Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00330/17.2BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/14/2022
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Hélder Vieira
Descritores:IFAP, CONTRATO DE FINANCIAMENTO, POSTO DE TRABALHO, EMPRESÁRIO EM NOME INDIVIDUAL,
DEMONSTRAÇÃO DA CRIAÇÃO DE POSTO DE TRABALHO
Sumário:I — No âmbito da exigência do artigo 11º da Portaria nº 520/2009, de 14 de Maio, impõe-se a demonstração, no caso de apoios majorados por número de postos de trabalho criados, da criação líquida de postos de trabalho, através da apresentação dos mapas de remunerações da segurança social relativas ao mês anterior à data da primeira factura e à data da prova da sua criação, até seis meses após a apresentação do último pedido de pagamento.

II — À luz dessa exigência, não é comprovável a criação líquida de posto de trabalho pela prestação de trabalho pelo próprio promotor da operação, enquanto empresário em nome individual (ENI) e nessa qualidade, uma vez que os ENI possuem um regime próprio de pagamento de contribuições, independente da existência de remuneração, e que não corresponde ao sistema remunerativo decorrente das relações laborais, que impõe a apresentação dos mapas de remunerações da segurança social.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:R.
Recorrido 1:IFAP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
Recorrente: R.

Recorrido: Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP (IFAP)

Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou improcedente a acção administrativa impugnatória da decisão do Presidente do Conselho Directivo do IFAP, que determinou a modificação unilateral do contrato de financiamento n.º 02022188/0 e a devolução da quantia de € 16.297,65 € (referente a 10% do total do investimento, a título de majoração por criação/manutenção de posto de trabalho), considerada como indevidamente recebida pelo Autor.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, do seguinte teor:
“A) O Tribunal a quo não necessitou de produzir prova antes de conhecer do mérito da ação, sendo que dos factos dados como provados não resultam como provados factos indicados na p.i. e que são essenciais para conhecer do mérito.
B) Com efeito, na p.i. era invocado expressamente no artigo n.º 10:
Na candidatura apresentada pelo Autor é absolutamente explícito quem iria ocupar o posto de trabalho que era proposto criar, conforme consta no quadro 3.10 (Postos de trabalho):
“O quadro de recursos humanos da Casa da (...) será constituído por 1 pessoa, o promotor R. que assumirá um papel polivalente dentro da empresa, assegurando o bem-estar dos hóspedes e qualidade dos serviços prestados, as funções de gestão e contacto com os clientes,
sendo que o seu envolvimento na atividade a tempo completo (1760 horas/ano).”
C) A sentença é omissa quanto a este facto, assim como o é quanto ao cumprimento desse mesmo aspeto contratual.
D) Assim, ao abrigo do disposto no artigo 662º, n.º 1, do CPC, deve acrescentar-se os seguintes factos essenciais:
a. Artigo 10º da p.i.;
b. O autor cumpriu esse aspeto contratual.
E) Estes aspetos resultam expressamente do projeto apresentado, não sendo contestados pela entidade administrativa.
F) De qualquer modo, se V.as Ex.as entenderem que os elementos de prova são insuficientes para dar como provados os dois factos referidos, sempre a sentença deve ser revogada de modo a que sejam definidos os correspondentes temas da prova e se possa produzir a correspondente prova.
G) A candidatura apresentada no âmbito do PRODER, nos termos suprarreferidos, os quais contemplavam a criação do posto de trabalho do próprio empresário ou proponente, foi aprovada e validada pelas entidades competentes, designadamente pelo Réu IFAP, IP.
H) E foi integral e escrupulosamente cumprida pelo Autor, também na vertente respeitante à majoração da ajuda concedida, ou seja, na vertente da criação do aludido posto de trabalho.
I) O contrato de concessão de incentivos prevê, tal como o regulamento específico desta medida, que o promotor execute a operação nos termos da candidatura aprovada, o que foi feito pelo Autor.
J) No decurso da execução do contrato de concessão, foram previamente verificados e validados pelo Grupo de Ação Local (GAL) os requisitos necessários ao deferimento dos pagamentos, nunca tendo sido levantada ao Autor qualquer objeção por a criação do posto de trabalho contemplada na candidatura ser o de si próprio.
