Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01623/10.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/25/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Carlos de Castro Fernandes
Descritores:IMPUGNABILIDADE; INDEFERIMENTO; CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO.
Sumário:I – O procedimento previsto no art. 139.º do CIRC visa a demonstração do preço efetivo praticado na transmissão de imóveis, possibilitando aos sujeitos passivos a exibição de elementos de prova que comprovem que o valor declarado e registado na contabilidade é o verdadeiro preço de compra (no caso do comprador) e o verdadeiro preço de venda (no caso do alienante).

II – O ato final de decisão daquele procedimento afeta, de forma atual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo de imposto sobre o rendimento, e, por isso, é diretamente e autonomamente impugnável, subtraindo-se ao regime regra da impugnação unitária.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Banco (...)
Recorrido 1:Ministério das Finanças
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – O Banco (...), S.A. (Recorrente), veio interpor recurso contra o saneador sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pelo qual se julgou absolver da instância o Ministério das Finanças (Recorrido) na ação administrativa especial deduzida contra a decisão de indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de bens imóveis, apresentado ao abrigo do disposto no art.º 139.º do CIRC.

No presente recurso, a Recorrente formula as seguintes conclusões:
1.ª A douta decisão recorrida julgou procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato invocada pela Entidade Demandada, absolvendo-a da instância consubstanciada na ação administrativa especial deduzida pelo ora Recorrente contra o despacho do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direção de Finanças do Porto, Exmo. Sr. C., datado de 03.03.2010, exarado na Informação n.º 12/2010 daquele Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direção de Finanças do Porto, notificado através do Ofício n.º 14289/0208, de 03.03.2010, o qual determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo ora Recorrente em janeiro de 2010, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), com referência à alienação do prédio urbano sito na freguesia de Lordelo, concelho de Guimarães, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 1869;
2.ª Não pode, todavia, proceder o entendimento da decisão recorrida;
3.ª Com efeito, e desde logo, o Tribunal recorrido entendeu que a decisão que pôs termo ao procedimento de prova do preço efetivo desencadeado pelo Recorrente é um ato interlocutório do procedimento que, como tal, só seria impugnável assumindo a natureza de ato destacável e/ou lesivo, nos termos do disposto no artigo 54.º do CPPT;
4.ª Contudo, e contrariamente ao que se aduz na decisão recorrida, o despacho que indeferiu o pedido de prova do preço efetivo sub judice é um ato final do procedimento e, deste modo, suscetível de impugnação contenciosa imediata conforme resulta do artigo 60.º do CPPT, respeitante à definitividade dos atos praticados pela autoridade fiscal competente;
5.ª Não sendo um ato interlocutório, é inaplicável, assim, o disposto no artigo 54.º do CPPT, o qual estabelece as condições de impugnabilidade de tais atos;
6.ª De facto, o ato sub judice consiste na decisão final de um procedimento regulado no artigo 139.º do Código do IRC e que visa a demonstração de que o preço efetivamente praticado na transmissão de imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis (IMT), assumindo natureza autónoma do procedimento de liquidação, sendo assim evidente o erro de julgamento em que a decisão recorrida incorreu ao qualificar a decisão sub judice como um ato interlocutório;
7.ª Acresce que, a circunstância de, em consequência da decisão que for proferida no âmbito do procedimento de prova do preço efetivo previsto no artigo 139.º do Código do IRC, poder vir a ser emitido um ato tributário de liquidação de imposto, não significa que aquela decisão não seja uma decisão final no procedimento;
8.ª Com efeito, não só o próprio órgão decisor do procedimento de prova do preço efetivo qualificou o ato sub judice como uma decisão final do procedimento, ao estabelecer a sua recorribilidade hierárquica, como da legislação contenciosa tributária, designadamente do artigo 62.º do CPPT, resulta a manifesta autonomia entre o procedimento de prova do preço efetivo e o procedimento de liquidação, sem que ambas as decisões deixem de ser consideradas finais em cada um dos procedimentos;
9.ª Assim, uma vez evidenciado que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo sub judice não constitui um ato interlocutório, mas um ato final do procedimento, não subsiste qualquer dúvida quanto à sua impugnabilidade contenciosa imediata, nos termos do artigo 60.º do CPPT, bem como quanto à inaplicabilidade do artigo 54.º do CPPT e, por conseguinte, quanto à improcedência da exceção invocada;
10.ª Razão pela qual, se conclui que, ao considerar que o ato sub judice era um ato interlocutório, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, impondo-se a sua anulação;
11.ª Sem prejuízo do exposto, e ainda que se considerasse que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo era um ato interlocutório, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, sempre se dirá, ainda assim, que a decisão recorrida padece de erro ao qualificar tal ato como ato não destacável e assim insuscetível de impugnação autónoma;
12.ª Com efeito, incorre em erro o Tribunal a quo neste ponto, uma vez que a admissibilidade legal de impugnação direta do ato em causa, enquanto ato destacável, encontra-se prevista no artigo 86.º, n.º 1, da LGT, quando aí se refere que “a avaliação directa é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa”;
13.ª Uma vez que os atos de avaliação direta, atos preparatórios no procedimento tributário de liquidação de imposto, são atos paradigma cuja destacabilidade é incontroversa, sem margem para dúvidas que o ato em apreço no caso dos autos consubstancia um ato de avaliação direta, razão pela qual a respetiva destacabilidade e impugnabilidade autónoma são igualmente inequívocas;
14.ª Resulta por demais notório que o passo intermédio que aqui está em causa na determinação dos rendimentos tributáveis em IRC não é uma operação de mero cálculo matemático e, por outro lado, que aquele passo intermédio também não constitui um dos casos estritamente tipificados de avaliação através de métodos indiciários em que, por impossibilidade de avaliação direta, se procura atingir não o valor real dos rendimentos mas o valor mais aproximado possível do real;
15.ª Na verdade, a determinação da matéria tributável de IRC, tal como prevista nos artigos 64.º e 139.º do Código do IRC, corresponde a uma avaliação direta da matéria tributável, razão pela qual os vícios do procedimento de avaliação e do ato tributário de avaliação direta carecem de ser impugnados por via contenciosa, sob pena de não poder ser posteriormente atacável a matéria tributável fixada, quer nas situações em que haja liquidação de imposto, quer quando a não haja;
16.ª Neste sentido, identifica-se um erro de julgamento de direito na decisão recorrida ao concluir pela inimpugnabilidade autónoma do ato com base na circunstância da inimpugnabilidade ser a regra e não se descortinar uma exceção, quando bastaria recorrer ao disposto no artigo 86.º, n.º 1, da LGT;
17.ª Assim, tratando-se da avaliação direta de rendimento em IRC impõe-se, no caso vertente, a impugnação contenciosa autónoma sob pena de impossibilidade ulterior de sustentar que a matéria tributável a considerar é outra que não a determinada;
18.ª Com efeito, a disposição legal referida – artigo 86.º, n.º 1, da LGT – impõe a impugnação contenciosa direta dos atos de avaliação direta uma vez que se tratam de atos materialmente definitivos que constituem pressupostos necessários e prejudiciais dos atos tributários em sentido estrito;
19.ª Em face de todo o exposto, resultando por demais demonstrada a natureza de ato destacável do ato impugnado nos autos, consubstanciando aquele um ato de avaliação direta do rendimento para efeitos de tributação em sede de IRC, cuja impugnabilidade contenciosa autónoma se encontra expressamente prevista na lei – artigo 86.º, n.º 1, da LGT –, não pode deixar de concluir-se pela existência de erro de julgamento da decisão recorrida neste segmento, impondo-se a respetiva revogação;
20.ª Sem prejuízo do exposto, e ainda que não procedesse o que acima se aduziu, o que apenas se admite por dever de patrocínio, sem conceder, sempre se dirá que, contrariamente ao que resulta da decisão recorrida, o ato sub judice é um ato lesivo dos direitos do contribuinte e suscetível de imediata impugnação contenciosa;
21.ª Com efeito, importa referir que a menção ao artigo 139.º, n.º 7, do Código do IRC não permite sustentar, de longe, a alegada falta de lesividade do ato;
22.ª De facto, a circunstância de, como decorre daquela norma, a impugnação judicial da liquidação de imposto emitida na sequência de correções efetuadas nos termos do artigo 64.º do Código do IRC, ou das correções ao lucro tributável efetuadas ao abrigo do mesmo preceito, depender de prévia apresentação do pedido de prova do preço efetivo em nada contribui para a conclusão do Tribunal recorrido de que o mesmo não constitui um ato lesivo;
