Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00078/11.1BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/29/2012
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:RECURSO DA DECISÃO DE AVALIAÇÃO DA MATÉRIA COLETÁVEL POR MÉTODO INDIRETO
NOTIFICAÇÃO POR CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEÇÃO
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
Sumário:I. A entrega da carta registada com aviso de receção pelo distribuidor do serviço postal a terceiro faz operar a presunção juris tantum prevista no artigo 39º, nº 3 do CPPT, mas apenas se estiverem verificados todos os pressupostos formais dessa entrega, nomeadamente, estar o terceiro presente no domicílio do destinatário da carta.
II. Se a carta registada com aviso de receção para a notificação for recebida por terceiro em local distinto do domicílio do contribuinte não estão reunidas as condições para poder operar a presunção contida no artigo 39º, nº 3 do CPPT, não podendo, assim, considerar-se feita a notificação do destinatário da carta no dia em que mostre assinado o aviso de receção.
III. Não operando a presunção prevista no citado normativo, fica o destinatário da carta desonerado do ónus probatório de que a carta não lhe foi entregue na data da assinatura do aviso de receção e, assim, a dúvida sobre se o notificando chegou (ou não) a ter oportuno conhecimento do teor da notificação, funciona em seu benefício.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:M...
Recorrido 1:D. G. Impostos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
Manuel…, NIF 1…, residente na Rua…, Santo Tirso, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que absolveu a Fazenda Pública da instância, no recurso judicial por si apresentado nos termos do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária contra a fixação dos rendimentos, por métodos indirectos, sujeitos a IRS do ano de 2008.
O Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
i. O Tribunal a quo refere que “a testemunha não conseguiu identificar a carta que alegadamente entregou uns dias mais tarde ao tio, nem conseguiu prestar um depoimento suficientemente consistente para convencer o tribunal que a carta que declarou ter entregue uns dias mais tarde ao tio era a que estava em causa nestes autos.”
ii. Ou seja, entende o Tribunal a quo que, para que o Recorrente fizesse prova de que a notificação em causa não lhe foi entregue no dia 04.01.2011 - ou seja, na data em que sua sobrinha, R…, assinou o aviso de recepção no seu domicílio profissional - esta teria de conseguir identificar a carta em causa.
iii. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, ao assim decidir, está a impor ao Recorrente o cumprimento de um ónus probatório impossível de satisfazer, porquanto a sobrinha do Recorrente jamais poderia identificar a carta em causa sem que, violando a correspondência de seu tio, tivesse acesso ao seu teor.
iv. A matéria de facto dada como assente é insuficiente para concluir, com base na falta de identificação da carta pela sobrinha do Recorrente, que este não fez prova de que a notificação não lhe foi entregue no dia em que se mostra assinado o aviso de recepção, uma vez que o Tribunal a Quo apenas refere que a sobrinha do Recorrente tinha instruções para receber correspondência, mas não resulta provado nos autos que a sobrinha do Recorrente tinha instruções para abrir a referida correspondência.
v. Pelo contrário, resulta da instrução que a sobrinha do Recorrente foi peremptória ao afirmar que não abria as cartas.
vi. Não há qualquer razão objectiva para o Tribunal a quo duvidar do Recorrente, quando este afirma que não recebeu a notificação em causa nos autos no dia 04.01.2011., porquanto resulta provado nos autos que a sobrinha do Recorrente recebeu uma “carta das finanças”, que declarou ter entregue “alguns dias depois”, e em relação à qual recebeu indicação de seu tio de que “tinha prazo”.
vii. O Tribunal a quo decide que «A coincidência de tratar-se de uma carta das finanças com prazo não é bastante para convencer o tribunal que é a carta registada com aviso de recepção em causa nestes autos.», não sendo descortinável por que motivo o Tribunal a quo decide nesse sentido, porquanto não esclarece de que modo poderia a testemunha identificar a carta em causa nos autos.
