Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01550/18.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/07/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Margarida Reis
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA; ISENÇÃO DE IVA E ISV DE PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA;
ALÍNEA B) DO N.º 1 DO ART. 57.º DO CIV; REQUISITOS;
DESCONHECIMENTO DA LEI; QUESTÃO NOVA;
Sumário:
Incumpre com o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 57.º do CIV, o beneficiário da isenção que permite que o veículo em causa seja conduzido pela sua filha, sem a devida autorização e sem que o beneficiário fosse um dos ocupantes do veículo, não sendo de relevar o seu alegado desconhecimento dos requisitos legais da referida isenção fiscal.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RElatório
«AA», inconformado com a decisão proferida em 2021-06-28 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a ação administrativa que interpôs tendo por objeto a decisão do Diretor da Alfândega ... proferida em 2018-02-16 que revogou os benefícios fiscais de ISV e IVA de que era beneficiário e determinou a correspondente liquidação de ISV e IVA no montante total de EUR 10.213,41, vem interpor o presente recurso.
O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
1. Na douta sentença recorrida, o Tribunal a quo considerou que, em suma, que, tendo o Recorrente permitido a utilização do veículo automóvel pela sua filha, bem andou a Recorrida ao revogar o benefício anteriormente concedido, julgando a presente ação administrativa improcedente e, em consequência, absolvendo a Recorrida do pedido.
2. Nos termos do artigo 14.º n.º 4 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, para que seja revogada a concessão de um benefício fiscal, a responsabilidade pela inobservância das obrigações por este impostas deve poder ser atribuível ao Recorrente; contudo, conforme alegado pelo Autor na sua impugnação e reiterado nas alegações, o funcionário da sociedade “[SCom01...], S.A.”, onde o Autor adquiriu o veículo em questão, «BB», foi quem informou o Recorrente que poderia beneficiar da isenção do imposto sobre veículos e do IVA, disponibilizando-se para tratar de todo o processo, o que fez.
3. Não tendo o Recorrente noção de como funcionava tal benefício, foi «BB» quem lhe forneceu todos os esclarecimentos, garantindo que a sua esposa e os seus filhos poderiam conduzir sozinhos o veículo num raio de 60 km, jamais mencionando a necessidade de pedir prévia autorização à Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo ou que teria de estar presente no veículo quando este fosse conduzido pelos seus filhos.
4. Pelo que, o Recorrente não tinha noção ou intenção de desrespeitar a lei quando autorizou a sua filha, «CC», a conduzir o veículo, por impedimento da condutora habitual do mesmo (sua esposa), só tendo tomado conhecimento de que estaria a violar as condições de atribuição da isenção do imposto sobre veículos e do IVA quando a sua filha foi autuada; sendo certo que, desde esse dia, o veículo apenas tem sido conduzido por ele próprio e pela sua esposa.
5. Deste modo, não existe, da parte do Recorrente, consciência de que estaria a violar uma das obrigações da atribuição do benefício fiscal, tendo sido induzido em erro pelo vendedor do veículo, que tratou de todo o processo para beneficiar das isenções, o que deixa claro que não se encontra preenchido o requisito da imputabilidade do beneficiário, nos termos do artigo 14.º, n.º 4, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
6. Porém, o Tribunal a quo dispensou a realização de julgamento, não se encontrando nenhum destes factos elencado nos factos provados ou, sequer, nos não provados, considerando irrelevantes as circunstâncias justificativas do incumprimento da obrigação apesar de, salvo melhor, para se considerar se o incumprimento é ou não imputável ao Recorrente, é necessário ter em conta tais circunstâncias, sendo certo que os factos relativos às mesmas, que resultam da impugnação e das alegações do Recorrente e aqui reiterados, deviam ter sido dados como provados e tidos em conta na avaliação da imputabilidade, facilmente se concluindo que o incumprimento da obrigação não é imputável ao Recorrente, nos termos do artigo 14.º, n.º 4, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, não podendo, portanto, a isenção concedida ser revogada.