23.ª Assim, uma vez que a impugnabilidade contenciosa imediata do ato depende, apenas, da lesão de direitos do contribuinte, conclui-se de forma inequívoca pela improcedência do entendimento do Tribunal recorrido suportado na redação daquela norma;
24.ª Acresce que, contrariamente ao que resulta da decisão recorrida, não é verdade que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo não afete os direitos ou interesses do Recorrente;
25.ª Efetivamente, a imediata lesividade do ato decorre da circunstância de a decisão que negar provimento ao pedido de prova do preço efetivo fazer cristalizar na ordem jurídica que o preço praticado pelo Recorrente na transmissão de determinado imóvel não foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de IMT e, consequentemente, determinar o acréscimo, para efeitos de apuramento do lucro tributável ou do prejuízo para efeitos fiscais, do montante correspondente à diferença entre o valor constante do contrato de transmissão do imóvel e o valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de IMT;
26.ª Para além de todo o acima exposto, e a evidenciar ainda a lesividade imediata da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo e, como tal, a sua impugnabilidade direta, está a circunstância de, quando confrontado com aquela decisão, o contribuinte desconhecer, em regra, se haverá, ou não, a emissão de uma liquidação de imposto ou, sequer, se apurará lucro tributável no exercício em questão;
27.ª A possível ocorrência de tal situação é, pois, quanto basta para que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo tenha natureza de ato lesivo;
28.ª Com efeito, é evidente que, em caso de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo, e mesmo sabendo que será realizado um acréscimo para efeitos de apuramento do lucro tributável ou do prejuízo para efeitos fiscais na sua declaração periódica de rendimentos modelo 22, o contribuinte não tem forma de saber, em regra, se haverá liquidação de imposto que possa, posteriormente, vir a contestar;
29.ª Trata-se de situação que não sucede, designadamente, ao nível do procedimento de revisão da matéria coletável por métodos indiretos, em que, uma vez notificado da decisão do pedido de revisão da matéria coletável, o contribuinte sabe, de imediato, se apura matéria coletável e imposto, caso em que poderá impugnará o ato de liquidação que vier a ser emitido, ou se, ao invés, apura prejuízo para efeitos fiscais ou matéria coletável nula, caso em que impugnará a própria decisão de avaliação indireta (cf. o n.º 3 do artigo 86.º da LGT);
30.ª Atendendo a que este conhecimento antecipado sobre qual o ato a contestar pode não ocorrer aquando da notificação da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo, impõe-se, por forma a garantir o direito à tutela judicial efetiva dos direitos dos cidadãos através da impugnação contenciosa de atos administrativos lesivos (cf. artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa), o reconhecimento da imediata lesividade da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo e, por conseguinte, da sua impugnabilidade direta;
31.ª Com efeito, a interpretação do disposto no artigo 139.º do Código do IRC, no sentido de que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo não constitui um ato lesivo dos direitos do contribuinte e impugnável contenciosamente, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, o que se invoca para todos os efeitos legais;
32.ª Por fim, cumpre mencionar ainda que, no caso sub judice, está-se perante uma decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo que não conhece do mérito do pedido e que se suportou exclusivamente na falta de apresentação dos documentos de autorização do levantamento do sigilo bancário dos administradores do Recorrente, o que evidencia mais a lesividade, particularmente quando se perspetiva que dali resultou a emissão de uma liquidação de imposto;
33.ª Acresce que, considerar, como fez o Tribunal recorrido, que a apreciação da legalidade da decisão se fará em sede de impugnação judicial da liquidação de imposto que for emitida encaminha para o domínio do contencioso de anulação – como é o contencioso tributário – a apreciação da legalidade de uma decisão administrativa, sem que o Tribunal tributário possa substituir-se à administração tributária, o que, à luz do direito à tutela judicial efetiva, não constituirá a solução que melhor se compagina com os direitos e interesses do contribuinte;
34.ª Por último note-se que este foi já o julgamento do Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 3 de dezembro de 2014, proferido no processo n.º 0881/12, bem como do Tribunal Central Administrativo Norte, em acórdão de 26 de março de 2015, proferido no processo n.º 01271/11.2BEPRT;
35.ª Em face do exposto, resulta evidente a lesividade do ato e a sua imediata impugnabilidade, pelo que improcede o exposto na decisão recorrida a este respeito, devendo a mesma ser revogada e a exceção invocada pela Fazenda Pública ser julgada improcedente;
36.ª Sendo o presente recurso julgado procedente, como entende o Recorrente, e considerando esse Ilustre Tribunal que, para além da revogação da decisão recorrida, nada obsta à apreciação das questões que ficaram prejudicadas pela solução dada ao litígio, sempre se impõe no caso sub judice que os autos baixem à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto na decisão recorrida;
37.ª Isto porque, com efeito, a matéria de facto dada como provada na douta decisão recorrida é insuficiente para a prolação de decisão sobre as questões que ficaram prejudicadas aquando da solução dada ao litígio pelo Tribunal a quo, quais sejam: a inconstitucionalidade do n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC e a violação do disposto no artigo 63.º-B da LGT;
38.ª Assim, impõe-se a esse Ilustre Tribunal, por força do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alíneas c) e d), do CPC, aplicável por via dos artigos 140.º e seguintes do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 97.º, n.º 2, do CPPT, que ordene a baixa dos autos ao Tribunal recorrido, por impossibilidade de o Tribunal ad quem julgar em substituição, uma vez que o pedido e a causa de pedir formulados pela ora Recorrente impunham o conhecimento de matéria de facto, que se revela inexistente na sentença proferida, caso esse Ilustre Tribunal não disponha dos elementos probatórios que permitam a reapreciação da matéria de facto;
39.ª Admitindo que esse Ilustre Tribunal entende, ao invés, que do processo constam todos os elementos necessários à prolação de nova decisão sobre a matéria de facto, como prevê o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aplicável por via dos artigos 140.º e seguintes do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 97.º, n.º 2, do CPPT, ainda assim, deverão ser dados como provados com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, os seguintes factos:
a. O Recorrente é uma instituição de crédito que, no âmbito da sua atividade comercial, se dedica ao comércio bancário, nomeadamente à concessão de crédito;
b. Nesse contexto, perante a incapacidade de um cliente para solver dívidas
proveniente do crédito contratado, o Recorrente adquiriu o prédio urbano sito na Quinta de (...), inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 1869;
c. Uma vez que o imóvel em causa foi efetivamente alienado por valor inferior ao valor Patrimonial Tributário (VPT) fixado, o Recorrente apresentou requerimento com vista à comprovação do preço efetivo da respetiva transmissão, o qual foi indeferido por despacho exarado na Informação n.º 7/2010 daquele SACR da Direção de Finanças do Porto, notificado através do Ofício n.º 9576/0208, datado de 09.02.2010;
d. Em 22.02.2010, o Recorrente exerceu o correspondente direito de audição prévia, no qual, entre vários fundamentos, invocou que o entendimento de que a norma contida no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, como vem sendo aplicada pela administração tributária, constitui manifesta violação de princípios estruturantes da nossa ordem jurídica, designadamente, do direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do da proporcionalidade, previsto no artigos 18.º, n.º 2, e 266.º daquela Lei Fundamental (cf. requerimento expedido em 22.02.2010 que integra o processo administrativo instrutor);
e. A decisão final de indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo da transmissão do imóvel acima mencionado, exclusivamente, com fundamento na violação do disposto no artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, nomeadamente, na falta de apresentação dos documentos de autorização do levantamento do sigilo bancário dos administradores do Recorrente relativamente aos exercícios de 2007 e 2008 (cf. doc. n.º 2 com a p.i);
f. Com efeito, refere-se naquela decisão que, não tendo o Recorrente, então
Requerente, procedido à apresentação daqueles elementos, “(…) será de manter a decisão de indeferimento do presente pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, por falta de requisitos legais”. (cf. p. 4 do doc. n.º 2);