viii. O Tribunal não valorou o facto de a audiência de inquirição distar mais de meio ano em relação à data de recepção da carta, e o facto de a testemunha não ter acesso ao conteúdo da referida carta, sendo que as regras de experiência comum apontam precisamente no sentido de que não seria normal que a testemunha conseguisse identificar o dia em que recebeu a carta, a mais de meio ano de distância, ou que conseguisse identificar a carta se a mesma não lhe era dirigida e não tinha instruções para abrir a correspondência.
ix. Em face do julgado, nunca o Recorrente poderia demonstrar que a carta em causa nos autos foi recebida tardiamente, porquanto não é exigível, nem possível, a identificação da carta por parte de quem a recepciona, sem violação do seu conteúdo - o que constituiria uma prova impossível, inviabilizando, em absoluto, a possibilidade do Recorrente elidir a presunção de notificação.
x. Ao assim não ter entendido incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto, por incorrecta valoração desta.
xi. O Tribunal a quo considera que “a testemunha declarou que por regra entrega de imediato as cartas ao tio, no mesmo dia em que as recebe”, mas da matéria de facto provada nada consta nesse sentido, sendo que, como resulta da instrução, a testemunha em causa referiu, em sentido contrário, que nem sempre assim sucede, e que um desses casos foi a recepção de uma carta das finanças com prazo de reacção.
xii. Refere o Tribunal a quo que a testemunha José…, funcionário dos correios, disse, quando inquirido, que o Recorrente lhe tida dado indicações para entregar à sua sobrinha, na morada do local de trabalho desta, a correspondência registada se em sua casa não se encontrasse ninguém, mas não consta provado na matéria de facto, porque não resulta da inquirição, que. no dia em que foi entregue a notificação em causa nos autos, o dito distribuidor postal se tenha deslocado ao domicílio do Recorrente e que nesse local não se encontrava ninguém.
xiii. Refere o Tribunal a quo que: «A carta foi recebida por R… no seu local de trabalho e não no domicílio do recorrente por motivo que lhe é imputável, pois foi o recorrente que pediu ao carteiro para proceder à entrega da correspondência registada na morada da sobrinha, sempre que em sua casa não se encontrasse ninguém para a receber.».
xiv. O Tribunal a quo considera verificada a presunção de notificação do Recorrente, invocando que o mesmo foi notificado, na morada profissional de uma familiar, mostrando-se o aviso de recepção assinado por essa familiar, pelo facto de o distribuidor postal ter indicações para proceder desse modo, sempre que se encontrasse ausente, sem que conste provado nos autos que, no dia em causa, o distribuidor de correio se tenha deslocado previamente a casa do Recorrente, antes de proceder à sua notificação noutro local e através pessoa.
xv. Tal significa que o Tribunal deu como provados factos sem qualquer suporte factual, o que constitui nulidade da sentença (artigo 668.° n.° 1 b) CPC).
xvi. Ainda que assim não se entendesse, a matéria de facto apurada é manifestamente insuficiente para concluir que o facto de a carta em causa nos autos ter sido entregue à sobrinha do Recorrente decorre do facto de este se encontrar ausente do seu domicílio no dia 04.01.2011 - o que não foi apurado.
xvii. Existe matéria de facto que não foi levada à matéria assente, e que o deveria ter sido, de molde a basear a decisão recorrida, pois que se afigura da maior relevância para a completa análise da questão sub judice e para seu enquadramento nas várias soluções jurídicas possíveis - o que, como se viu, não foi feito pelo Tribunal a quo.
xviii. No entender da Recorrente estão nesta situação os seguintes factos: se no dia 04.01.2011, e antes de entregar a carta à sobrinha do Recorrente, o distribuidor do serviço postal se dirigiu ao domicílio deste.
xix. Como é sabido, a baixa do processo ao Tribunal a quo para ampliação da matéria de facto é condicionada pela necessidade da existência de factos que não tenham sido consideradas e que tenham interesse para a decisão da causa, na sua adequação ao direito aplicável -como manifestamente acontece no caso sub judice (Art. 729.° n.° 3 do C.P.C.).