7. Consequentemente, devia ter sido dado oportunidade ao Recorrente de produzir prova, nomeadamente o depoimento de «BB», de modo a que potencialmente fossem dados como provados os factos relativos às informações prestadas por essa testemunha quanto ao benefício da isenção do imposto sobre veículos e do IVA e às condições e obrigações do mesmo; a confiança depositada pelo Recorrente nas informações prestadas por «BB» e consequente falta de noção ou intenção de desrespeitar a lei quando autorizou a sua filha, «CC», a conduzir o veículo, por impedimento da condutora habitual do mesmo (sua esposa), só tendo tomado conhecimento de que estaria a violar as condições de atribuição da isenção do imposto sobre veículos e do IVA quando a sua filha foi autuada; bem como o posterior comportamento do Recorrente.
8. Face a estes factos, forçoso será concluir que não se encontra preenchido o requisito da imputabilidade, nos termos do artigo 14.º, n.º 4, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, devendo a decisão de caducidade dos benefícios fiscais pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário, ser revogada, continuando o Recorrente a beneficiar da isenção do imposto sobre veículos e do IVA, sendo-lhe devolvidos todos os valores pagos à Recorrida a título destes impostos.
9. O Recorrente invoca, ainda, a violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa, por parte da Recorrida que, devido a um inócuo, isolado e justificado incumprimento pelo Recorrente, revogou a isenção concedida, reclamando dele o pagamento da quantia total de € 10 211,61; consequência manifestamente excessiva face ao comportamento do Recorrente, que, após ter sido informado da sua desconformidade com a lei, imediatamente o cessou, impondo-se à Administração Tributária, por força do princípio da proporcionalidade, outra atuação, que deveria ter ponderado e atendido às circunstâncias do caso concreto.
Termina pedindo:
Termos em que o Tribunal ad quem deverá ordenar a remessa dos autos para julgamento, com o que será feita JUSTIÇA.
***
O Recorrido não apresentou contra-alegações.
***
O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal foi oportunamente notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146.º, n.º 1 do CPTA, nada tendo vindo requerer ou promover.
***
Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos.
***
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 1.º do CPTA.
Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de direito que lhe são imputados pelo Recorrente, sancionando o erro nos pressuposto de direito que assaca ao ato impugnado por alegada violação do disposto no art. 14.º, n.º 4 do EBF e do princípio da proporcionalidade, por um lado, e pelo outro, ao impedir que fosse realizada a audiência de julgamento, com a inquirição das testemunhas que arrolou, impedindo-o assim de fazer prova que considera essencial.
.
II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
A) FACTOS PROVADOS:
Considera-se provada a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos:
1. O Autor é portador de deficiência que lhe confere uma incapacidade global definitiva de 71% - Cf. Doc. 2 (Atestado Médico de Incapacidade Multiuso) junto com a PI.
2. Em 28/09/2016, o Autor comprou um veículo marca ..., modelo ..., na “[SCom01...], S.A.” – Cf. Doc. 1 junto com a PI.
3. Na aquisição da viatura referida em 01) o Autor, com auxílio da vendedora da viatura atrás identificada, apresentou um pedido de reconhecimento do benefício/isenção de ISV, em 21.09.2016 – Facto não controvertido; Cf. fls. 44 do SITAF.
4. Por despacho n.º ...50 do Director-Adjunto da Alfândega ..., de 22.09.2016, exarado na informação n.º .....58/2016, daquela alfândega, foi reconhecido a «AA», o direito à solicitada isenção, tendo sido atribuída ao referido veículo matrícula nacional ..-RX-.. – Facto não controvertido; Cf. fls. 44/45 do SITAF.
5. O benefício de isenção de ISV e IVA, concedida ao Autor, foi efectuado ao abrigo do artigo 54.º do Código do Imposto Sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 22 de Junho (pessoa com deficiência), na regularização fiscal para obtenção de matrícula nacional do veículo novo de marca ..., modelo ..., com o chassis n.º YV...........12 – Facto não controvertido; Cf. fls. 44/45 do SITAF.