g. Ora, uma vez que o Recorrente entende que se encontram preenchidos, no caso vertente, todos os pressupostos legais de que depende o deferimento do pedido de prova de preço efetivo por si apresentado e que, nessa medida, a decisão de indeferimento acima referida é manifestamente ilegal, deduziu a presente ação administrativa especial em 02.06.2010.
40.ª Assim, dá-se como impugnada a matéria de facto provada e não provada na parte em que se consideraram implicitamente como não provados os factos acima indicados na conclusão 40.ª;
41.ª Pelo que, em suma, deverão ser relevados como factos provados todos os supra evidenciados e, em conformidade com o exposto, ser proferida uma nova decisão que julgue a ação administrativa especial deduzida pelo Recorrente integralmente procedente;
42.ª Tendo presente a factualidade acima indicada, resulta evidente que a norma constante do n.º 6, do artigo 139.º do Código do IRC, tal como foi aplicada ao caso vertente pela administração tributária, e nessa sequência a decisão sub judice, incorrem em manifesta violação de alguns dos mais basilares princípios consagrados na CRP, tais como os princípios da reserva à intimidade da vida privada, do Estado de Direito, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, da proporcionalidade e da tributação do rendimento real, vertidos, respetivamente, nos artigos 26.º, n.º 1, 2.º, 20.º, n.º 1 e 4, 17.º, 286.º, n.º 4 e 104.º, n.º 2, daquele diploma;
43.ª A questão de inconstitucionalidade vem colocar-se com referência ao n.º 6 do atual artigo 139.º do Código do IRC, na redação dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, segundo o qual, nas situações em que o sujeito passivo faça uso do procedimento em questão, a administração tributária pode aceder à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização, o que configura, na verdade, uma imposição legal, manifestamente inaceitável em face dos mais básicos princípios constitucionalmente consagrados;
44.ª Na verdade, trata-se aquele de um regime especial de derrogação do sigilo bancário consagrado pelo legislador tributário com o intuito de exigir ao sujeito passivo a prévia apresentação das autorizações, que se pretendem totalmente voluntárias, de acesso à sua informação bancária e à dos seus administradores, elevando-se, desse modo, a apresentação daquelas autorizações a verdadeira condição sine qua non formal do deferimento do requerimento de prova de preço apresentado nos termos e de acordo com os requisitos fixados nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 139.º do Código do IRC, isto é, determinando-se que, não se verificando a obtenção e apresentação daquelas autorizações, o sujeito passivo fica impossibilitado de recorrer ao procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC com vista a afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC;
45.ª Em face de todo o exposto, facilmente se depreende que a norma em causa e a decisão em crise, ao proceder à sua interpretação e aplicação com o sentido a que acima se fez referência, incorrem em manifesta violação dos princípios constitucionais basilares, designadamente do princípio da reserva à intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º1, da CRP, do princípio do Estado de Direito, previsto no artigo 2.º da CRP do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva, previsto nos artigos 20.º, n.º 1, e n.º 4, e 268.º, n.º 4, todos da CRP do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real, previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e do princípio da igualdade tributária, previsto nos artigos 104.º, n.º 1 e n.º 2 e no artigo 13.º, todos da CRP;
46.ª No que concerne à violação dos enunciados princípios cumpre referir que a sua análise não poderá deixar de acompanhar a jurisprudência fixada pelo TC no acórdão n.º 442/2007, no âmbito do qual, aquele Tribunal se pronunciou relativamente a um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade, apresentado por Sua Excelência o Presidente da República em 30.07.2007, que teve por objeto as normas constantes dos artigos 2.º e 3.º do Decreto n.º 139/X da Assembleia da República, de 5.07.2007, nas quais se previa a possibilidade de derrogação do sigilo bancário no âmbito de processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, normas que aquele Tribunal considerou que violam os princípios constitucionais previstos nos aludidos artigos 2.º, 20.º, n.º 1, 26.º, n.º 1 e 2 e 286.º, n.º 4, todos da CRP;
47.ª A violação dos princípios sob apreciação consubstancia-se, desde logo, na circunstância de o eventual acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores, como condição do deferimento do requerimento apresentado nos termos do artigo 139.º do Código do IRC, determinar o alargamento do núcleo de pessoas que tomam conhecimento de informações protegidas, relativas ao sujeito passivo, sem que este último tenha à sua disposição qualquer garantia de defesa ou alternativa que não seja a de autorizar o levantamento do sigilo bancário, consubstanciando-se na violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada e designadamente à esfera privada de ordem económica, também merecedora de tutela nos termos do disposto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP;
48.ª Aquilo que o n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, expressamente determina é, apenas e só, que sem a obtenção e apresentação das autorizações de derrogação do sigilo bancário – ou seja, sem que o seu direito e o de terceiros à reserva da intimidade da vida privada seja violado - o sujeito passivo não possa, na prática, afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC;
49.ª Acresce que, com a “imposição” daquela renúncia voluntária ao sigilo bancário pretendeu-se contornar a obrigação, que a lei e os princípios gerais previstos nesta matéria impõem, de garantir ao sujeito passivo e administradores não só a pronúncia prévia sobre os fundamentos de eventual levantamento do sigilo bancário mas, também, a possibilidade de aqueles sujeitarem a sindicância judicial o acesso à informação bancária;
50.ª Pelo que, uma vez que não se vislumbra qualquer justificação para a consagração, no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, de um regime legal com tais implicações na esfera de direitos do sujeito passivo e de terceiros, nada justifica, também e neste caso, a sobreposição dos referidos objetivos de combate à fraude e evasão fiscal e do próprio direito do Estado de cobrar impostos ao direito à reserva da intimidade da vida privada consignado no artigo 26.º da CRP;
51.ª Mas, para além da violação do referido princípio/direito uma outra ocorre em consequência da concretização do comando ínsito naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, qual seja a violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva;
52.ª Na verdade, o sujeito passivo depara-se, perante aquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, com uma situação em que ou autoriza a derrogação do seu sigilo bancário e obtém de terceiros as autorizações relativas a essa derrogação ou se vê irremediavelmente privado de afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC;
53.ª Verifica-se, pois, um efetivo condicionamento do exercício daquele direito e das legítimas expectativas do sujeito passivo de comprovar, perante a administração tributária, ao abrigo do expediente previsto no artigo 139.º do Código do IRC, tendo em vista a sua tributação pelo lucro real, que o preço efetivamente praticado na alienação de um determinado imóvel foi inferior ao VPT que serviu de base à liquidação do IMT entretanto liquidado;
54.ª Mas, mais do que isso, o referido n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, faz igualmente precludir, se atendermos ao que determina o n.º 7, da mesma norma, a própria possibilidade de impugnar judicialmente a liquidação de imposto, ou, se a este não houver lugar, as correções ao lucro tributável efetuadas por efeitos da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC, já que caso o sujeito passivo não recorra ao mecanismo previsto naquele artigo 139.º do Código do IRC, já não poderá impugnar a liquidação de imposto ou as correções ao lucro tributável realizadas pela administração tributária como consequência da aplicação da regra vertida no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC;
55.ª Para além das violações acima aludidas, a norma prevista no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC e a sua aplicação nos termos em que o fez a decisão sub judice, incorre, igualmente e ainda tendo por referência o direito fundamental de reserva à intimidade da vida privada, na violação do princípio da proporcionalidade;
56.ª Desde logo, no que se refere às mencionadas vertentes da adequação e da necessidade porquanto, embora se reconheça que o eventual controlo e acesso à informação bancária do sujeito passivo poderá, em face do objetivo mediato de combate à evasão e à fraude fiscal que presidiu à consagração do regime legal previsto no artigo 139.º, justificar aquele acesso, já nada poderá justificar que o mesmo se concretize da forma leviana que resulta da aplicação do n.º 6, daquele preceito, verificando-se assim uma manifesta desadequação dos meios em face dos fins a atingir;
