Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01808/12.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/18/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:IMI, FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:
I - Os actos tributários estão sujeitos a fundamentação (artigo 268.º, n.º 3, artigo 77.º da LGT e artigo 125.º do CPA).
II - A fundamentação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, quer resulte de avaliação quer resulte de actualização, deve ser comunicada ao sujeito passivo do IMI a liquidar com base nessa matéria tributável.
III - Se o não tiver sido, e também a liquidação de IMI não der a conhecer a forma como foi determinado o valor patrimonial tributário, aquela liquidação não pode ter-se por suficientemente fundamentada. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:E....., S.A.
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 30/03/2018, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida contra o acto tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), referente ao ano de 2011, no valor de €26.752,88 (primeira prestação), referente aos prédios registados sob os artigos 10389 e 11967 da matriz urbana da freguesia de P..., concelho do Porto; anulando-o.
O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. A douta sentença do Tribunal a quo concluiu pela procedência da presente impugnação, intentada contra a liquidação de IMI do ano de 2011, na parte relativa aos prédios urbanos, registados na matriz predial de P..., sob os art.s 10389 (fracções A, AC, AD, AE, AF, AG, AH, AI, AJ, AP, AQ, AR, AU, AX, AZ, B, BB, BC, BD, BE, BF, BG, BI, BJ, BL, C, D, E, F, G, I, J, L, M, N, O Q e U) e 11967, no valor de € 53 505,75, por falta de fundamentação da liquidação.
B. Ressalvado o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o que desta forma foi decidido, sendo outro o seu entendimento, considerando existir erro de julgamento de facto e erro de julgamento de direito, como a seguir se constatará.
C. Não obstante se encontrar em causa nos autos a liquidação de IMI, relativa ao ano de 2011, invoca a impugnante a falta de fundamentação da notificação respeitante à liquidação ora em crise, considerando que esta padece de ilegalidade por omissão das operações efectuadas para apuramento da matéria tributável, tanto mais que a mesma fundamentação também não foi efectuada no lançamento e liquidação referentes ao ano de 2003 e 2004.
D. Contudo, constata-se que a impugnante apenas discute a fixação dos valores patrimoniais tributários dos prédios e, porque discorda daquela fixação, vem questionar, nos presentes autos, a legalidade da liquidação controvertida por falta de fundamentação, erro nos pressupostos de direito e no lançamento do imposto.
E. Ora, resulta dos autos que a referida fixação do valor patrimonial resultou da aplicação directa da lei, pelo que a fundamentação existe e o desconhecimento da lei não pode aproveitar à impugnante.
F. Na verdade, aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 287/2003 e tendo em conta a desactualização dos valores patrimoniais dos imóveis em geral, foi estabelecido um conjunto de normas transitórias.
G. Tendo por base este regime transitório, a AT procedeu à actualização do valor patrimonial dos imóveis ora em crise e, uma vez notificada da actualização do valor patrimonial tributário assim efectuada, podia a ora impetrante reclamar, em conformidade com o art. 20.º da RTP, solicitar a sua determinação de acordo com as regras do CIMI (n.º 4 daquele preceito legal) e ainda deduzir impugnação judicial (n.º 5 do mesmo normativo).
H. Optou, no entanto, a impugnante por reclamar contra a liquidação do IMI relativo ao ano de 2003, invocando os mesmos fundamentos objecto da presente impugnação, designadamente, a falta de fundamentação, porquanto da mesma não consta a razão pela qual o valor patrimonial tributário dos imóveis é o que dali consta.
I. Porém, o acto de fixação do valor patrimonial consubstancia um acto destacável, autonomamente impugnável, conforme jurisprudência assente dos Tribunais Superiores.
J. E, uma vez consolidada a fixação do VPT, nos termos supra expostos, por não ter a ora impetrante utilizado qualquer dos meios de defesa ao seu dispor, nos termos do art. 20.º da RTP, foram, em conformidade, emitidas as competentes liquidações de IMI, nomeadamente, no que ao caso interessa, a liquidação relativa ao ano de 2011, ora controvertida.
K. Não obstante o que ficou exposto supra, pronunciou-se a douta sentença sob recurso pela deficiente fundamentação da liquidação.
