Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01285/09.2BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/15/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PLANO DIRETOR MUNICIPAL; LICENCIAMENTO; CADUCIDADE; NULIDADE DO ACTO DE LICENCIAMENTO; ARTIGO 52º, Nº 1, ALÍNEA B) DO DECRETO-LEI Nº 445/91, DE 08.02; NULIDADE DA SENTENÇA POR EXCESSO DE PRONÚNCIA;
ARTIGO 615º Nº 1, ALÍNEA D), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE (2013); LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO; ARTIGO 9º Nº 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS DE 2002; EFEITOS PUTATIVOS DE SITUAÇÕES DE FACTO; O ARTIGO 139º Nº 3 DO CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE 1991; ARTIGO 162º, Nº 3, DO CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE 2015.
Sumário:
1. Invocando o Ministério Público, no articulado inicial, a impossibilidade de aplicação de norma do PDM que permitia a legalização de determinadas construções no prazo de um ano, tal constitui invocação da caducidade do direito a construir pelo que o conhecimento desta questão não estava vedada, antes se impunha ao Tribunal.
2. Sendo aplicável ao caso o n.º2 do artigo 9º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na sua versão original, de 2002, o Ministério Púbico dispunha de legitimidade para intentar a acção com vista à declaração de nulidade do licenciamento daquelas construções, por violação de normas do PDM.
3. A consequência da desconformidade do licenciamento com normas do regulamento do PDM é a da nulidade dos actos administrativos, por força do disposto no artigo 52º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 445/91, de 08.02, em vigor à data – 07.11.1996.
4. É de atribuir efeitos jurídicos à situação de facto, de existência e licenciamento das obras durante mais de 17 anos, de acordo com o disposto no artigo 139º nº 3 do Código do Procedimento Administrativo de 1991, em vigor à data (hoje de acordo com o disposto no artigo 162º, nº 3, do Código do Procedimento Administrativo de 2015) e de harmonia com os princípios da boa-fé, da protecção da confiança e da proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo, não declarando a nulidade, caso não haja prejuízo para os direitos ou legítimas expectativas de terceiros. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município G...
Recorrido 1:Ministério Público
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Julgar a acção improcedente
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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O Município G... veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 19.07.2018, pela qual foi julgada procedente a acção administrativa especial intentada pelo Ministério Público contra o Município G... e em que foram indicados como Contrainteressados, MCF, MSF, AVC, MJCPS, MAMN, acção na qual foram deduzidos os seguintes pedidos:
a) ser declarada a nulidade do despacho de 01/09/05 que defere o licenciamento do loteamento requerido no Processo nº 236/96 da Câmara Municipal G..., bem como o despacho que autoriza a emissão do Alvará de Loteamento nº 46/01 de 2001/11/12, atento o disposto nos artigos 14º nº 2 e 58º do PDM de G....; b) ser declarada a nulidade de todos os despachos que licenciaram as construções erigidas no loteamento em causa e a respectiva utilização, por se tratar de actos consequentes, do despacho de 01/09/05 que defere o licenciamento do loteamento requerido no Processo nº 236/96, pois que a sua validade estava dependente da validade do despacho que deferiu o loteamento, atento o disposto no artigo 56º nº 1 al. b) do DL nº 448/91 de 29/11, nulidade que se mantém atentos os regimes subsequentes, designadamente dos DL 555/99 de 16/12 com as sucessivas alterações pelos Decretos-Lei n.º 177/2001 de 4/6 e 67/2006 de 4/9 e nº 2, al.ª i) do art.º 133.º do CPA., ou, caso esta parte do pedido não proceda, c) ser declarada a nulidade dos despachos que deferiram as licenças de construção e de utilização, legalizando as construções efectuadas nos lotes dois e sete, por violação do disposto nos artigos 12 nº 1, 13º e 15 nº 1 al. a) do PDM de G..., atento o disposto no art.52º nº 1 al. b) do DL nº 445/91 de 20.11, nulidade que se mantém atentos os regimes subsequentes, designadamente dos DL 555/99 de 16/12 com as sucessivas alterações pelos Decretos-Lei 177/2001 de 4/6 e 67/2006 de 4/9.