57.ª Isto porque, a derrogação do sigilo bancário prevista naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, pressupõe que o sujeito passivo voluntariamente renuncie ao carácter sigiloso da sua informação bancária e que providencie por essa renúncia de um terceiro, sob pena de não poder lançar mão do expediente legal que lhe permite afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC;
58.ª E tal renúncia ocorrerá, nos termos previstos no citado preceito, sem que expressamente se preveja, tal como se impunha, o dever da administração tributária de justificar e fundamentar as razões do acesso à informação bancária, pelo contrário, exige-se ao contribuinte a apresentação das autorizações de derrogação do sigilo bancário, sob pena de o requerimento de prova do preço efetivo apresentado nos termos dos n.ºs 1, 2 e 3, do artigo 139.º do Código do IRC ser liminarmente indeferido;
59.ª Também na sua vertente mais estrita ocorre a violação do princípio da proporcionalidade;
60.ª Com efeito, também a circunstância de se exigir ao sujeito passivo que apresente, para efeitos da utilização do expediente previsto no artigo 139.º do Código do IRC, as autorizações de levantamento do sigilo bancário relativo a terceiros, quais sejam, os seus administradores, não configura, tal como impõe, por seu lado, o n.º 2 do artigo 18.º da CRP, uma medida necessária para “(…) salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos (…)”;
61.ª Efetivamente, o direito de cobrar impostos e os especiais objetivos de combate à fraude e à evasão fiscal que a consagração de uma norma do tipo da prevista naquele n.º 6, do artigo 139.º, do Código do IRC pretendem assegurar não podem em circunstância alguma, sobrepor-se aos direitos acima referidos, congregados no direito à confidencialidade das suas informações bancárias, pelo menos da forma como essa sobreposição vem consagrada na referida norma, sob pena de manifesta violação do princípio da proporcionalidade, constante do artigo 18.º, n.º 1, da CRP;
62.ª Nessa medida e em face de todo o exposto, deve a decisão sub judice ser anulada, também com fundamento na violação daquela norma;
63.ª Por fim, e ainda ao nível da violação dos princípios constitucionais, considera o Recorrente que a interpretação que do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC faz a administração tributária no caso vertente ofende outros dois princípios, quais sejam, o da tributação das empresas pelo rendimento real vertido no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e o da igualdade contributiva consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP;
64.ª Efetivamente, a ratio legis daquele artigo 64.º do Código do IRC, enquanto norma anti-abuso, é a de corrigir o rendimento declarado pelo sujeito passivo, quando ocorra um eventual afastamento de um padrão de normalidade – dos designados “valores normais de mercado” – mediante o recurso a um rendimento presumido, obtido em função e na sequência do valor patrimonial tributário definitivo determinado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, com referência ao imóvel em causa;
65.ª No entanto, a presunção, quer do rendimento, quer do próprio valor de alienação do imóvel a considerar para efeitos de determinação do rendimento tributável em IRC, apenas poderá ser admissível se consubstanciar uma presunção relativa, ou seja in casu, se for, na prática, possível efetuar a demonstração do valor real e efetivo da transmissão, pelo que, não o sendo, ocorre, no entendimento do Recorrente e salvo melhor opinião, uma manifesta violação do princípio constitucional da tributação pelo rendimento real previsto no artigo 104.º, n.º 3, da CRP;
66.ª Sucede que, à luz da redação do mencionado anterior artigo 129.º, n.º 6, atual 139.º, do Código do IRC dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e ora aplicada pela administração tributária, o legislador tributário veio tornar, na prática, inilidível a presunção de rendimento consagrada no artigo 64.º, enformando aquela norma, no entendimento do Recorrente, da inconstitucionalidade que originariamente havia sido apontada ao acima aludido anteprojeto;
67.ª Efetivamente, insista-se, caso o artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC seja interpretado no sentido de se entender que os mencionados documentos de autorização constituem um requisito indispensável à própria apreciação do requerimento de demonstração do preço efetivo, então tal exigência traduzir-se-á numa prova impossível e, por conseguinte, na inilidibilidade da presunção de rendimento;
68.ª Pelo que, em suma, o artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, quando interpretado e aplicado da forma em que o fez a administração tributária no caso vertente, ou seja, no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores ou gerentes constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento prevista no artigo 64.º do Código do IRC, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação pelo rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e do princípio da igualdade contributiva, previsto, entre outros, nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP;
69.ª Caso não se entenda verificadas as enunciadas inconstitucionalidades, o que apenas por cautela de patrocínio se concebe, sem conceder, ainda assim o ato em crise infringiu o disposto no artigo 63.º-B, da LGT;
70.ª Efetivamente, o n.º 6, do artigo 139.º do Código do IRC, quer numa interpretação meramente literal, quer de acordo com a interpretação e aplicação que do mesmo faz a administração tributária no âmbito da decisão sub judice, não colhe enquadramento nos princípios gerais que, relativamente à possibilidade de derrogação do sigilo bancário em matéria tributária, foram expressamente fixados pelo legislador ordinário no artigo 63.º-B, da LGT;
71.ª Com efeito, e conforme referido supra, o acesso às informações ou documentos bancários de familiar ou terceiro, exige sempre uma recusa de exibição ou autorização para a sua consulta e, perante esta, um ato decisório por parte da administração tributária a autorizar o levantamento do sigilo bancário, mediante audição prévia daqueles;
72.ª Não tendo a administração tributária desencadeado o procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT, por forma a garantir o acesso aos documentos e informações bancárias de terceiros, não pode o procedimento desencadeado ao abrigo do disposto no artigo 139.º do Código do IRC ser indeferido;
73.ª Assim, demonstrada a suficiência e a adequação do regime legal previsto no artigo 63.º-B da LGT, no que concerne à regulamentação do acesso a informações bancárias de terceiros, fica igualmente demonstrada, também por esse motivo, a ilegalidade do disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC e, nessa medida, da decisão sub judice, em virtude de ambos se encontrarem em violação daquela primeira norma;
74.ª Sem prejuízo de todo o acima exposto e numa tentativa, que o Recorrente crê que vã, de se interpretar o disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC em conformidade com todos os princípios e normas acima invocado, a única exegese possível do preceito só seria a de se aceitar a eventual exigibilidade da autorização para levantamento do sigilo bancário após a verificação, por parte da administração tributária, da existência de fundamentos concretos que justificassem a análise da informação bancária, sendo certo que, no caso dos terceiros, o facto de a administração tributária não proceder ao cumprimento do formalismo previsto do artigo 63.º-B da LGT para o levantamento do sigilo bancário nunca poderia ter como consequência o indeferimento do procedimento ao abrigo do artigo 139.º do Código do IRC;
75.ª Pelo que a administração tributária, ao exigir a apresentação das autorizações de derrogação do sigilo bancário noutros termos que não os expostos – e que consubstanciam, insista-se, a única interpretação daquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, suscetível de não violar os princípios consignados na CRP e no artigo 63.º-B da LGT – faz inquinar de manifesta ilegalidade a decisão sub judice;
76.ª Sendo anulada, nos termos acima peticionados, a decisão em crise, importa, agora, demonstrar que o requerimento de prova de preço efetivo apresentado pelo Recorrente deverá ser, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do IRC, imediatamente deferido;
77.ª Com efeito, o Recorrente procedeu, em cumprimento do prazo previsto no atual artigo 139.º, n.º 3, do Código do IRC, à apresentação do requerimento com vista à prova do preço efetivo da transmissão em causa e juntou a cópia da escritura pública do contrato de compra e venda referente à alienação em questão e as cópias dos documentos comprovativos do recebimento do preço declarado, bem como a declaração de autorização de acesso à sua informação bancária;
78.ª Daqueles documentos resulta inequivocamente demonstrado e sem ser necessária a produção de qualquer prova adicional que aquele foi o preço pelo qual o Recorrente transmitiu os imóveis em questão;
79.ª Razão pela qual deve o requerimento de prova de preço efetivo em questão ser deferido para efeitos da validação dos montantes declarados pelo Recorrente, com referência à transmissão dos imóveis em causa na declaração modelo 22 referente ao exercício de 2008 e para efeitos da relevação do correto valor de alienação dos imóveis na determinação do lucro tributável do exercício.

Termina a Recorrente pedindo que seja julgado procedente o seu recurso, operando-se a revogação da sentença recorrida e, nessa medida, anulando-se o ato recorrido.
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O Recorrido (Ministério das Finanças) apresentou contra-alegações solicitando que seja negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se a sentença recorrida.
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Os autos foram com vista ao distinto magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal (cf. fls. 319 dos autos – paginação do processo físico).
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Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:

1. Por escritura pública celebrada no dia 14.05.2008, o autor, Banco (...), declarou vender, por preço de € 1 967 000, à sociedade H., Lda., representada por H., que declarou comprar o prédio urbano sito na quinta de (…), inscrito na matriz sob o artigo 1869 e descrito na competente conservatória sob o nº 8111/240998 (cópia da escritura junta ao Processo Administrativo apenso aos autos).
2. O prédio referido em 1. foi avaliado nos termos do art. 38º e seguintes, do CIMI, tendo sido apurado o valor patrimonial de € 2 320 070 (doc. de avaliação junto ao Processo Administrativo apenso aos autos).
3. No dia 08.01.2010, a Autora apresentou, junto da Direcção de Finanças do Porto, requerimento para prova do preço efectivo, nos termos do art.º 139º do CIRC (fls. 1 e seguintes, do Processo Administrativo apenso aos autos).
4. O pedido referido em 3. foi indeferido, por despacho do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão, datado de 03.03.2010 (despacho e informação que lhe serve de fundamento constantes do Processo Administrativo apenso aos autos).
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III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe analisar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, pelo que cabe aferir do imputado erróneo julgamento quanto à inimpugnabilidade do ato recorrido, assim como da possibilidade de conhecimento nesta instância e em substituição dos vícios àquele atribuídos, designadamente por alegada ofensa aos princípios constitucionais invocados pela Recorrente no que se refere ao art.º 139.º do CIRC.
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IV – Do direito.