L. Resulta, assim, que o Tribunal a quo concluiu pela falta de fundamentação da fixação do valor patrimonial tributário, matéria que não está em causa nos presentes autos.
M. Constata-se, no entanto, que da liquidação ora em crise consta a fundamentação necessária e que legalmente se impunha, como se concluirá.
N. Determina o n.º 2 do art. 77.º da LGT, que a fundamentação dos actos tributários deve conter sempre as disposições legais aplicáveis, a qualificação, a quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
O. Respeitando a notificação em crise à liquidação de IMI do ano de 2011, os elementos necessários para que se considere devidamente fundamentada dirão respeito ao cálculo do imposto em causa, que no caso se considera o imposto a que respeita o acto tributário e respectivo ano de imposto, a indicação da data da liquidação notificada, a identificação e localização dos imóveis em causa a indicação do valor patrimonial dos imóveis, a existência ou não de isenção, a identificação da taxa aplicável aos imóveis, a operação de apuramento da matéria tributável e o montante de colecta correspondente a cada prédio.
P. Neste sentido, veja-se os doutos Acórdãos do STA, de 2008/02/20, processo nº 0765/07 e de 2009/02/11, processo nº 0767/07, dos quais resulta que para efeito do de liquidação de contribuição autárquica (aplicável, ao IMI) se encontra devidamente fundamentado o acto de liquidação que indica a localização, o artigo matricial, o valor matricial, o valor patrimonial, a data de liquidação, o ano a que respeita, a taxa aplicável, a inexistência de isenção e a colecta correspondente a cada um dos prédios urbanos.
Q. Destarte, resta-nos concluir que à notificação do acto tributário ora em crise não falta qualquer elemento legalmente exigido, porquanto, tendo em conta os campos correspondentes, constantes da liquidação controvertida, conclui-se que todos aqueles elementos se encontram devidamente identificados, não restando qualquer dúvida em relação ao montante do tributo e aos cálculos em causa.
R. Entende, pois, a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento da matéria de facto, porquanto errou na valoração dos factos que considerou como provados.
S. Padece ainda a douta sentença sob recurso de erro de julgamento da matéria de direito, porquanto fez errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis in casu, que regem o regime transitório da RTP, mais concretamente o que resulta do disposto no art. 20.º da RTP, e do art. 77.º da LGT.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.”
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A Recorrida contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
1.º- Vem o presente recurso interposto, pela Fazenda Pública, da douta sentença de fls. 69/72 v.°, a qual julgou procedente, por provada, a impugnação judicial de fls. 3 e seguintes, anulando a liquidação impugnada, em IMI, ano de 2011 (artigos 10389 e 11967 da matriz urbana da freguesia de P..., concelho do Porto);
2.º- Dos fundamentos alegados pela ora Recorrida para obter a procedência do pedido de anulação da liquidação impugnada, a sentença sob recurso pronunciou-se apenas sobre o primeiro dos fundamentos invocados — VÍCIO DE FORMA, falta de fundamentação legalmente exigida.
3.°- Tendo dado por verificada, no caso, a falta de fundamentação legalmente exigida, a sentença recorrida considerou "prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados).
4.º- O âmbito do presente recurso é, consequentemente, restringido à decisão que julgou procedente o alegado vício de forma, consistente na falta da devida fundamentação do acto impugnado, o que determinou (e bem) a anulação deste.
5.º- Nas suas alegações (fls. 79/82 v.9 a Fazenda Pública, ora recorrente, tenta o impossível, que vem, aliás, tentando repetidamente e sem êxito — demonstrar que o documento de fls. 15 contém fundamentação suficiente do lançamento e da liquidação impugnados.
6.º- A verdade - que o próprio documento ostenta, como todos os documentos semelhantes, de cobrança, dos anos anteriores, de 2003 até 2011 - é que não há nele a fundamentação que a Recorrente pretende que haja: ele apenas refere a descrição do prédio; o ano a que respeita o imposto; o valor patrimonial tributário fixado; a taxa tributária aplicada; e a colecta apurada.
7.º-Mais nada vem referido, com interesse, para o efeito de se ter o acto por fundamentado, nos termos legalmente exigidos.