6. O Autor autorizou a filha do mesmo a conduzir, como conduziu, a viatura referida em 02) – Facto não controvertido.
7. Em 23.11.2017 foi realizado um controlo de circulação rodoviária, por funcionários do Núcleo de Informações e Fiscalização da Alfândega ..., tendo ocasionado um procedimento de controlo a posteriori, levado a cabo pelos Serviços da Alfandega ... a coberto da OI2017....69 – Cf. fls. 44 do SITAF.
8. Em 22.02.2018, no âmbito do procedimento referido no ponto anterior foi elaborado um Relatório Final Inspectivo (RIT), onde foi proposta a revogação do benefício fiscal concedido, pelo facto de o veículo automóvel identificado em 02) ter sido encontrado a circular conduzido por pessoa não autorizada, em violação do disposto na alínea b), do n.º 1 do artigo 57.º do CISV - Cf. fls. 24/29 do processo físico cujo teor se tem por reproduzido.
9. Na sequência do procedimento referido em 07) e 08), em 26.02.2018, o Director da Alfândega ..., proferiu um despacho a revogar o benefício concedido ao Autor, com fundamento na preterição da alínea b), do n.º 1 do artigo 57.º do CISV – Cf. fls. 24/29 do processo físico.
10. Na sequência do procedimento inspectivo atrás referido os Serviços da Alfândega ... elaboraram uma proposta no sentido de ser cobrada à posteriori a quantia de € 10.211,61, sendo € 3.635,28 referente a ISV, € 6.471,11 de IVA e juros € 105,22 – Cf. fls. 32, frente e verso, do processo físico cujo teor se tem por reproduzido.
11. Sobre a proposta referida em 10) foi proferido despacho pela Alfândega ..., em 15.03.2018, a determinar a liquidação do valor de € 10.211,61 – Cf. fls. 31, verso do processo físico.
12. Em 16.03.2018 foi emitida a liquidação da quantia referida em 10) e 11) – Cf. fls. 33 do processo físico cujo teor se tem por reproduzido.
13. Por ofício de 16.03.2018 foi comunicada a liquidação da quantia referida no ponto anterior e bem assim para fazer o seu pagamento em 10 dias úteis – Facto não controvertido; Cf. fls. 33/34 do processo físico.
*
B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão a proferir.
*
C) MOTIVAÇÃO:
A decisão da matéria de facto dada como provada efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e que foram remetidos pelas partes, assim como do procedimento administrativo (PA) incorporado no SITAF, consoante se anota em cada ponto do probatório. Apoiou-se ainda o Tribunal na posição assumida pela Autora e Entidade Demandada ao longo dos seus articulados, designadamente na factualidade em que concordam e nos documentos que não questionam.
O Tribunal formou, assim, a sua convicção quanto aos factos dados como provados com base na apreciação crítica e articulada de toda a prova carreada para os autos, conjugada com as regras da experiência comum, tudo conforme ficou descrito e patenteado supra (artigos 362.º e seguintes do Código Civil; 74.º e 76.º da LGT; 123.º do CPPT; 94.º, n.ºs 3 e 4 do CPTA, ex vi artigo 2.º, alínea c) do CPPT).