No presente recurso veio impugnada a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferida nestes autos e pela qual se considerou procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato recorrido, este consubstanciado na decisão de indeferimento proferido pelo Sr. Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão, datado de 03.03.2010, e pela qual se indeferiu o pedido feito pela Recorrente destinado à prova do preço efetivo de aquisição de um imóvel à luz do vertido no art.º 139.º do CIRC (cf. ponto 4 da matéria de facto assente em primeira instância).

Na sentença apelada, considerou-se que o referido ato não seria impugnável, prosseguindo-se, para o efeito, com a seguinte argumentação jurídica:
“[…] Na situação vertente, o autor recorreu ao mecanismo estabelecido no art. 139º, do CIRC, ou seja, o procedimento para prova do preço efectivo, que pode ser accionado para ilidir aquilo que pode ser entendido como uma presunção, a de que o valor a atender para efeito de determinação do lucro tributável em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas é o valor patrimonial tributário que resulta da avaliação efectuada nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
Com efeito, as normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário (art. 73º da Lei Geral Tributária), sendo que, esta presunção em concreto, poderia colocar em causa o princípio da tributação do rendimento real consagrado no art. 104º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
Assim, o procedimento previsto no art. 139º do CIRC visa “ilidir” a “presunção” prevista no art. 64º, nº 2, do mesmo diploma, ou seja, visa permitir ao sujeito passivo de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas demonstrar que o preço efectivamente praticado foi inferior ao valor patrimonial tributário e, assim, poder ser tributado pelo rendimento real.
Ora, entendemos que o acto que indeferiu o requerimento de prova do preço efectivo não tem qualquer lesividade actual.
[…]
Do que se expôs, podemos concluir que o acto em crise não tem qualquer lesividade actual, uma vez que, os seus efeitos vão reflectir-se apenas em sede de liquidação a efectuar após a correcção da declaração de rendimentos, como se menciona no art. 64º, nº 3, do CIRC, não tendo o mesmo, qualquer repercussão imediata e actual na esfera jurídica do autor.
[…]”
Ora, relativamente à primacial questão da inimpugnabilidade do ato administrativo em matéria tributária aqui em apreço, já se pronunciou esta instância em distintos acórdãos. Deste modo e tendo por norte o ditame previsto no n.º 3 do art.º 8.º do Código Civil, no acórdão proferido neste TCA, datado de 25.02.2021, no processo n.º 2522/11.9BEPRT, relatou-se que:
“[…] A recorrente não se conforma com o decidido pondo a tónica do seu desacordo no facto de o ato em crise ser um ato final do procedimento, suscetível, por essa via, de impugnação contenciosa imediata de acordo com o art. 60.º do CPPT, respeitante à definitividade dos atos praticados pela autoridade fiscal competente.
Trata-se de uma decisão final de um procedimento do art. 139.º do CIRC que visa a demonstração do preço efetivo praticado na transmissão de imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis (IMT), assumindo natureza autónoma do procedimento de liquidação.
O próprio órgão decisor do procedimento de prova do preço efetivo qualificou o ato sub judice como uma decisão final do procedimento ao estabelecer a sua recorribilidade hierárquica.
Mas mesmo que assim não fosse, sempre a decisão recorrida padeceria de erro ao qualificar tal ato como não destacável, pois que, o ato em apreço consubstancia um ato de avaliação direta por conseguinte um ato naturalmente destacável de impugnabilidade autónoma sob pena de não ser impugnado autonomamente não poder vir a ser quando for fixada a matéria tributável, quer nas situações em que haja liquidação de imposto, quer quando não haja.
Também não é verdade, como se decidiu, que a decisão de indeferimento da prova do preço efetivo não afete os direitos ou interesses da Recorrente, pois que tal decisão se cristaliza na ordem jurídica no sentido de que o preço praticado pelas partes foi inferior ao valor patrimonial tributário.
Além do mais a recorrente não sabe se afinal vai haver liquidação de imposto que possa, posteriormente vira a contestar.
A interpretação do art. 139.º do CIR nos moldes efetuado pelo tribunal a quo é inconstitucional [arts. 20.º e 268.º da CRP].
Por fim, ao considerar-se que a apreciação da legalidade da decisão se fará em sede de impugnação judicial da liquidação do imposto que for emitida encaminha para o domínio do contencioso de anulação _apreciação da legalidade de uma decisão administrativa_ sem que o tribunal tributário possa substituir-se à administração tributária, o que á luz do direito à tutela efetiva, não constituirá a solução que melhor se compagina com os direitos e interesses do contribuinte [aliás em conformidade com o julgamento feito de STA em acórdão de 3-12-2014, no processo n.º 0881/12].