8.º- Nem no documento de fls. 15, nem em momento algum, designadamente no processo administrativo apenso, dá o autor do acto impugnado a menor explicação sobre o valor patrimonial tributário que considerou e, designadamente, como chegou a ele.
9.º- Como não dá a menor explicação sobre a escolha (entre outras legalmente previstas) da taxa tributária aplicada (0,70 %).
10.º- E essa explicação teria sempre de, no mínimo, ser expressa e acessível, clara, suficiente e contextuai.
11.º - Não foi tido em consideração que se tratava, no caso, de um imposto novo, que viera substituir a contribuição autárquica e que, em relação a esta, apresentava diferenças muito profundas, mormente no tocante à matéria de avaliação e fixação da realidade tributável (arts. 14.° a 111.° do Código do IMI) e ao(s) processo(s) de fixação da taxa (arts. 112.° e 112.°-A do Código do IMI).
12.º Como não foi tido em consideração que as regras utilizadas até então, durante quarenta anos, foram as do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (de 1963), que nada tinham a ver com o regime instituído pelo Código do IMI - inovador, complexo e muito diversificado, o qual, ao longo de mais de dez anos, continua a ser objecto de sucessivas alterações e aditamentos ao seu texto, e a suscitar justificadas controvérsias.
13.º- Não foi tido em consideração na liquidação ora impugnada, como não foi tido em consideração no primeiro ano de aplicação deste imposto (2003) e nos anos seguintes.
14.º- Daí as sucessivas impugnações invariavelmente apresentadas pela Recorrida
15.º- que só deixou de deduzir impugnação judicial desde 2012, ano em que foi feita avaliação geral dos prédios urbanos, com a subsequente notificação aos sujeitos passivos dos valores tributários atribuídos aos seus prédios, devidamente explicadas, nas respectivas notificações, as operações efectuadas.
16.°- Do que se observa do documento de fls. 15 e do processo administrativo apenso retira-se, inequívoca, a conclusão de que o acto tributário impugnado ­lançamento e liquidação do IMI de 2011 - não foi objecto de fundamentação expressa, acessível, clara, suficiente e contextuai.
17.° - Ficam, deste modo, prejudicadas as conclusões formuladas pela Recorrente (fls. 81 v. 0 /82 v.°), especialmente as conclusões M, O (em particular a referência à "operação de apuramento da matéria tributável'), Q, R e S.
18.º- Julgando como julgou, a sentença de fls. 69/72 v.° fez, na linha de orientação seguida pelos Tribunais Superiores do Contencioso Tributário, correcta interpretação da Lei e do Direito, não merecendo qualquer censura.
Nestes termos e nos mais, de Direito, aplicáveis, deve ser negado provimento ao presente recurso e confirmada a douta sentença de fls. 69/72 v.", para que assim se cumpra a LEI e se faça JUSTIÇA.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir que o acto de liquidação de IMI padecia de vício de forma, por falta de fundamentação.
III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
III-A Factos provados
A – A Impugnante foi notificada da seguinte liquidação de IMI do ano de 2011, que consta de fls. 15 dos autos (p.f.):

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

B) A presente impugnação foi apresentada neste Tribunal em 10-07-2012, cfr. teor de fls. 3 dos autos.
C) A Impugnante pagou a liquidação impugnada em 19-04-2012, cfr. teor de fls. 16 dos autos (p.f.).
III – B - Factos não provados:
Inexistem, com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A factualidade supra referida foi apurada com base nos documentos juntos aos autos e constantes no Processo Administrativo apenso.”
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2. O Direito
A Recorrida deduziu a presente impugnação judicial com fundamento na falta de fundamentação da liquidação e erro, de facto e de direito, no lançamento e liquidação do IMI, do ano de 2011, com relação aos prédios urbanos, registados na matriz predial de P..., sob os artigos 10389.º (fracções A, AC, AD, AE, AF, AG, AH, AI, AJ, AP, AQ, AR, AU, AX, AZ, B, BB, BC, BD, BE, BF, BG, BI, BJ, BL, C, D, E, F, G, I, J, L, M, N, O Q e U) e 11967.º.
