Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00180/20.9BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/03/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Paulo Moura
Descritores:SUSPENSÃO DE PRAZOS PROCESSUAIS; COVID19; ACEITAÇÃO TÁCITA DA DECISÃO; REFORMA DE SENTENÇA; ARTIGOS 590.º, N.º 1 E 60.º DO CPC;
REJEIÇÃO LIMINAR DE PETIÇÃO INICIAL; APRESENTAÇÃO DE NOVA PETIÇÃO INICIAL CORRIGIDA.
Sumário:I - Os prazos processuais estiveram suspensos entre o dia 9 de março de 2020 e o dia 2 de junho de 2020, conforme as disposições conjugadas do artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril e do artigo 6.º, n.º 2 deste último diploma, bem como do artigo 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio.

II – Se a parte apresenta uma petição inicial corrigida, depois da primeira ter sido liminarmente rejeitada, não pode recorrer da decisão de rejeição, uma vez que a aceita tacitamente por ter apresentado nova petição – artigo 632.º, nos. 2 e 3 do CPC.

III – Quando um processo tenha valor para recurso, não pode ser pedida a reforma da sentença, cabendo apenas recurso – artigos 615.º, n.º 4 e 616.º, n.º 3 do CPC.

IV – Após a rejeição liminar da Petição Inicial efetuada ao abrigo do artigo 590.º, n.º 1 do CPC, pode ser apresentada Petição Inicial corrigida, nos termos do artigo 560.º do CPC, por remissão expressa do n.º 1 do artigo 590.º do CPC, mesmo que a parte estivesse representada por Advogado.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:R.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso do despacho de rejeição da petição inicial corrigida.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

R., interpõe recurso do despacho de indeferimento por falta de interesse em agir, do despacho de indeferimento da reclamação e do despacho de não admissão da Petição Inicial corrigida.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

A/ O recorrente, deduziu a sua sindicância junto do Órgão de Finanças Local de Aveiro 1 dirigida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, na sequência de duas citações que recebeu daquele e, na peça processual dirigida a este alegou, expressamente, que havia sido citado;
B/ Recebido aquele pelo TAF, este, sem mais, indeferiu o requerimento inicial, em síntese, por falta de interesse em agir do recorrente. A tanto se opôs este por meio de reclamação, pois, no seu entender, teria de haver lapso na prolação daquele despacho, pois, o recorrente havia sido citado (cujos comprovativos juntou aos autos, sem necessidade de o fazer, no seu entender) e, por isso, naturalmente, que se teria de defender nos termos em que o fez;
C/ O Tribunal indeferiu tal reclamação, dizendo, de entre o mais, que não existia lapso algum e, no momento da prolação do despacho inicial não constavam dos autos os ditos documentos (cópia das citações), sugerido que o SP ao invés de apresentar novo articulado, ou recurso, optou pela dita reclamação;
D/ Na sequência da prolação de tal despacho (dado que, como se sabe, os prazos estão suspensos) o recorrente, de modo a evitar mais despesas e atos inúteis, ajuizou novo articulado, onde, no seu entender, supria as deficiências apontadas pelo Tribunal no despacho inicial. Também isso o Tribunal indeferiu, escrevendo, agora, a intempestividade do mesmo e, além disso, a impossibilidade de dedução de tal ato processual;
E/ Em face da insistência do Tribunal no indeferimento de todas as pretensões do recorrente, ficaria este sem meios de reação contra um processo de execução que se iniciou contra si, o que, de entre o mais, consubstancia, manifesta, denegação de justiça;
F/ Salvo o devido respeito, era, como é o presente recurso do despacho inicial, tempestiva a apresentação de nova peça inicial, isto porque, como é sabido de todos, os prazos encontram-se suspensos e, como tal, aquele despacho inicial não transitou, tão pouco se iniciou a contagem dos 10 dias subsequentes à sua prolação para o recorrente, querendo, apresentar nova PI em conformidade com o normativo processual civil;
G/ Não se compreende, como possa o Tribunal, sem mais, indeferir liminarmente a pretensão do sindicante, com o argumento de falta de interesse em agir, quando, consta alegado no RI que o mesmo foi citado e, por isso, sindica judicialmente a decisão da AT;
H/ Não existirá na história judiciária nenhum articulado deduzido que junte cópia da citação recebida, pelo que, se o recorrente alegou que foi citado, não se compreende, como se possa concluir pela sua falta de interesse em agir, pois, se o mesmo citado, nada fizesse, evidentemente, que o processo prosseguirá contra si;
I/ Tendo o sindicante, sido citado e alegado isso mesmo no RI, tem, evidentemente, o mesmo interesse em agir e, como tal, deverá a instância prosseguir os seus subsequentes termos. Se o Tribunal não dispuser de elementos documentais suficientes nos autos no que tange à citação, deve determinar a notificação das partes para a sua junção;
J/ Tendo o Tribunal proferido despacho de indeferimento liminar por falta de interesse em agir do SP, logo que junto por este, com reclamação de tal despacho, documento comprovativo da citação, existe, pois, fundamento para deferimento da reclamação e, consequente, determinação do suprimento de tal falta;
L/ Encontrando-se, suspensa a produção processual por determinação da lei e, tendo o Tribunal feito constar, do despacho de indeferimento da reclamação, que o SP poderia, na sequência da prolação do despacho liminar de indeferimento, ter apresentado articulado de aperfeiçoamento, apresentado este, não se compreende o seu indeferimento (por manifesta contradição nos termos), sendo pois, admissível o mesmo.