Vejamos,
Partindo, assim, do aresto supracitado que tem toda aplicação ao caso dos autos, aliás seguida por diversa jurisprudência deste tribunal , à qual aderimos, que passamos a citar: “(…) Como se sabe, a determinação do valor patrimonial tributário dos imóveis, que é obtida através da fórmula prevista no artigo 38º e seguintes do Código do IMI, e que procura uma aproximação aos valores de mercado com vista a proporcionar maior equidade na tributação do património, tem importantes consequências a nível fiscal, designadamente a nível de tributação do rendimento, particularmente quando o valor de transacção do imóvel diverge do seu valor patrimonial tributário (VPT). Na verdade, pese embora não haja reflexos quando o valor efectivo da transmissão é maior que o valor patrimonial tributário (dado que é o valor efectivo da transmissão a base fiscal para o IMT, o IRS, e o IRC – cfr. arts. 12º do CIMT, 31º-A do CIRS e 58º-A do CIRC), já assim não acontece quando o valor efectivo da transmissão é inferior ao que posteriormente vier a ser fixado como VPT, com a agravante de que este valor patrimonial tributário definitivo pode ser apenas conhecido e/ou fixado num exercício fiscal diferente daquele em que a transmissão ocorreu.
E essas consequências afectam tanto o alienante do bem como o seu adquirente, pois para além das consequências imediatas em sede de IMT e IMI, obrigam a ajustamentos fiscais no âmbito dos impostos sobre o rendimento das pessoas colectivas.
Na verdade, o artigo 58º-A do CIRC (a que corresponde o actual artigo 64º após a republicação do Código operada pelo Dec. Lei nº 159/2009, de 13.07) dispõe do seguinte modo:
1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
3 - Para aplicação do disposto no número anterior:
a) O sujeito passivo alienante deve efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato; (nosso sublinhado)
b) O sujeito passivo adquirente, desde que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.
4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do exercício a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos. (nosso sublinhado)
5 - Relativamente ao adquirente, o disposto no número anterior não é aplicável quando se trate de correcção ao valor das reintegrações do imóvel, caso em que as relativas a exercícios anteriores serão consideradas como custo do exercício em que o valor patrimonial tributário se tornar definitivo.
6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correcções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efectivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.
Donde resulta que a norma estabelece, como princípio base, que os vendedores e compradores de direitos reais de imóveis devem adoptar, nas suas transacções, valores de mercado que não poderão ser inferiores aos VPT definitivos que serviram de base à liquidação de IMT. Pelo que sempre que se verifiquem desvios negativos entre o valor declarado pelas partes e o respectivo valor patrimonial definitivo, será este o valor relevante para efeitos de determinação do lucro tributável. Por conseguinte, para determinação do lucro tributável referente às transacções de imóveis em sede de IRC, prevalece o VPT fixado para efeitos de IMT sobre o preço declarado da transacção, sempre que o primeiro seja superior ao segundo.
A aplicação desta regra implicará, assim, em termos de imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas, e de forma necessária, a obrigação para o vendedor de efectuar uma correcção relativamente à declaração fiscal de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a transmissão (correcção correspondente à diferença entre o valor declarado e o VPT fixado), o que, na prática, envolve uma nova e imediata obrigação tributária de natureza contabilística e declarativa, e implicará, em princípio, uma mediata obrigação tributária de pagar mais imposto; por outro lado, para o comprador, as implicações traduzem-se no facto de ele poder considerar para efeitos fiscais o VPT fixado, o que, na prática, implicará um aumento das amortizações fiscais e um aumento da base fiscal do imóvel na sua futura venda.
Em suma, a aplicação deste regime obriga os sujeitos passivos de IRC ao cumprimento (actual) de obrigações de natureza contabilística e declarativa, para além da eventual (futura) obrigação de entrega de imposto.
Tratando-se, porém, de um preceito com a natureza de norma especial anti-abuso, que visa corrigir, para efeitos de determinação do lucro tributável, os valores de venda/aquisição dos imóveis, ela só pode operar na sequência de um procedimento legal tributário que possibilite a demonstração, perante a administração tributária, que os valores das transacções praticados foram efectivamente inferiores aos valores patrimoniais tributários respectivos. Razão por que foi instituída a possibilidade de os sujeitos passivos exibirem elementos de prova que comprovem que o valor declarado e registado na contabilidade é o verdadeiro preço de compra (no caso do comprador) e o verdadeiro preço de venda (no caso do alienante), em conformidade com o disposto no art. 129º do CIRC (a que corresponde o actual art. 139º após a republicação do CIRC operada pelo DL nº 159/2009), que reza assim:
1 - O disposto no n.º 2 do artigo 58º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o nº 3 do artigo 62º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.
3 - A prova referida no nº 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
4 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor do ajustamento previsto no nº 2 do artigo 58º-A, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, será da competência da Direcção-Geral dos Impostos.
5 - O procedimento previsto no nº 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91º e 92º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no nº 4 do artigo 86º da mesma lei.
6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização. (Redacção dada pelo art. 52º da Lei nº 53-A/2006 de 29/12).
7 - A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no nº 2 do artigo 58º-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no nº 3, não havendo lugar a reclamação graciosa (Redacção dada pelo art. 52º da Lei nº 53-A/2006 de 29/12).
8 - A impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo.
A lei criou, assim, um procedimento tributário em ordem a permitir ao sujeito passivo de IRC demonstrar que o preço efectivamente praticado é inferior ao VPT fixado e, assim, afastar a presunção resultante do referido artigo 58º-A do CIRC, procedimento que é instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado no mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreu a transmissão (caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado) ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva (nos restantes casos) e que se rege «pelo disposto nos artigos 91º e 92º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no nº 4 do artigo 86º da mesma lei» (nº 5 do art. 129º).
Equiparou-se, assim, este procedimento àquele outro previsto nos artigos 91º e 92º da LGT (pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos), constituindo tal procedimento uma condição necessária à abertura da via contenciosa (nº 7 do art. 129º). Ou seja, o procedimento que visa a demonstração, pelo sujeito passivo, de que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT definitivamente fixado, constitui uma condição de procedibilidade da impugnação judicial quando nesta se pretenda discutir o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis.
Posto isto, a questão que se coloca é a de saber se o sujeito passivo (no caso, o vendedor) pode ou não sindicar judicialmente, de forma imediata e autónoma, a decisão que lhe indefere o pedido de prova do preço efectivo no procedimento que instaurou para o efeito, ou se, pelo contrário, só pode atacar a legalidade dessa decisão na impugnação que deduza contra o acto tributário final – isto é, na impugnação do acto de liquidação de imposto que resultar das correcções efectuadas por aplicação do nº 2 do art. 58º-A, ou, se não houver lugar a liquidação de imposto, do acto de correcção ao lucro tributável efectuada ao abrigo do mesmo preceito legal. (…)
Estabelece o artigo 54º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que «1- Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.».
Tal preceito consagra o denominado princípio da impugnação unitária, segundo o qual só é possível, em princípio, impugnar o acto final do procedimento, e não já os actos interlocutórios ou procedimentais, dado que só o acto final atinge ou lesa, imediatamente, a esfera jurídica do contribuinte, fixando a posição da administração tributária perante este e definido os seus direitos e obrigações. E dele resulta, ainda, que no contencioso tributário, ao contrário do que acontece actualmente no contencioso administrativo, o critério da impugnabilidade dos actos é o da sua lesividade imediata, ou seja, é a lesividade objectiva, imediata, actual, e não a lesividade meramente potencial.
Na verdade, enquanto a partir da entrada em vigor do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e da opção legislativa materializada no nº 1 do seu artigo 51º, a lesividade imediata do acto administrativo deixou de constituir atributo da sua impugnabilidade, pois que deixou de se exigir que o acto tenha sido praticado no termo de uma sequência procedimental, passando essa impugnabilidade a depender somente da externalidade do acto, ou seja, da susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere (lesividade potencial), já no âmbito do contencioso tributário a impugnabilidade do acto continua a depender da sua lesividade imediata e actual, da produção de efeitos negativos imediatos na esfera jurídica do contribuinte, pela violação dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
E porque é a esta luz que deve ser visto o princípio da impugnação unitária, inviabilizador da impugnabilidade dos actos procedimentais, compreende-se que ele só deva ceder naqueles casos em que (i) o legislador consagrou norma expressa em sentido contrário, ou naqueles casos em que (ii) se verifica a lesividade imediata do acto e em que, por isso, se torna imprescindível assegurar a tutela judicial efectiva em relação a esse tipo de acto, sendo que o conceito engloba apenas as situações de lesão imediata e actual, estando excluídas da garantia os actos cuja lesividade seja apenas potencial.
Deste modo, e concluindo, os actos interlocutórios do procedimento tributário, sendo meramente instrumentais ou preparatórios da decisão final, ainda que ilegais, não são, em princípio, lesivos dos interesses do contribuinte, pois a sua situação tributária não fica com eles definida ou resolvida. Razão por que a sua ilegalidade só pode ser suscitada aquando da eventual impugnação deduzida contra o acto final lesivo. A menos que se trate (ii) de actos procedimentais cujo escrutínio judicial imediato e autónomo se encontre expressamente previsto na lei (os chamados “actos destacáveis”), que na falta de impugnação imediata se consolidam na ordem jurídica, ficando precludido o direito ou a faculdade processual de posteriormente discutir a sua legalidade e afastada a possibilidade de impugnar, com base na sua ilegalidade, a liquidação que desse acto partiu, ou (ii) de actos que, embora inseridos no procedimento e anteriores à decisão final, sejam imediatamente lesivos, abrindo-se então a possibilidade da sua impugnação imediata, sem prejuízo de a sua ilegalidade poder ainda ser suscitada na impugnação que venha a ser deduzida contra o acto final, pois que do art. 54º do CPPT não decorre a preclusão desse direito para os actos não destacáveis, e tal dimanar, similarmente, da regra contida no nº 3 do art. 51º do CPTA, de aplicação supletiva ao contencioso tributário.
Em suma, havendo um acto imediatamente lesivo dos direitos do contribuinte, ainda que esse acto esteja inserido num dado procedimento e seja antecedente de uma decisão final, ele tem a faculdade de o impugnar autónoma e imediatamente, não ficando, todavia, limitado o seu direito de impugnar a decisão final. (…)
Todavia, não se tratando de um acto previsto na lei como um acto destacável, a sua impugnabilidade contenciosa directa, imediata e autónoma, dependerá da sua qualificação como acto imediatamente lesivo.
À primeira vista, essa decisão parece não constituir um acto imediatamente lesivo, por aparentemente não ser susceptível de provocar, por si, efeitos jurídicos negativos imediatos na esfera jurídica do sujeito passivo alienante do imóvel, a qual só seria atingida com o acto final de liquidação do imposto sobre o rendimento ou com o acto de correcção do lucro tributável no caso de não haver lugar a liquidação de imposto. Pelo que se compreende que, numa primeira leitura, se tenda a sustentar a posição sufragada na decisão recorrida.
Importa, contudo, recordar o que acima deixámos referido no que toca às consequências fiscais da determinação do valor patrimonial tributário a nível de tributação do rendimento quando o valor de transacção do imóvel é inferior ao VPT definitivo. É que, nessa situação, nasce imediatamente para o vendedor a obrigação fiscal de efectuar a correcção dos rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a transmissão (correcção correspondente à diferença entre o valor declarado e o VPT fixado), o que, na prática, envolve não só uma nova e actual obrigação contabilística como, também, uma nova e imediata obrigação declarativa, de apresentação de declaração Modelo 22 de substituição, independentemente de se vir ou não a constituir uma futura obrigação tributária de pagar mais imposto.
E a falta de apresentação dessa declaração fiscal - que, no caso vertente, teria de ser feita logo no mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que o VPT se tornou definitivo, caso não fosse instaurado o procedimento para prova do preço efectivo da transmissão, já que este tem efeito suspensivo sobre o procedimento para a liquidação do imposto na parte correspondente ao valor do ajustamento – acarreta mesmo a instauração de procedimento contra-ordenacional, com todos os efeitos nefastos daí decorrentes.
Quer isto dizer que não só o acto de determinação do VPT definitivo do imóvel (que a lei considera destacável para efeitos contenciosos) como, também, o acto de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo da transmissão desse imóvel, afectam, de forma actual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo de imposto sobre o rendimento, e, por isso, torna-se imprescindível assegurar-lhe a tutela judicial efectiva em relação a este tipo de actos, com a possibilidade de impugnação autónoma e imediata, subtraída ao regime regra da impugnação unitária.
Por conseguinte, é de considerar que ao sujeito passivo vendedor de imóvel assistem os seguintes meios contenciosos: (i) impugnação judicial do acto que fixou o valor patrimonial tributário do imóvel; (ii) acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto final do procedimento que instaurou com vista à prova do preço efectivo da transmissão; (iii) impugnação judicial do acto de liquidação de IRC que vier a resultar da aplicação do disposto no art. 58º-A do CIRC, sendo de notar que nela pode invocar qualquer ilegalidade ou erro praticado na liquidação ou no procedimento destinado à prova do preço efectivo, bem como recorrer a qualquer meio de prova adequado à demonstração do preço efectivamente praticado. (…)”.