xx. Quando o Tribunal a quo julga pela caducidade do direito de acção, presume a notificação do Recorrente em termos que nem se encontram previstos na legislação que regulamenta o serviço público de correios, nem, tampouco, na legislação tributária, uma vez que a lei estabelece que a entrega de correspondência registada será feita na morada do destinatário (artigo 28.° n.°4 do D.L.176/88) e que a presunção de notificação tem lugar quando o aviso é assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte (art. 39.° n.° 3 CPPT).
xxi. No caso dos autos, a notificação foi assinada por terceiro em local não correspondente com o domicílio do contribuinte, pelo que não poderia o Tribunal a quo presumir, sem mais, a legal notificação do Recorrente no dia 04.01.2011, ainda para mais quando, como se disse, não se encontra provado nos autos que, no dia da notificação, o distribuidor postal tenha agido de acordo com o pedido do Recorrente.
xxii. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, para se poder efectuar a presunção de notificação. é necessário que a carta registada tenha sido remetida pata o domicílio do contribuinte (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, 1.° Vol, 6.ª Ed., 2011, Áreas, p. 382).
Xxiii Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, o Recorrente apenas tinha o ónus de elidir a presunção, caso essa presunção se pudesse legalmente formar - o que não é manifestamente o caso.
xxiv. Incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de direito, mormente do disposto no artigo 39.° n.° 3 do CPPT e, em erro na apreciação das provas, a impor a revogação da sentença nos termos do disposto no artigo 722.° n.° 3 do CPC, ex vi art. 2.° e) do CPPT.
xxv. Invoca o Tribunal a quo que o Recorrente actua em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum próprio, mas, na realidade, não se descortina qualquer comportamento passível de assim ser qualificado, ainda para mais quando o Tribunal a quo não faz constar na matéria dada como provada, porque não resulta provado nos autos que, no dia 04.01.2011, o distribuidor tenha agido de acordo com o pedido do Recorrente - de apenas entregar a correspondência à sua sobrinha, caso o mesmo não se encontrasse no seu domicílio.
O Director de Finanças do Porto [Recorrido] apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
i. Não resultou provado em Tribunal, pelas testemunhas ouvidas, que a carta registada que continha a notificação das correcções à declaração de rendimentos de IRS referente ao ano de 2008, cujo aviso de recepção foi assinado pela sobrinha do Recorrente em 04.01.2011, não lhe foi entregue no mesmo dia.
ii. Ficou, sim provado, que a sobrinha do Recorrente recebe com frequência no seu local de trabalho a correspondência dirigida ao mesmo e que lha entrega de imediato.
iii. À excepção de uma carta, que se recorda ter sido remetida pelas Finanças e que foi entregue ao Recorrente “alguns dias depois”, não conseguindo, porém, identificar se foi a carta que continha a decisão objecto do recurso interposto em 17.01 .2011.
iv. Ficou igualmente provado que esta entrega da correspondência registada em local diferente do domicílio do Recorrente decorre das suas próprias instruções ao carteiro que costuma fazer a distribuição postal na zona.
v. Instruções que implicam a entrega da correspondência registada no local de trabalho da sobrinha, R… e na pessoa desta, caso não esteja ninguém no domicílio do Recorrente para a receber.
vi. Nada na prova testemunhal produzida permite concluir que nesse preciso dia 04.01.2011 o carteiro tenha procedido de forma diferente.
vii. De acordo com o seu testemunho, costuma entregar as cartas à sobrinha do Recorrente, no local de trabalho desta, quando não está ninguém em casa do Recorrente.
viii. Mesmo sabendo que esta situação não se encontra prevista no Regulamento dos Serviços Postais, nem em nenhuma circular interna dos CTT.
ix. Referindo, contudo, que tem ordens verbais da chefia para o fazer.
