Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00014/22.0BEVIS |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 01/12/2023 |
| Tribunal: | TAF de Viseu |
| Relator: | Ana Patrocínio |
| Descritores: | REJEIÇÃO LIMINAR; POSIÇÃO JUDICIAL; |
| Sumário: | I – O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. II - Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso. |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório AA, contribuinte n.º ..., com domicílio na Rua ..., ... ..., em ..., interpôs recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 31/05/2022, que rejeitou liminarmente a oposição judicial, deduzida contra o processo de execução fiscal n.º ...73 e apensos, por dívida ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP, I.P.), no montante global de €20.372,61. O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “A) Aplicando o Direito à situação de facto descrita por parte do recorrente, conclui-se que estão preenchidos os requisitos necessários à decretação do procedimento solicitado, ou seja, a procedência da oposição judicial intentada. B) Com efeito, a sentença do Tribunal ad quo enferma de diversos vícios. D) Não pode o Tribunal ad quo, consubstanciar a sua sentença e respectivo enquadramento jurídico – tributário dos factos, com base num juízo de prognose, mas sim apoiado em pressupostos de facto vertidos e devidamente fundamentados. E) Por todos os argumentos expostos e nestes termos, é imperativo concluir que o recorrente tem direito à procedência da oposição judicial intentada.” **** O IFAP, I.P. contra-alegou, tendo concluído da seguinte forma: “1.ª O presente processo não tem natureza administrativa não sendo regulado pelo CPTA e CPA mas sim pelo CPPT; 2.ª O Recorrido IFAP,IP não violou o disposto nos artigos 84º e seguintes do CPTA ao não juntar o processo instrutor, pois estes não são aplicáveis in casu; 3.ª O recorrido IFAP,IP não é um órgão da Administração Fiscal não lhe incumbindo juntar o processo instrutor com a sua contestação, apenas emitiu a certidão de dívida que serviu de suporte à instauração de processo de execução fiscal pelo Serviço de Finanças; 4.ª A sentença não é um ato administrativo, não sendo regulada pelo CPA; 5.ª A sentença apenas tem de apreciar a matéria constante do artigo 204.º do CPPT, o que o fez e bem; 6.ª O procedimento administrativo levado a cabo pelo recorrido IFAP,IP anterior à instauração de Execução fiscal, no âmbito da sua atividade administrativa, poderia ter sido impugnada no âmbito gracioso junto do instituto ou através dos Tribunais Administrativos e não aqui em sede de oposição, que trata da matéria controvertida regulada pelo CPPT; 7.ª Não estamos perante um imposto regulado pela legislação tributária mas sim perante fundos comunitários regulados por legislação própria e distinta da legislação tributária; 8.ª Estamos no âmbito de poderes vinculados pelo que não tem lugar aqui o princípio da proporcionalidade, agindo o IFAP, IP e a AT dentro do que a lei lhes impõe, atento o princípio da legalidade. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Ex.as, se requer que o presente recurso jurisdicional não seja acolhido, não sendo dado provimento ao mesmo com as legais consequências.” **** O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, declarada a nulidade da decisão recorrida e, em face da deficiência de que a mesma padece, no plano da fundamentação de facto, determinada a baixa do processo à primeira instância, em ordem à prolação de outra que não enferme do sobredito vício.” **** Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento. **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao rejeitar liminarmente a presente oposição judicial. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Estão explicitados na decisão recorrida os fundamentos que se julgaram relevantes para a decisão proferida no sentido da rejeição liminar da oposição. Contudo, para melhor compreensão, passamos a transcrever o despacho prolatado em primeira instância: “APRECIAÇÃO LIMINAR: Nos presentes autos AA, com os demais sinais dos autos, apresentou, via postal, em 22-11-2021, a petição inicial que deu origem aos presentes autos, respeitantes à execução n.