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO CUJO PROFICIENTE SUPRIMENTO DESSE COLENDO TRIBUNAL SE INVOCA, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO MERECER TOTAL PROVIMENTO, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.

O recurso foi admitido e ordenada a citação da Fazenda Pública para os termos do recurso, bem como para os da causa.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto.
*
Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber, em primeiro lugar, se o indeferimento liminar da Petição Inicial foi ou não corretamente efetuado, depois se está correto o despacho de indeferimento da reclamação e, por fim, se do despacho de não admissão da Petição Inicial corrigida se encontra acertado.
*
No Despacho de Indeferimento Liminar, o Tribunal não deu matéria de facto como provada propriamente dita, pelo que se transcreve parte da decisão com interesse:
«Na sua petição o Autor diz ter sido notificado do projeto de reversão contra si das dívidas da sociedade “Café S., Lda., de que era gerente, as quais se encontram em cobrança coerciva nos processos de execução fiscal nº 0051201601158236 e nº 0051201701140949, relativos a IRC e IVA no montante global de €116.876,26, e invoca:
- Preterição de formalidades porque foi notificado do projeto de reversão, mas não foi notificado da decisão de reversão (1º a 3º p.i.);
- Não há despacho exarado no qual constem as diligências efetuadas para localizar património da sociedade executada (4º a 6º p.i.);
- Ilegalidade da reversão das taxas, juros e acréscimos e IRC, porque não existe obrigação de o gerente o entregar ao Estado (7º a 8)
- Ilegalidade da liquidação efetuada com fundamento em faturas falsas (9º a 11º p.i.)
- Inexistência de culpa (12º a 21º p.i.) No final, o Autor pede a rede revogação da decisão de reversão e extinção das execuções quanto a si. (fls. 3 a 8 do processo físico).
(…)
Cumpre apreciar liminarmente.
A petição inicial apresenta diversas irregularidades:
- Não identifica adequadamente o Autor, na medida em que o requerimento dirigido a este Tribunal não indica a morada e o número fiscal;
- Quanto ao meio processual usado apenas refere que se trata de “Impugnação Judicial”, mas não indica quais as normas legais relativas a esse tipo de processo, tendo o Serviço de Finanças e a secretaria deste Tribunal inferido que se trata de impugnação de atos tributários previstos no artigo 97º, nº 1, al. a), e 99º e seguintes do CPPT; no entanto, a comunicação eletrónica (e-mail) através da qual foi efetuada a remessa da petição para o Serviço de Finanças de Aveiro -1 (a fls. 3 do processo físico) refere-se a “Oposição” em anexo;
- Logo no início da petição o Autor apresenta-se como “executado por reversão nos processos” de execução fiscal que identifica e, logo em seguida, refere-se que apenas foi notificado do projeto de reversão (artigo 1º p.i.), mas nunca chegou a ser notificado da decisão definitiva (artigos 2º e 3º da p.i.);
- Nos artigos 4º a 6º, 7º a 8º e 12º a 21º da p.i., o Autor invoca fundamento que são adequados ao meio processual designado “oposição à execução fiscal” (artigo 204º, nº 1, do CPPT) e nos artigos 9º a 11º invoca causa de pedir compatível com a forma processual designada “impugnação judicial”; no entanto, o pedido final é o pedido típico da “oposição”.
