Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00367/04
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/12/2006
Relator:Aníbal Ferraz
Descritores:PRESCRIÇÃO DA PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário:1. Em matéria de “prescrição da prestação tributária”, após alguma tergiversação, a jurisprudência coeva, destacadamente ao nível deste TCAN, assentou e cimentou premissas, gerais e abrangentes, tais como:
- em situações onde ocorra aplicação e “colisão sucessiva” dos prazos, de 20 e 10 anos, fixados, respectivamente, nos arts. 27.º CPCI e 34.º CPT, têm as mesmas de ser reguladas pela aplicação do princípio geral de direito, consagrado no art. 279.º n.º 1 Cód. Civil;
- com relação ao aspecto da interrupção, por causas taxativamente previstas nas leis tributárias, da prescrição, “o efeito da interrupção só cessa se o processo que constitui a causa interruptiva estiver parado mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte”; noutra formulação, a prescrição não corre após o funcionamento de uma causa interruptiva e só volta a progredir se cessar o efeito interruptivo, degenerando em efeito suspensivo, por virtude de o respectivo processo hibernar mais de um ano por causa alheia à conduta do contribuinte/devedor, sendo que, neste cenário, a contagem do prazo prescricional aplicável se faz pela adição, ao período temporal que se inicia após esse ano, do tempo que havia decorrido até ao momento da interrupção;
- travada a prescrição por uma das causas previstas na lei, tornam-se inconsequentes factos ou causas seguintes, ainda que idóneas a provocar a interrupção da prescrição, porquanto “a lei não quer interrupções sucessivas da prescrição”;
- com relação ao aspecto da paragem do processo agente da interrupção, o critério para avaliar da respectiva verificação e preenchimento terá de ser “o da relevância dos actos praticados, desde que permitidos por lei, relativamente ao fim prosseguido”; que, por exemplo, no caso da execução fiscal, corresponderá à cobrança coerciva da dívida;
- a prescrição das dívidas tributárias é de conhecimento oficioso e pode, não constituindo fundamento legal de afronta da legalidade da liquidação, ser apreciada em processo de impugnação judicial, provocando, se assumida, a extinção da respectiva instância por inutilidade superveniente da lide, desde que, entretanto, não tenha acontecido o pagamento da prestação devida.
2. Nestes autos, estando em causa IRS do ano de 1989, sendo aplicável o regime positivado no art. 34.º CPT, contando-se o prazo prescricional a partir de 1.7.1991 (não obstante ter-se iniciado em 1.1.1990), na medida em que a p.i. deste processo impugnatório foi apresentada em 5.8.1994, nos termos do art. 34.º n.º 3 CPT, interrompeu-se o decurso do prazo prescricional em curso. Ora, tendo sucedido que o presente processo de impugnação judicial esteve parado, sem qualquer movimentação processual, aguardando a prolação de despacho (judicial) inicial, necessariamente, por não se tratar de facto imputável aos impugnantes, cessou tal efeito interruptivo, que, degenerando em efeito suspensivo, implicou o reinício da contagem do prazo em 20.5.1997 e a soma do tempo a partir de então consumido àquele que havia decorrido desde 1.1.1990 até 5.8.1994, ou seja, 4 anos, 7 meses e 5 dias. Na medida em que a sentença foi proferida a 18.5.2004, nitidamente, estava decorrido o prazo prescricional de 10 anos, previsto, como geral, no art. 34.º n.º 1 CPT.