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Invocou para tanto, em síntese, que o preâmbulo do Regulamento do Plano Director Municipal de G... não pode, nem deve, pronunciar-se sobre matéria omissa no respetivo diploma; que o articulado do Regulamento do Plano Director Municipal não refere, em ponto algum, que o licenciamento de construções previsto no artigo 58.º, quando se realizar em violação das regras do Regulamento do Plano Director Municipal, está sujeito às sanções de embargo e demolição; que o artigo 58º deste Regulamento refere precisamente o contrário, quando refere que as edificações construídas sem prévia autorização da Câmara Municipal poderão ser licenciadas ou legalizadas não respeitando todas as disposições do Plano; que o princípio da protecção do existente, também chamado de “garantia de existência”, determina que as edificações legalizáveis ao abrigo do direito anterior e as utilizações respectivas não são afectadas por normas legais e regulamentares supervenientes; que a sanção de demolição, referida na sentença recorrida, para além de ilegal, como se viu, é violadora do princípio da proporcionalidade, uma vez que a demolição deve ser sempre encarada como uma última ratio; que o prazo previsto no artigo 58.º do é um prazo de caducidade do direito à licença ou à legalização; que este direito é disponível, pelo que é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303.º do Código Civil; que o Ministério Público, A. desta acção, não invocou a caducidade do direito à licença ou à legalização, na petição inicial, nem pode dizer-se que o alegado nos artigos 33º e seguintes deste articulado é suficiente para o efeito, sucedendo ainda que o Ministério Público não tem sequer legitimidade para invocar a caducidade, visto que só as partes interessadas – Câmara Municipal e a Promotora – poderiam fazê-lo, pelo que o Tribunal ao conhecer dessa caducidade que não foi suscitada pelas partes, designadamente pelo Ministério Público, incorreu em excesso de pronúncia, o que torna a sentença nula (artigos 95º nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 668º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil); que a decisão recorrida viola, por isso, claramente, e entre outras acima referidas, as normas dos artigos 58º do Regulamento do Plano Director Municipal e 303º do Código Civil.
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O Recorrido Município G... contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido.
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A Mmª Juiz a quo pugnou pela não verificação da nulidade imputada à sentença recorrida de excesso de pronúncia prevista no artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil (de 2013).
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1ª) O preâmbulo não pode nem deve pronunciar-se sobre matéria omissa no respetivo diploma.
2ª) O articulado do Regulamento do Plano Director Municipal não refere, em ponto algum, que o licenciamento de construções previsto no artigo 58.º, quando se realizar em violação das regras do Plano Director Municipal, está sujeito às sanções de embargo e demolição.
3ª) O artigo 58º do Regulamento do Plano Director Municipal refere precisamente o contrário, quando refere que as edificações construídas sem prévia autorização da Câmara Municipal poderão ser licenciadas ou legalizadas não respeitando todas as disposições do Plano.
4ª) O Tribunal a quo, na sentença recorrida, indevidamente, lançou mão de um parágrafo do respectivo preâmbulo para preencher aquilo que considerou ser uma lacuna do Regulamento do Plano Director Municipal.
5ª) Não podia o Tribunal a quo concluir que o licenciamento em causa, porque previsto no artigo 58.º do Regulamento do Plano Director Municipal, na medida em que realizado em violação das regras do Regulamento do Plano Director Municipal, estava sujeito às sanções de embargo e demolição e que, por isso, o acto praticado foi ilegal e é nulo.
6ª) O princípio da protecção do existente, também chamado de “garantia de existência”, determina que as edificações legalizáveis ao abrigo do direito anterior e as utilizações respectivas não são afectadas por normas legais e regulamentares supervenientes.
7ª) A sanção de demolição, referida na sentença recorrida, para além de ilegal, como se viu, é violadora do princípio da proporcionalidade, uma vez que a demolição deve ser sempre encarada como uma última ratio.
8ª) O prazo previsto no artigo 58.º do Regulamento do Plano Director Municipal é um prazo de caducidade do direito à licença ou à legalização.
9ª) O direito à licença ou à legalização, consagrado no artigo 58º do Regulamento do Plano Director Municipal, é claramente um direito disponível, pelo que é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303.º do Código Civil.
10ª) Aplicando este regime à situação em apreço o tribunal não pode suprir, de ofício, a caducidade, uma vez que esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita.
11ª) O Ministério Público, Autor desta acção, não invocou a caducidade do direito à licença ou à legalização, na petição inicial, nem pode dizer-se que o alegado nos artigos 33º e seguintes deste articulado é suficiente para o efeito, sucedendo ainda que o Ministério Público não tem sequer legitimidade para invocar a caducidade, visto que só as partes interessadas – Câmara Municipal e a Promotora – poderiam fazê-lo.
12ª) Estava vedado ao Tribunal a quo declarar a caducidade do direito e, nessa medida, a violação do Regulamento do Plano Director Municipal e a nulidade do acto.
13ª) O tribunal a quo conheceu de uma questão (a caducidade do direito) que não foi suscitada pelas partes, designadamente pelo Ministério Público, pelo que incorreu em excesso de pronúncia, o que torna a sentença nula (artigos 95º nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 668º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil).