*
II.2. Aditamento oficioso da fundamentação de facto:
Atento o disposto no n.º 1 do art. 662.º do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA e à prova documental produzida nos autos, procede-se ao seguinte aditamento à fundamentação de facto, nos termos que se passam a enunciar:
8 a) Do Relatório de Inspeção Aduaneira referido no ponto anterior, consta o seguinte (cf. Relatório, a fls. 24 a 29 dos autos):
(…)
IV. Controlos efetuados
No âmbito da ação de controlo de circulação rodoviária (operação stop) – ...85, realizada em 23/11/2017, pelas 11h, na Zona Industrial ..., freguesia ..., Concelho ..., em colaboração com uma equipa da GNR do Posto Territorial ..., foi fiscalizado o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca ..., modelo ..., matrícula portuguesa ..-RX-.., chassis n.º YV...........12, propriedade de «AA» e conduzido no momento do controlo aduaneiro/fiscal, pela Sr.ª «CC» (filha do proprietário), sem a presença da pessoa com deficiência (titular do benefício/isenção), a qual não está autorizada pela Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (entenda-se AT conforme art. 12.º do DL 118/2011, de 15/12), nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 57.º do CISV. Constatou-se, assim, a posse, detenção, utilização, por terceiros, de veículo automóvel com benefício fiscal associado (isenção).
No mesmo local, verificou-se que no certificado de matrícula estava averbado que o proprietário beneficiou da isenção do imposto sobre os veículos ao abrigo do artigo 54.º do CISV (cidadão com deficiência).
(…)

V. Descrição das irregularidades constatadas
Considerando a transmissão do veículo em causa, verifica-se o incumprimento das condições estipuladas nos artigos 47.º (ónus de intransmissibilidade) e 50.º (ónus de tributação residual), ambos do CISV, pelo que, face ao exposto e pela aplicação do referido art. 50.º do CISV, haverá lugar a tributação no montante proporcional ao tempo em falta para o termo de cinco anos.
(…)
10 a) Da Informação emitida pelos serviços da Alfândega ... em 2018-03-15, com a referência de processo CF/CP – ..2/2018, referida no ponto anterior, consta o seguinte (cf. Informação a fls. 32 e verso dos autos):
Relativamente ao assunto referenciado,
Informo
1. O veículo marca ..., modelo ..., matrícula ..-RX-.. e propriedade de «AA», foi legalizado através da DAV nº 2016/.....69 de 2016/09/21 (Alfândega ...), ao abrigo do disposto no Código de Imposto sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei 22-A/2007 de 29 de Junho, que regula a aquisição de veículos automóveis por parte de pessoas com deficiência, pelo que não foi paga qualquer quantia em sede de Imposto sobre veículos (ISV) beneficiando também da isenção de IV A, nos termos do disposto no n.º 8 do art. 15º do C IV A.
2. Em 23/11/2017, a viatura em causa foi interceptada numa operação de circulação, tendo-se constatado que a mesma se a encontrava a ser conduzida pela filha do beneficiário da isenção, não sendo o mesmo um dos ocupantes da viatura, pelo que foi apreendido o veículo em causa e elaborado o competente auto de notícia
3. Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 57.º do CISV é permitida a condução do veículo objecto da isenção, pelos ascendentes e descendentes em 1.º grau que com ele vivam em economia comum e por terceiros por ele designados, até ao máximo de dois, desde que previamente autorizados pela AT, e na condição de a pessoa com deficiência ser um dos ocupantes, o que não se verificou no caso em apreço
4. Por sua vez, o n.º 2 do art. 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), aprovado pelo DL 215/89 de 01/07, estatui que os benefícios fiscais condicionados, caducam pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário, pelo que face ao disposto no n.º 1 do art. 50.º do CISV, haverá lugar à tributação em montante proporcional ao tempo em falta para o termo de cinco anos, segundo as taxas em vigor à data da concessão do benefício.
5. A alínea c) do n.º 2 do art. 5.º do CISV, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007 de 29 de Junho, estatui que constitui facto gerador de imposto, a “a cessação ou violação dos pressupostos da isenção de imposto ou o incumprimento dos condicionalismos que lhe estejam associados”, sendo que a exigibilidade ocorre no momento da constatação da ocorrência do facto gerador de imposto, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 6.º do diploma em apreço.
6. De acordo com o estipulado no n.º 1 do art. 35.º da L.G.T., aprovada pelo DL 398/98 de 17 de Dezembro, “são devidos juros compensatórios quando por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ... “, pelo que sobre este montante irão ainda incidir os respectivos Juros compensatórios, calculados em conformidade com o disposto no art. 35º da LGT e cujo cálculo deverá ser discriminado à data da decisão de liquidação e por forma a cumprir o disposto no n.º 7 do art. 35.º do referido diploma legal.