A sentença começou pela apreciação do vício de falta de fundamentação, aliás o indicado em primeiro lugar na petição inicial, e, face à resposta que deu a essa questão, considerou prejudicada a apreciação da questão do vício de violação de lei por erro nos pressupostos da liquidação.
A Fazenda Pública, inconformada com a resposta dada na sentença à questão da falta de fundamentação, veio interpor o presente recurso, invocando erro de julgamento de facto e de direito.
Para concluir pela insuficiente fundamentação da liquidação impugnada, a sentença apoiou-se em vários acórdãos já proferidos pelos tribunais superiores, noutros processos apresentados pela Recorrida, designadamente no Acórdão proferido pelo TCA Norte no processo n.º 1293/11.3BEPRT, em 26-03-2015, ponderando, além do mais, o seguinte:
«(…) É esta, por conseguinte, a tese que se continua a defender. Torna-se necessário que a AT notifique de alguma forma o contribuinte das razões de facto e de direito (fundamentação) que presidiram à fixação do VPT, o que não aconteceu no caso em apreço. (…)
Voltando ao caso dos autos, também nele não se encontra demonstrado que a Impugnante tivesse sido notificada da fundamentação do valor patrimonial que dá origem à liquidação impugnada.
Assim, com a fundamentação supra explanada, só poderemos reconhecer razão à Impugnante, anulando a liquidação impugnada parcialmente, por falta de fundamentação, resultando prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados (…).”
É com este modo de ver que a Recorrente se não conforma e isso, essencialmente, porque o apontado vício de forma vem referido à omissão, no acto de liquidação, da fundamentação do acto de fixação dos valores patrimoniais tributários dos imóveis em crise. Ora, a seu ver, esse acto de fixação dos valores patrimoniais tributários já está consolidado na ordem jurídica, dado que a impugnante, ora Recorrida, notificada da actualização do VPT não exerceu relativamente a ele os direitos e garantias impugnatórias previstas no art.º20.º do DL n.º287/2003, de 12 de Novembro, salientando o incontroverso carácter destacável desse acto. Nessa medida, ainda a seu ver, a fundamentação do acto de fixação dos valores patrimoniais não integra a fundamentação do acto de liquidação.
Sucede, porém, que nem o probatório, nem os elementos dos autos e apenso instrutor, suportam a afirmação de que a impugnante foi notificada da fundamentação do acto de fixação do VPT resultante de actualização, não tendo a AT, nem a Fazenda Pública, tratado de juntar qualquer documento comprovativo desse facto, como era seu ónus, não obstante a impugnante alegar na petição inicial, nomeadamente e entre o mais, que «nem na notificação feita pelo doc. de cobrança do IMI de 2003, nem no cit. doc.1 [refere-se ao doc. de cobrança de 2011] se faz qualquer referência, mesmo que de forma sumária, à razão por que o valor patrimonial tributário e a taxa tributária são os que vêm indicados naquele documento, (nenhuma referência se encontrando, também a este respeito, no processo administrativo), ficando a impugnante no desconhecimento absoluto das operações efectuadas para o apuramento da matéria tributável (valor patrimonial tributário) e das razões que levaram à fixação da taxa utilizada».
Isso assente, sobre questão em tudo idêntica à dos autos, já se pronunciou o STA, no Acórdão, de 19/09/2012, tirado no processo n.º 0659/12, cuja linha decisória, a que aderimos integralmente, importa ter em conta visando uma interpretação e aplicação uniformes do direito, como preconiza o artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil.
Com a devida vénia, transcrevem-se os excertos relevantes daquele aresto:
«A questão suscitada nos autos resume-se a saber se os elementos constantes daquela nota, por que foi notificada a liquidação ao sujeito passivo, são ou não suficientes para dar cumprimento às exigências legais de fundamentação, designadamente se a declaração fundamentadora deve integrar os motivos por que o VPT foi fixado no montante aí referido.
Vejamos:
Como é sabido o IMI, nos termos do art. 1.º do respectivo Código (CIMI), «incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português».
De acordo com o disposto no art. 113.º, n.º 1, do mesmo Código, «[o] imposto é liquidado anualmente, […] com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita».