14ª) A decisão recorrida viola, por isso, claramente, e entre outras acima referidas, as normas dos artigos 58º do Regulamento do Plano Director Municipal e 303º do Código Civil.
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II –Matéria de facto.
Ficaram provados os seguintes factos na decisão recorrida que nesta parte não mereceu reparos:
1. Em 07.11.1996, a Contrainteressada MCF deu entrada de um requerimento nos Serviços Técnicos da Câmara Municipal G... para o licenciamento da operação de loteamento – cfr. documento 1 junto com a petição inicial.
2. O loteamento situa-se no lugar de O…, Freguesia de S…, G..., em prédio descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº39 092 e inscrito na matriz predial rústica sob os nºs 154 e 968, com a área de 12975 m2 – cfr. documento 1 junto com a petição inicial.
3. Este requerimento deu início ao processo nº 236/96 da Câmara Municipal G... – cfr. documento 1 junto com a petição inicial.
4. Por inação da Requerente o processo foi considerado deserto, e em 24.02.2000 a mesma requerente MCF veio solicitar à Câmara Municipal G... a reapreciação do processo de loteamento com o nº 236/96 – cfr. documento 2 junto com a petição inicial.
5. A Requerente pretendia a reavaliação do processo de loteamento com vista à legalização das habitações existentes segundo a informação dada pela Divisão de Gestão Urbanística em 11.04.2000 – cfr. documento 2 junto com a petição inicial.
6. Nos termos da mesma informação “Dado tratar-se de construções anteriores a Fevereiro de 1992, ao abrigo do artigo 58º do PDM, julga-se viabilizar a revalidação do processo.”, o requerimento foi deferido por despacho em 27.04.2000 – cfr. documento 3 junto com a petição inicial.
7. A 22.05.2000 foi dado parecer final, onde se estabeleceram as condições para a emissão do alvará da operação de loteamento com obras de urbanização no processo n° 236/96 – cfr. documento 4 junto com a petição inicial.
8. Em 23.07.2001 foi apresentada a memória descritiva da operação de loteamento, onde foi retificada a área do prédio a lotear, passando dos referidos 12 795m2 para 10 531m2, sendo a área a lotear de 8 045 m2, as cedências para alargamento do caminho e arruamentos de 1 886 m2 – cfr. documento 5 junto com a petição inicial.
9. A 10.08.2001 foi dada a informação final, com base no qual e na informação de 05/09/2001, foi proposto o deferimento do requerido nos termos e condições dessas informações, que veio a ser deferido – cfr. documento 6 junto com a petição inicial.
10. Em 12.11.2001 foi emitido o Alvará de Loteamento nº 46/01 através do qual foi licenciado o loteamento e as respetivas obras de urbanização, que incidem sobre o prédio sito no lugar do Monte dos O…, Freguesia de S…, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n° 00257/S… (parte), a desanexar do omisso à matriz da respetiva Freguesia, (corresponde aos artigos 154 e 968 da anterior matriz) – cfr. documento 7 junto com a petição inicial.
11. A área do prédio a desanexar, nos termos do alvará é de 9 931,00 m2, com as confrontações ali previstas sendo constituídos 10 lotes, com a área total de implantação de 11 405,00 m2, a área total de construção de 2 429,00 m2 e um volume total de construção de 6881,00 m3 – cfr. documento 7 junto com a petição inicial.
12. Dos 10 lotes descritos no alvará de loteamento, 8 destinavam-se a habitação, 1 a habitação ou comércio ou indústria e 1 a armazém, com as seguintes descrições:
• Lote nº 1, com a área de 450,00 m2, a confrontar do Norte com terreno sobrante da própria (MCF), Sul com caminho público, Nascente com JVE e do Poente com arruamento do loteamento. Este lote destina-se a um edifício com 1 piso, para habitação unifamiliar, isolada. As áreas máximas de implantação e construção e o volume máximo de construção são de 140,00 m2, 140,00 m2 e 420,00 m3, respetivamente.
• Lote nº 2, com a área de 340,00 m2, a confrontar do Norte com lote 3, Sul com terreno sobrante da própria (MCF), Nascente com JVE e do Poente com arruamento do loteamento. Este lote destina-se a um edifício com 3 pisos, para habitação unifamiliar, isolada. As áreas máximas de implantação, construção e o volume de construção, são de 125,00 m2, 375,00m2 e 1.125,00 m3, respetivamente.
• Lote nº 3, com a área de 960,00 m2, a confrontar do Norte com JS, Sul com lote 2, Nascente com ASCM e do Poente com arruamento do loteamento. Este lote destina-se a um edifício com 2 pisos, para habitação uni familiar isolada. As áreas máximas de implantação, construção e o volume de construção, são de 148,00m2, 296,00 m2 e 888,00 m3, respetivamente.