x. A presunção de notificação encontra-se prevista no n.° 3 do art. 39° do CPPT.
xi. Não tendo o Recorrente conseguido ilidi-la.
xii. Acresce que o Recorrente, não invocou o conhecimento superveniente da notificação da decisão, na petição inicial de recurso, tendo, aliás, juntado a notificação como documento n.° 1.
xiii. Apenas veio alegar esse conhecimento superveniente, aquando notificado da sentença prolatada pelo Tribunal a quo em 27.04.2011.
xiv. Acresce que o Recorrente, ao alegar não ter sido validamente notificado, por a carta ter sido entregue em local diferente do seu domicílio está a actuar ilegitimamente, ultrapassando claramente os limites da boa-fé, em verdadeiro abuso de direito consubstanciado na modalidade venire contra factum proprium, como bem refere o Tribunal a quo.
xv. Pelo que, resulta claro que a interposição do recurso em 17.01.2011 é extemporâneo, pois o direito de acção do Recorrente caducou em 14.01.2011.
xvi. Sendo a caducidade do direito de acção uma excepção dilatória insuprível que obsta ao prosseguimento do processo e ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição do réu da instância, nada há a apontar à sentença ora recorrida.
xvii. Inexistindo, desta forma qualquer vício na sentença prolatada pelo Tribunal a quo susceptível de produzir a sua nulidade.
O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos.
Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do Código do Processo e do Procedimento Tributário (CPPT)].
Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pelo Recorrente e delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões [nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º e 684º, nºs 3 e 4, todos do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT] são as seguintes: (i) da nulidade da sentença [artigo 668º, nº 1, b) do CPC], por o Tribunal ter dado como provados factos sem qualquer suporte factual; (ii) do eventual erro de julgamento da matéria de facto relativamente ao facto dado como não provado e ainda por não terem sido considerados provados factos que o deveriam ter sido; (iii) do eventual erro de julgamento de direito da sentença recorrida ao concluir pela extemporaneidade do recurso, designadamente por errada interpretação do disposto no artigo 39º, nº 3 do CPC e em erro na apreciação das provas.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
2.1.1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
A) Os serviços da administração tributária remeteram para o recorrente a notificação da decisão de fixação do rendimento tributável de IRS de 2008, corrigido por apuramento realizado através da avaliação da matéria coletável por métodos indirectos, constante de fls. 3 a 7 do apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
B) Os serviços da administração tributária expediram esta notificação por carta registada com aviso de recepção com o n.º RM 3499 2734 5 PT, com os seguintes nome e endereço (fls. 4):
Manuel…
Rua …
4795 – 464 São Martinho do Campo”.
C) Esta carta registada com aviso de recepção foi recebida em 4/1/2011, por R…, titular do documento oficial n.º …, elementos apostos no aviso de recepção (fls. 4 e testemunhas).
D) Esta carta registada com aviso de recepção foi entregue a R…, sobrinha do recorrente, no seu local de trabalho na Rua…, São Martinho do Campo (testemunhas).
E) O reclamante não alegou na petição inicial da reclamação qualquer facto que demonstrasse que a notificação tinha sido realizada noutra morada que não a sua (fls. 5 e seguintes).
F) Na petição inicial da reclamação o reclamante não alegou que a carta registada com aviso de recepção referida em B) não lhe foi entregue em 4/1/2011, dia em que foi recebida por R… (fls. 5 e seguintes).
G) A carta registada com aviso de receção referida em B) foi entregue a R… na Rua…, São Martinho do Campo, a pedido do recorrente realizado ao carteiro José… e a R… (testemunhas).
H) O recorrente pediu ao carteiro José… para quando não estiver ninguém em sua casa entregar a R…, no seu local de trabalho, o correio registado que seja remetido em seu nome para a sua residência (testemunhas).
I) O recorrente pediu a R… para receber no seu local de trabalho o correio registado que seja remetido em seu nome para a sua residência, que o carteiro lhe entregue (testemunhas).