7. O operador foi devidamente notificado para exercer o seu direito de audição prévia, sendo os argumentos apresentados sido alvo da competente apreciação no pt. IX do relatório que sustentou a acção de fiscalização.
8. Pelo exposto, a dívida ascende a€ 10.211,61, discriminado da seguinte forma:
Montante do benefício: € 4.728,71
Preço do veículo novo: € 24.500,00
Preço do veículo actualizado para efeitos de IVA (n.º 2 do art. 3.ºA do DL 143/86 de 16/06): € 24.500,00
Período de não alienação: 5 anos (1825 dias)
N.º de dias decorridos entre a atribuição da matrícula nacional e a data da constatação da infracção (de 27/09/2016 a 23/11/2017): 422 dias
N.º de dias que faltam decorrer p/ 5 anos: 1403 dias
Diferencial de ISV a pagar: € 3.635,28 (ISV=1403*4.728,71/1825)
IVA (23%*(Preço veículo actualizado+ISV)): € 6.471, 11
Juros compensatórios (95 dias - de 23/11/2017 e 26/02/2018): JC=(ISV+IVA) * 4%*95/365 = € 105,22
Total a pagar: € 10.211,61
Proponho
1. Que o valor em dívida, no montante de € 10.211,61 seja cobrado “à posteriori”, com base nas competências atribuídas às alfândegas, nomeadamente pela alínea j) do n.º 1 do art. 37.º da Portaria 320-A/2011, de 30 de Dezembro, liquidando-se a dívida apurada, nos termos do disposto no art. 26.º do CISV, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho e notificando-se o sujeito passivo, para efetuar o pagamento no prazo de 10 dias úteis, em conformidade com o preceituado no n.0 1 do art. 27.º do mesmo diploma legal.
II.2. Fundamentação de Direito
Importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de direito que lhe são imputados pelo Recorrente.
Contextualizando.
Na sua PI o aqui Recorrente alegou, em síntese, que a decisão da ATA de lhe cobrar a posteriori o montante de EUR 10 213,41 violou o disposto no n.º 2 do art. 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), porque foi induzido em erro pela pessoa que lhe vendeu o veículo, que não o terá informado devidamente sobre os requisitos legais do benefício fiscal em causa, tendo-lhe criado a convicção que “qualquer membro da sua família (esposa e filhos) poderia conduzir sozinho o veículo num raio de 60 km e que, com o impugnante dentro do veículo, poderiam conduzir até à China!” (cf. art. 4.º, da PI), pelo que não teria tido “consciência do ilícito”.
A sentença em crise sustentou-se no entendimento de que a ATA, ao revogar o benefício fiscal, cumpriu com o determinado no regime legal aplicável, e que o aqui Recorrente nada alegou que permitisse concluir que o incumprimento dos pressupostos legais do mesmo não lhe foi imputável, mais ali se acrescentando que não está em causa a apreciação de “uma censura penal ou contraordenacional, sendo por isso irrelevante a falta de consciência da ilicitude”.
Vejamos então.
Tal como resulta do que acaba de se referir, o aqui Recorrente entende que a sentença sob recurso fez uma incorreta interpretação e aplicação do disposto no art. 14.º, n.º 2 do EBF ao caso concreto, pois considera que por alegadamente ter sido induzido em erro quanto aos pressupostos do benefício fiscal em causa pelo vendedor do veículo, o incumprimento dos mesmos não lhe é imputável.
Em causa está a isenção de imposto sobre veículos regulada nos arts. 54.º e segs. do Código do Imposto sobre Veículos (CIV), de que podem beneficiar pessoas portadoras de deficiência.
Sobre os requisitos da isenção, dispõe-se o seguinte no art. 57.º do CIV:
Artigo 57.º
Condução do automóvel
1 - É permitida a condução do veículo da pessoa com deficiência, mediante pedido dirigido à Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo:
a) Independentemente de qualquer autorização, pelo cônjuge, desde que com ele viva em economia comum, ou pelo unido de facto;
b) Pelos ascendentes e descendentes em 1.º grau que com ele vivam em economia comum e por terceiros por ele designados, até ao máximo de dois, desde que previamente autorizados pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, e na condição de a pessoa com deficiência ser um dos ocupantes.
2 - A restrição à condução a que se refere a alínea b) do número anterior, no que respeita à presença da pessoa com deficiência, não é aplicável às pessoas com multideficiência profunda, às pessoas com deficiência motora cujo grau de incapacidade permanente seja igual ou superior a 80 /prct. ou, não a tendo, se desloquem em cadeiras de rodas, e às pessoas com deficiência visual, quando as deslocações não excedam um raio de 60 km da residência habitual e permanente do beneficiário e de uma residência secundária a indicar pelo interessado, mediante autorização prévia da administração tributária, nesta última situação.
3 - Em casos excepcionais devidamente fundamentados, pode ser autorizada a deslocação sem a presença da pessoa com deficiência por distância superior à referida no número anterior, emitindo a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo uma guia de circulação para o trajecto e tempo necessários.
4 - No caso dos ascendentes e descendentes do beneficiário do regime serem pessoas com deficiência motora, ou a elas equiparados, habilitados com a declaração a que se refere o n.º 1 do artigo 56.º podem também eles conduzir o veículo sem quaisquer restrições, desde que devidamente autorizados pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e fazendo-se acompanhar de documento comprovativo dessa autorização.
Por sua vez do n.º 2 do art. 14.º do EBF resulta o seguinte:
Artigo 14.º
Extinção dos benefícios fiscais
(…)
2 - Os benefícios fiscais, quando temporários, caducam pelo decurso do prazo por que foram concedidos e, quando condicionados, pela verificação dos pressupostos da respectiva condição resolutiva ou pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário.
(…)
Tal como decorre da fundamentação do ato impugnado pelo Recorrente, o benefício fiscal caducou porque foi desrespeitado o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 57.º do CIV, uma vez que foi detetado em ação de controlo de circulação rodoviária (operação stop) que o carro era conduzido pela sua filha sem que estivesse autorizada para tanto pela Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, e sem que o aqui Recorrente fosse um dos seus ocupantes [cf. pontos 8a) e 10a), da fundamentação de facto aditada].
Ora, e ainda que considerando alguma fragilidade por parte do aqui Recorrente, que para além de se tratar de pessoa portadora de deficiência, é alegado nos autos tratar-se de “pessoa apenas com a instrução primária”, não pode deixar de se concluir que se encontra preenchido o pressuposto da imputabilidade constante no n.º 2 do art. 14.º do EBF.
Com efeito, e tal como resulta do disposto no art. 6.º do CC, “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”.
Por outro lado, sempre se dirá que tendo o Recorrente conhecimento de que iria usufruir de um benefício fiscal sujeito a requisitos legais, o que desde logo é atestado pela circunstância de, como é referido no RIT, ter assinado “declaração individual” na qual declarou, além do mais, ter tomado conhecimento da legislação em vigor, atenta contra as regras da experiência comum que tenha entendido que a pessoa indicada para o esclarecer sobre o conteúdo e extensão dos referidos requisitos seria a pessoa que lhe vendeu o veículo.
De facto, não pode deixar de se considerar que decorre das regras de experiência comum, constituindo presunção judicial (cf. artigos 349.º e 351.º do Código Civil - CC), ou ainda que assim não se entendesse, sempre deveria ser considerado facto notório, nos termos do disposto nos artigos 412.º, n.º 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e, do CPPT, que alguém que tem por função vender, no caso, automóveis, terá vantagens associadas às vendas que realize e como tal, procurará persuadir os putativos clientes a comprar.