• Lote nº 5, com a área de 55,00 m2, a confrontar do Norte e Nascente com FC, Sul com JS e do Poente com arruamento do loteamento. Este lote destina-se a um edifício com 1 piso, para uma garagem. As áreas máximas de implantação, construção e o volume de construção são de 36,00 m2, 36,00 m2 e 108,00 m3, respetivamente.
• Lote nº 7 com a área de 985,00 m2, a confrontar do Norte com lote 8, Sul com AFS, Nascente com arruamento do loteamento e do Poente com MSF. Este lote destina-se a 2 edifícios, sendo 1 com 2 pisos, para 1 habitação e outro com 1 piso para 1 indústria ou armazém de materiais não poluentes que não acarretem riscos de incêndio, toxicidade ou explosão. As áreas máximas de implantação e construção e o volume máximo de construção, incluindo o anexo são de 412,00 m2, 574,00 m2 e 1.316,00 m3, respetivamente.
• Lote nº 8, com a área de 1 300,00 m2, a confrontar do Norte com lotes 9 e 12, Sul com lote 7, Nascente com arruamento do loteamento e do Poente com Herdeiros de FA. Este lote destina-se a um edifício com 2 pisos, para habitação unifamiliar, isolada. As áreas máximas de implantação e construção e o volume máximo de construção, são de 130,00 m2, 260,00 m2 e 780,00 m3, respetivamente.
• Lote nº 9, com a área de 600,00 m2, a confrontar do Norte com lote 10, Sul com lote 8, Nascente com arruamento do loteamento e do Poente com lote 12. Este lote destina-se a um edifício com 1 piso, para habitação unifamiliar, isolada, As áreas máximas de implantação, construção e o volume máximo de construção, são de 80,00 m2, 80,00 m2 e 240,00 m3, respetivamente.
• Lote nº 10 com a área de 705,00 m2, a confrontar do Norte com lote 11, Sul com lote 9, Nascente com arruamento do loteamento e do Poente com lote 12. Este lote destina-se a um edifício com 2 pisos, para habitação unifamiliar, isolada. As áreas máximas de implantação e construção e o volume máximo de construção são de 99,00 ni2, 198,00 m2 e 594,00 m3, respetivamente.
• Lote nº 11, com a área de 675,00 m2, a confrontar do Norte com lote 12 e arruamento do loteamento, Sul com lote 10, Nascente com arruamento do loteamento e do Poente com lote 12. Este lote destina-se a um edifício com 2 pisos, para habitação unifamiliar. As áreas máximas de implantação e construção e o volume máximo de construção são de 115,00 m2; 230,00 m2 e 690,00 m3, respetivamente.
• Lote nº 12, com a área de 1.975,00 m2, a confrontar do Norte com JSF, Sul com lotes 8 e 11, Nascente com lotes 9, 10, 11 e arruamento do loteamento e do Poente com Herdeiros de FA. Este lote destina-se a um edifício com 2 pisos, para habitação unifamiliar, isolada. As áreas máximas de implantação e construção e o volume máximo de construção são de 120,00 m2, 240,00 m2 e 720,00 m3, respetivamente
– cfr. documento 7 junto com a petição inicial.
13. Dispõe-se no mesmo alvará, como condicionantes, que são cedidos ao domínio público 1 886,00 m2 de terreno, sendo 1836,00 m2 para arruamentos e 50,00 m2 para alargamento do arruamento, de acordo com a planta aprovada no respetivo processo de loteamento – cfr. documento 7 junto com a petição inicial.
14. Por despacho de 24.08.2004 foram recebidas definitivamente as obras de infraestruturas do loteamento nº 46/01, conforme averbamento nº 4 do mesmo loteamento – cfr. documento 7 junto com a petição inicial.
15. MSF, dono do terreno que viria a constituir o lote nº 3 do Loteamento com alvará nº 46/01, requereu a legalização da construção que no mesmo existia em 04/01/1998, dando origem ao processo de obras nº 916/88, o qual viria, porém, a ficar deserto por inação do Requerente – cfr. documento 7 junto com a petição inicial.
16. Em 12.06.2002 o mesmo Requerente efetuou novo pedido de legalização da mesma construção, agora referenciada ao lote 3 do loteamento com alvará 46/01, o que foi deferido por despacho de 11.12.2002, sendo emitido alvará com o nº 1936/02 onde se aprovam as obras realizadas com a área de construção de 338 m2, destinadas a habitação unifamiliar, sendo concedida licença de utilização por alvará nº 1992 de 21.10.2003 – cfr. documento 7 junto com a petição inicial.