3. Tendo-se apurado a instauração, em 7.9.1994, de processo executivo para cobrança coerciva da dívida dos impugnantes, em virtude de a apresentação do presente processo de impugnação judicial haver acontecido no dia 5.8.1994, determinando nessa data a interrupção do prazo prescricional em curso, o ulterior avanço e recurso ao processo de execução fiscal tornou-se, tal como e pelas razões supra apontadas, totalmente inconsequente para este efeito. “In casu”, a interrupção derivou em primeiro lugar da impugnação e só as incidências e tramitação processual desta relevam, como na decisão aprecianda se operou, para efeitos de análise e operância do instituto da prescrição.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO
JOSÉ MATOS e esposa ESTER , contrib. n.º e , com os demais sinais constantes dos autos, impugnaram, judicialmente, liquidação adicional de IRS, respeitando ao ano de 1989.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela foi proferida sentença que julgou extinta a instância (de impugnação judicial), por inutilidade superveniente da lide, na medida em que concluiu pela ultrapassagem do prazo de prescrição da obrigação tributária, integrante da liquidação impugnada.
A FAZENDA PÚBLICA, discordando, interpôs recurso jurisdicional assente em alegações que concluem como segue: «
1ª No caso dos presentes autos, os impugnantes apenas vêm atacar a fixação da matéria tributável, de forma autónoma e independentemente da liquidação de IRS que lhes foi realizada ( cfr. fls. 2 a 4/V dos autos);
2ª Não foi arguida na petição inicial qualquer ilegalidade que pudesse justificar a anulação total ou parcial do acto de liquidação;
3ª Uma vez que o pedido formulado pelos impugnantes não poderia ser apreciado em sede de impugnação judicial, não vislumbramos como poderia ter sido conhecida nos presentes autos a prescrição da dívida nos exactos termos expendidos na douta sentença aqui recorrida;
4ª Antes deveria a presente impugnação ter sido julgada improcedente por falta de fundamento legal;
5ª Embora o imposto devido não se encontre pago, conforme informação a fls.226 dos autos;
6ª Foi instaurado processo de execução fiscal em 07.09.1994, com vista à cobrança coerciva da dívida aqui impugnada, tendo o impugnante marido sido citado em 26.09.1994, bem como procedeu em 07.06.1995 o Serviço Local de Finanças de Macedo de Cavaleiros, à penhora de bem imóvel para cobrança coerciva ( cfr. Doc.1 agora junto aos autos);
7ª Tendo então, sido suspenso o processo de execução fiscal por imposição legal nos termos do art°. 255 do CPT, uma vez que havia sido deduzida impugnação judicial, e até ser proferida sentença com transito em julgado, nos presentes autos ( cfr. Doc.1 agora junto aos autos);
8º Tendo a execução estado parada por imposição legal, em virtude de dedução de pedido de impugnação formulado pelos impugnantes, não vislumbramos como pode afirmar-se que esta esteve parada por facto não imputável ao contribuinte, e como tal, como poderá operar o disposto no nº. 3 do art°. 34 do CPT .
Nestes termos e nos melhores de Direito, que serão por V.as Ex.as Doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência, revogada a Douta sentença, com todas as consequências legais. »
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Não há registo da apresentação de contra-alegações.
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O Ministério Público consignou “Visto”.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir (as questões que infra se relevarão).
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A sentença em apreço deu por “assente o seguinte circunstancialismo fáctico”: «
1. Com base em informação dos Serviços de Fiscalização Tributária, por despacho do Sr. Director Distrital de Finanças de 15-04-1993, foi fixado o rendimento colectável para o ano de 1989, no montante de Esc. 53.396.870$00 - informação de fls. 115.
2. Este despacho foi notificado ao sujeito passivo marido em 22-04-1993 - idem.
3. Da fixação do rendimento colectável referido em 1) resultou a liquidação n.º 5510018655 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares do ano de 1989, no montante de Esc. 20.538.842$00, datada de 17-03-1994 - documento de fls. 101 e 224.
4. O prazo de pagamento voluntário do imposto terminou em 09-05-1994 - informação de fls. 115.
5. A Impugnação foi deduzida em 05-08-1994 - fls. 2.
6. O imposto não está pago - informação de fls. 226.
7. O processo esteve sem movimento pelo menos desde 20 de Maio de 1996 até 06-06-1997 - cfr. fls. 135. »
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A esta adita-se a seguinte factualidade, comprovada documentalmente, nos termos e para os efeitos do art. 712.º n.º 1 al. a) CPC:
8. Para cobrança coerciva do montante indicado em 3., no dia 7.9.1994, foi instaurado, pela RF de Macedo de Cavaleiros, o processo de execução fiscal n.º 94/100396.8, no âmbito do qual, até ao momento presente, não há registo do pagamento da dívida exequenda.