K) O próprio Réu reconhece que foi criado o posto de trabalho do Autor, no entanto passou a entender que só uma “relação de trabalho com uma entidade subordinada” é que preenche os requisitos para demonstrar a criação/ocupação líquida de um posto de trabalho.
L) A própria sentença incorpora nos factos provados o entendimento expresso pelo IFAP na sua página internet.
M) O que a sentença não faz constar, e que não deixaria de ser relevante, é quando o IFAP fez constar essa informação, por quem, em que circunstância e, sobretudo, quando a comunica ao autor.
N) A sentença ignora o aspeto central do contrato e do projeto aprovado: o réu aprovou um projeto em que o autor se propunha criar o seu próprio emprego.
O) Fruto de uma alteração interpretativa, o réu pretende, agora, dar o dito pelo não dito.
P) A sentença, refere, acriticamente seguindo o réu a existência de um incumprimento contratual, mas não concretiza qualquer incumprimento contratual: não há nenhuma cláusula contratual ou qualquer aspeto do projeto apresentado que não tenha sido cumprida.
Q) O que existe é uma alteração da interpretação feita pela entidade administrativa: aprovou um projeto nos moldes apresentados (criação do próprio emprego) – nada disse nem nada objetou, porque entendia, na altura, que o projeto estava de acordo com a legalidade e as normas regulamentares e técnicas e agora pretende reaver dinheiro que se comprometeu a pagar ao autor porque entende, agora, a criação de emprego de outro modo.
R) Por se discordar do entendimento do Réu porquanto tendo sido criado um novo posto de trabalho, anteriormente inexistente, in casu o do Autor, conforme vertido na candidatura aprovada, é devida a majoração que foi atribuída, foi intentada a competente ação judicial.
S) Outrossim, ao Autor não poderia ser imputada uma alteração de entendimento por parte dos serviços para, vários anos após a execução do projeto, em termos materiais e financeiros, ser determinada unilateralmente uma modificação do contrato e exigida a devolução do montante de 16 297,65 € que, em devido tempo, foi atribuído ao Autor.
T) Como é normal e razoável, tivesse o Réu rejeitado o projeto ou referido que a majoração não lhe seria atribuída para a criação do próprio emprego e o autor teria tido a oportunidade de reformular o projeto, ou até desistir do mesmo.
U) O que não pode admitir-se, à luz dos princípios da boa-fé e da confiança, é que uma entidade administrativa aprove um projeto, celebre um contrato e
depois venha solicitar o reembolso de montantes, não com base no acordo celebrado, mas numa alteração da interpretação de um conceito técnico – normativo.
V) Tivesse o Autor, logo desde o início do projeto, contratado uma pessoa e estaria a ser acusado de incumprimento contratual por violação do projeto (quadro 3.10 relativo ao posto de trabalho).
W) Como não contratou e assegurou o cumprimento escrupuloso do projeto, está a ser acusado de não ter criado um posto de trabalho.
X) Assim a sentença ao sufragar a posição do réu permite a violação dos princípios da boa-fé e da confiança.
Y) A criação do posto de trabalho do próprio promotor do investimento permitiu que durante o tempo em que a Casa da (...) funcionou sem a admissão da trabalhadora subordinada funcionasse e fosse desenvolvido todo o trabalho inerente ao alojamento (limpeza, check-in e check-out de hóspedes…)
Z) Não obstante o expendido, quando informalmente foi dado a conhecer ao Autor a possibilidade de alteração de opinião do IFAP relativamente ao apoio concedido pela criação do posto de trabalho, o Autor admitiu uma funcionária a tempo inteiro, com a qual celebrou um contrato de trabalho, em 15 de Julho de 2016, conforme doc. 4 junto com a p.i., funcionária que, desde então, permanece ao serviço do Autor (docs. 5 e 6 -primeiro e último recibos de vencimento).
AA) Aliás, a criação do posto de trabalho da funcionária é a prova mais cristalina da boa-fé e da colaboração do autor: o autor, apesar de saber que não era isso que tinham contratado, dispôs-se a ir ao encontro da invocação que a entidade administrativa lhe fez chegar pela primeira vez, vários anos após a aprovação do projeto e a celebração do contrato.