17. No lote nº 5 foi licenciada a construção de prédio destinado a garagem e arrumos requerida por MJCPS, no processo de obras nº 2666/96 – cfr. documento 8 junto com a petição inicial.
18. A legalização das obras foi deferida por despacho de 11.12.2002 e emitido o alvará com o nº 8/2003, onde está fixada área de construção em 35 m2 – cfr. documento 8 junto com a petição inicial.
19. A licença de utilização foi aprovada por despacho de 10.09.2003 com alvará nº 1684/2003 de 23.09.2003 – cfr. documento 8 junto com a petição inicial.
20. MCF, Contrainteressada, em 01.06.1990 requereu a legalização de construção destinada a armazém e arrumes, em terreno com a área de 660 m2, que viria a constituir o lote 7 do loteamento 41/06, dando origem ao processo de obras nº 2552/90, tendo sido indeferido por se considerar que no mesmo prédio existiam outras construções, o que figuravam um loteamento clandestino – cfr. documento 9 junto com a petição inicial.
21. Em 14.10.2004 apresentou, no mesmo processo, novo requerimento a pedir a legalização de habitação, anexo e armazém em terreno com a área de 995 m2, com alterações a levar a efeito, tendo sido deferidas por despacho de 28.01.2005, com emissão do alvará n° 204/05 em 07.02.2005, onde consta a aprovação das obras com a área de construção de 545 m2 com a implantação de 423 m2, com dois pisos, sendo 1 acima da cota da soleira e 1 abaixo dessa cota, sendo destinada a habitação unifamiliar a área de 101 m2, a armazém 392 m2, a anexo 52 m2 e a coberto 17 m2 – cfr. documento 10 junto com a petição inicial.
22. A licença de utilização para a habitação foi concedida em 12.09.2007, com alvará nº 1182/2007, que passou a constituir a fração B do prédio entretanto constituído em propriedade horizontal e para o armazém que passou a ser a fração A, por despacho de 02.06.2008, com alvará nº 588 de 11.06.2008 – cfr. docs. 10 e 11 juntos com a petição inicial.
23. AVC requereu em 23.04.2002 a legalização de construção sita no lote 8 do loteamento n° 46/01, dando origem ao processo n° 471/02, tendo sido deferido por despacho de 11.12.2002, sendo emitido o alvará nº 69/03, donde consta uma área de construção de 260 m2, com dois pisos acima da cota da soleira, destinados a habitação unifamiliar e um muro de vedação – cfr. documento 13 junto com a petição inicial.
24. Foi deferida a licença de utilização por despacho de 08.04.2003, sendo emitido o alvará de licença de utilização n° 1652/03 de 11.09.2003, deferido por despacho de 08.09.2003 – cfr. documento 13 junto com a petição inicial.
25. MJCPS, em 20.08.1986 requereu a legalização da construção efetuada em terreno com a área de 6 000 m2, que viria a constituir o lote 9 do loteamento 46/01, originando o processo n" 3288/86 – cfr. documento 13 junto com a petição inicial.
26. A legalização foi deferida por despacho de 13.12.2002, sendo emitido alvará com o n° 1970/2002, de 31.12.2002 aprovando as obras efetuadas no lote n° 9, com a área de construção de 107 m2, com dois pisos, sendo um abaixo da cota da soleira e um acima dessa cota, destinados a habitação unifamiliar, tendo a utilização sido aprovado por despacho de 10.09.2003, com alvará de utilização nº 1685/2003 de 23.09.2003 – cfr. documento 13 junto com a petição inicial.
27. A 16.04.2004 foi requerida a licença para executar obras de alteração com ampliação e construção de um anexo no referido lote 9, mantendo a área de 600 m2, tendo solicitado previamente a alteração do loteamento em que se previa a legalização de um anexo e criação de um novo anexo, bem como a alteração das áreas de implantação, construção e volumetria do edifício construído naquele lote, sendo alterado o número de pisos de acordo com o já aprovado no alvará 1970/02, de acordo com o aditamento nº 1/04 ao alvará 46/01, aprovado por despachos de 04.03.12 e 04.03.29 – cfr. documento 14 junto com a petição inicial.
28. Nos termos deste aditamento as áreas máximas de implantação, construção e volumetria são de 189,00 m2 (129,00 + 60,00), 222,00 m2 (162,00 + 60,00) e 615,00 m3 (477,00 + 138,00), respetivamente, sendo o licenciamento deferido por despacho de 19.07.2004 e emitido o alvará nº 1172/04 de 17.09.2004, com alvará de utilização 2435/2005, aprovado por despachos de 09.08.2005 – cfr. documento 14 junto com a petição inicial.