º ...73, instaurada com vista à cobrança coerciva de dívida ao IFAP. Invocou: - Nulidade da citação; -Insuficiência de fundamentação; - Caducidade do direito à liquidação; - Da violação do princípio da proporcionalidade; Da preterição de formalidades essenciais (preterição do direito de audição) No primeiro despacho proferido em 10-01-2022 sanearam-se os autos da seguinte forma: “A nulidade da citação não constitui objeto de apreciação nestes autos. Deve sê-lo em sede de execução e a apreciação que dela se fizer poderá, oportunamente, ser reapreciada judicialmente, por via de reclamação nos termos dos artigos 276º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Sobre a insuficiência de fundamentação ela prende-se com a apreciação da legalidade do ato que determinou a quantia executiva, e, como tal, não se inclui também no objeto dos presentes autos salvo se se demonstrar que em sede de procedimento que determinou aquela quantia não teve o Oponente a possibilidade de atacar o referido ato. Mas esta demonstração não foi realizada pelo Oponente. O vindo de referir é também aplicável à alegada violação do princípio da proporcionalidade e preterição de formalidades essenciais. Informe o Oponente.” O Oponente silenciou. No segundo despacho diligenciou-se pela explicação de no doc. nº 1 da petição inicial, constar como período do imposto 2014 e de nos demais documentos se referir o ano de 2016 e também pelo comprovativo do recebimento, “pelo executado, da decisão final …”. Respondeu o IFAP explicando que a dívida respeita a contrato de 2016, o qual foi objeto de controlo em 2018, que permitiu a verificação de irregularidades originadoras da decisão final, a qual foi remetida para a morada contratual e não foi devolvida. O Oponente foi notificado dos elementos vindos de referir para, querendo, se pronunciar, mas silenciou. Conjugando os elementos vindos de referir temos como assente que: - O Oponente foi notificado da decisão final e, antes desta foi ouvido e apresentou argumentos, conforme ponto 9 daquela. Foi contratante, contrato assinado em 2016, o qual foi objeto de duas visitas em junho e setembro de 2018 vindo estas a determinar a decisão final emitida em final de agosto de 2020, vide os docs. 004811946 e 00489117; - Não tendo procedido ao pagamento definido na decisão final foi instaurada execução, comunicada ao Oponente em final de outubro de 2021, cfr. doc. 1 que instruiu a petição inicial e ponto 7 desta. Face ao que se vem descrevendo, mormente o 1º despacho e consequente silêncio do Oponente, dos argumentos apresentados na petição inicial apenas cumpre apreciar a invocada caducidade do direito à liquidação. Quanto a esta, considerando a dívida em causa, melhor descrita no antepenúltimo parágrafo e o demais referido no penúltimo, é manifesta a improcedência da invocada caducidade. Pelo que, sem mais considerandos, rejeito liminarmente esta oposição (cfr. artigo 209º, nº 1, alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário). * Custas pelo Oponente as quais, considerando a apreciação liminar, se fixam em uma UC. (…)” *** 2. O Direito O Recorrente interpôs o presente recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que indeferiu liminarmente oposição judicial à execução fiscal instaurada para cobrança da quantia de €20.372,61. Para rejeitar liminarmente a oposição, o tribunal recorrido considerou que a nulidade da citação, a insuficiência de fundamentação, a violação do princípio da proporcionalidade e a preterição de formalidades essenciais, mormente do direito de audição, não constituem objecto de apreciação nestes autos de oposição. Restando, apenas, uma única questão, de entre as invocadas na petição de oposição, que cumpriria apreciar, que identificou como sendo a invocada caducidade do direito à liquidação. Quanto a esta, considerando a dívida em causa, entendeu ser manifesta a improcedência da invocada caducidade. Para tanto, o Meritíssimo Juiz “a quo” limitou-se a afirmar ter sido o oponente notificado da decisão final, onde foi definido o pagamento que teria que realizar, por força de contrato celebrado em 2016, que não terá procedido a esse pagamento e, por isso, foi instaurada a execução fiscal em crise. Nesta conformidade, tendo-se abstido de conhecer as questões indicadas e invocadas na petição de oposição e julgado ser manifesta a improcedência da caducidade do direito de liquidar, o tribunal recorrido rejeitou liminarmente a oposição. O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC) - entendido na sua dimensão positiva de direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo - e inútil qualquer instrução e discussão posterior. Daí que a jurisprudência tenha vindo a afirmar que o despacho de indeferimento liminar, dada a sua natureza “radical”, na medida em que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada, encontrando a sua justificação em motivos de economia processual, deve ser cautelosamente decretado – cfr., por exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24/02/2011, proferido no âmbito do processo n.º 765/10. Vejamos, agora, se no presente caso estão verificados os requisitos para a rejeição liminar da petição inicial, ou seja, se o seguimento do processo não tem razão alguma de ser e seja desperdício manifesto de actividade judicial - cfr. ALBERTO DOS REIS in Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, vol. II, pág. 373. Estando o objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões, verificamos que o Recorrente se insurge contra a decisão recorrida por o tribunal “a quo” ter assentado o seu julgamento num juízo de prognose, sem que se vislumbre o respectivo enquadramento jurídico ou sequer a subsunção dos factos ao direito, acentuando que a sentença se deve apoiar em pressupostos de facto vertidos e devidamente fundamentados. Com efeito, o tribunal recorrido considerou assente que “o oponente foi notificado da decisão final”, mas desconhece-se como retirou tal ilação (aparentemente resultará da indicação de que o ofício contendo essa decisão final terá sido remetido para a morada contratual e não foi devolvido). Ora, não podemos escamotear que o oponente alega na petição inicial que a notificação da liquidação deve ser validamente realizada no decurso do prazo de quatro anos e que só com a notificação a dívida tributária se torna certa e exigível, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 45.º da LGT. Afirma, ainda, que deveria ter sido legalmente notificado da liquidação até ao dia 31/12/2018 e que tal, em termos reais e factuais, nunca sucedeu – cfr. artigos 65.º, 70.º e 71.º da petição de oposição. De facto, o tribunal recorrido limita-se a conjecturar que o oponente terá sido notificado, provavelmente por a carta que continha a liquidação não ter vindo devolvida. No entanto, para se afirmar que o oponente foi notificado ainda no prazo de caducidade do direito à liquidação, seria fulcral apurar, em concreto, a data dessa notificação, o que não consta da decisão nem dos elementos ínsitos nos autos. Além do mais, o Meritíssimo juiz “ a quo” parece olvidar que uma notificação válida tem que respeitar as formalidades legais, o que também não se mostra averiguado in casu. Nesta conformidade, apesar de reconhecermos que a petição de oposição possa não ser absolutamente escorreita, ainda assim, é aproveitável, pelo que, in casu, não haveria razão para indeferi-la liminarmente, tanto mais que se impõe, como vimos, a instrução do processo. O julgamento da matéria de facto é um momento essencial da realização da justiça constitucionalmente cometida aos tribunais. De acordo com o disposto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. O juiz tem, por isso, o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada - cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT. Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida. “Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado - e, de certa maneira, objectivado e transparente - na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça” – cfr. J. Pereira Baptista, in Reforma do Processo Civil, 1997, páginas 90 e ss. Como se afirmou no acórdão do TCAN, desta Sessão, de 27/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 409/06.6BEPNF, “(…) a inobservância do dever legal de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e, mais concretamente, a mera referência genérica aos meios de prova que a terão suportado e a falta da análise crítica dos mesmos, faz com que o tribunal de recurso também fique impedido de sindicar o erro de julgamento invocado pela recorrente. Tal decisão de facto é, assim, ininteligível, o que é equivalente à falta absoluta de fundamentação.” Neste momento da tramitação processual, não é possível sindicar se, efectivamente, o oponente foi validamente notificado da liquidação no prazo de caducidade do direito de liquidar. Por outro lado, a decisão de abstenção de conhecimento das restantes questões colocadas não se mostra devidamente fundamentada de direito, não tendo sido realizado pelo tribunal recorrido qualquer enquadramento jurídico para a falta de apreciação das matérias invocadas, o que impede, mais uma vez, sindicar a decisão recorrida. Não podemos esquecer que os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores – visando anulá-las ou alterá-las com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento). Se desconhecemos os fundamentos da decisão “a quo”, é impossível realizar tal reapreciação. Deverá, portanto, o tribunal recorrido motivar a sua decisão. Tendo-se reconhecido ser a petição de oposição aproveitável, pelo menos em parte (cfr. os seus artigos 65.º a 72.º), não poderia ter sido liminarmente indeferida sem a realização da instrução que se impõe no caso concreto. Considerando, igualmente, que o Recorrido nem sequer foi citado para os termos da acção, fica prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas, devendo o processo ser enviado ao tribunal recorrido. Pelo exposto, urge conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu para prossecução dos autos, se a tal nada mais obstar. Conclusões/Sumário I – O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. II - Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu para prossecução dos autos, se a tal nada mais obstar. Custas a cargo do Recorrido, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais. Porto, 12 de Janeiro de 2023 Ana Patrocínio Paula Moura Teixeira Conceição Soares |