BB) Com efeito, não se pode sufragar o entendimento do Réu porquanto este aprovou a candidatura com um lapso, não tendo à priori detetado tal irregularidade e, posteriormente, quando a detetou, não permitiu ao Autor corrigi-lo, violando os princípios da confiança, justiça, transparência, boa-fé e proporcionalidade.
CC) Mais, o Tribunal sufraga o entendimento que se a administração detetar tarde o seu erro de apreciação num projeto de investimento, não deve ser concedida ao administrado a possibilidade de corrigir nessa altura a
irregularidade detetada, antes devendo fulminar-se com a “modificação contratual” que faça recair sobre o administrado todas as consequências do erro da administração.
DD) O Autor em momento algum demonstrou vontade ou intenção de não cumprir com as exigências efetuadas pelo Réu e de defraudar a lei ou os regulamentos. EE) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da factualidade sub iudice e, por isso, uma incorreta aplicação de direito, designadamente do art. 334º do CC. FF) Dúvidas não há que a Entidade Recorrida incorreu em violação dos princípios da boa-fé, da tutela da confiança jurídica, da boa administração, da proporcionalidade, da justiça e razoabilidade e da colaboração com os particulares, incorrendo desse modo o Tribunal a quo em erro de julgamento, violando os art.s 5º, 7º, 8º, 10º e 11º do CPA e 266º da CRP.
GG) Conforme alegado e consta claramente dos elementos do PA, os montantes das ajudas foram efetivamente aplicados aos fins a que se destinavam.
A sentença de que se recorre violou, entre outras, as seguintes disposições legais: art. 333º do CCP, artigo 334º do CC, artigos 5º,7º, 8º, 10º e 11º do CPA e artigo 266º da CRP.”.

O Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e não se pronunciou.

De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, que balizam o objecto do recurso [(artigos 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi nº 3 do artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)], impõe-se determinar, se a tal nada obstar, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento, de facto e de direito, nos aspectos adiante pontualmente indicados.

Sublinha-se que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm, como vimos, o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, a qual apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal «a quo» ou, no adequado contexto impugnatório, que aí devessem ser oficiosamente conhecidas.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
II.1.1 - Consta da sentença recorrida:
«Factos provados (com relevância para a decisão a proferir):
1. No âmbito do Regulamento (CE) 1698/2005, de 20 de Setembro de 2005, o Réu celebrou com o Autor, em 21-09-2012, um contrato de financiamento, a que foi atribuído o n.º 02022188/0, que teve em vista a requalificação de um edifício para fins turísticos.
2. O investimento efectuado pelo Autor ascendeu a 162.976,49 €, tendo recebido do Réu ajudas no valor de 81.488,25 €, correspondente a 40% do investimento.
3. As ajudas atribuídas pelo Réu ao Autor foram majoradas em 10% do investimento elegível, ou seja, em 16.297,65 €, por via da proposta de criação de 1 posto de trabalho.
4. Por carta datada de 14-06-2017, o Réu notificou o Autor da sua intenção de ¯determinar a modificação contratual unilateral e a devolução de 16 297,65 €‖ e para informar por escrito sobre o que se lhe oferecer no prazo de 10 dias úteis, porquanto, no entendimento do Réu, ¯(…) foi constatada a não criação do posto de trabalho proposto e apoiado, o que tornaria indevida a majoração de 10% atribuída (…)‖ – cfr. doc. nº 1 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
5. O Autor pronunciou-se, em sede de audiência prévia, através de carta de 30-06-2017, pedindo a alteração da posição, alegando em sua defesa, em síntese, o seguinte:
- foi informado pelo GAL respectivo da aplicabilidade da majoração à situação em apreço;
- com a outorga do contrato de financiamento, o IFAP assume a validação das condições de apoio, que incluem a referida majoração;
- se houve omissão, erro ou descuido por parte do IFAP ou através da competência delegada no GAL, deve ser assumido, não podendo resultar prejuízo para o beneficiário - cfr. doc. nº 2, junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. O Autor admitiu uma funcionária a tempo inteiro, com a qual celebrou um contrato de trabalho, em 15 de Julho de 2016 –cfr. doc. nº 4, junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. Por decisão tomada a 24 de Julho de 2017 e notificada posteriormente ao Autor, o Réu proferiu decisão final, determinando a modificação unilateral do contrato de financiamento n.º 02022188/0 e a devolução da verba de 16.297,65 € – cfr. doc. nº 3 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
8. Está exposto no Portal do IFAP (https://www.ifap.pt/web/guest/desconformidades-mais-comuns?inheritRedirect=true), o seguinte esclarecimento:
“Validação da criação de postos de trabalho realizada de forma inadequada no âmbito da Medida 3.1 – Diversificação da Economia e Criação de Emprego do PRODER, quando a ajuda pública da operação foi majorada por este objetivo.