O pagamento do imposto é a efectuar «em duas prestações, nos meses de Abril e Setembro, desde que o seu montante seja superior a (euro) 250» (cfr. art. 120.º, n.º 1, do CIMI), sendo que, para efeito da respectiva cobrança, dispõe o art. 119.º do CIMI que «[o]s serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança» (n.º 1), sendo que, se tal documento não for recebido, o contribuinte « deve solicitar em qualquer serviço de finanças uma 2.ª via» (n.º 3).
O mesmo art. 119.º determina, no seu n.º 1, que a nota de cobrança deve conter a «discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios».
Das normas referidas resulta que tem razão a Recorrente quando afirma que a lei não exigiu que a fundamentação da fixação do VPT constasse da nota de cobrança a enviar ao sujeito passivo. E bem se compreende que não tenha feito essa exigência.
Na verdade, em sede de IMI, a lei prevê um procedimento de determinação da matéria tributável – a avaliação do prédio (art. 14.º do CIMI) – que termina com o acto de fixação do VPT que serve de base à liquidação do imposto. Este acto, como é sabido, é um acto destacável para efeitos de impugnação contenciosa, pelo que é autonomamente impugnável, numa excepção ao princípio da impugnação unitária que, em regra, vigora no processo tributário (cfr. art. 134.º do CPPT) e que se encontra «em sintonia com o preceituado no art. 86.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que os actos da avaliação directa são directamente impugnáveis» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume II, anotação 5 ao art. 134.º, pág. 433.).
Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[t]ratando-se de actos destacáveis e inexistindo qualquer restrição relativa às ilegalidades que podem ser objecto de impugnação contenciosa, os vícios de que enferme o referido acto de avaliação apenas poderão ser arguidos em impugnação do acto de avaliação e não do acto de liquidação que seja praticado com base naquele, já que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vício deste acto para efeitos de impugnação contenciosa » (Ibidem.).
O que significa, para além do mais, que o sujeito passivo do IMI deverá ser notificado da avaliação e do resultado da mesma – a fixação do VPT – antes de ser efectuada e notificada a liquidação do imposto.
É certo que, transitoriamente, o VPT pode resultar, não de avaliação, mas de actualização, de acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Dezembro, por que se operou a reforma da tributação do património imobiliário, nomeadamente mediante a aprovação do CIMI. Neste diploma legal foi previsto um regime transitório de actualização dos valores patrimoniais tributários até que esteja concluída a avaliação geral dos prédios urbanos, para a qual foi fixado um prazo de dez anos (Actualmente, tendo por base a emergência de medidas que se conformem com o “Memorando de Entendimento com a Troika” e a necessidade de controlar o défice e descontrolo das contas públicas, o Governo determinou, através da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro, a aprovação de alterações ao referido Decreto-Lei, tendo em vista a regulamentação do regime da Avaliação Geral de Prédios Urbanos e avançando, assim, com a avaliação de todos os prédios, ainda não avaliados, no âmbito do CIMI.).
Mas, ainda nesse caso, o sujeito passivo do IMI deverá ser notificado do resultado da actualização – em que influem diversos factores, designadamente o facto de estarem ou não arrendados –, o qual, nos termos do art. 20.º pode dar lugar a reclamação (n.ºs 1 a 3), a requerimento para a determinação do VPT através das regras do CIMI (n.º 4) ou mesmo a impugnação judicial (n.º 5).
Em suma, seja qual for o modo por que foi obtido o VPT – por avaliação ou por actualização ao abrigo do regime transitório –, sempre o mesmo deverá ser notificado ao sujeito passivo do IMI antes da liquidação do imposto. Aliás, a LGT faz depender a eficácia da decisão do procedimento da sua notificação (cfr. art. 77.º, n.º 6), exigência reafirmada pelo n.º 1 do art. 36.º do CPPT, que dispõe: «Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados».
[…] o Impugnante alegou que nunca lhe foram dados a conhecer os motivos de facto e de direito (a fundamentação) por que o VPT foi fixado no montante que se encontra referido na nota de cobrança relativa à 1.ª prestação do IMI do ano de 2005. Conhecimento que se impunha lhe fosse dado, tanto mais que a referida reforma da tributação do património imobiliário introduziu importantes alterações no modo de determinar o VPT.