29. MAMN em 11.11.2002 requereu autorização para executar obras e a legalização de construção efetuada em terreno com a área de 705,00 m2, que viria a constituir o lote 10 do loteamento 46/01, sendo junto ao processo 3131/86 – cfr. documento 15 junto com a petição inicial.
30. A legalização foi deferida por despacho de 05.03.03, sendo emitido alvará com o n° 364/03, de 18.03.2003, com uma área de construção de 190 m2 e dois pisos, sendo um abaixo da cota da soleira e um acima dessa cota, com destino a habitação unifamiliar e um muro de vedação – cfr. documento 15 junto com a petição inicial.
31. A licença de utilização foi deferida por despacho de 14.04.2003, sendo emitido o alvará n° 781/03 de 14.04.2003 – cfr. documento 15 junto com a petição inicial.
32. Como resulta do supra exposto a Contrainteressada MC procedeu à divisão em 10 lotes do prédio descrito, o qual vendeu a diversos compradores, atuais donos dos lotes 1,2,3, 5, 8, 9, 10, 11 e 12, onde foram construídas moradias, tendo ficado com o lote nº 7 onde procedeu à construção supra referenciada.
33. Relativamente aos lotes nº 1,2, 11 e12 não existem registos de entradas na Câmara Municipal G... que tenham dado origem a processos de construção, ou seja, relativamente às construções existentes nos lotes nº 1, 2 e 11 não foi requerida qualquer licença de construção ou legalização no lote nº 12 não foi feita qualquer construção – cfr. documento 16 junto com a petição inicial.
34. Em 13.10.1994 entrou em vigor o PDM de G... que classificou o terreno em causa como de construção dominante e uma pequena parte como zona não urbanizável.
35. Todos os edifícios construídos ou a construir situam-se na referida zona de construção dominante.
36. Desta forma entendeu a Câmara, de acordo com a informação técnica de 15.8.1998, que a pretensão de legalização do loteamento entrada na Câmara em 07.11.1996, reunia os requisitos exigidos pelo artigo 58° do Regulamento do Plano Director Municipal – cfr. documento 17 junto com a petição inicial.
37. Foi emitida informação no sentido da legalização pelo Gabinete de Regularização de Clandestinos – cfr. documento 17 junto com a petição inicial.
38. Relativamente às construções existentes, foi analisada e verificada a sua conformidade com as normas do Plano Director Municipal – cfr. documento 18 junto com a petição inicial.
39. Não está representado no projeto aprovado o arruamento que serve o loteamento em causa; o requerente tem disponível terreno destinado ao estacionamento nas traseiras dos lotes – cfr. documento 18 junto com a petição inicial.
40. A mancha construtiva do lote nº 7 diz respeito a armazém com 397 m2 de área – cfr. documento 18 junto com a petição inicial.
41. Os edifícios construídos nos lotes n° 2 e 7 têm uma altura de meação de 5,61 metros – cfr. documento 18 junto com a petição inicial.
42. A petição inicial que motiva os presentes autos deu entrada neste Tribunal em 17.09.2009 – cfr. folha 1 dos autos em suporte físico.
*
III - Enquadramento jurídico.
1.Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia – artigo 615º nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil de (2013).
O artigo 58º do Regulamento do Plano Director Municipal de G..., ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 101/94 previa um prazo de caducidade de um ano a partir da data da publicação deste Regulamento, 13.10.1994, para licenciamento ou legalização de edificações sem prévia autorização da Câmara Municipal desde que reúnam cumulativamente as seguintes condições:
a) A obra tenha sido iniciada em data anterior a Fevereiro de 1992;
b) Obtenham parecer favorável das entidades competentes em razão da matéria;
c) Obtenham parecer favorável da comissão de regularização de clandestinos, já criada para o efeito em Março de 1993.
Em 07.11.1996, a Contrainteressada MCF deu entrada de um requerimento nos Serviços Técnicos da Câmara Municipal G... para o licenciamento da operação de loteamento (facto 1 dado como provado), pelo que o pedido de licenciamento e legalização do loteamento só é feito dois anos depois da publicação do Plano Director Municipal de G... (13.10.94).
Tal prazo de um ano é um prazo de caducidade do direito ao licenciamento e legalização que está na disponibilidade das partes, aplicando-lhe o artigo 303º do Código Civil, por força do disposto no artigo 333º nº 2 do mesmo Código.
Aplicando este regime à situação em apreço o Tribunal não pode invocar, oficiosamente, a caducidade, tendo a mesma que ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita.
O Ministério Público, Autor desta acção, contrariamente ao que sustenta o Município G..., invocou a caducidade do direito à licença ou à legalização, na petição inicial nos artigos 33º e seguintes, que aqui se reproduzem:
“Artigo 33º - Acresce que o artigo 58º do PDM determina que a possibilidade de legalização das edificações ocorra no prazo de um ano contado da data da entrada em vigor do PDM, o que manifestamente também não aconteceu.