De acordo com o Regulamento Especifico de aplicação da Medida 3.1 – Diversificação da Economia e Criação de Emprego, anexo à Portaria n.º 520/2009, de 14 de Maio, do PRODER, está previsto um nível de apoio majorado para os investimentos que demonstrem a criação líquida de pelo menos um posto de trabalho, através da apresentação dos mapas de remunerações da segurança social relativas ao mês anterior à data da primeira fatura e à data da prova da sua criação, até seis meses após a apresentação do último pedido de pagamento.
Considera-se a criação líquida de postos de trabalho, o aumento efetivo do número de trabalhadores vinculados à entidade empregadora, mediante contrato sem termo ou com termo, resultante do projeto de investimento apoiado, ou seja, considera-se que há criação líquida de postos de trabalho quando há um aumento efetivo do número de trabalhadores vinculados decorrentes da execução da operação, aferido pela diferença entre o número total de trabalhadores antes de se dar início à execução do projeto e até 6 meses após a apresentação do último pedido de pagamento do projeto objeto de apoio público.
Assim, não é elegível para efeitos de majoração pela criação líquida de postos de trabalho os empresários em nome individual (ENI), enquadrados, para efeitos de IRS na categoria B, uma vez que não configuram uma relação de trabalho com uma entidade subordinada.
De acordo com o código contributivo, os ENI possuem um regime próprio de pagamento de contribuições, independente da existência de remuneração, e que não corresponde ao sistema remunerativo decorrente das relações laborais, não cumprindo, assim, os requisitos para demonstrar a criação/ocupação líquida de um posto de trabalho.
9. Pelo réu foi constatado que não existia evidência da criação do posto de trabalho em questão, através do histórico de descontos para a Segurança Social (SS);
*».
II.1.2. Da impugnação da matéria de facto
Pretende o Recorrente que, ao abrigo do disposto no artigo 662º, n.º 1, do CPC, sejam acrescentados os seguintes factos à matéria de facto provada, no entendimento de que os mesmos resultam expressamente do projeto apresentado, não sendo contestados pela entidade administrativa:
a. “Artigo 10º da p.i.”, ou seja, a matéria de facto ali alegada; e, ainda, que
b. “O autor cumpriu esse aspeto contratual”.
Quanto ao alegado no articulado em 10º da p.i., assenta-se, por provado:
«10. Da candidatura apresentada pelo Autor ora Recorrente, consta, no quadro 3.10 (postos de trabalho) o seguinte facto: “O quadro de recursos humanos da Casa da (...) será constituído por 1 pessoa, o promotor R. que assumirá o papel polivalente dentro da empresa, assegurando o bem-estar dos hóspedes e qualidade dos serviços prestados, as funções de gestão e contacto com os clientes, sendo que o seu envolvimento na atividade a tempo completo (1760 horas/ano)..
Quanto ao alegado «facto» de que “O autor cumpriu esse aspeto contratual”, improcede a pretensão na medida em que se trata de mera jus-conclusão insusceptível de assentamento como facto provado.

II.2 – O DIREITO
Tendo presente os termos da causa e os argumentos das partes, passamos a apreciar cada uma das questões a decidir no plano da impugnação da decisão sob recurso, tendo presente que «jura novit curia», o mesmo é dizer, de harmonia com o princípio do conhecimento oficioso do direito, que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, tal como dispõe o nº 3 do artigo 5º do CPC.
Vejamos, em primeiro lugar, o discurso dirimente posto em crise pelo presente recurso:
«A presente ação visa anular a decisão final do IFAP, notificada pelo ofício com a referência 7359/2017, de 24-07-2017, de exigir a devolução de 16.297,65 €, correspondente à majoração de 10% do investimento elegível, por criação de um posto de trabalho (PT), considerada indevidamente recebida.
