividade de planeamento urbanístico, que a Administração municipal goza de uma ampla margem de conformação.

No entanto, esta discricionariedade não é ilimitada.
Como sublinha Fernanda Paula Oliveira “se na decisão de classificação dos solos o município se encontra vinculado pelas classes de solos legalmente admitidas - já que, nos termos da lei, os planos apenas os podem classificar como urbanos ou rurais-, já na determinação concreta daqueles que devem ser reconduzidos a cada uma das referidas classes tal discricionariedade é manifesta, desde logo porque, mesmo quando a lei aponta as características mais marcantes de cada uma daquelas classes, fá-lo com o auxílio de conceitos indeterminados que apelam, claramente para uma decisão do próprio município: o solo urbano é definido como aquele para o qual é reconhecida (pelo município) vocação para o processo de urbanização, nele se integrando os solos já urbanizados e os solos cuja urbanização seja programada (pelo município) ou passível de ser programada (no entender do município); o solo rural, por sua vez, é aquele para o qual é reconhecida (pelo município) vocação para actividades não artificiais – agrícolas, pecuárias, florestais e minerais -, integrando os espaços naturais de protecção ou de lazer, ou ainda solos que embora admitam alguma ocupação urbanística, esta não implique a sua reclassificação como solo urbano”.

Uma vez concluída a tarefa de classificação dos solos, procede-se à sua qualificação, a qual se reconduz à determinação das potencialidades dos terrenos em função do uso dominante que neles pode ser desenvolvido, estabelecendo, para além dos correspondentes usos, também quando admissível, a respetiva edificabilidade.

Como bem nota o Ministério Público no seu parecer: «o direito de edificar que caracteriza o direito de propriedade não é absoluto e padecerá das restrições impostas, desde logo pelo PDM, devendo salientar-se, na esteira de jurisprudência constitucional e dos tribunais comuns, que o jus aedificandi, não possui tutela constitucional directa no direito de propriedade – cfr. Ac. Do STJ de 31.01.2012, proc. 5253/04.2TBVNG.P1.S1.”

Em face do exposto, forçoso e concluir pela improcedência de todos os fundamentos de recurso invocados pelos apelantes, imperando confirmar a sentença recorrida.
**

IV-DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em
negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
*
Custas pelos Apelantes (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.
*
Porto, 19 de março de 2021.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro

________________________________________
i) Cfr. Ac. TCAN, de 05.03.2021, proc. n.º 173/14.0BECBR-B, por nós relatado;

ii) Cfr. FERNANDA PAULA E OUTROS, in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, Comentado, 2.ª Edição, pag.216-217;

iii) Cfr. Ob. Cit. pág. 226-227;

iv) Ac. do Pleno do STA de 06.03. de 2007, Processo n.º 873/03; de 5.11.2013, Processo n.º 466/13; Ac. do TCAS, de 26.09. 2013, Processo n.º 9663/13); Fernando Alves Correia, in “O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade”, Almedina Ed., Coimbra, 1990, pp. 372 e seguintes); Cláudio Monteiro, para quem o direito de construir apenas está pressuposto no estatuto constitucional da propriedade imobiliária urbana (“A garantia constitucional do direito de propriedade privada e o sacrifício de faculdades urbanísticas” in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 91, 2012, pp. 3 e seguintes;

v) Cfr. Ob. cit. Fernando Alves Correia

vi) Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, homologado em 18.05.2017, Parecer n.º 00003388.