J) O recorrente apresentou a petição inicial em 17/1/2011 (fls. 2).
K) Dia 4/1/2011 foi terça-feira, dia 14/1/2001, sexta-feira e 17/1/2011, segunda-feira.
Com relevância para a decisão da questão, o tribunal julga não provado:
1 - A carta registada com aviso de receção referida em B) foi entregue ao recorrente em data posterior à que se encontra aposta no aviso de receção assinado por R…, ou seja, 4/1/2011.
2.2. O direito
O Recorrente apresentou recurso ao abrigo da norma do artigo 89º-A, nº 7, da Lei Geral Tributária (LGT) contra a decisão do Diretor de Finanças do Porto [Recorrido] do ato de fixação dos rendimentos, por métodos indiretos, nos termos do disposto no artigo 89º-A da LGT, relativa ao IRS do ano de 2008.
O Tribunal a quo entendeu que o recurso não foi apresentado tempestivamente e, consequentemente, absolveu a Fazenda Pública da instância. Para o efeito, considerou que o Recorrente foi notificado da decisão (impugnada) do Diretor de Finanças do Porto em 4 de Janeiro de 2011 e o prazo de 10 dias para apresentar o recurso terminava em 14 de Janeiro de 2011, pelo que à data da apresentação do recurso [em 17 de Janeiro de 2011], já se encontrava esgotado o prazo legalmente concedido para o efeito.
O Recorrente insurge-se quanto ao assim decidido pelo Tribunal a quo, pretendendo não poder este concluir (como concluiu), de que foi notificado da decisão de fixação da matéria coletável em causa nos autos em 4 de Janeiro de 2011, alegando que a sentença recorrida padece de nulidade nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea b) do CPC, erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento da matéria de direito.
2.2.1. A primeira questão a apreciar é a da invocada nulidade da sentença nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea b) do CPC [conclusão xv].
O Recorrente alega que o Tribunal a quo deu como provados factos sem qualquer suporte factual o que constitui nulidade da sentença [cfr. artigo 668º, nº 1, b) do CPC], nomeadamente “por ter considerado verificada a presunção de notificação do Recorrente, invocando que o mesmo foi notificado, na morada profissional de um familiar e mostrando-se o aviso de receção assinado por essa familiar, pelo facto de o distribuidor postal ter indicações para proceder desse modo, sempre que se encontrasse ausente sem que conste provado nos autos que, no dia em causa, o distribuidor do correio se tenha deslocado previamente a casa do Recorrente, antes de proceder à sua notificação noutro local e através pessoa”.
Vejamos.
Nos termos do artigo 125º, nº 1 do CPPT: “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Outrossim, estabelece o artigo 668º, nº 1, alínea b) do CPC, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto prevista no artigo 668º, nº1, alínea b) do CPC [norma invocada pelo Recorrente] abrange tanto a falta de discriminação dos factos provados e não provados [prevista nos artigo 123º, nº 2 do CPPT] como a falta do exame crítico das provas [artigo 659º, nº 3 do CPC]. Ora, neste ponto, a discriminação feita na sentença recorrida quanto aos factos provados e não provados, bem como o exame crítico das provas, não vem questionada pelo Recorrente e da leitura daquela resulta que essa falta efetivamente não se verifica.
O que o Recorrente, verdadeiramente, questiona não é o facto de na sentença recorrida terem sido dado como provados factos sem suporte factual, mas, antes, a conclusão retirada pelo Tribunal a quo a partir dos factos assentes no probatório. Porém, tal questão não contende com a validade formal da sentença, ao contrário do que sustenta o Recorrente, mas com um eventual erro de julgamento da matéria de facto.
Improcede, pois, a nulidade invocada pelo Recorrente.
2.2.2. A questão principal que cumpre apreciar e decidir nos presentes autos é a de saber se a sentença recorrida incorreu em eventual erro de julgamento ao concluir pela extemporaneidade do recurso apresentado pelo Recorrente.