Alega o autor, para o efeito, que a decisão erra nos seus pressupostos de facto e de direito, porquanto a majoração em causa, de 10% do total do investimento, estava condicionada à criação/manutenção de posto de trabalho, sempre constando do projecto que seria o seu próprio. Mais a mais, em 15 de Julho de 2016, admitiu uma funcionária a tempo inteiro e deu disso conhecimento ao Réu, sem que tal tenha alterado o sentido da decisão ora posta em crise.
Vejamos, pois.
Segundo a fundamentação que estriba o acto em crise, o posto de trabalho referido pelo Autor corresponde ao do próprio promotor da operação, enquanto empresário em nome individual (ENI), portanto não será considerado como trabalhador por conta de outrem (por isso não constante nos mapas da SS).
Segundo o entendimento do Réu, constante, de resto, de informação prestada no respectivo website, os ENI possuem um regime próprio de pagamento de contribuições, independente da existência de remuneração, e que não corresponde ao sistema remunerativo decorrente das relações laborais, não cumprindo, assim, os requisitos para demonstrar a criação/ocupação líquida de um posto de trabalho.
Diz o artigo 11.º da Portaria n.º 520/2009, de 14 de Maio, com a epígrafe ¯Obrigações dos beneficiários, que:
¯1 - Os beneficiários dos apoios previstos no presente Regulamento devem cumprir, além das obrigações enunciadas no Decreto-Lei n.º 37-A/2008, de 5 de Março, as seguintes:
a) Encontrarem-se, à data da celebração do contrato, inscritos nas finanças para a actividade económica objecto do pedido de apoio;
b) Executarem a operação nos termos e prazos fixados no contrato de financiamento;
c) Procederem à publicitação dos apoios que lhes forem atribuídos, nos termos da legislação comunitária aplicável e das orientações técnicas do PRODER;
d) Cumprirem as obrigações legais, designadamente as fiscais e para com a segurança social;
e) Cumprirem os normativos legais em matéria de contratação pública relativamente à execução das operações, quando aplicável;
f) Cumprirem as normas legais aplicáveis em matéria de segurança e higiene no trabalho;
g) Manterem um sistema de contabilidade nos termos previstos no artigo 7.º;
h) Não locarem, alienarem ou por qualquer forma onerarem os equipamentos ou as instalações co-financiadas, durante um período de cinco anos a contar da data de celebração do contrato ou até ao termo da operação, sem prévia autorização do GAL;
i) Garantirem que todos os pagamentos e recebimentos referentes à operação são efectuados através de uma conta bancária específica para o efeito;
j) Apresentarem ao GAL respectivo, dois anos após o recebimento integral dos apoios, um relatório de avaliação sobre os resultados económicos da actividade, sempre que tal esteja contratualmente previsto;
l) Demonstrarem, no caso de apoios majorados por número de postos de trabalho criados, a criação líquida de postos de trabalho, através da apresentação dos mapas de remunerações da segurança social relativas ao mês anterior à data da primeira factura e à data da prova da sua criação, até seis meses após a apresentação do último pedido de pagamento.
2 - Para além do cumprimento das obrigações mencionadas no número anterior, os beneficiários dos apoios previstos na acção n.º 3.1.1 devem ainda:
a) Manter a produção agrícola na exploração e a actividade objecto de pedido de apoio nas condições legais aplicáveis ao exercício da mesma, durante o período de cinco anos a contar da data de celebração do contrato, ou até ao termo da operação, se tal termo ultrapassar os cinco anos, no caso de titulares da exploração agrícola;
b) Possuir declaração de compromisso do titular da exploração de manter a produção agrícola na exploração e a actividade objecto de pedido de apoio nas condições legais aplicáveis ao exercício da mesma, durante o período de cinco anos a contar da data de celebração do contrato, ou até ao termo da operação, se tal termo ultrapassar os cinco anos, no caso de membros do agregado familiar do titular da exploração agrícola.‖
Conforme resulta do artº 11º, nº 1, l), acima transcrito, cabe aos beneficiários demonstrarem, no caso de apoios majorados por número de postos de trabalho criados, a criação líquida de postos de trabalho, através da apresentação dos mapas de remunerações da segurança social relativas ao mês anterior à data da primeira factura e à data da prova da sua criação, até seis meses após a apresentação do último pedido de pagamento.
O Autor não cumpriu com tal obrigação, nem poderia cumprir, uma vez que, conforme se referiu acima, enquanto empresário em nome individual (ENI), não seria considerado como trabalhador por conta de outrem (por isso não constante nos mapas da SS). Uma vez mais repetindo o já acima aludido, os ENI possuem um regime próprio de pagamento de contribuições, independente da existência de remuneração, e que não corresponde ao sistema remunerativo decorrente das relações laborais.
Nesta parte, inexiste qualquer erro, de facto ou de direito, no entendimento subjacente ao acto em crise.
O A. assenta, ainda, o seu dissenso da decisão do IFAP, na pretensa vinculação do mesmo à atribuição do subsídio (majoração), uma vez que a validou previamente, tendo sido previamente aceite pelo GAL.
No entanto, como bem aponta o réu, o facto de tal não ter sido chamado à atenção ao autor antes prende-se com o facto de as candidaturas aos apoios financeiros no âmbito do PRODER serem aceites, os contratos outorgados e os pagamentos efectuados no pressuposto da elegibilidade das respectivas despesas, bem como da aplicabilidade de majorações. Tudo sem prejuízo de uma eventual detecção posterior de irregularidades.
Ou seja, os pagamentos são efectuados pelo IFAP mas sempre tendo em conta que, subsequentemente, podem vir a detectar-se irregularidades ou mesmo erros e que, por imperativo legal e regulamentar, conduzirão à correcção das verbas pagas.
Não existe qualquer contra-senso nesta actuação, aliás transversal a todas as entidades em matéria de concessão de qualquer tipo de incentivo financeiro desta etiologia.
O acto sindicado vem, aliás, na sequência da actividade de controlo, levada a cabo pelos serviços do R. e que funciona a posteriori e nos moldes acima, visando garantir a conformidade com os objectivos contratual e legalmente estipulados.
O carácter estrito em que tal controle é (deve e tem de ser) feito está bem patente no seguinte Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.06.2006, in www.dgsi.pt :
¯O não cumprimento do prazo fixado no contrato de concessão para o Promotor concluir o projecto de investimento, que beneficiou do incentivo financeiro, habilita o membro do Governo com tutela sobre o sector do turismo a rescindir o contrato de concessão.‖
Bem como no seguinte, datado de 09.02.2006, in www.dgsi.pt:
¯…
II - Nos termos do artigo 15º, número 1 do mesmo Regulamento, um tal contrato pode ser rescindido, em caso de não cumprimento dos objectivos e obrigações legais e contratuais e dos prazos nele estabelecidos, por facto imputável ao promotor.
III - Assim, não viola este preceito legal a decisão que autoriza essa rescisão, se o promotor, sem justificação, não diligencia, no prazo contratualmente estabelecido, pela realização do projecto, que se obrigou a concretizar.

Verificado pelo Réu o incumprimento das prerrogativas constantes dos artigos constantes da portaria acima referidos e do clausulado contratual, poderá rescindir o mesmo. É uma faculdade sua. Neste caso, atenta a irregularidade observada, o R. dispunha de fundamentos para actuar como actuou, não sendo viável a pretensão do A. no sentido de o R. estar adstrito a algum dever ínsito a eventuais princípio(s) orientador(es) do agir administrativo, mormente o da proporcionalidade.
Tal pressuporia uma opção do Réu nesse sentido, decorrente, por exemplo, de uma eventual alteração das prerrogativas do contrato por motivos alheios à vontade das partes. Neste caso, tal não sucedeu. Houve um incumprimento contratual que teve como consequência o exercício do direito ao pedido de restituição da majoração considerada indevidamente outorgada.
Há que ter em atenção que a concessão de incentivos financeiros de qualquer espécie pressupõe uma relação de confiança e de total transparência, cabendo a quem o subscreve pautar o seu comportamento pelas cláusulas que o norteiam. Assim não sucedendo, a resolução é mera consequência (quase) silogística, como aconteceu no caso em apreço.
Verificados os requisitos (falta deles) de que a lei faz depender a resolução do contrato, a actuação do R. é basicamente vinculada. É, portanto, legal, proporcional (é a lei que determina as opções) e justa.
Improcedem, pois, quaisquer considerações que se prendam com supostas violações aos princípios da boa-fé, proporcionalidade e justiça.
De resto, aqui não estamos na presença de um contrato no sentido estrito do termo, sendo disso ilustrativo o entendimento adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido no proc. n.° 015 12/03, de 16/12, in www.dgsi.pt :
¯I — Não tem a natureza contratual a relação jurídica estabelecida entre o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e os beneficiários de apoios financeiros pela contratação de jovens a procura do primeiro emprego.
II — O acto de atribuição de apoio é um acto unilateral autoritário, sendo as sanções pelo não acatamento das condições impostas fixadas normativamente, não evidenciando o termo de responsabilidade assinado pelo requerente do apoio um acordo de vontades gerador de efeitos jurídicos, mas tão só a aceitação das condições para aquela atribuição‖.
Neste caso em particular, embora o autor pretenda inferir algo diverso, na p.i. apresentada, é patente a admissão de que o posto de trabalho, efectivamente, ficou por criar. Tanto assim que admitiu ao serviço, ainda que apenas em Julho de 2016, uma funcionária, com a categoria de empregada de limpeza, que deveria suprir a não aceitação do sócio-gerente como posto de trabalho.
No entanto, porque a demonstração da criação de posto de trabalho, para efeitos de atribuição de majoração a esta operação, nos termos do artº 11º, nº 1, l) da Portaria nº 520/2009, de 14.05, acima transcrito, foi feita através dos mapas de descontos para a Segurança Social, de outubro de 2012 (um mês antes da 1ª fatura) e de dezembro de 2014 (6 meses após o último PP), não considerou o Réu (e bem, sob pena de perversão das regras/ mecanismos de controle da execução contratual) cumpridas as condições para atribuição da aludida majoração com base numa contratação efectuada em 2016.
Assim sendo, aqui chegados, impões concluir pela improcedência da totalidade dos argumentos esgrimidos pelo Autor e, consequentemente, da presente acção, cumprindo absolver o Réu dos pedidos contra si formulados.».
Fim da transcrição.
Ora, a questão em causa, como bem colocada pelo Tribunal «a quo» e impugnatoriamente intocada, é esta: «Segundo a fundamentação que estriba o acto em crise, o posto de trabalho referido pelo Autor corresponde ao do próprio promotor da operação, enquanto empresário em nome individual (ENI), portanto não será considerado como trabalhador por conta de outrem (por isso não constante nos mapas da SS).
Segundo o entendimento do Réu, constante, de resto, de informação prestada no respectivo website, os ENI possuem um regime próprio de pagamento de contribuições, independente da existência de remuneração, e que não corresponde ao sistema remunerativo decorrente das relações laborais, não cumprindo, assim, os requisitos para demonstrar a criação/ocupação líquida de um posto de trabalho.».
E contra esta consideração de que o posto de trabalho referido pelo Autor corresponde ao do próprio promotor da operação, enquanto empresário em nome individual (ENI) e por tal motivo — os ENI possuem um regime próprio de pagamento de contribuições, independente da existência de remuneração, e que não corresponde ao sistema remunerativo decorrente das relações laborais — não foi considerado como trabalhador por conta de outrem, nenhum argumento impugnatório vem assestado pelo Recorrente.
Certo é que o artigo 11º da Portaria nº 520/2009, de 14 de Maio, impõe obrigações aos beneficiários dos apoios ali previstos e ao caso aplicáveis, entre as quais, como resulta da alínea l) do seu nº 1, «Demonstrarem, no caso de apoios majorados por número de postos de trabalho criados, a criação líquida de postos de trabalho, através da apresentação dos mapas de remunerações da segurança social relativas ao mês anterior à data da primeira factura e à data da prova da sua criação, até seis meses após a apresentação do último pedido de pagamento.» (nosso sublinhado).
Eis a obrigação cujo cumprimento o Autor e ora Recorrente não demonstrou.
Certo é que, incontestadamente, o Autor e ora Recorrente não cumpriu aquela obrigação, como jamais poderia cumprir através da alegada criação de um posto de trabalho por si ocupado enquanto empresário em nome individual (ENI), na medida em que não seria considerado como trabalhador por conta de outrem e, como tal, não constante nos mapas da Segurança Social para o pretendido fim.