*
Quanto à irregularidade relativa à identificação do Autor (e até do ato impugnado) [artigo 78º, nº 2, al. a) e d), do CPTA], poderia facilmente ser suprida através do convite para o aperfeiçoamento e sua aceitação.
Porém, afigura-se que tal diligência seria, no caso concreto, inútil e, portanto, proibida por lei (artigo 130º do CPC).
Quanto às dúvidas quanto à forma processual (1) em causa, afigura-se que o Tribunal poderia proceder oficiosamente à convolação, corrigindo o meio para “oposição à execução fiscal”, na medida em que o pedido final só é compatível com esse meio judicial e foi invocada causa de pedir que constitui (em abstrato) fundamento adequado previsto no artigo 204º, nº 1, do CPPT.
Contudo, afigura-se que também esse ato seria inútil, porque jamais a pretensão poderia proceder.
(…)
Em suma: para haver interesse direto e pessoal em agir terá de existir uma ameaça direta e atual a algum interesse legalmente protegido e integrado na esfera jurídica do Autor.
No caso em análise, percebe-se que o Autor pretende reagir contra o ato de reversão (embora na causa de pedir também denote intenção de impugnar a legalidade concreta dos atos tributários subjacentes à quantia exequenda).
Contudo, é o próprio Autor que informa que não existe qualquer ato de reversão, mas, apenas, do ato preparatório (artigos 1º a 3º da p.i.).
Ora, não é admissível a oposição à execução fiscal antes de concretizada a citação da reversão. O artigo 203º, nº 1, do CPPT apenas prevê a possibilidade de defesa contra a pretensão executiva depois de ocorrida a citação pessoal ou, não tendo havido, depois da primeira penhora, e dentro dos prazos ali indicados.
Ora, não tendo havido decisão final, nem citação desse ato, não existe chamamento do responsável subsidiário à execução. O ato de reversão não produz efeitos em relação ao destinatário enquanto não lhe for devidamente notificado (artigos 219º e 259º, nº 2, do CPC e 203º do CPPT e 77º, nº 6, da LGT).
Sendo assim, enquanto não existir citação (pessoal) nem penhora, não pode o gerente deduzir oposição ou impugnação judicial na qualidade de responsável subsidiário.
Na verdade, o projeto de reversão não equivale a um ato de reversão, mas, apenas, a um “projeto”, um ato preparatório sem efeitos lesivos atuais.
A eventual lesividade do ato preparatório só se consumará na altura em que for proferida, se vier a ser, a decisão final de reversão.
No entanto, enquanto tal decisão final não for proferida apenas existe uma ameaça, que, independentemente do mal-estar que possa causar ao sujeito passivo do ato preparatório, não atribui à AT qualquer poder de exigir ou de executar o património do projetado revertido.
Nesse sentido, uma vez que ainda não tem o estatuto de “executado” a título subsidiário, o agora Autor não tem qualquer interesse processual atual (sem prejuízo do direito de se informar acerca do estado do processo e de reagir, segundo as formas previstas na lei, contra os atos que lesarem os seus interesses legalmente protegidos).
*
Note-se, ainda, que vigora no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária dos atos (artigo 54º do CPPT), donde decorre que é do ato final que cabe impugnação judicial e não, como é o caso, de qualquer ato preparatório praticado no procedimento (de reversão). Tal procedimento tende a desembocar na emissão de um ato administrativo (decisão pública com efeitos externos), um ato final que põe termo ao procedimento, esse sim passível de impugnação (no sentido de contencioso judicial).
É, pois, aí, nessa altura e com tal oportunidade, que o Tribunal se poderá pronunciar. O ato que o Autor indica nestes autos como sendo o objeto da presente “impugnação” é um mero projeto ou ato preparatório, não é um ato final do procedimento, pelo que não é imediatamente lesivo.
Lesivo poderá ser, se vier a ter lugar, o ato de reversão se, e na medida, em que for praticado sem a observância das disposições legais aplicáveis. Além disso, só a citação pessoal do ato de reversão ou, na falta desta, a notificação da primeira penhora, atribuirá ao revertido a legitimidade processual necessária para invocar a ilegalidade concreta da liquidação subjacente à execução contra a sociedade executada, e não contra si.