A decisão recorrida concluiu pela extemporaneidade do recurso por considerar que “o recorrente não conseguiu ilidir a presunção prevista no art. 39º, nº 3 do CPPT, pelo que a sua notificação é válida, considera-se efetuada na sua pessoa e na data em que o aviso de receção foi assinado por terceiro, ou seja, em 4/1/2011, pois apesar de não ter sido entregue no seu domicílio, foi entregue, a seu pedido, no domicílio que indicou ao carteiro e à pessoa que identificou para a receber.
O Recorrente, como já referimos, insurge-se contra o assim decidido pelo tribunal a quo, imputando à sentença recorrida, além do mais, erro de julgamento de direito, designadamente por errada interpretação do disposto no artigo 39º, nº 3 do CPPT.
Vejamos.
Para o ora Recorrente, foi enviada para a sua morada, carta registada com aviso de receção com vista à sua notificação da decisão do Recorrido relativa à fixação da matéria coletável do ano de 2008.
Resulta dos autos que o aviso de receção referente a tal carta se mostra assinado por “R… “, em 4 de Janeiro de 2011 [cfr. alínea C) do probatório] e, ainda, que a entrega pelo distribuidor do serviço postal de tal correspondência ocorreu não no domicílio do Recorrente, mas no local onde aquela [sobrinha do Recorrente] trabalha [cfr. alínea D) do probatório].
As notificações que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção [artigo 38.º, nº 1 do CPPT].
Por seu turno, havendo aviso de receção, a notificação considera-se efetuada na data em que ele for assinado e tem-se por efetuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário, sendo que o distribuidor do serviço postal procederá à notificação das pessoas referidas por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial [artigo 39º, nº 3 e 4 do CPPT].
Da leitura deste normativo decorre que (i) no caso de a carta ser recebida pelo próprio destinatário, a notificação tem-se por efetuada na data da assinatura do aviso de receção e (ii) no caso de a carta ser recebida por pessoa diversa do destinatário, presume-se, salvo prova em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao notificando, considerando-se que a notificação foi feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do notificando, mesmo que o aviso de receção haja sido assinado por terceiro. Ou seja, a lei estabelece uma presunção juris tantum, de que a carta foi entregue oportunamente ao notificando e que só é afastada na hipótese de o interessado fazer prova do contrário [artigos 344º, nº 1, 349º, 350º, nº 2 do Código Civil]. Portanto, para que se afaste aquela presunção da notificação, é necessário que fique demonstrado que a carta não foi oportunamente entregue ao notificando ou que este não teve efetivo e oportuno conhecimento, por facto que não lhe não é imputável. No caso de não ser feita essa prova negativa, a lei faz operar a presunção e, consequentemente, é de considerar a notificação postal, efetuada em pessoa diversa, como feita na própria pessoa do notificando.
A presunção assenta sobre uma base (um facto) que tem de ser provado e, em lugar de provar o facto presumido, a parte onerada terá de demonstrar a realidade do facto que serve de base à presunção. Assim, quem tem a seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto a que ele conduz [artigo 350º, nº 1 do CC], mas, em contrapartida, tem de provar o facto que conduz à ponte da presunção [Antunes Varela e outros, Manual do Processo Civil, pág. 503/504].
No artigo 39º, nº 3 do CPPT, a presunção de que a carta destinada a notificar o contribuinte foi oportunamente entregue ao destinatário no caso de o aviso de receção ser assinado por terceiro, pressupõe que este terceiro se encontre no domicílio do contribuinte. Compreende-se que assim seja, desde logo, por razões de segurança jurídica. Só havendo proximidade à pessoa a notificar que a presença no domicílio deste faz intuir, permite aceitar, com grande probabilidade, que aquele terceiro entregará atempadamente a carta ao destinatário.