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Em exclusivo, a questão que se coloca à nossa apreciação e decisão é relativa à ocorrência (ou não) de prescrição da dívida tributária (IRS, do ano de 1989, no montante de Esc. 20.538.842$00) dos, aqui, impugnantes. Contudo, num apontamento prévio e breve, impõe-se consignar não assistir qualquer razão à Recorrente/Rte na defesa que faz, nas primeiras quatro conclusões do seu recurso, de que a presente impugnação deveria ter sido julgada improcedente por falta de fundamento legal, com base na alegação de que “… os impugnantes apenas vêm atacar a fixação da matéria tributável, de forma autónoma e independentemente da liquidação de IRS que lhes foi realizada”. Efectivamente, como, inequivocamente, decorre do conteúdo dos arts. 11.º, 15.º e da alínea A) do pedido, constantes da p.i. deste processo, os impugnantes, ainda que de forma confusa e embrulhada com o ataque dirigido à fixação da matéria tributável, solicitam, expressamente, a anulação da liquidação adicional, com referência ao IRS, do “exercício” de 1989; circunstancialismo suficiente para legitimar a apresentação deste meio processual tributário.
Retomando, pois, a questão exclusiva e acima enunciada, em matéria de “prescrição da prestação tributária”, após alguma tergiversação, a jurisprudência Cfr. Acs. TCAN de 1.6.2006, proc. 67/06.8 BEPNF e de 27.7.2006, proc. 400/06 - Porto, do TCAS de 15.11.2005, rec. 00220/03 e de 26.9.2006, rec. 06990/02 e do STA de 9.8.2006, rec. 0808/06. coeva, destacadamente ao nível deste TCAN, assentou e cimentou premissas, gerais e abrangentes, que importa, liminar e singelamente, aqui fixar.
Primeiramente, em situações onde ocorra aplicação e “colisão sucessiva” dos prazos, de 20 e 10 anos, fixados, respectivamente, nos arts. 27.º CPCI e 34.º CPT, têm as mesmas de ser reguladas pela aplicação do princípio geral de direito, consagrado no art. 279.º n.º 1 Cód. Civil; “A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado em lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.
Em segundo lugar, com relação ao aspecto da interrupção, por causas taxativamente “Não pode olvidar-se que as causas de interrupção e de suspensão da prescrição tributária só podem ser aquelas que constavam do art. 27.º CPCI, do art. 34.º CPT e, agora, do art. 49.º LGT”. previstas nas leis tributárias, da prescrição, “o efeito da interrupção só cessa se o processo que constitui a causa interruptiva estiver parado mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte”; noutra formulação, a prescrição não corre após o funcionamento de uma causa interruptiva e só volta a progredir se cessar o efeito interruptivo, degenerando em efeito suspensivo, por virtude de o respectivo processo hibernar mais de um ano por causa alheia à conduta do contribuinte/devedor, sendo que, neste cenário, a contagem do prazo prescricional aplicável se faz pela adição, ao período temporal que se inicia após esse ano, do tempo que havia decorrido até ao momento da interrupção.
Ainda neste quadrante da interrupção, travada a prescrição por uma das causas previstas na lei, tornam-se inconsequentes factos ou causas seguintes, ainda que idóneas a provocar a interrupção da prescrição, porquanto “a lei não quer interrupções sucessivas da prescrição”; ademais, voltando a correr um prazo prescricional anteriormente interrompido, o seu curso torna-se, então, imune a mais interrupções, ainda que ocorram novos e diversos factos a que a lei confira eficácia interruptiva.