Na presente situação aplica-se igualmente a orientação jurisprudencial referenciado no citado acórdão desta instância, assim como no acórdão do STA nele citado. Mais se diga que as referidas orientações jurisprudenciais que aqui seguimos, têm assumido um caráter uniforme e contante.

Por isso, ao contrário da decisão jurisdicional recorrida, entendemos que o ato recorrido é impugnável e não inimpugnável. Deste modo, operou-se aqui o imputado erro de julgamento.

Cabe agora aferir se a presente instância pode conhecer em substituição do presente recurso como invocado pela Recorrente.

Na presente situação, a decisão recorrida não conheceu do mérito do pedido formulado, tendo absolvido o ora Recorrido da instância. Porém, há que ter presente que o presente meio processual foi intentado e ainda se rege pela versão do CPTA vigente à data da propositura do presente meio processual, ou seja na versão anterior à alteração promovida pelo Decreto-Lei 214-G/2015, de 2 de outubro (cf. o seu artigo 5.º) e pela Lei n.º 118/2019, de 17 de julho). Assim, o n.º 4 do art.º 149.º do CPTA dispunha que: “Se, por qualquer motivo, o tribunal recorrido não tiver conhecido do pedido, o tribunal de recurso, se julgar que o motivo não procede e que nenhum outro obsta a que se conheça do mérito da causa, conhece deste no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida.”

Por isso, cabe aferir se aqui nada obsta ao referenciado conhecimento em substituição.

Ora, temos que ter presente que na p.i. apresentada pela ora Recorrente (então Autora), não se solicitou a dispensa de apresentação de alegações (cf. n.º 4 do art.º 78.º do CPTA), não tendo sido as partes convidadas para as apresentarem (na forma escrita ou no âmbito da faculdade prevista na audiência pública, tal como então dispunha o art.º 91.º do CPTA, na versão aqui aplicável, ou seja, na redação anterior à entrada em vigor das alterações promovidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10). Assim sendo, a omissão em concreto de apresentação das alegações aqui em causa, exigíveis à luz da versão aqui ainda aplicável do CPTA, não permite a esta instância superar a apontada falta processual, sob pena de se poderem frustrar os direitos processuais das partes (nomeadamente os então previstos nos n.ºs 4, 5 e 6 do citado art.º 91.º). Deste modo, existe aqui uma causa processual que impede a que aqui se conheça em substituição do mérito dos pedidos formulados pela ora Recorrente, tal como decorre do n.º 4 do art.º 149.º do CPTA.

Por isso, tal determina a remessa do presente processo à primeira instância para aí prosseguir e conhecer do mérito da causa, se nada mais a tal obstar.
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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o presente sumário:

I – O procedimento previsto no art. 139.º do CIRC visa a demonstração do preço efetivo praticado na transmissão de imóveis, possibilitando aos sujeitos passivos a exibição de elementos de prova que comprovem que o valor declarado e registado na contabilidade é o verdadeiro preço de compra (no caso do comprador) e o verdadeiro preço de venda (no caso do alienante).

II – O ato final de decisão daquele procedimento afeta, de forma atual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo de imposto sobre o rendimento, e, por isso, é diretamente e autonomamente impugnável, subtraindo-se ao regime regra da impugnação unitária.
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V – Dispositivo

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão jurisdicional recorrida que julgou a procedência da inimpugnabilidade do ato e, em consequência, absolveu o réu da instância, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para que aí se prossiga a sua tramitação, se nada mais a tal obstar.
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Custas pela Recorrida (por vencida).
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Porto, 25 de março de 2021

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Manuel Escudeiro dos Santos
Ana Patrocínio