Assim, deste normativo [à semelhança, aliás, do que sucede na citação prevista nos artigos 236º, nº 2 e 238º, nº 2, do CPC] resulta que, quando a notificação se faça em pessoa diversa, apenas se poderá considerar efetuada se esta se encontrar realmente presente no domicílio do destinatário da notificação. Dito de outro modo: quando o terceiro que recebe a carta de notificação se não encontrar presente no domicílio do contribuinte, a lei não tira a ilação da sua oportuna e efetiva entrega ao destinatário da mesma e, portanto, a presunção deixa de ter suporte.
No caso dos autos, como supra referimos, a carta endereçada para a morada do Recorrente foi entregue pelo distribuidor do serviço postal a uma sobrinha daquele, no seu local de trabalho [não coincidente com a morada do Recorrente] - cfr. alínea C) e D) do probatório. Isto significa que a carta foi recebida por terceiro não presente no domicílio do destinatário [Recorrente]. Não está, pois, verificado um dos pressupostos de que depende o funcionamento da presunção prevista no citado artigo 39º, nº 3 do CPPT.
É certo que tal entrega se deveu, como resulta do probatório e foi relevado na sentença recorrida, ao facto de ter sido pedido pelo Recorrente ao referido distribuidor do serviço postal para, quando não se encontrasse na sua residência, entregar a correspondência registada que lhe vinha dirigida, à sua sobrinha, no local de trabalho desta.
Mas, além de, como vem referido pelo Recorrente nas conclusões da motivação do recurso, não resultar demonstrado nos autos que o distribuidor do serviço postal tivesse, previamente à entrega da referida correspondência à sua sobrinha, diligenciado pela entrega da mesma na residência do Recorrente, entendemos, com o devido respeito por opinião contrária, que aquele facto não tem a virtualidade de afastar a exigência da verificação dos pressupostos previstos no citado normativo para funcionar a referida presunção. Além de a entrega de correspondência dever ser efetuada de acordo com o previsto no Regulamento dos Serviços Postais [onde não está prevista a possibilidade de entrega nos termos em que foi feita pelo distribuidor do serviço postal], a entrega da carta [registada com aviso de receção] para notificação pelo distribuidor do serviço postal a terceiro faz operar a presunção juris tantum prevista no artigo 39º, nº 3 do CPPT, mas apenas se estiverem verificados todos os pressupostos formais dessa entrega, nomeadamente, estar o terceiro presente no domicílio do destinatário da carta. Ou seja, só se esse pressuposto se verificar é que a presunção de que a carta lhe foi entregue oportunamente opera e passa, então, a recair sobre o destinatário da carta o ónus de a ilidir.
Em suma, retomando o caso dos autos, a factualidade assente demonstra que a notificação foi efetuada em terceiro não presente no domicílio do Recorrente e, como tal, não pode operar a presunção prevista no citado normativo. Não operando a presunção aí prevista, ficou o Recorrente desonerado do ónus probatório de que a carta não lhe foi entregue na data da assinatura do aviso de receção. Isto é, o Recorrente apenas tinha o ónus de elidir a presunção se ela existisse, o que não se verifica neste caso.
Assim sendo, não pode contar-se o prazo de 10 dias para apresentar o recurso [artigo 146º- B, nº 2 do CPPT, ex vi artigo 89º-A, nº 8 da LGT] a partir da data da assinatura do aviso de receção pela sobrinha do Recorrente [em 4 de Janeiro de 2011] e, consequentemente, não pode concluir-se, como fez a sentença recorrida, pela extemporaneidade do recurso apresentado em 17 de Janeiro de 2011.
Procede, pois, o presente recurso, não podendo manter-se a decisão recorrida que julgou procedente a exceção da caducidade do direito de interpor recurso [ficando assim prejudicado o conhecimento do alegado erro de julgamento da matéria de facto consubstanciado em (i) ter sido incorretamente julgado como não provado que “a carta registada coma viso de receção referida em B) foi entregue ao recorrente em data posterior à que se encontra aposta no aviso de receção assinado por R…, ou seja, dia 4/1/2011” e (ii) não constar como provado [por não ter sido objeto de inquirição] um facto relevante para a decisão a proferir, o de que no dia em que foi entregue a notificação em causa nos autos, o dito distribuidor postal se tenha deslocado ao domicílio do Recorrente e que nesse local não se encontrava ninguém].
2.2.3. Face à revogação da sentença recorrida, impunha-se que este Tribunal, caso nenhum motivo a tal obstasse, conhecesse ex novo do mérito da causa em substituição do tribunal a quo, em conformidade com o disposto no artigo 715º, nº 2 do CPC [aplicável por força do disposto no artigo 2º alínea e) do CPPT], considerando que se encontram juntos aos autos os registos fonográficos com reprodução áudio dos depoimentos das testemunhas inquiridas.
Porém, perante a total omissão pelo tribunal a quo da fixação da matéria de facto pertinente par a apreciação de mérito das questões suscitadas nos autos [apesar de ter sido produzida prova, designadamente testemunhal e documental], não é possível a este tribunal conhecer do fundo da causa, uma vez que a seleção da matéria de facto para esse efeito deve ser feita pelo juiz da 1ª instância e no probatório da sentença recorrida apenas foi fixada factualidade atinente ao conhecimento da questão da caducidade do direito de recorrer, o que significa que inexiste julgamento da matéria de facto para conhecer do mérito da causa e, por outro lado, o Tribunal superior só em casos excecionais poderá afastar o juízo valorativo das provas feito por aquele [cfr. acórdão do TCAN de 19/10/2006, Processo 00081/02].
Como decorre do artigo 712º do CPC, o tribunal de recurso, quando esteja em causa a matéria de facto, pode proceder à alteração da matéria, desde que se mostrem preenchidas as condições previstas nas respetivas alíneas a), b) e c). Ainda, do nº 4 deste normativo resulta a possibilidade de ser anulada oficiosamente a decisão proferida na 1ª instância, desde que o processo não disponibilize todos os elementos probatórios que, em conformidade com o disposto na alínea a) do nº 1, permitam a reapreciação da matéria de facto.
Portanto, o tribunal de recurso, com vista a uma eventual alteração da matéria de facto, pode reapreciar ou reexaminar a decisão do tribunal recorrido sobre essa matéria, mas não pode efetuar esse julgamento de facto sem que na 1ª instância o mesmo tenha sido efetuado, uma vez que tal implicaria o inviabilizar da garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto. Ou seja, o tribunal ad quem só pode efetuar um novo julgamento de facto e de direito se a decisão proferida pelo tribunal a quo contiver o enquadramento de facto e de direito e a competente decisão, o que não se verifica in casu - neste sentido, entre outros, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17/10/2001, no Processo nº 26193, acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 19/10/2006, Processo 00081/02 (supra citado), de 9/11/2006, Processo 00345/04 e de 9/2/2012, Processo 01552/08 e do Tribunal Central Administrativo Sul de 16/11/2010, Processo 03922/10.
Em suma, o conhecimento pelo tribunal de recurso do mérito da causa em substituição do tribunal recorrido nos termos previstos no artigo 715º, nº 2 do CPC tem os seus poderes circunscritos aos termos e com os limites impostos pelo artigo 712º do mesmo diploma.
Conclui-se, pois, não ser possível conhecer do mérito dos presentes autos, em substituição do tribunal a quo, em virtude da total falta de fixação da matéria de facto com relevância para a decisão da causa.
3. Decisão
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
a) Conceder provimento ao recurso;
b) Revogar a sentença recorrida;
c) Determinar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel para que, se a tal nada mais obstar, aí se proceda à fixação da matéria de facto e se conheça do mérito do recurso.
Custas pelo Recorrido, apenas nesta instância.
Porto, 29 de Março de 2012
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Álvaro Dantas
Ass. Anabela Russo