Como já referido, os ENI possuem um regime próprio de pagamento de contribuições, independente da existência de remuneração, e que não corresponde ao sistema remuneratório decorrente das relações laborais.
A conclusão é a de que inexistem os apontados erros no entendimento subjacente ao acto em crise e bem assim da sentença recorrida.
Ademais, quanto à admissão de funcionária em Julho de 2016 para eventual suprimento da não aceitação do sócio-gerente como posto de trabalho, é a mesma, para tal efeito, manifestamente tardia e insusceptível de produzir o pretendido efeito, uma vez que a demonstração da criação de posto de trabalho, para efeitos de atribuição de majoração a que alude a alínea l) do nº 1 do artigo 11º da Portaria nº 520/2009 deveria ser efectuada, como jus-normativamente se impunha, através dos mapas de descontos para a Segurança Social, de outubro de 2012 (um mês antes da 1ª fatura) e de dezembro de 2014 (6 meses após o último pedido de pagamento).
Restava a acertada conclusão de incumprimento das condições para atribuição da aludida majoração, pela não apresentação, pelo Autor, dos mapas de remunerações da segurança social relativas ao mês anterior à data da primeira factura e à data da prova da sua criação, até seis meses após a apresentação do último pedido de pagamento.
Quanto à questão de eventual violação dos princípios da boa-fé e da confiança, por ter sido «ab initio» aceite a candidatura e a criação de emprego próprio, sobrevindo decisão de constatação de que não existia evidência da criação do posto de trabalho em questão através do histórico de descontos para a Segurança Social, não se vislumbra qualquer erro na decisão recorrida, uma vez que, mais não houvesse, a entidade Ré não fundou a decisão impugnada numa qualquer impossibilidade de preenchimento do posto de trabalho pelo próprio promotor; não foi esse o fundamento, mas antes o incumprimento da obrigação ínsita na alínea l) do nº 1 do artigo 11º da Portaria nº 520/2009, como sobejamente já esclarecido.
E certo é que esse crucial incumprimento não vem posto em crise.
Finalmente, o Recorrente entende que “A sentença, refere, acriticamente seguindo o réu a existência de um incumprimento contratual, mas não concretiza qualquer incumprimento contratual: não há nenhuma cláusula contratual ou qualquer aspeto do projeto apresentado que não tenha sido cumprida.”.
Mas não tem, de todo, razão.
Ao contrário, a sentença recorrida bem apontou, isso sim, o incumprimento de obrigação decorrente de norma regulamentar e ponderou, com apoio jurisprudencial, designadamente:
«De resto, aqui não estamos na presença de um contrato no sentido estrito do termo, sendo disso ilustrativo o entendimento adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido no proc. n.° 015 12/03, de 16/12, in www.dgsi.pt :
¯I — Não tem a natureza contratual a relação jurídica estabelecida entre o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e os beneficiários de apoios financeiros pela contratação de jovens a procura do primeiro emprego.
II — O acto de atribuição de apoio é um acto unilateral autoritário, sendo as sanções pelo não acatamento das condições impostas fixadas normativamente, não evidenciando o termo de responsabilidade assinado pelo requerente do apoio um acordo de vontades gerador de efeitos jurídicos, mas tão só a aceitação das condições para aquela atribuição‖.
Neste caso em particular, embora o autor pretenda inferir algo diverso, na p.i. apresentada, é patente a admissão de que o posto de trabalho, efectivamente, ficou por criar. (…)».
Improcedem totalmente os fundamentos do recurso.
A sentença recorrida não padece da anti-juridicidade que o Recorrente lhe imputa.
Em suma, à luz do alegado e sopesando os fundamentos do recurso, não se descortina qualquer erro substancial que contenda com a bondade e legalidade do considerado e decidido pelo Tribunal «a quo», é nosso entendimento que o recurso não pode proceder, o que se decide.

III. DECISÃO

Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em conferência, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente (artigo 527º do CPC).

Notifique e D.N..

Porto, 14 de Janeiro de 2022

Helder Vieira
Alexandra Alendouro
Paulo Ferreira de Magalhães