Donde cabia ao aqui Recorrente ter-se informado, tanto mais que, como já aqui se referiu, a ignorância da lei não justifica, em qualquer caso, o respetivo incumprimento, ou isenta os seus destinatários das sanções associadas ao mesmo.
Por outro lado, e como é referido na decisão sob recurso, não estando em causa nos presentes autos o apuramento de qualquer responsabilidade penal ou contraordenacional, era também irrelevante para a decisão a tomar o apuramento da eventual falta de consciência da ilicitude do aqui Recorrente.
Ora, e atendendo a que, como se julga ter já deixado claro, a argumentação aduzida pelo Recorrente era irrelevante para o destino da decisão a tomar, improcede também a sua alegação, no sentido de que o Tribunal a quo andou mal ao não permitir a realização da inquirição das testemunhas através da qual pretendia provar que foi induzido em erro quanto aos requisitos legais da isenção fiscal por parte do vendedor do veículo.
Por fim, e no que diz respeito à alegada violação do princípio da proporcionalidade, tratando-se de uma questão nova, que não invocou na sua PI, não há aqui que tomar conhecimento da mesma.
Com efeito, os recursos ordinários se destinam a permitir que o Tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida (cf. neste sentido, SOUSA, Miguel Teixeira de – Estudos Sobre o Novo Processo Civil. 2.ª edição. Lisboa: Lex, 1997, pág. 373-375, e GERALDES, António Abrantes – Recursos em Processo Civil. 6.ª edição atualizada. Coimbra: Almedina, 2020, pág. 29), sendo esta o objeto do recurso.
Assim sendo, o objeto do recurso encontra-se objetivamente limitado pelas questões colocadas perante o tribunal recorrido (cf. neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 2011-11-08, no proc. 39/10.8TBMDA.C1, disponível para consulta em www.dgsi.pt), não servindo, designadamente, “(…) para a parte ativa introduzir novas causas de pedir, nem novos factos de uma causa de pedir já deduzida (…)” (cf. PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, p. 351).
Estava, por isso, vedado ao aqui Recorrente trazer à apreciação deste Tribunal questões novas, que não sendo de conhecimento oficioso, não foram suscitadas e discutidas na 1.ª instância (cf. nesse sentido os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo em 2019-10-30, no proc. 0280/12.9BEBJA 0410/18; em 2012-06-27, no proc. n.º 218/12; em 2012-02-23, no proc. n.º 1153/11; em 2012-01-25, no proc. n.º 12/12; em 11/5/2011, no proc. n.º 4/11; em 2009-07-01, no proc. n.º 590/09; em 2008-12-04, no proc. n.º 840/08; em 2008-10-30, no proc. nº 112/07; em 2004-06-02, no proc. n.º 47978, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
No entanto, sempre se dirá que do supracitado regime legal decorre claramente que o veículo em questão apenas poderia ser conduzido pela filha do aqui Recorrente se (i) com ele vivesse em economia comum, (ii) desde que previamente autorizada pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, e (iii) na condição de o aqui Recorrente ser um dos ocupantes do veículo, não resultando daquele regime qualquer valorização do número de vezes em que o aqui Recorrente desrespeitasse o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 57.º do CIV, pelo que também esta alegação, a ser conhecida, estaria inexoravelmente votada ao insucesso.
Assim sendo, e em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente.
***
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, a mesma cabe ao Recorrente, atendendo ao seu decaimento [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º, do CPTA].
***
Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
Incumpre com o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 57.º do CIV, o beneficiário da isenção que permite que o veículo em causa seja conduzido pela sua filha, sem a devida autorização e sem que o beneficiário fosse um dos ocupantes do veículo, não sendo de relevar o seu alegado desconhecimento dos requisitos legais da referida isenção fiscal.
***
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Porto, 7 de dezembro de 2023 - Margarida Reis (relatora) – Paulo Moura (em substituição) – Carlos de Castro Fernandes.