Terciário, com relação ao aspecto da paragem do processo agente da interrupção, o critério para avaliar da respectiva verificação e preenchimento terá de ser “o da relevância dos actos praticados, desde que permitidos por lei, relativamente ao fim prosseguido”; que, por exemplo, no caso da execução fiscal, corresponderá à cobrança coerciva da dívida.
Por fim, a prescrição das dívidas tributárias é de conhecimento oficioso e pode, não constituindo fundamento legal de afronta da legalidade da liquidação, ser apreciada em processo de impugnação judicial, provocando, se assumida, a extinção da respectiva instância por inutilidade superveniente da lide, desde que, entretanto, não tenha acontecido o pagamento da prestação devida.
Feito este esboço, volvendo atenções para a sentença que a Rte visa ver revogada, facilmente se constata ter a mesma levado a cabo um julgamento da questão em apreço consonante com todos os pontos vindos de coligir e, por consequência, legalmente correcto.
Após concluir pela viabilidade em apreciar a prescrição da obrigação tributária neste processo de impugnação judicial e apresentar as linhas orientadoras dos regimes legais potencialmente aplicáveis (arts. 27.º CPCI, 34.º CPT, 48.º e 49.º LGT), estando em causa IRS do ano de 1989, assentou-se, certeiramente, ser aplicável o regime positivado no art. 34.º CPT, contando-se o prazo prescricional a partir de 1.7.1991; não obstante ter-se iniciado em 1.1.1990.
Na medida em que a p.i. deste processo impugnatório foi apresentada em 5.8.1994, nos termos do art. 34.º n.º 3 CPT, interrompeu-se o decurso do prazo prescricional em curso. Ora, tendo sucedido que o presente processo de impugnação judicial esteve parado, sem qualquer movimentação processual, aguardando a prolação de despacho (judicial) inicial, necessariamente, por não se tratar de facto imputável aos impugnantes, cessou tal efeito interruptivo, que, degenerando em efeito suspensivo, implicou o reinício da contagem do prazo em 20.5.1997 e a soma do tempo a partir de então consumido àquele que havia decorrido desde 1.1.1990 até 5.8.1994, ou seja, 4 anos, 7 meses e 5 dias. Na medida em que a sentença foi proferida a 18.5.2004, nitidamente, estava decorrido o prazo prescricional de 10 anos, previsto, como geral, no art. 34.º n.º 1 CPT.
Não questionando em nenhuma medida este raciocínio e a contagem que apontou a ultrapassagem do prazo de prescrição, a Rte faz apelo à instauração de processo de execução fiscal com o objectivo de cobrar coercivamente a dívida impugnada, sendo que este somente foi suspenso por imposição legal, nos termos do art. 255.º CPT.
Tendo-se apurado e acima registado que este processo executivo foi instaurado em 7.9.1994, embora a sentença recorrida não tenha entrado em linha de conta com tal circunstância, tal apresenta-se inócuo. É que, em virtude de a apresentação do presente processo de impugnação haver acontecido no dia 5.8.1994, determinando nessa data a interrupção do prazo prescricional em curso, o ulterior avanço e recurso ao processo de execução fiscal tornou-se, tal como e pelas razões supra apontadas, totalmente inconsequente para este efeito. “In casu”, a interrupção derivou em primeiro lugar da impugnação e só as incidências e tramitação processual desta relevam, como na decisão aprecianda se operou, para efeitos de análise e operância do instituto da prescrição.
Destarte, também para nós, a dívida tributária dos impugnantes prescreveu e, nesse conspecto, é inútil prosseguir a instância de impugnação judicial da liquidação dessa extinta prestação, tal como se sentenciou no tribunal recorrido.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, assenta-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
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Sem tributação.
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Registe e notifique.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Porto, 12 de Outubro de 2006
Aníbal Augusto Ruivo Ferraz
Dulce Manuel da Conceição Neto
José Maria da Fonseca Carvalho