Quer isto dizer, pois, que a situação de facto que se verifica reconduz-se, indubitavelmente, à falta de interesse em agir do Autor, falta esta que constitui uma exceção dilatória que impede o conhecimento do mérito da ação e determina, na fase atual da instância, o indeferimento liminar da petição.».
**
Notificado desta decisão, o Recorrente pediu a Reforma da mesma por considerar «(…) existir manifesto lapso, dado que constará documento nos autos que imporá decisão diversa, pois que o reclamante foi citado para pagar, deduzir oposição à execução ou impugnar nos exatos termos constantes de ambas as comunicações recebidas do Serviço de Finanças, cujas cópias, por facilidade e economia de meios, ora junta.
Assim, tendo sido citado na qualidade de revertido, deduziu a presente impugnação judicial, pelo que, salvo o devido respeito, tem todo o interesse em agir, pois, não o fazendo, os autos prosseguirão contra ele nos termos em que se acha citado.
Além disso, se é certo que na petição Inicial não se identificou, o facto é que o faz por remissão aos autos de execução e, juntou procuração forense onde se acha devidamente identificado, sendo que, em todo o caso, tal irregularidade é, como se sabe, suprível.
Em face do exposto e do demais que o Tribunal proficientemente suprirá, requer a reforma da decisão que antecede, devendo os autos prosseguirem os seus subsequentes termos legais.».

Sobre esta reclamação recaiu o seguinte Despacho:
«De facto, o tribunal considerou que não existe interesse em agir por vir alegado que a AT notificou o projeto de reversão, mas nunca chegou a efetuar a citação relativa à decisão final, e invocada expressamente essa preterição de formalidades (artigos 1º a 3º da p.i.).
O Autor vem agora alegar que efetivamente ocorreu tal citação, cuja cópia junta (pág. 26 do SITAF), pelo que tem interesse em agir e corre o risco de perder a oportunidade de se defender desse ato.
Ou seja, o Autor optou por não usar o benefício previsto no artigo 560º do CPC (aplicável por remissão do artigo 590º, nº 1, do mesmo código) nem usar o direito de recurso, e por usar o pedido de reforma.
Porém, o pedido de REFORMA (quanto a decisões que não sejam relativas a custas e multas) só é admissível nas situações expressamente previstas no artigo 616º, nº 2, do CPC; isto é, quando não caiba recurso e ocorrer manifesto lapso do juiz e, ao mesmo tempo ocorrer erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação dos factos e/ou constarem do processo documentos ou outro meio de prova plena que impliquem que a decisão proferida fosse diferente.
É manifesto que a situação dos autos não se enquadra na referida possibilidade de reforma do decidido (a decisão é suscetível de recurso, não houve lapso manifesto e, na altura, não constava dos autos a cópia da citação que agora vem junta ao requerimento sob análise).
Decisão
Com os fundamentos expostos, o tribunal indefere o pedido de reforma por falta de suporte legal, com todas as consequências legais.
**
O Recorrente apresentou nova Petição Inicial, invocando o disposto nos artigos 560.º, por remissão do n.º 1 do artigo 590.º do Código de processo Civil.
Relativamente à apresentação da nova Petição inicial, foi proferido o seguinte Despacho:
«(…)
Cumpre apreciar:
Para isso, os factos relevantes são os seguintes:
1. Em 22/2/2020 deu entrada neste Tribunal a petição inicial da presente impugnação judicial – pág. 1 do sitaf;
2. Em 11/3/2020 aquela petição foi liminarmente indeferida com os seguintes fundamentos: «A petição inicial apresenta diversas irregularidades: (…)
3. Em 11/3/2020 o Tribunal remeteu notificação eletrónica relativa à decisão aludida no ponto anterior – pág. 21 do Sitaf;
4. Em 25/3/2020 deu entrada no Tribunal o requerimento de “reforma” da decisão de indeferimento liminar acima aludida - pág. 24 do sitaf;
5. Em 22/4/2020 o Tribunal indeferiu o pedido de reforma aludido no ponto anterior com a seguinte fundamentação: (…)
6. Em 23/4/2020 o Tribunal remeteu a notificação eletrónica relativa à decisão aludida no ponto anterior – pág. 40 do sitaf;
7. Em 24/4/2020 deu entrada neste Tribunal a nova P.I, apresentada ao abrigo do artigo 560º do CPC – pág. 49 do SITAF;
Não há outros factos relevantes
(…)
Portanto este benefício consiste na possibilidade (dependente da verificação dos restantes requisitos legais) de ser apresentada nova petição no prazo de 10 dias subsequentes à notificação do indeferimento liminar.
Ora, a notificação da decisão de indeferimento liminar foi enviada por transmissão eletrónica de 11/3/2020, pelo que se considera efetuada, nos termos do artigo 248º do CPC, em 16/3/2020 (segunda feira).
De onde se conclui que a nova petição só poderia ser apresentada até 26/3/2020 e que, portanto, a petição agora apresentada, em 24/4/2020, é manifestamente intempestiva.
Esse facto equivale à caducidade do direito de ação.
Acresce que, em rigor, tal possibilidade de apresentar nova petição com fundamento no artigo 560º do CPC estava vedada no caso dos autos, nos termos da própria norma, na medida em que esse beneficio só pode aproveitar “Quando se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, a parte não esteja patrocinada e a petição inicial seja apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º”, sendo certo que se sabe – pelo valor indicado – que a causa importa a constituição de mandatário e que a parte está efetivamente patrocinada.».
**
Apreciação jurídica do recurso.

Em primeiro lugar compete efetuar um esclarecimento sobre a suspensão de prazos durante o período designado como de confinamento decorrente da pandemia do novo coronavírus, também referenciado como COVID-19, no âmbito do qual foram tomadas medidas excecionais e temporárias em vários domínios.
Ora, os prazos processuais estiveram suspensos no período que decorreu entre o dia 9 de março de 2020 e o dia 2 de junho de 2020, conforme as disposições conjugadas do artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril e do artigo 6.º, n.º 2 deste último diploma (que dispunha: 2 — O artigo 7.º da Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela presente lei, produz os seus efeitos a 9 de março de 2020, com exceção das normas aplicáveis aos processos urgentes e do disposto no seu n.º 12, que só produzem efeitos na data da entrada em vigor da presente lei.), bem como do artigo 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio (esta última revoga o regime de suspensão de prazos processuais e teve entrada em vigor no dia 3 de junho de 2020 – vide artigos 8.º e 10.º desse diploma).
Nessa sequência, as partes ficaram desoneradas do cumprimento dos prazos processuais durante o mencionado período de tempo.
Conforme descrito no Despacho que não admitiu a Petição Inicial corrigida (acima transcrito) a petição inicial foi liminarmente indeferida em 11/03/2020, portanto já dentro do período de suspensão de prazos processuais.
O presente recurso foi intentado em 11/05/2020, portanto também ainda dentro do período de suspensão dos prazos processuais.
Significa isto que os requerimentos efetuados pelo interessado são tempestivos, uma vez que não estando em causa um processo urgente, o prazo processual apenas voltou a correr no dia 03/06/2020.
*
Apreciemos então cada uma das situações sob recurso.
Em primeiro lugar, compete apreciar a possibilidade de recurso sobre o despacho de indeferimento liminar da petição inicial.
Conforme acima referido, após o indeferimento da Reforma, o Recorrente apresentou nova petição inicial corrigida.
Ora, com a apresentação da nova petição inicial, a parte está tacitamente a aceitar a decisão de indeferimento liminar, pelo que da esma não pode mais recorrer.
É o que decorre do regime do artigo 632.º do Cód. Proc. Civil, que dispõe:
Artigo 632.º (Perda do direito de recorrer e renúncia ao recurso)
1 — É lícito às partes renunciar aos recursos; mas a renúncia antecipada só produz efeito se provier de ambas as partes.
2 — Não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida.
3 — A aceitação da decisão pode ser expressa ou tácita; a aceitação tácita é a que deriva da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.

Ora, a apresentação da Petição Inicial corrigida consubstancia a prática incompatível com a vontade de recorre, pois, ao apresentar uma nova petição inicial, a parte acatou a decisão de indeferimento liminar.
É essa aceitação que lhe permite apresentar outra petição inicial, sendo que o processo não pode ficar com duas petições iniciais, pelo que se conclui que com a apresentação da nova petição inicial, a parte desiste da primeira petição inicial
Assim, considera-se que existe uma aceitação tácita pelo Recorrente do despacho de indeferimento liminar da petição inicial, pois a apresentação da nova petição, significa aceitar essa decisão de indeferimento liminar, na medida em que a acatou.
Face ao exposto, não se admite o recurso em relação ao despacho de indeferimento liminar da primeira petição inicial.
*
Em segundo lugar, o Recorrente pediu a reforma da decisão de indeferimento liminar dizendo que constavam do processo elementos para que o Tribunal decidisse de maneira diferente, como seja o documento de citação.
Essa reforma foi indeferida com base no facto de o processo ter valor para recurso, pelo que não era admissível a reforma.
Ora, conforme refere o Conselheiro António Abrantes Geraldes, na obra Recursos em Processo Civil (6.ª ed., 2020, Almedina), em anotação ao artigo 628.º, nas págs. 40 e 41: «Por outro lado, está totalmente excluída a possibilidade de reagir, num primeiro momento, através da arguição de nulidade e, depois, através da interposição de recurso. É no recurso, quando, seja admissível que devem ser arguidas as eventuais nulidades da sentença ou o pedido de reforma, como claramente determinam os arts. 615.º, n.º 4 e 616.º, n.º 3.
(…)
Na mesma situação o incidente de reforma, para além de comportar a alegação de erro decisório em matéria de custas ou de multas, ajustar-se-á ainda aos casos em que se verifique lapso manifesto na determinação da norma aplicável, na qualificação jurídica dos factos ou na atendibilidade de documento ou outro meio de prova pleno) art. 616.º, n.º 2).».
Em face do exposto, verifica-se que o Despacho recorrido decidiu bem, na medida em que tendo o processo valor para recurso (valor que foi fixado no despacho de indeferimento liminar pelo montante de € 116.876,26), era esse o mecanismo processual que o interessado deveria ter utilizado para solicitar a alteração da decisão pretendida.
Não o tendo feito em sede de recurso, o despacho reclamado encontra-se correto, pelo que se deve manter.
Improcede, pois o recurso deduzido contra o despacho que não admitiu a reforma.
*
O recurso também vem dirigido contra o despacho que não admitiu a Petição Inicial corrigida, por considerar a sua apresentação intempestiva, devido a não ter cumprido o prazo de 10 dias disponível para o efeito, bem como por o uso da faculdade prevista no artigo 560.º do CPC, apenas poder ser usada em causa que não importe a constituição de mandatário, sendo que no caso a parte está representada por mandatário.
Compete apreciar a tempestividade da apresentação da Petição Inicial corrigida.
Conforme acima referido os prazos processuais estiveram suspensos no período que decorreu entre o dia 9 de março de 2020 e o dia 2 de junho de 2020, pelo que, não estando em apreço um processo urgente, o prazo de 10 dias apenas terminaria no dia 12 de junho de 2020. Tendo a aludida Petição Inicial corrigida sido apresentada no dia 24 de abril de 2020, é a mesma tempestiva.
Desta forma, em função da tempestividade deveria a mesma ter sido admitida.
O Despacho recorrido refere, ainda, que não era possível apresentar Petição Inicial corrigida, na medida em que a parte se encontrava representada por mandatário.
Aquando da apresentação da Petição Inicial corrigida, o recorrente invocou para tal efeito o artigo 560.º do CPC, por remissão do n.º 1 do artigo 590.º (ainda que tenha referido o artigo 591.º, percebe-se que se trata de um lapsos calami).
Passam-se a transcrever os preceitos em análise para sua melhor apreensão.
Artigo 560.º (Benefício concedido ao autor)
O autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando- se a ação proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.
Artigo 590.º (Gestão inicial do processo)
1 — Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando -se o disposto no artigo 560.º.
Analisando os preceitos em apreço, verifica-se que existe, desde logo uma diferença, que é a de o regime do artigo 560.º, se refere apenas a aspetos formais da Petição Inicial. Ou seja, a possibilidade de apresentação de nova peça processual, decorre de a primitiva Petição Inicial não satisfazer os requisitos formais estabelecidos no artigo 558.º do Código de Processo Civil.
Por sua vez, o regime do n.º 1 do artigo 590.º do CPC, já implica uma análise dos requisitos substanciais da Petição Inicial, como seja apreciar a substância do alegado e a verificação dos pressupostos processuais.
Nesta segunda hipótese, o Juiz em vez de ter proferido um Despacho Saneador de absolvição da instância, optou pelo indeferimento liminar, por a situação lhe parecer bastante óbvia.
Ora, nestas situações, a parte não pode ficar mais prejudicada do que nos casos em que tivesse havido absolvição da instância sem convite ao aperfeiçoamento ou ao suprimento das exceções, nos casos em que esse suprimento possa ocorrer. Prevendo o Código de Procedimento e Processo Tributário a aplicação subsidiária dos demais diplomas processuais (vide artigo 2.º), como o processo administrativo ou o processo civil, então, quando mais não seja, pode aplicar-se o princípio de que uma absolvição da instância sem prévia emissão de convite ao aperfeiçoamento, admite a apresentação de nova Petição Inicial.
É o que decorre do disposto no artigo 87.º, n.º 8 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Nas situações de indeferimento liminar a parte não pode ficar mais desprotegida do que nos casos em que o processo já tenha sido admitido.
Daí que a referência no n.º 1 do artigo 590.º do CPC ao benefício concedido no artigo 560.º do mesmo diploma, deva ser aplicado em todas as situações em que ocorra indeferimento liminar com fundamento na ocorrência de forma evidente de exceções dilatórias insupríveis.
Até porque o regime do artigo 560.º, nada tem a ver com exceções dilatórias, mas antes com os já referidos formalismos da Petição inicial.
Assim, não fazia sentido o legislador permitir a aplicação de um regime substantivo, para depois apenas permitir a apresentação de nova Petição Inicial abrigo de um regime adjetivo ou formal.
A remissão do artigo 590.º, n.º 1 para o artigo 560.º, apenas tem em vista informar a parte da possibilidade de usar da faculdade de apresentação de nova petição inicial, corrigida no prazo de 10 dias. Não teve em vista que essa possibilidade apenas pudesse ser realizada por quem não estivesse representado por mandatário, pois tal geraria desigualdade em relação às situações em que ocorre absolvição da instância no despacho saneador, sem prévio convite ao aperfeiçoamento.
Desta forma, a Petição Inicial que seja liminarmente indeferida, o impetrante tem a faculdade de poder apresentar outra Petição inicial corrigida, no prazo de 10 dias previsto no artigo560.º do CPC.
Aliás, é também este o entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul, conforme se pode ver pelo Acórdão de 19/04/2018, proferido no processo n.º 2040/17.1BELSB (em www.dgsi.pt), cuja parte do sumário com interesse para este caso se transcreve:
i) Apenas quando se afigurar ser manifesta ou evidente a falta dos pressupostos processuais, onde se inclui a propriedade ou adequação do meio processual, se imporá ao juiz decidir sobre a matéria na fase do controlo liminar, pois caso contrário apenas no momento em que o processo já reúne todos os elementos estará o julgador apto a decidir.
ii) Neste mesmo sentido estabelece o legislador, no n.º 1 do artigo 590.º do CPC, no tocante ao despacho liminar, ao prever que a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente (caso em que beneficiará do regime previsto no artigo 560.º do CPC).

Tendo a parte apresentado nova Petição Inicial corrigida dentro do prazo de 10 dias, na qual se afigura ter suprido as deficiências da anterior (aliás, isso mesmo é referido pelo juiz no despacho que a não admite), não pode a mesma ser recusada por alegada inaplicabilidade do artigo 560.º do CPC.
Em face do exposto, verifica-se que a Petição Inicial corrigida deve ser admitida e o processo seguir a subsequente tramitação de Oposição, pelo que se concede provimento ao recurso, nesta parte.
*
No que concerne à condenação em custas, aplicando-se o regime do n.º 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, verifica-se que deve ser condenado em custas a parte vencida. Atendendo que a Fazenda Pública foi citada antes da subida do recurso, tendo contestado, mas não apresentado contra-alegações de recurso, deve-se considerar a parte vencida, sendo condenada em custas, sem prejuízo de não ser devida taxa de justiça nesta instância, por não ter contra-alegado.
*
*
Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em:
1) Não admitir o recurso interposto contra o despacho de indeferimento liminar da primeira petição inicial;
2) Julgar improcedente o recurso deduzido contra o despacho que não admitiu a reforma do despacho de indeferimento liminar;
3) Conceder provimento ao recurso do despacho de rejeição da petição inicial corrigida, revogando-o e devendo ser substituído por outro que a admita.
*
*
Custas pela Fazenda Pública, sem prejuízo de não ser devida taxa de justiça nesta instância, por não ter contra-alegado.
*
*
Porto, 3 de dezembro de 2020.

Paulo Moura
Manuel Escudeiro dos Santos
Bárbara Tavares Teles