Artigo 34º - O PDM de G... foi publicado em 13.10.1994, data em que entrou em vigor, vide artigo 18º nº 3 do DL nº 69/90, de 02/03, e o requerimento de legalização entrou na Câmara Municipal em 07/11/1996, sendo certo que tal processo caducou, tendo sido reaberto e reapreciado em 27/04/2000 (docs. 1 e 2).
Artigo 35º - Tinham já decorrido mais de dois anos sobre a data de entrada em vigor do PDM, pelo que não podia aquele normativo ser-lhe aplicável.”
Efetivamente, o alegado corresponde à invocação da caducidade do direito ao licenciamento ou legalização do loteamento e posteriores edificações nele construídas, em consequência do que não se verifica nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia, já que o Tribunal se pronunciou sobre questão que, apesar de não qualificada de caducidade, qualificação que este Tribunal é livre de fazer, foi qualificada de impossibilidade de aplicação do normativo do artigo 58º do Plano Director Municipal, que é o efeito da caducidade prevista nesse normativo.
Tanto basta para considerar que esta foi tempestivamente suscitada na petição inicial e devidamente apreciada pelo Tribunal.
No recurso, o Município G... coloca também a questão da falta de legitimidade do Ministério Público para suscitar tal questão, defendendo que só as partes interessadas – Câmara Municipal e a Promotora do Loteamento poderiam fazê-lo.
Sem razão, face às competências atribuídas ao Ministério Público no artigo 9º nº 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002, aplicável aos presentes autos por força do disposto no artigo 15º, nº 2, do Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02.10.
Conclui o Recorrente que estava vedado ao Tribunal a quo declarar a caducidade do direito e, nessa medida, a violação do Regulamento do Plano Director Municipal de G... e a nulidade do acto e que o tribunal a quo conheceu de uma questão (a caducidade do direito) que não foi suscitada pelas partes, designadamente pelo Ministério Público, pelo que incorreu em excesso de pronúncia, o que torna a sentença nula (artigos 95º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil).
Sem razão, como já vimos, porque estas questões foram invocadas pelo Ministério Público, pelo que o Tribunal a quo tinha que sobre elas se pronunciar.
Improcede, pois, a nulidade da sentença invocada, uma vez que não se verifica excesso de pronúncia.
2. Da nulidade dos actos administrativos impugnados.
Em 07.11.1996 estava em vigor o Regulamento do Plano Director Municipal de G... a que supra já se fez alusão e, como já vimos, o primeiro acto administrativo impugnado violou o disposto no artigo 58º do referido Plano Director Municipal.
Qual a consequência da violação desse normativo?
O Plano Director Municipal não dispõe de norma que sancione a violação do mesmo, pelo que temos que nos socorrer do regime em vigor naquela data do licenciamento de obras particulares – Decreto-Lei nº 445/91, de 08.02.
A consequência é a da nulidade dos actos administrativos impugnados, por força do disposto no artigo 52º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 445/91, de 08.02, em vigor à data em que o primeiro acto administrativo impugnado foi praticado – 07.11.1996.
Os restantes actos administrativos impugnados são nulos por consequência da nulidade do primeiro – licenciamento da operação de loteamento.
Tais actos são nulos, não por força do que determina o preâmbulo do Regulamento do Plano Director Municipal de G... de G..., mas por força da referida disposição legal que comina tal nulidade para os actos administrativos que violem o disposto no plano municipal de ordenamento do território, que corresponde ao dito Regulamento do Plano Director Municipal de G....
3. Do princípio da protecção do existente, também chamado de “garantia de existência” e da violação de princípio da proporcionalidade.
Determina o artigo 139º nº 3 do Código do Procedimento Administrativo de 1991 que o disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.
O artigo 162º, nº 3, do Código do Procedimento Administrativo de 2015 vai mais longe e estabelece que o disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, de harmonia com os princípios da boa-fé, da protecção da confiança e da proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo.
Sabemos que estamos perante loteamento e edificações realizados antes de 1992 (facto 20º dado como provado)
A acção foi interposta em 17.09.2009, mais de dezassete anos depois dos factos que estão na origem dos actos impugnados e nulos.
Quando a acção foi interposta, já os proprietários dos lotes e edificações neles construídas os gozavam pacífica, pública e continuamente há mais de 17 anos, legitimando juridicamente a sua posição face à Administração.
Trata-se de atribuir efeitos ao tempo decorrido e de proteger a propriedade existente há longos anos. Pretende-se possibilitar a tutela de determinadas situações possessórias de facto, criadas à sombra de acto nulo não decorrendo, contudo, os pertinentes efeitos de direito do acto nulo, mas da aludida situação possessória.
Estamos perante a possibilidade de produção dos chamados efeitos putativos, desde que os rodeiem as circunstâncias de boa-fé, plausibilidade e estabilização no tempo, próprias da categoria dos efeitos putativos.
Seria claramente desproporcional não reconhecer à situação dos autos a produção de efeitos putativos de actos nulos, porque isso, no limite conduziria a demolição das edificações já existentes e habitadas há um longo período de tempo por comparação com a data da entrada da petição inicial.
Não se verifica, por outro lado, uma situação de má-fé por parte desses proprietários.
No caso concreto não era exigível aos mesmos que conhecessem que tinham um prazo de um ano a partir da publicação do Regulamento do Plano Director Municipal de G..., publicado em 13.10.1994, para requererem o licenciamento e legalização dos lotes e edificações neles construídas.
No caso concreto, a atribuição desses efeitos putativos é conforme aos princípios gerais de direito, concretamente aos princípios da boa-fé, da segurança e da certeza jurídicas e da protecção da confiança.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.01.2009, no processo 0962/08, de 08.01.2009, citando Marcelo Rebelo de Sousa:
"A verdade é que também há (pode haver) efeitos putativos ligados a outros factores de estabilidade de relações sociais, como os da protecção da confiança, da boa-fé, do sum quique tribuere, da igualdade, do não locupletamento e até da realização do interesse público - princípios que podem, todos, ser chamados a colmatar situações de injustiça derivadas da aplicação do princípio da legalidade e da “absolutidade”.
E, finalmente, chamando aqui à colação os fundamentos constantes do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.07.2014, no processo nº 01561/13:
“(…)
XXIV. Assim, importa ter presente, desde logo, que o princípio da boa fé encontra-se claramente positivado na nossa ordem jurídica mercê da sua consagração nos arts. 266.º da CRP e 06.º-A do CPA [mercê das alterações introduzidas neste Código pelo DL n.º 6/96, de 31.01].
(…)
XXXIII. Temos, por outro lado, que a exigência da proteção da confiança é também uma decorrência do princípio da segurança jurídica, imanente ao Estado de Direito, já que o princípio do Estado de Direito Democrático garante seguramente um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica.
(…)
XXXVII. Daí que a realização e efetivação do princípio do Estado de Direito, no nosso quadro constitucional, impõe que seja assegurado um certo grau de calculabilidade e previsibilidade dos cidadãos sobre as suas situações jurídicas, ou seja, que se mostre garantida a confiança na atuação dos entes públicos.
XXXVIII. É, assim, que o princípio da proteção da confiança e segurança jurídica pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos atos do poder, de molde a que a cada pessoa seja garantida e assegurada a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos atos que pratica
XXXIX. Assiste às pessoas o direito de poderem confiar que as decisões sobre os seus direitos ou relações/posições jurídicas tenham os efeitos previstos nas normas que os regulam e disciplinam.
XL. A propósito da “segurança jurídica” e da “proteção da confiança” refere o J.J. Gomes Canotilho que “… a segurança jurídica está conexionada com elementos objetivos da ordem jurídica - garantia da estabilidade jurídica, segurança de orientação e de realização do direito - enquanto a proteção da confiança se prende mais com as componentes subjetivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos. A segurança e a proteção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos atos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios atos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança são exigíveis perante qualquer ato de qualquer poder - legislativo, executivo e judicial. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de proteção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem o direito de poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico …” [in: “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7.ª edição, pág. 257].”
A considerarem-se como preenchidos em concreto os requisitos ou pressupostos integradores da violação dos princípios invocados pelos Recorrentes, em especial, os atrás enunciados quanto à boa-fé, proporcionalidade, garantia do existente há longos anos, protecção da confiança, é admissível preservar ou manter na ordem jurídica actos administrativos ilegais sancionados com o desvalor da nulidade, impedindo que os mesmos, assim, sejam com tal declarados e a situação de facto desprotegida juridicamente.
E não há quaisquer expectativas de terceiros susceptíveis de serem prejudicadas e dignas de tutela.
O caso dos autos é, portanto, um caso a integrar na previsão do artigo 134º nº 3 do Código do Procedimento Administrativo de 1991, do artigo 162º nº 3 do Código do Procedimento Administrativo de 2015.
Pelo que se impõe julgar a acção improcedente por verificada a excepção peremptória da atribuição de efeitos putativos à nulidade declarada.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, pelo que revogam a decisão recorrida e julgam a acção improcedente.
Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público – artigo 4º, nº 1, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 15.03.2019
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Conceição Silvestre