Tal fundamentação, caso o sujeito passivo tivesse já sido notificado dos motivos por que o VPT fora fixado naquela concreta quantia, seria dispensável naquela nota – que, como vimos, apenas tem que respeitar os requisitos do art. 119.º, n.º 1, do CIMI –, como o próprio parece reconhecer no item 12.º da petição inicial. Mas, caso o sujeito passivo nunca tenha sido notificado das razões por que o VPT – a matéria tributável sobre a qual incide o IMI – foi fixado, então impõe-se que o seja naquele momento, como resulta do n.º 2 do art. 77.º da LGT, que estabelece que «A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
Se o sujeito passivo não tiver já sido notificado do modo como foi apurada a matéria tributável – como foi achado o VPT – então deverá sê-lo quando for notificado da liquidação, sob pena de, no desconhecimento dos motivos por que se chegou ao VPT, não ficar em condições de conhecer os motivos subjacentes à liquidação e, consequentemente, não poder optar conscienciosamente entre a aceitação do acto ou a reacção, graciosa ou contenciosa, contra o mesmo.
Foi isso que se decidiu no acórdão desta Secção proferido em 19 de Abril p.p. no processo com o n.º 36/12 (...), em cujo sumário pode ler-se: «A liquidação de IMI que não dá conta alguma da forma como foi determinado o valor patrimonial tributário não pode ter-se por suficientemente fundamentada, a menos que se demonstrasse que a AT anteriormente tinha procedido à pertinente comunicação dos motivos por que esse valor foi fixado no montante considerado naquele acto». Na verdade, nesse processo, como no ora sob exame, tendo o Recorrente alegado que nunca antes de ter sido notificado da liquidação do IMI lhe foram comunicadas as razões da fixação da matéria tributável (o VPT) e não se tendo feito prova desse facto (que nem sequer foi impugnado) – sendo que o non liquet desfavorece a AT, pois sobre ela recai o ónus da respectiva prova (cfr. art. 74.º, n.º 1, da LGT) –, considerou-se verificada a insuficiência da fundamentação da liquidação.
É essa a tese que continuamos a sustentar: não estando demonstrado que a AT tenha alguma vez notificado o sujeito passivo das razões de facto e de direito que presidiram à fixação do VPT, não podemos deixar de concluir pela falta de fundamentação da liquidação.
(…)».
Ora, como acima dissemos, os autos não indicam minimamente que a Recorrida tenha sido notificada, em momento algum, com referência aos imóveis a que respeita a liquidação do IMI do acto de fixação do VPT resultante de actualização, pelo que, não o tendo sido e também não dando a nota de liquidação a conhecer o modo como foi determinado o VPT, aquela liquidação não pode ter-se por suficientemente fundamentada, tanto mais que o n.º 2 do artigo 77.º da LGT impõe que a fundamentação dos actos tributários seja integrada, entre o mais, pelas operações de apuramento da matéria tributável.
Em conclusão, temos como certo que o acto tributário sindicado está insuficientemente fundamentado, o que consubstancia vício de forma que determina a sua anulação, como bem decidiu a sentença recorrida que merece ser confirmada, assim se negando provimento ao recurso. [Neste mesmo sentido já julgou este Tribunal, relativamente aos mesmos prédios, mas referente a liquidação de IMI do ano de 2006, por Acórdão de 15/09/2016, proferido no âmbito do processo n.º 1067/07.6BEPRT]
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Conclusões/Sumário
I - Os actos tributários estão sujeitos a fundamentação (artigo 268.º, n.º 3, artigo 77.º da LGT e artigo 125.º do CPA).
II - A fundamentação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, quer resulte de avaliação quer resulte de actualização, deve ser comunicada ao sujeito passivo do IMI a liquidar com base nessa matéria tributável.
III - Se o não tiver sido, e também a liquidação de IMI não der a conhecer a forma como foi determinado o valor patrimonial tributário, aquela liquidação não pode ter-se por suficientemente fundamentada.
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IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 18 de Outubro de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro