Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00699/08.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/28/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Canelas
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL; FACTOS PROVADOS POR ACORDO; INCENTIVOS FINANCEIROS; IAPMEI; RESOLUÇÃO DO CONTRATO; AÇÃO DE CONTROLO
Sumário:
I - Do normativo contido no artigo 83º nº 4 do CPTA não resulta que a falta de contestação, ou a falta de impugnação especificada, implique a confissão (tácita) da factualidade alegada na petição inicial da ação; o que dele decorre é que a alegação factual feita fica sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, apreciando o tribunal livremente essa conduta para efeitos probatórios.
II – Mas se o réu na sua contestação aceita expressamente uma determinada factualidade alegada pelo autor na petição inicial e se está perante factos relativamente aos quais não existe restrição legal de meios de prova, não se exigindo, nomeadamente, que a sua prova seja feita por documento sujeito a forma legal (cfr. artigos 364º, 371º e 376º do Código Civil), e onde vale, concomitantemente, o princípio da livre apreciação da prova, ela deve ser dada como assente, por expresso acordo do réu.
III – Nos termos do previsto no Capítulo IV do DL. nº 70-B/2000, de 5 de maio, a respeito do controlo e acompanhamento dos apoios financeiros concedidos no âmbito das medidas criadas ao seu abrigo, “todos os apoios financeiros concedidos ficam sujeitos ao acompanhamento e controlo da sua utilização, em conformidade com o projeto de investimento, nas suas componentes material, financeira e contabilística” (cfr. artigo 16º nº 1 do DL. nº 70-B/2000), cções de acompanhamento e controlo a serem exercidas dentro do quadro institucional definido para a gestão, acompanhamento, avaliação e controlo de execução do III Quadro Comunitário de Apoio (QCA III) (cfr. artigo 10º do DL. nº 70-B/2000), que à data era o instituído pelo DL. nº 54-A/2000, de 7 de abril.
IV – Constituem objetivos das ações de controlo dos apoios financeiros concedidos “… verificar se os projetos ou ações financiados foram empreendidos de forma correta, prevenir e combater as irregularidades e recuperar os fundos perdidos na sequência de abuso ou negligência” (cfr. artigo 41º do DL. nº 54-A/2000), abarcando três níveis de controlo, entre os quais o controlo de primeiro nível, o qual compreende “…a fiscalização das candidaturas e dos projetos nas suas componentes material, financeira, contabilística, factual e técnico-pedagógica, ou seja, a verificação física e financeira, quer nos locais de realização do investimento e das ações, quer junto das entidades que detêm os originais dos processos técnicos e documentos de despesa” (cfr. artigo 42º nºs 1 e 5 do DL. nº 54-A/2000).
V – A obrigação, a cargo do promotor, de manutenção dos documentos de despesa atinentes ao projeto, haverá de perdurar não apenas até à fase da sua conclusão, com vista ao pagamento final e encerramento do projeto, mas para além deste, e pelo período de três anos, com vista, precisamente, a assegurar a efetividade de eventual posterior ação de controlo (de 1º nível) quanto à boa e correta execução do projeto.
VI – Se por falta de demostração documental, em sede de ação de controlo, da efetiva realização de despesa e investimento pelo promotor do projeto, através de capitais próprios, em montante que atingisse a percentagem mínima de 10%, como era exigido pela alínea a) do nº 1 da Cláusula Sexta do Contrato de Concessão de Incentivos a decisão administrativa considerou que não estava comprovado o cumprimento da condição de elegibilidade do projeto, resolvendo com tal fundamento o contrato de concessão de incentivos financeiros, e essa demonstração não se encontra efetivamente feita, a decisão administrativa não padece de vício de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:AROM
Recorrido 1:IAPMEI
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não dever merecer provimento, devendo ser mantida a sentença recorrida
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
AROM (devidamente identificado nos autos) instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga autor ação administrativa especial contra o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas (IAPMEI) na qual impugnou o ato administrativo do Vogal do Conselho Diretivo do IAPMEI, de 03/01/2008, que rescindiu o contrato de concessão de incentivos financeiros ali identificado.
Por sentença singularmente proferida em 25/05/2012 (fls. 235 ss. SITAF) o Mmº Juiz do Tribunal a quo, pronunciando-se sobre o mérito da ação, julgou-a improcedente.
Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo Norte (fls. 257, 258 ss. SITAF). Nesse âmbito foi proferido o acórdão de 14/03/2013 (fls. 343 ss. SITAF) que, convocando o acórdão de uniformização de jurisprudência do Pleno da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo de 05/06/2012, Proc. nº 420/12, no sentido de que das decisões do juiz relator sobre o mérito da causa, proferidas sob a invocação dos poderes conferidos no artigo 27º nº 1 alínea i) do CPTA, cabe reclamação para a conferência, nos termos do nº 2, não recurso, decidiu não tomar conhecimento do recurso e ordenar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância a fim de o objeto do mesmo ser apreciado, a título de reclamação, pelo coletivo de juízes a quem competiria proceder ao julgamento da matéria de facto e de direito na ação.
Tendo baixado os autos à primeira instância, e colhidos ali junto dos juízes adjuntos os respetivos vistos (cfr. fls. 362-372 SITAF), foi proferido o acórdão do coletivo de juízes do Tribunal a quo datado de 26/09/2013 (fls. 374 ss. SITAF), que julgou improcedente a ação.
Inconformado o autor dele interpôs o presente recurso de apelação (fls. 427 ss. SITAF), formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
1. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida nos autos, na parte em que julgou improcedente a acção e absolveu o Réu dos pedidos.
2. A Douta Decisão recorrida é total e absolutamente omissa, entre outros, sobre os pontos acima referidos da conclusão do Autor, pelo que está inquinada com vício de nulidade, que expressamente se invoca, nos termos e para os efeitos previstos nas disposições dos arts. 616.º do CPC 2013 e 668.º do CPC 2012.
3. A procedência dessa nulidade impõe a revogação da Douta Decisão recorrida/reclamada e sua substituição por outra que se pronuncie sobre a totalidade dos argumentos vertidos nas conclusões do recurso/recurso do ora Recorrente.
4. O art. 490.º, n.º 2 do CPC 2012 (aplicável ao julgamento da lide) estabelece que se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados.
5. Quando admitidos por acordo, os factos são levados ao leque de factos assentes e não admitem qualquer prova em contrário.
6. Ora, ao não dar como provados os factos dos arts. 18.º e 19.º da p.i., a decisão reclamada contém uma clara e manifesta violação da disposição do art. 490.º, n.º 2 do CPC 2012.
7. A Douta Sentença deve, nessa parte, revogada e substituída por outra que dê como provada a factualidade alegada nos arts. 18.º e 19.º da petição inicial, considerando-se, assim, que a “fase de conclusão do projecto” ocorreu no ano de 2001.
8. Os documentos comprovativos de despesa com capitais próprios estão juntos aos autos e consistem nas facturas/recibos existentes em nome do Autor e que são de valor muito superior a € 14 937,99 (estão pelo menos enumeradas despesas de € 54 236,65, tal como resulta do ponto 7 dos factos provados).
9. E uma vez que o Réu não logrou demonstrar, como se impunha, que essas facturas/recibos, apesar de estarem passados em nome do Autor, não foram pagos com capitais próprios, forçosa se torna a conclusão de que o Réu não conseguiu demonstrar o alegado incumprimento, por bando do Autor, da obrigação de concluir o projecto com 10 % de capitais próprios.
10. A decisão recorrida, ao partir do pressuposto de que a prova do Autor tinha de ser feita com declarações de fornecedores, e não com as facturas/recibos juntos aos autos (que atingem € 54 236,65), violou, assim, as regras que regulam o ónus da prova – art. 342.º, n.º 1 do Cód. Civil – e ainda as que regulam o valor probatório dos documentos particulares não impugnados – art. 374.º, n.º 1 do Cód. Civil.
11. Por todas as razões expostas, o presente recurso não poderá deixar de ser julgado procedente, com a consequente revogação da Douta Sentença recorrida e prolação, em sua substituição, de Douto Acórdão que julgue procedente esta acção e os pedidos formulados pelo Autor.
12. Atenta a aceitação de que o projecto foi concluído e aberto ao público no ano de 2001 (que decorre do exposto no precedente ponto deste requerimento), é essa, e não outra, a data da “conclusão do projecto” (nos dizeres da cláusula sexta do contrato de incentivos).
13. Por essa razão, o Autor estava obrigado a manter organizado um dossier com documentos de despesa até final do ano de 2004.
14. Este Tribunal entendeu que a realização de uma acção de fiscalização em 2005 não era abusiva, uma vez que tinha decorrido apenas um ano desde a data em que o A. se obrigou a manter organizado o dossier com documentos de despesa.
15. Ignorou-se, contudo, que só no ano de 2007 (mais de 6 anos depois da conclusão do projecto) é que Gestor do GE de VC (ofício n.º 248/G3-VC/07) solicitou “os respectivos extractos contabilísticos da conta caixa dos comprovantes abaixo referenciados, onde sejam visíveis os pagamentos dos bens adquiridos no âmbito do mesmo…” – vide ponto 7 dos factos provados.
16. Assim, o pedido de documentos de despesa foi feito em 2007, mais de 6 anos após a conclusão do projecto e 3 anos depois do prazo acordado na cláusula sexta do contrato.
17. E é aí que reside a ilegitimidade da conduta do Réu – que foi manifestamente ignorada por este Tribunal.
18. E não vale aqui a justificação de que esses documentos teriam de ser guardados por 10 anos, para efeitos fiscais. É que os únicos documentos que tinham de ser guardados para efeitos fiscais (E QUE EFECTIVAMENTE FORAM GUARDARDOS E ESTÃO COMPROVADOS NOS AUTOS) são as facturas/recibos comprovativos de despesa, e não extractos com movimentos bancários ou declarações de fornecedores!!!!!
19. E é por essa razão que, do ponto de vista do Recorrente, a decisão sob recurso, para além de partir de um pressuposto claramente erróneo, contém uma violação do art. 334.º do Cód. Civil, devendo ser revogada e substituída por outra que, julgando procedente essa excepção, considere ilegítima e abusiva a actuação do Réu, com a consequente procedência da acção.
20. Por todas as razões expostas, a presente recurso não poderá deixar de ser julgado procedente, com a consequente revogação da Douta Sentença recorrida e prolação, em sua substituição, de Douto Acórdão que julgue procedente esta acção e os pedidos formulados pelo Autor.
21. Outro dos fundamentos do acto recorrido foi o facto de terem sido realizados pagamentos em numerário em valor superior a € 250,00 sem que a declaração de fiabilidade do TOC lhes fizesse referência.
22. Como resulta do acordo das partes nos articulados (relativamente aos arts. 18.º e 19.º da p.i.) e, além do mais, do doc. n.º 10-A, junto com a petição inicial, a data de conclusão do projecto foi 31/12/2001.
23. Em 31/12/2001 estava em vigor a Portaria n.º 317-B/2000, de 31 de Maio, na sua redacção inicial, que previa, no art. 37.º, as obrigações a cargo do Promotor.
24. Só após a conclusão do projecto é foi feita alteração legislativa, através da Portaria n.º 113-A/2002, de 7 de Fevereiro, que veio prever, para além daquelas, a seguinte obrigação:“f) Manter na empresa, devidamente organizados em dossiê, todos os documentos susceptíveis de comprovar as declarações prestadas na candidatura.”
25. Por outro lado, face à alteração operada na redacção do art. 38.º da referida Portaria, só a partir do ano de 2002 é que os TOC passaram a ter responsabilidade acrescida ao nível do acompanhamento e controlo das candidaturas ao programa URBCOM, já que só aí é que passou a ser exigida a “declaração de despesa de investimento” da qual constasse a confirmação de todas as despesas que serviram de base ao projecto.
26. Ora, o último dos fundamentos de resolução invocados pelo Réu corresponde a uma aplicação retroactiva do regime instituído pela Portaria n.º 113-A/2002, de 7 de Fevereiro, já que, na data em que o projecto foi concluído, essa Portaria não estava em vigor.
27. Em face de tudo quanto acima se expôs, a resolução contratual com esse fundamento é ilegal, por violar o n.º 1 do art. 12.º do Cód. Civil (Aplicação da Lei no Tempo).
28. E isso impõe a prolação de Douto Acórdão que, julgando procedente a recurso, revogue a decisão recorrida, com a consequente prolação de decisão que, julgando procedente a acção, condene o R. nos pedidos formulados pelo Autor.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Remetidos os autos a este Tribunal em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer no sentido de o recurso não dever merecer provimento, devendo ser mantida a sentença recorrida, nos seguintes termos, que se passam a transcrever:
«(…)
1- Não assiste razão ao recorrente no que concerne ao primeiro ponto relativo à fase da conclusão do projecto. Com efeito, resulta dos autos que as obrigações assumidas com o recorrido na execução do contrato apenas cessaram em 2004. Dai que, entre o termo destas obrigações e a data que o IAPMEI ordenou a auditoria (2005 — cfr. ponto 6 do probatório), não correu tempo suficiente para se constituir uma situação de confiança que permitisse ao recorrente supor que não seria sujeito a uma acção de controlo relativa ao cumprimento das regras aplicáveis à atribuição do subsídio não reembolsável.
Deste modo, o momento em que o recorrido agiu para exercer essa fiscalização é razoável e aceitável, não configurando uma situação de abuso de direito.
2- No que toca aos pagamentos em numerário de valores superiores a € 250,00, bem andou igualmente o acórdão recorrido.
Efectivamente, dos documentos juntos, verifica-se que o recorrente efectuou pagamentos a fornecedores no montante global de € 11.642,15, importância bastante inferior à exigida quanto às despesas enumeradas no quadro do ponto 7 do probatório. Cabia ao recorrente fazer prova de que o investimento em capital próprio foi efectuado em percentagem igual ou superior a 10%. Isto porque no termos da alínea e) do n.° 1 do artigo 13.° da Portaria 317-B/2000, de 31 de Maio, constitui condição essencial de elegibilidade dos projectos serem financiados por capitais próprios em montante igual ou superior a 10% do total do investimento, condição que se igualmente prevista no n.° 3 da Cláusula Segunda do contrato celebrado.
Ora, o recorrente não logrou demonstrar o cumprimento deste requisito, pelo que poderia o recorrido resolver o contrato por incumprimento, como efectivamente o fez.
Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.»
Sendo que dele notificadas as partes, apresentou-se a responder o recorrente, dizendo que nos termos das alegações de recurso, que renova, deve o mesmo merecer provimento.
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Após redistribuição (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) foram os autos submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelos recorrentes as conclusões de recurso, as questões essenciais a decidir no presente recurso são as seguintes:
- saber se a decisão recorrida incorre em nulidade por omissão de pronúncia – (conclusões 1ª a 3ª das alegações de recurso);
- saber se a decisão recorrida incorre em erro de julgamento quanto à matéria de facto – (conclusões 4ª a 7ª das alegações de recurso);
- saber se a decisão recorrida incorre em erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa, em termos que deve ser revogada a decisão de improcedência da ação, e substituída por outra que lhe dando procedência anule o ato impugnado, como peticionado – (conclusões 8ª a 28ª das alegações de recurso).
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada com relevância para a decisão da causa a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis no acórdão recorrido:
1. Em 31 de Maio de 2000, o A. apresentou junto do núcleo de VC do IAPMEI a candidatura n.º 21/03661 ao Sistema de Incentivos a Projectos de Urbanismo Comercial (URBCOM) – cfr. fls. 192 dos autos.
2. Essa candidatura foi aceite pelo R. e culminou com a atribuição ao A. de um incentivo financeiro no montante de € 68.545,95 – cfr. fls. 192 dos autos.
3. A atribuição desse incentivo ficou dependente da celebração de um contrato entre o A. e o R. destinado a regulamentar os direitos e obrigações das partes no âmbito dessa dotação financeira – cfr. fls. 192 dos autos.
4. Em 6 de Março de 2001, o A. e o R. assinaram um acordo denominado “Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros no Âmbito do Sistema de Incentivos a Projectos de Urbanismo Comercial (URBCOM) n.º 51/01/01575.03661 que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:
“(…)
Cláusula segunda
Incentivos e financiamento
1 – O incentivo não reembolsável concedido no valor de 71816,92 euros / esc. 14398000$00 corresponde, depois de aplicados os limites previstos no Anexo I da Portaria n.º 317-B/2000, de 31 de Maio, a 66,6% do montante das despesas elegíveis consideradas, que totalizam 107835,12 euros / esc. 21619000%00.
2 – (…)
3 – O promotor assegurará que o projecto seja financiado por capitais próprios em montante igual ou superior a 10% do total do investimento.
(…)
Cláusula quinta
Acompanhamento e controle
1 – O promotor aceita o acompanhamento e o controlo para verificar da boa execução e cumprimento das obrigações resultantes deste contrato, a efectuar pelo IAPMEI, pelo Gestor da Intervenção Operacional da Economia, ou quem estes indicarem, devidamente mandatados para o efeito.
2 – O acompanhamento e o controlo da realização do investimento poderão ser efectuados através de visitas ao local em que o mesmo se desenvolva, verificação dos documentos comprovativos das despesas, bem como da realização de auditorias técnico-financeiras ao projecto.
Cláusula sexta
Outras obrigações
1 – Pelo presente contrato o promotor obriga-se ainda:
(…)
g) A organizar um processo individual do qual constarão todos os documentos de despesa devidamente numerados e classificados, devendo ser mantidos durante um prazo mínimo de 3 anos após a concretização do projecto;
(…)
j) A enviar ao IAPMEI, após a conclusão do projecto, a «declaração de fiabilidade»;
(…)
Cláusula Décima Primeira
Resolução
1 – O IAPMEI poderá resolver o contrato, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 70-B/2000, de 5 de Maio, sempre que o promotor, por facto que lhe seja imputável:
a) Não cumprir qualquer dos objectivos e obrigações estabelecidos neste contrato, incluindo os prazos relativos ao início da realização do investimento e sua conclusão;
b) Não cumprir as respectivas obrigações legais e fiscais;
c) Prestar falsas informações sobre a situação do projecto ou vicie os documentos fornecidos nas fases de candidatura e acompanhamento do projecto.
Ocorrendo a resolução do contrato, o promotor deverá proceder à restituição integral do incentivo recebido, no prazo de 60 dias a contar da notificação, acrescido de juros, contados desde a data de pagamento de cada parcela do incentivo, calculados a uma taxa igual a duas vezes a Euribor a 6 meses em vigor à data da notificação.” – cfr. fls. 36-44 dos autos.
5. Em 2001, após a celebração deste contrato, o R. concedeu ao A. um incentivo de € 68.545,95 e este iniciou a obras de remodelação do seu estabelecimento comercial de restauração – cfr. fls. 192 dos autos.
6. No final do ano de 2005, o IAPMEI ordenou a realização de uma auditoria às contas do A., levada a cabo por “CCA, Lda.” – cfr. fls. 192 dos autos.
7. Através do Ofício 248/GE-VC/07, de 9 de Janeiro de 2007, o Gestor do GE de VC solicitou ao A. os seguintes esclarecimentos:
“- Relativamente à anomalia «constatou-se que existem pagamentos em numerário de valor superior a 250 euros, pelo que, conforme disposto na directriz de Revisão Auditoria 925 da OROC e nas Instruções para validação de Pedidos de Pagamento da CTOC, foram considerados de elegibilidade duvidosa despesas no montante de 54.236,65 euros», solicitamos os respectivos extractos contabilísticos da conta caixa dos comprovantes abaixo referenciados, onde sejam visíveis os pagamentos dos bens adquiridos no âmbito do mesmo:
N.º de ComprovanteN.º de FacturaFornecedorValor (Euros)
1106JLPM14.963,93
215DR6.534,25
357RSC12.668,97
9273CO7.071,50
24187GV1.097,36
25115BSL1.745,79
26130ISPP798,08
8397AGS9.356,77
Total54.236,65
- Relativamente à anomalia «declaração de Fiabilidade apresentada junto ao Pedido Pós-contratação, o TOC não faz referência às anomalias anteriormente referidas», apresentação de uma nova declaração com referência aos pagamentos realizados em numerário;
- Apresentação de extractos contabilísticos da conta 51 e da conta 11/12 comprovativos do financiamento de 10% do montante do investimento de forma a sanar a anomalia relativa ao «cumprimento da condição de elegibilidade do projecto (…) de financiamento de 10% do montante do investimento com capitais próprios, nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 13.º da Portaria n.º 317-B/2000, de 31 de Maio»”;
- Apresentação de extractos contabilísticos comprovativos da criação de sub-contas específicas para o projecto, conforme o POC especifica e o vosso ofício anterior faz referência” – cfr. fls. 61-62 dos autos.
Foram realizadas diversas diligências instrutórias que culminaram, em 22 de Outubro de 2007, na proposta de rescisão contratual com a consequente devolução do incentivo pago – cfr. fls. 1-16 do processo administrativo.
8. No âmbito dessas diligências, o A. informou os auditores que “a origem do financiamento do investimento [foi realizado] integralmente por meios próprios do promotor [que] afectou o seu dinheiro pessoal que guardava, há muitos anos em cofre pessoal, sendo prática comum deste trabalhar em quase exclusividade absoluta com dinheiro, abstendo-se de utilizar as instituições bancárias para efeitos de transacções comerciais. O seu fundo de maneio pessoal advém de mais de trinta anos de actividade acumulado, bem como de alienação de um estabelecimento comercial que detinha em Ponte de Lima. (…) Só efectua depósitos bancários para pagar a fornecedores mediante cheque quando a isso é obrigado.” – cfr. fls. 49 dos autos.
9. E juntou declarações de fornecedores a quem efectuou pagamentos em que estes atestam ter recebido o dinheiro, no montante global de € 11.642,15 – cfr. fls. 50-55 dos autos.
10. Também o Técnico Oficial de Contas do A. participou na instrução do procedimento, tendo, em resposta ao Ofício 248/GE-VC/07, de 9 de Janeiro de 2007, referido no ponto 7., remetido ao IAPMEI no dia 22 do mesmo mês uma declaração que, no que ora interessa, tem o seguinte conteúdo:
“(…)
Em relação à questão dos pagamentos em numerário, poderão constatar nos prints anexos que existia uma conta bancária pessoal na contabilidade, do Banco CCAM, onde o promotor fazia parte da conta, juntamente com outro titular familiar, bem como numa outra instituição bancária com conta pessoal em igual situação, esta última não reflectida na contabilidade, contas estas por onde passaram alguns movimentos de depósitos em dinheiro pessoal para levantamentos e pagamentos a fornecedores em numerário, sendo que alguns fornecedores receberam, efectivamente, em numerário, pois os levantamentos de numerário de conta pessoal correspondentes a alguns pagamentos serviram para quitação das facturas, por hábito e opção do promotor, além do pagamento em dinheiro com base no dinheiro pessoal do promotor guardado em cofre.
Relativamente à questão da Declaração de Fiabilidade, voltamos a solicitar a melhor atenção para o facto de a discrepância entre o prazo de finalização do Projecto do Promotor e a aplicabilidade das necessárias portarias.
Em 2003, o TOC do promotor foi confrontado com a necessidade por parte deste de emitir uma Declaração de Fiabilidade com data de 31-12-2001. Isto para o promotor poder receber o incentivo não reembolsável. O TOC chama a atenção para o facto de que o documento “Instruções para a Validação de Pedidos de Pagamento Referentes a Projectos (…)” tem data de saída de Julho de 2003, e refere-se a instruções e regras gerais de procedimentos, alterando procedimentos de verificação e de responsabilidade dos TOC, não existentes por altura do encerramento do projecto do promotor.
(…)
Para o TOC do promotor fazer o seu trabalho tipificado naquela portaria teria de ter tido acesso e conhecimento anterior, pois o projecto já tinha finalizado antes da introdução daquela portaria.” – cfr. fls. 41 do processo administrativo.
11. No dia 22 de Outubro de 2007, foi elaborada a Proposta/Informação n.º 2400/2007 – DGIC/DRF – Norte, que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:
“(…)
II. Proposta do IAPMEI
Na sequência do Relatório de Auditoria n.º 709-FC/06, o GGPRIME solicitou ao Promotor, em 03-10-2006, esclarecimentos face às anomalias detectadas, dando um prazo de 10 dias úteis. O Promotor respondeu dentro do prazo, mas não esclareceu a totalidade das anomalias.
Mais tarde, em 09-01-2007, o IAPMEI enviou novamente um ofício a solicitar os esclarecimentos das anomalias não sanadas, ao qual o Promotor voltou a responder de forma incompleta. Foram realizados vários contactos telefónicos no intuito do Promotor entregar a totalidade dos elementos que permitissem sanar a totalidade das anomalias.
Não tendo obtido esses restantes elementos, o IAPMEI elaborou a Informação n.º 927/GE-VC/06 onde eram identificadas as anomalias não sanadas.
Em 25-07-2007,o IAPMEI decidiu dar sequência ao processo de auditoria no sentido da rescisão contratual (anexo 1), uma vez que não foi possível o completo esclarecimento das seguintes anomalias do Beneficiário detectadas no Relatório:
1) Pagamentos em numerário superiores a 250 euros sem comprovação dos fluxos financeiros;
2) Declaração de Fiabilidade sem referências aos pagamentos em numerário superiores a 250 euros;
3) Não comprovação da condição de elegibilidade do projecto relativa ao financiamento com o mínimo de 10% em capitais próprios;
4) Correcções financeiras aos pagamentos em numerário dos comprovantes 1, 2, 3, 8, 9, 24, 25 e 26.
Em 02-08-2007 foi decidida pelo GGPRIME a respectiva anulação do Projecto no SIPRIME (Anexo 2)” – cfr. fls. 50-52 do processo administrativo.
12. No dia 21 de Dezembro de 2007, foi proposta, pela Direcção Jurídica e de Auditoria do IAPMEI, a rescisão do contrato referido no ponto 4. com fundamento na existência de pagamentos em numerário de valor superior € 250,00 sem comprovação de fluxos financeiros e sem que a Declaração de Fiabilidade do TOC lhes fizesse qualquer referência; e na falta de comprovação do cumprimento da condição de elegibilidade do projecto em que o financiamento inclui pelo menos 10% do montante do investimento realizado através de capitais próprios – cfr. fls. 31-33 dos autos.
13. Por ofício de 21 de Novembro de 2007, enviado por carta registada, o R. notificou o A. para exercer o seu direito de audição prévia – cfr. fls. 122-123 dos autos.
14. Em 3 de Janeiro de 2008, naquela Proposta, o Vogal do Conselho Directivo exarou o despacho “De acordo. Rescinda-se.” – acto impugnado, cfr. fls. 31 dos autos.
*
B – De direito
1. Da invocada nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia – (conclusões 1ª a 3ª das alegações de recurso)
1.1 Começa o recorrente por sustentar que o acórdão recorrido está inquinado com vício de nulidade, por omissão de pronúncia, invocando o artigo 616º do CPC novo e o artigo 668º do CPC antigo.
Argumenta para tanto, em suma, que em face do decidido no anterior acórdão de 14/03/2013 deste Tribunal Central Administrativo Norte competiria ao coletivo de juízes da 1ª Instância apreciar as questões invocadas como fundamento do recurso que o autor havia então interposto, e que em vez disso procedeu a novo julgamento da matéria de facto e de direito, proferindo uma nova decisão de mérito sobre o objeto dos autos, omitindo qualquer apreciação, que o ora recorrente entende ser devida, sobre as conclusões do primitivo recurso.
1.2 Resulta dos autos o seguinte circunstancialismo processual com relevância para a apreciação da presente questão:
i) pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo foi proferida singularmente a sentença de 25/05/2012 na qual pronunciando-se sobre o mérito da ação, a veio a julgar improcedente - (fls. 235 ss. SITAF);
ii) inconformado dela interpôs o autor recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo Norte, apresentando as respetivas alegações de recurso - (fls. 257, 258 ss. SITAF);
iii) nesse âmbito foi proferido o acórdão de 14/03/2013 que, convocando o acórdão de uniformização de jurisprudência do Pleno da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo de 05/06/2012, Proc. nº 420/12, no sentido de que das decisões do juiz relator sobre o mérito da causa, proferidas sob a invocação dos poderes conferidos no artigo 27º nº 1 alínea i) do CPTA, cabe reclamação para a conferência, nos termos do nº 2, não recurso, decidiu não tomar conhecimento daquele recurso e ordenar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância a fim de o objeto do mesmo ser apreciado, a título de reclamação, pelo coletivo de juízes a quem competiria proceder ao julgamento da matéria de facto e de direito na ação - (fls. 343 ss. SITAF);
iv) tendo baixado os autos à primeira instância, e colhidos ali junto dos juízes adjuntos os respetivos vistos foi proferido o acórdão do coletivo de juízes do Tribunal a quo datado de 26/09/2013 - (fls. 362-372 e fls. 374 ss. SITAF);
v) inconformado dele interpôs o autor o presente recurso de apelação - (fls. 427 ss. SITAF)
1.3 À data em que foi proferida a sentença de 25/05/2012 vigorava o CPTA (Código de Processos nos Tribunais Administrativos) e o ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) na sua redação anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015, de 2 de outubro.
Dispunha então o artigo 40º nº 3 do ETAF que “…nas ações administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito”. E por seu turno estipulava o artigo 27º nº 1 do CPTA, que eram competências do relator as que estão enumeradas nas várias alíneas daquele nº 1, e ainda, todos os “demais poderes que lhe são conferidos” pelo CPTA. Entre estes poderes estavam, v.g, os indicados nos artigos 87º nº 1 e 88º a 91º do CPTA, de proferir despacho saneador, julgando de facto e de direito, de suprir exceções dilatórias, de determinar o aperfeiçoamento de articulados, de determinar a absolvição da instância, de ordenar diligências de prova ou de indeferir requerimentos para a sua produção e de ordenar a realização de uma audiência pública.
O artigo 92º nº 1 do CPTA, enunciava que “…concluso o processo ao relator, quando não deva ser julgado por juiz singular”, casos em que haveria então “… lugar a vista simultânea aos juízes-adjuntos”.
Neste contexto retirava-se destas disposições conjugadas do nº 1 do artigo 92º, dos artigos 87º nº 1 e 88º a 91º e do artigo 27º nº 1 alíneas a) a j), todos do CPTA, que só nas situações ali não previstas, e verificado que fosse o pressuposto do artigo 40º, nº 3, do ETAF (ações administrativas especiais de valor superior à alçada do Tribunal), é que se exigia necessariamente a formação de três juízes.
Pelo que nas ações administrativas especiais de valor superior à alçada do Tribunal de 1ª instância o relator do processo, juiz titular do processo em 1º instância, tinha poderes para proferir todas as decisões que estavam enumeradas no nº 1 do artigo 27º do CPTA, e ainda detinha todos os “… demais poderes que lhe são conferidos” pelo CPTA, aqui se incluindo quer poderes para proferir simples despachos (cfr. artigos 27º nº 1 alíneas a) a d), f), g) e j), 87º nº 1 alíneas a), b), c), 88º e 90º do CPTA), quer para proferir sentenças, as decisões que julgassem causa principal ou algum incidente que apresentasse a estrutura de uma causa (cfr. artigos 27º, nº 1 alíneas e), h), e i), 87º nº 1 alíneas a) e b), 89º nº 1 e 91º do CPTA). E de todas essas decisões cabia reclamação para a conferência nos termos do nº 2 do artigo 27º do CPTA, que dispunha o seguinte: “… dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência, com exceção dos de mero expediente, dos que recebam recursos de acórdãos do tribunal e dos proferidos no Tribunal Central Administrativo que não recebam recursos de acórdãos desse tribunal”.
1.4 Sendo que pelo acórdão de uniformização de jurisprudência do Pleno do STA de 05/06/2012, proferido no Proc. nº 420/12, in www.dgsi.pt/jsta, foi uniformizada a seguinte jurisprudência nos seguinte sentido: “Das decisões do juiz relator sobre o mérito da causa proferidas sob a invocação dos poderes conferidos no artigo 27º nº 1 alínea i) do CPTA, cabe reclamação para a conferência, nos termos do nº 2, não recurso”.
1.5 Temos, assim, que no quadro normativo então em vigor, o autor, inconformado com a sentença de 25/05/2012, singularmente proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo, dela devia ter deduzido reclamação para a conferência (coletivo de juízes) do Tribunal a quo e não recurso para o Tribunal Central Administrativo.
1.6 E foi precisamente isso o que foi entendido no acórdão de 14/03/2013 deste Tribunal Central Administrativo Norte proferido nestes autos, que em aplicação daquele quadro normativo e convocando o referido acórdão de uniformização de jurisprudência do STA, considerou que da sentença singularmente proferida pelo Mmº Juiz a quo em 25/05/2012 cabia reclamação para o coletivo de juízes do Tribunal a 1ª Instância, a que se referia o artigo 27º nº 2 do CPTA e não recurso, decidindo, em consequência, não tomar conhecimento do recurso e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª instância.
1.7 Sobre os termos da dedução e apreciação daquela reclamação para a conferência debruçou-se o acórdão do TCA Sul de 14/05/2015, Rec. nº 11783/15 (Proc. nº 1420/08.8BELSB), in, www.dgsi.pt/jtca, de que fomos então relatores, ali se explanando, designadamente o seguinte, que aqui importa recuperar, e que assim se passa a transcrever:
«(…)
A convocação da conferência, mediante a reclamação prevista no nº 2 do artigo 27º do CPTA, pressupõe precisamente que o reclamante não se conforme com o decidido pelo juiz relator.
Mas o CPTA não contém qualquer outra densificação normativa no que tange à reclamação para a conferência prevista no artigo 27º nº 2 do CPTA. Pelo que tem a mesma que ser encontrada por aplicação supletiva dos normativos contidos no Código de Processo Civil (com as necessárias adaptações) nos termos do disposto no artigo 1º do CPTA.
Ora neste a reclamação para a conferência encontra-se prevista no atual artigo 652º nºs 3 e 4.
E muito embora se trate de normas sistematicamente inseridas no âmbito do regime de julgamento do recurso de apelação, é àquelas que se hão de ir buscar os normativos reguladores da reclamação para a conferência prevista no nº 2 do artigo 27º do CPTA, mesmo quando, como é o caso, ela seja deduzida em tribunal de 1ª instância. Ainda que, naturalmente, com as devidas adaptações, como aliás o explicita o artigo 1º do CPTA.
É o seguinte o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 652º do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013):
- nº 3: “Salvo o disposto no nº 6 do artigo 641º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária”.
- nº 4: “A reclamação deduzida é decidida no acórdão que julga o recurso, salvo quando a natureza das questões suscitadas impuser decisão imediata, sendo, neste caso, aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos nºs 2 a 4 do artigo 657º.”
Será, então, exigível, como o entendeu que era a Mmª Juiz do Tribunal a quo, que no requerimento da reclamação devam ser expostos os fundamentos da discordância, reconduzidos nas formulação da respetivas conclusões, tal como previsto na lei para os recursos jurisdicionais? Ou bastará, como propugna a recorrente, que nele seja requerido que a questão controvertida seja apreciada pelo respetivo coletivo?
À primeira questão tem que ser dada desde logo uma resposta negativa, já que não há qualquer previsão normativa nesse sentido, não decorrendo de qualquer norma (seja do CPTA seja do CPC) que no requerimento da reclamação devam ser expostos os fundamentos, reconduzidos na formulação das respetivas conclusões, tal como se prevê na lei para os recursos jurisdicionais (cfr. artigo 144º nº 2 do CPTA e entre outros, artigos 665º-A do CPC antigo, correspondente aos artigos 639º do CPC novo, aprovado pela Lei n.º 41/2013).
Nem aliás se mostra justificado que assim seja, quer em face da natureza, função e âmbito da reclamação assim prevista, quer perante a discrepância dos prazos de que a parte dispõe em cada uma das situações. Com efeito, enquanto o prazo de recurso (nos processos não urgentes) é de 30 dias (cfr. artigo 144º nº 1 do CPTA), o prazo a observar na reclamação para a conferência prevista no artigo 27º nº 2 do CPTA (em processo não urgente) é, na falta de prazo específico previsto para o efeito, o prazo supletivo geral de 10 dias previsto no nº 1 do artigo 29º do CPTA.
E à segunda questão tem que ser dada resposta positiva. Não encontrando respaldo na lei, mormente no nº 4 do artigo 652º do CPC, invocado na decisão recorrida, o entendimento feito pela Mmª Juiz do Tribunal a quo de que a reclamação prevista no nº 2 do artigo 27º do CPTA constitui uma forma de impugnação da decisão proferida, e que assim a reclamação “…tem de estar fundamentada, através da apresentação das respetivas alegações, por só assim é que a contraparte pode tomar posição e o Coletivo pode aferir se a decisão reclamada deve ou não ser mantida”. Ao contrário, em face do segmento contido no nº 3 do artigo 652º do CPC (“…quando a parte se considere prejudicada … pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão”) bastava que requeresse, como o fez, que a questão material controvertida objeto da ação fosse apreciada em sede de conferência do Tribunal, por o propósito subjacente ser a sua pretensão de que sobre a questão em litígio fosse proferido acórdão, pelo coletivo de juízes, que é quem, afinal, cabe julgar e decidir a ação.
Tendo a decisão sido proferida na 1ª instância apenas pelo Mmº juiz relator da formação imperativamente prevista no artigo 40º nº 3 do ETAF, no quadro da utilização expressa da faculdade conferida ao juiz relator pelo artigo 27º nº 1 alínea i) do CPTA, o assim decidido pelo relator não é logo sindicável através de recurso para tribunal superior, mas sim através de reclamação para a conferência do próprio tribunal, nos termos do estabelecido no artigo 27º nº 2 do CPTA. Mas aí, tal como se disse no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 07/02/2013, Proc. 08481/12, in, www.dgsi.pt/jtcas (aliás citado pela recorrente), “…trata-se, simplesmente, de a parte requerer na reclamação que, sobre o litígio, seja emitido acórdão em vez de sentença. Tal como no regime em vigor há muito tempo nos tribunais superiores (cf. arts. 700º-1-c-3 (2) e 705º(3) do CPC ex vi art. 140º do CPTA); regime esse que foi estendido à 1ª instância pelo CPTA, no quadro da Reforma de 2002/2003, que “transferiu” para os TACs muitas das competências que tradicionalmente cabiam ao STA, onde normalmente se julgava através de acórdão.”
E se bem que não se desconheça que amiúde nas reclamações para a conferência ao abrigo do artigo 27º nº 2 as partes exponham os fundamentos da sua discordância com o decidido pelo juiz relator, fazendo assim, naturalmente, apelo à defesa da sua posição, e concomitantemente conduzindo a que os tribunais coletivos abordem a reclamação como uma impugnação do despacho/decisão do relator, a verdade é que não é assim que a mesma deve ser configurada, à luz do quadro normativo aplicável, supra explicitado.
Bastando, assim, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 652º do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, que no requerimento da reclamação para a conferência se requeira que sobre a matéria do despacho (ou decisão, no caso da alínea i) do nº 1 do artigo 27º do CPTA) recaia um acórdão.
(…)»
1.8 À luz do sobredito, o que se pede à conferência (formação coletiva de juízes) não é que avalie a decisão singularmente proferida pelo juiz por referência a eventuais vícios desta, mormente por eventual erro de julgamento, seja de facto ou de direito. O que se pede à conferência (formação coletiva de juízes) é que sobre a matéria da decisão recaia um acórdão. Pelo que a conferência (formação coletiva de juízes) é chamada a decidir a questão ou objeto da ação, seguindo, naturalmente, a respetiva estrutura decisória, procedendo concomitantemente ao julgamento da matéria de facto de direito.
1.9 Neste contexto normativo, quando, como é a situação dos autos, a parte que não se conformou com a sentença dela interpôs recurso para o TCA, tendo, assim, apresentado as respetivas alegações (e conclusões) de recurso, quando o meio processual próprio, ao tempo, era o da reclamação prevista no artigo 27º nº 2 do CPTA, o que se impunha após a baixa dos autos determinada por este TCA no anterior acórdão que, por essa mesma razão, não tomou conhecimento do recurso, era que o coletivo de juízes do Tribunal de 1ª instância, na decorrência da reclamação, julgasse a causa.
1.10 Foi o que sucedeu através do acórdão de 26/09/2013 do coletivo de juízes do Tribunal a quo, através do qual se apreciou o objeto da ação, conhecendo as causas de invalidade assacadas ao ato administrativo nela impugnado, procedendo-se, por conseguinte, ao respetivo julgamento, de facto e de direito.
1.11 É certo que naquele de 26/09/2013 o coletivo de juízes do Tribunal a quo manteve quer o julgamento da matéria de facto quer a solução de direito dada à causa que já havia sido feita na sentença singularmente proferida pelo Mmº Juiz em 25/05/2012, mas isso só pode significar que o coletivo de juízes considerou não ser de alterar o que já antes havia constado e tinha sido decidido na sentença.
Pelo que é neste recurso, agora dirigido ao acórdão de 26/09/2013 do Tribunal a quo, que há que decidir se ocorrem, ou não, os erros de julgamento, sejam de facto sejam de direito, que lhe são apontados, apurando se, ao invés de ter decidido pela improcedência da ação, o coletivo de juízes do Tribunal a quo a devia ter julgado a ação procedente, anulando o ato administrativo impugnado.
1.12 Não ocorre, pois, exposto, a invocada nulidade do acórdão recorrido na exata medida em que o mesmo não omitiu o dever de pronúncia sobre questão que deve conhecer, nos termos apontados pelo recorrente.
Pelo que improcede, nesta parte, o recurso.
2. Do invocado erro de julgamento quanto à matéria de facto – (conclusões 4ª a 7ª das alegações de recurso).
2.1 Sustenta o recorrente que ao não dar como provados os factos alegados nos artigos 18º e 19º da Petição Inicial o Tribunal a quo violou o artigo 490º nº 2 do CPC (antigo), defendendo que os mesmos deviam ter sido considerados admitidos.
Diz a tal respeito que esses factos foram alegados pelo autor por serem essenciais à determinação do momento em que se deu a “concretização do projecto”, nos termos e para os efeitos previstos na alínea g) da cláusula sexta do contrato de incentivos.», que o réu tomou posição expressa sobre esses factos, que aceitou como verdadeiros no artigo 37º da sua contestação, ao afirmar: “O Réu aceita como verdadeiro os factos alegados nos arts. 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 19.º, 27.º, 36.º, 40.º, 50.º, 51.º, 61.º e 62.º da petição inicial”; que admitidos, por acordo, os factos são levados ao leque de factos assentes e não admitem qualquer prova em contrário; que ao não dar como provados esses factos, o Tribunal a quo violou o artigo 490º nº 2 do CPC (antigo), devendo o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que dê como provada a factualidade alegada nos artigo 18º e 19º da Petição Inicial, considerando-se, assim, que a “fase de conclusão do projeto” ocorreu no ano de 2001.
2.2 Vejamos.
2.3 Compulsada a Petição Inicial da ação temos que nela foi alegado o seguinte nos referidos artigos 18º e 19º:
- artigo 18º da PI: «Logo no ano de 2001, o A. iniciou as obras de remodelação do estabelecimento comercial identificado em 11º»;
- artigo 19º da PI: «Essas obras ficaram concluídas em momento que não se pode precisar ao certo, mas sempre nesse ano de 2001, altura em que o estabelecimento comercial do A. reabriu ao público».
2.4 No que tange à alegação factual vertida no artigo 18º da PI, de que as obras de remodelação do identificado estabelecimento comercial se haviam iniciado no ano de 2001, já consta no Ponto 5. do probatório do acórdão recorrido que foi nesse referido ano de 2001 que o autor iniciou as ditas obras de remodelação.
Estando tal matéria factual, reportada pelo recorrente autor como omitida, já vertida na factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo no acórdão recorrido, nada há, ou haveria, a aditar, neste aspeto, por referência ao que foi alegado no artigo 18º da PI.
2.5 E no que tange à alegação factual contida no artigo 19º da Petição Inicial, no sentido de que essas obras ficaram concluídas em momento que não se pode precisar ao certo, mas sempre nesse ano de 2001, altura em que o estabelecimento comercial do A. reabriu ao público?
2.6 Percorrido o probatório vertido no acórdão recorrido, temos que nele, não foi, efetivamente, considerada aquela factualidade. Mal. Mas, não por violação do artigo 490º nº 2 do Código de Processo Civil (antigo), que sob a epígrafe “ónus de impugnação” dispunha que “consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito”.
2.7 É que aquele normativo do artigo 490º do CPC (antigo) respeita à forma de processo declarativo ordinário previsto e regulado naquele código para o processo civil, quando a ação em causa nos autos é uma ação administrativa especial. Sendo que quanto a esta dispunha especificamente o artigo 83º nº 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na sua versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015, que “sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 84.º, a falta de contestação ou a falta nela de impugnação especificada não importa confissão dos factos articulados pelo autor, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios”.
2.8 Do normativo contido no artigo 83º nº 4 do CPTA não resulta que a falta de contestação, ou a falta de impugnação especificada, implique a confissão (tácita) da factualidade alegada na petição inicial da ação. O que dele decorre é que a alegação factual feita fica sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, apreciando o tribunal livremente essa conduta para efeitos probatórios.
Tal deve significar, a nosso ver, que o Tribunal, em tal caso, haverá de ter em consideração o acervo probatório produzido no processo conjugado com o comportamento processual (silente) do réu, mas na ausência de contestação, ou da falta de impugnação especificada, não resulta, sem mais, a prova, por confissão (tácita), da factualidade que tenha sido alegada na petição inicial.
O que atualmente é mantido através do disposto no artigo 83º nº 4 do CPTA revisto, nos termos do qual “…a falta de impugnação especificada nas ações relativas a atos administrativos e normas não importa a confissão dos factos articulados pelo autor, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios”.
Pelo que se encontra concomitantemente afastada no âmbito da ação administrativa especial a aplicação do dispositivo do artigo 490º nº 2 do CPC antigo.
A este respeito, e neste sentido, vide, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, inDicionário de Contencioso Administrativo”, Almedina, pág. 197, e Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, pág. 419, e, entre outros, o acórdão do TCA Sul de 16/12/2015, Proc. 12693/15, disponível in, www.dgsi.pt/jtcas, de que então fomos relatores, no qual, entre o demais, se sumariou o seguinte:
« (…)
II – Nos termos do segmento inserto na última parte do nº 4 do artigo 83º do CPTA, na falta de contestação ou de impugnação especificada “o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios”, o que só pode significar que por efeito daquela regra, válida para a ação administrativa especial e aqui aplicável, perante a falta de contestação fica a valer o princípio da livre apreciação da prova.
III – Ficando a alegação factual, feita na petição inicial, sujeita ao princípio da livre apreciação da prova de acordo com o normativo contido no artigo 83º nº 4 do CPTA, o Tribunal haverá de ter em consideração o acervo probatório produzido no processo conjugado com o comportamento processual (silente) do réu.».
2.9 Sucede é que na situação dos autos, compulsada a Contestação apresentada pelo réu na ação (a fls. 120 ss. SITAF), temos que nela foi efetivamente vertido o seguinte no seu artigo 37º:
- artigo 37º da Contestação: «O Réu aceita como verdadeiros os factos alegados nos artºs 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 27º, 36º, 40º, 50º, 51º, 61º e 62º da petição inicial».
Perante o expresso reconhecimento assim feito pelo réu na sua contestação, da factualidade alegada pelo autor, entre o demais, no artigo 19º da Petição Inicial, que aqui é o que nos importa, esta devia, efetivamente, ter sido dada como assente, por expresso acordo do réu. Isto por estarmos perante factos relativamente aos quais não existe restrição legal de meios de prova, não se exigindo, nomeadamente, que a sua prova seja feita por documento sujeito a forma legal (cfr. artigos 364º, 371º e 376º do Código Civil), e onde vale, concomitantemente, o princípio da livre apreciação da prova (vide a esse respeito, designadamente, o Acórdão do TCA Sul de 10/08/2015, Proc. nº 12424/15, disponível, in, www.dgsi.pt/jtca, de que fomos então relatores).
2.10 Neste contexto, se o réu declarou expressamente na sua contestação aceitar como verdadeiros certos factos alegados pelo autor na petição inicial da ação e se relativamente a tais factos não existe restrição legal de meios de prova, devem os mesmos ser elencados na factualidade dada como provada, posto que relevem para a decisão da causa.
2.11 E sendo o que sucede na situação dos autos, deve efetivamente reconhecer-se que o probatório peca por defeito, devendo ser-lhe aditada a factualidade alegada no artigo 19º da PI.
E é nesse aspeto que assiste razão ao recorrente.
2.12 Obviamente que a conclusão que o recorrente pretende que seja alcançada, de que a «fase de conclusão do projeto» ocorreu no ano de 2001, designadamente para os efeitos previstos na alínea g) da cláusula sexta do contrato de incentivos, por comportar precisamente um juízo conclusivo, e convocar, simultaneamente, uma tarefa de interpretação normativa, deve estar arredada do probatório por não comportar um julgamento de facto (sobre os factos) mas de direito.
2.13 Assim, reconhecendo-se, pelos fundamentos expostos supra, que o Tribunal a quo devia ter sido elencado como provada a factualidade alegada pelo autor no artigo 19º da PI, verificando-se, nessa medida, erro de julgamento quanto à matéria de facto, procede-se, agora, à sua modificação (cfr. .
Pelo que se adita aos factos provados, sob ponto 5-A, o seguinte:
«5.-A - Essas obras ficaram concluídas nesse ano de 2001, altura em que o estabelecimento comercial do A. reabriu ao público».
3. Do invocado erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa
(conclusões 8ª a 28ª das alegações de recurso)
3.1 Pronunciando-se sobre o mérito da ação, o Tribunal a quo começou por sistematizar, enunciando-os, os fundamentos de invalidade assacados pelo autor ao ato administrativo impugnado – o ato do Vogal do Conselho Diretivo do IAPMEI de 03/01/2008 que rescindiu o contrato de concessão de incentivos financeiros ali identificado – que elegeu como questões a decidir:
- extemporaneidade da ação de controlo do projeto de financiamento;
- vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, quanto ao incumprimento das obrigações assumidas no contrato;
- vício de forma, por preterição do direito de audição prévia.
O acórdão recorrido julgou inverificados todas as apontadas causas de invalidade, assim enunciadas e que ali conheceu.
3.2 O autor não põe em causa o julgamento de inverificação do apontado vício de forma, por falta de audiência prévia, insurgindo-se apenas quanto ao julgamento feito pelo Tribunal a quo no que respeita aos demais.
3.3 Vejamos, pois, os termos em que o Tribunal a quo enfrentou e decidiu aquelas causas de invalidade, com vista a aferir, então, se ocorrem os erro de julgamento que lhe são apontados pelo recorrente no presente recurso.
3.4 Importa, todavia, e antes do mais, proceder ao enquadramento da situação em análise nos autos, com vista a melhor aferir da bondade, ou não, da tese do aqui recorrente, autor na ação.
3.5 Através do DL. nº 70-B/2000, de 5 de maio, foi aprovado o enquadramento para a criação de um conjunto de instrumentos de política de ação económica a médio prazo para o período de 2000 a 2006, consubstanciados em apoios diretos e indiretos às empresas e demais agentes económicos, bem como à envolvente empresarial (cfr. artigo 1º).
De entre os eixos de atuação ali definidos inscrevia-se o referente à promoção de áreas estratégicas para o desenvolvimento que, entre outras medidas, compreendia o fomento de novos espaços de desenvolvimento económico a concretizar, nomeadamente através de projetos de urbanismo comercial, com vista à revitalização e consolidação do tecido empresarial e à requalificação do espaço urbano envolvente (cfr. , designadamente, artigos 2º, 4º, 5º, 6º e 7º).
3.6 Os apoios a conceder nesse âmbito poderiam ser, entre outras, sob a forma de i) incentivos não reembolsáveis, ii) incentivos reembolsáveis, iii) bonificações da taxa de juro; iv) prémios de realização; v) capital de risco e mecanismos de garantia (cfr. artigo 11º nº 1), havendo de ser objeto de regulamentação específica, incluindo quanto às condições de atribuição, nomeadamente montantes, limites e prazos, através de portaria do Ministro da Economia ou de portaria conjunta do Ministro da Economia e dos membros do Governo competentes quando em razão da matéria tal se justificasse (cfr. artigo 11º nºs 1 e 2 e artigo 20º nºs 1 e 2).
3.7 E foi na alçada daquele DL. nº 70-B/2000, de 5 de maio que foi criado, pela Portaria nº 317-B/2000, de 31 de maio, o Sistema de Incentivos a Projetos de Urbanismo Comercial (URBCOM), com o respetivo Regulamento de Execução.
3.8 Nos termos do disposto no artigo 13º nºs 1 e 2 do DL. nº 70-B/2000, de 5 de maio a concessão dos apoios devia ser formalizada mediante contrato, cuja respetiva minuta haveria de ser previamente homologada pelo Ministro da Economia, dela devendo constar cláusulas relativas aos objetivos do projeto, ao montante do apoio financeiro concedido, aos direitos e deveres das partes e, sendo caso disso, às garantias a prestar.
E é nesse enquadramento que o artigo 31º da Portaria nº 317-B/2000 dispõe que “a concessão de apoio é formalizada entre o IAPMEI e os promotores, de acordo com as regras definidas no artigo 13.º do Decreto-Lei 70-B/2000, de 5 de Maio, segundo minuta tipo homologada pelo Ministro da Economia” (nº 1) e que “a celebração do contrato de concessão de apoio só terá lugar caso estejam total e devidamente comprovadas as condições de acesso e de elegibilidade”, de acordo com o estabelecido no respetivo Regulamento (nº 2).
3.9 Foi neste enquadramento normativo que, na situação em análise nos autos, foi concedido ao autor um financiamento, ao abrigo do Sistema de Incentivos a Projetos de Urbanismo Comercial (URBCOM), na sequência da candidatura n.º 21/03661 apresentada em 31/05/2000, para cuja concessão foi assinado em 06/03/2001, entre o autor e o IAPMEI, o respetivo Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros no Âmbito do Sistema de Incentivos a Projetos de Urbanismo Comercial (URBCOM) n.º 51/01/01575.03661, e que envolveu a atribuição de um incentivo não reembolsável no valor de 71.816,92 € correspondente a 66,6% do montante das despesas elegíveis consideradas, que totalizaram 107.835,12 €, assegurando o promotor o financiamento do projeto por capitais próprios em montante igual ou superior a 10% do total do investimento. (vide, designadamente, 1. e 4. do probatório).
3.10 Esta contextualização serve para enfatizar que é no enquadramento normativo, seja de fonte legal, seja de fonte regulamentar, ao abrigo do qual foi celebrado o contrato de concessão de incentivos financeiros sobre o qual incidiu a decisão administrativa de resolução do contrato de concessão de incentivos impugnada nos autos, que haverá de encontrar-se a solução jurídica da causa, o que inclui e implica que também a interpretação das cláusulas do contrato haverá de ser feita à luz desse quadro normativo.
3.11 Isto dito, vejamos então, se a decisão de improcedência da ação proferida pelo Tribunal a quo padece ou não dos erros de julgamento de direito que lhe são apontados pelo recorrente.
3.12 Debruçando-se sobre a invocada invalidade do ato impugnado atinente ao momento em que foi levada a cabo a ação de controlo do projeto de financiamento, o Tribunal a quo apreciou nos seguintes termos, assim expressos no acórdão recorrido, que se passam a transcrever:
«Quanto à Extemporaneidade da Acção de Controlo:
Alega o Autor que a acção de controlo foi intempestiva por se ter realizado em 2006, que não logo após a conclusão do projecto, em 2001, já que as obrigações assumidas no contrato lhe impunham, apenas, a organização de um processo individual com os documentos de despesas devidamente numerados e classificados durante um prazo mínimo de três anos após a conclusão do projecto.
Por sua vez, o R. advoga que os documentos relacionados com as contas da empresa têm que se manter durante 10 anos, pelo que o A. deveria ter mantido na sua contabilidade todos os documentos que lhe permitissem comprovar a realização das despesas efectuadas em dinheiro, superiores a € 250,00.
A Portaria 317-B/2000, de 31 de Maio, criou o Sistema de Incentivos a Projectos de Urbanismo Comercial (URBCOM).
Nos termos da segunda parte da alínea f) do seu artigo 28.º, compete ao IAPMEI, enquanto entidade responsável pela gestão do URBCOM para os projectos das empresas, fiscalizar a execução dos investimentos e a utilização dos incentivos recebidos.
E, de acordo com o n.º 1 do artigo 38.º do mesmo diploma, o acompanhamento e o controlo do projecto são efectuados na fase de conclusão do projecto.
Concretizando, previram os outorgantes na Cláusula Quinta do contrato celebrado que – n.º 1 – o promotor aceitava o acompanhamento e controlo da realização do investimento e – n.º 2 – que estas acções poderiam, designadamente, ser realizadas através da verificação de documentos comprovativos das despesas e de auditorias técnico-financeiras ao projecto.
O contrato não fixa um prazo para a realização destas acções.
Já a Portaria determina que as acções de acompanhamento e controlo são efectuadas na fase de conclusão do projecto.
Todavia, não esclarece que fase é esta nem fixa consequências para o seu incumprimento.
Em todo o caso é seguro que, face às regras da lógica, o controlo da realização do investimento só possa ser efectuado depois deste: o IAPMEI só pode fiscalizar a utilização dos incentivos recebidos depois de o investimento ser realizado, pois o controlo faz-se em relação a actos já praticados que não a praticar no futuro.
Ora, nos termos do n.º 2 da Cláusula Décima Segunda do contrato, o seu termo de vigência ocorre com o integral cumprimento de todas as obrigações positivas ou negativas.
Ou seja, para o efeito, o projecto conclui-se após o cumprimento de todas as obrigações, o que pressupõe o controlo desse cumprimento.
Sendo que – n.º 3 da Cláusula Terceira – este controlo poderia ser efectuado após a verificação final e encerramento do projecto, no caso de o promotor optar pelo pagamento da totalidade do incentivo após a conclusão do projecto.
Isto é: a ratio dos preceitos é a de que o IAPMEI possa controlar, também a posteriori, o uso que é feito pelos beneficiários dos incentivos financeiros não reembolsáveis.
Contudo, não é admissível que esse controlo possa ser efectuado a todo o tempo, nos termos gerais de direito.
Com efeito, ao abrigo do artigo 334.º do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Assim, numa conhecida fórmula doutrinal, há abuso de direito quando exista uma contradição entre o modo ou o fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.
No caso, o A. candidatou-se ao projecto em 2000 – cfr. ponto 1 do probatório -, celebrou o contrato em 2001 – cfr. ponto 4 – tendo-se aí comprometido, designadamente, a cumprir determinadas obrigações durante o prazo de 3 anos após a concretização do projecto – cfr. alíneas g) e i) do n.º 1 da Cláusula 6.ª.
Como se viu, este prazo de 3 anos não é, todavia, um prazo de caducidade para o exercício das acções de acompanhamento e controlo.
Mas serve de referencial para a análise da existência do abuso de direito.
Ora, entre o fim das obrigações assumidas pelo A. (em 2004) e a data em que o IAPMEI ordenou a auditoria (2005 – cfr. ponto 6 do probatório), no entender do tribunal, dadas a natureza do contrato e a utilização de uma verba substancial a fundo perdido, não correu tempo suficiente para se constituir uma situação de confiança que permitisse ao A. supor que não seria sujeito a uma acção de controlo relativa ao destino que dera ao subsídio não reembolsável.
O modo e o momento em que o R. actuou é conforme ao direito ao acompanhamento e controlo de que era titular, pelo que não se verifica uma situação de abuso de direito.
Pelo que a sua actuação foi legal, falecendo, no ponto, razão ao Autor.»
3.13 Defende o recorrente no presente recurso que atenta a aceitação de que o projeto foi concluído e aberto ao público no ano de 2001 é essa, e não outra, a data da “conclusão do projeto” nos dizeres da cláusula sexta do contrato de incentivos e que por essa razão o autor estava obrigado a manter organizado um dossier com documentos de despesa até final do ano de 2004; que o Tribunal a quo entendeu que a realização de uma ação de fiscalização em 2005 não era abusiva, uma vez que tinha decorrido apenas um ano desde a data em que o autor se obrigou a manter organizado o dossier com documentos de despesa, ignorando, contudo, que só no ano de 2007 (mais de 6 anos depois da conclusão do projeto) é que Gestor do GE de VC (ofício n.º 248/G3-VC/07) solicitou “os respetivos extratos contabilísticos da conta caixa dos comprovantes abaixo referenciados, onde sejam visíveis os pagamentos dos bens adquiridos no âmbito do mesmo…” nos termos do ponto 7 dos factos provados; que, assim, o pedido de documentos de despesa foi feito em 2007, mais de 6 anos após a conclusão do projeto e 3 anos depois do prazo acordado na cláusula sexta do contrato; que é aí que reside a ilegitimidade da conduta do Réu, que foi ignorada pelo Tribunal a quo; que não vale aqui a justificação de que esses documentos teriam de ser guardados por 10 anos, para efeitos fiscais, por os únicos documentos que tinham de ser guardados para efeitos fiscais (e que efetivamente foram guardados) são as faturas/recibos comprovativos de despesa, e não extratos com movimentos bancários ou declarações de fornecedores; que por essa razão que, do ponto de vista do recorrente, a decisão do Tribunal a quo sob recurso, além de partir de um pressuposto erróneo, contém uma violação do artigo 334.º do Cód. Civil, devendo ser revogada e substituída por outra que considere ilegítima e abusiva a atuação do réu, com a consequente procedência da ação – (vide conclusões 12ª a 20ª das suas alegações de recurso).
3.14 Na tese que o autor defendeu na ação e que renova em sede do presente recurso, a ação de controlo levada a cabo pela entidade administrativa, e que desencadeou a decisão de resolução do contrato de concessão de incentivos financeiros, com a consequente obrigação de reposição das verbas recebidas, foi ilegítima por ter ocorrido, no seu entendimento, cinco (5) anos depois da conclusão do projeto, e com isso violar o artigo 38º da Portaria nº 317-B/2000, defendendo que de acordo com este normativo o acompanhamento e controlo do projeto são efetuados na fase de conclusão do projeto e não em momento posterior, e abusiva, invocando neste desiderato o artigo 334º do Código Civil, por ter ocorrido já depois do período de três anos (que propugna ter terminado no final do ano de 2004) durante o qual estava obrigado a manter, em processo individual, os documentos de despesas devidamente numerados e organizados, nos termos da cláusula sexta do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros (vide, designadamente, artigos 64º a 66º e 88º da PI).
3.15 Ora esta tese não pode proceder. Ainda que não nos exatos termos e fundamentos expressados no acórdão do Tribunal a quo.
3.16 Primeiramente há que ter presente que nos termos do previsto no Capítulo IV do DL. nº 70-B/2000, de 5 de maio, a respeito do controlo e acompanhamento dos apoios financeiros concedidos no âmbito das medidas criadas ao seu abrigo, “todos os apoios financeiros concedidos ficam sujeitos ao acompanhamento e controlo da sua utilização, em conformidade com o projeto de investimento, nas suas componentes material, financeira e contabilística” (cfr. artigo 16º nº 1 do DL. nº 70-B/2000). Ações de acompanhamento e controlo a serem exercidas dentro do quadro institucional definido para a gestão, acompanhamento, avaliação e controlo de execução do III Quadro Comunitário de Apoio (QCA III) (cfr. artigo 10º do DL. nº 70-B/2000), que à data era o instituído pelo DL. nº 54-A/2000, de 7 de abril.
3.17 Constituem objetivos das ações de controlo dos apoios financeiros concedidos “… verificar se os projetos ou ações financiados foram empreendidos de forma correta, prevenir e combater as irregularidades e recuperar os fundos perdidos na sequência de abuso ou negligência” (cfr. artigo 41º do DL. nº 54-A/2000), abarcando três níveis de controlo, entre os quais o controlo de primeiro nível, o qual compreende “…a fiscalização das candidaturas e dos projetos nas suas componentes material, financeira, contabilística, factual e técnico-pedagógica, ou seja, a verificação física e financeira, quer nos locais de realização do investimento e das ações, quer junto das entidades que detêm os originais dos processos técnicos e documentos de despesa” (cfr. artigo 42º nºs 1 e 5 do DL. nº 54-A/2000).
3.18 É a esse tipo de ações de controlo (as de primeiro nível) a que se referem, assim, quer a Portaria nº 317-B/2000, quando consigna que “todos os apoios financeiros concedidos ficam sujeitos à verificação da sua utilização em conformidade com o projeto de investimento” (cfr. artigo 37º nº 2) e estabelece como obrigação dos promotores, entre as demais, a de “fornecer todos os elementos que lhes forem solicitados pelas entidades com competências de acompanhamento, controlo e fiscalização” (cfr. artigo 37º nº 1 alínea d)), quer a Cláusula Quinta do Contrato de Incentivos, quando ali se menciona, sob a epígrafe «Acompanhamento e controlo» que o «…promotor aceita o acompanhamento e o controlo para verificar da boa execução e cumprimento das obrigações resultantes deste contrato, a efetuar pelo IAPMEI, pelo Gestor da Intervenção Operacional da Economia, ou quem estes indicarem, devidamente mandatados para o efeito» (cfr. Cláusula Quinta §1º), e que «o acompanhamento e o controlo da realização do investimento poderão ser efetuados através de visitas ao local em que o mesmo se desenvolva, verificação dos documentos comprovativos das despesas, bem como da realização de auditorias técnico-financeiras ao projeto» (cfr. Cláusula Quinta §2º).
3.19 Simultaneamente, muito embora o artigo 38º da Portaria nº 317-B/2000, preveja que o acompanhamento e o controlo do projeto sejam efetuados na fase de conclusão do projeto, com base nos documentos ali indicados – entre os quais, a declaração de fiabilidade documental e contabilística, subscrita pelo revisor oficial de contas ou técnico oficial de contas do promotor, de acordo com as respetivas obrigações legais (na qual se confirme que os documentos comprovativos da despesa apresentados como suporte da realização do investimento se encontram corretamente lançados na contabilidade e que o incentivo concedido foi contabilizado de acordo com o POC) e o relatório de execução física do investimento (onde se confirme que o investimento proposto e objeto do incentivo foi realizado pelos promotores nos termos constantes da candidatura) – não deixa de ressalvar a possibilidade de virem a ser adotados outros mecanismos de acompanhamento e controlo, como claramente resulta do inciso constante da primeira parte do seu nº 1: «Sem prejuízo de outros mecanismos de acompanhamento e controlo que venham a ser adotados, o acompanhamento e o controlo do projeto são efetuados na fase de conclusão do projeto, com base nos seguintes documentos: (…)”.
3.20 Isto significa que, obviamente, e como não podia deixar de ser, o controlo da execução do projeto efetuado na fase da respetiva conclusão, e por conseguinte antes (e com vista) ao pagamento final do apoio financeiro (cfr. artigo 35º nºs 1 e 5 da Portaria nº 317-B/2000), não afasta nem preclude a eventualidade (que mais do que uma faculdade constitui um poder-dever da entidade administrativa competente) de ser desencadeada, nos termos da lei, posterior ação de controlo quanto à boa e correta execução do projeto para o qual foi concedido o apoio financeiro.
3.21 Sendo assim, e por tal razão, sempre teria que fracassar, como fracassa, a invocada violação do artigo 38º da Portaria nº 317-B/2000, por dele não poder ser retirada a interpretação propugnada pelo recorrente.
3.22 Como também não colhe o argumento de que o autor só era obrigado a manter documentos até ao final do ano de 2004, com suporte na ideia de que a conclusão e encerramento do projeto ocorreu no final do ano de 2001, e que assim, a ação de controlo, desencadeada já no ano de 2005, o foi ilegitimamente e em abuso de direito.
3.23 É certo que da factualidade dada como provada resulta que após a celebração do contrato de incentivos financeiros em 06/03/2011, o autor iniciou a obras de remodelação do seu estabelecimento comercial e que ainda naquele ano de 2001 as obras ficaram concluídas, altura em que o estabelecimento comercial do autor reabriu ao público. Mas não pode retirar-se daí, sem mais, como pretende o recorrente, que a fase de conclusão do projeto ocorreu no ano de 2001 para os efeitos previstos na alínea g) da Cláusula Sexta do Contrato de Incentivos.
3.24 Tem, neste aspeto, que levar-se a cabo uma tarefa de interpretação que convoca o quadro normativo no seu todo.
A dificuldade está, e isso não deixou de ser sentido pela 1ª instância, face aos termos em que o acórdão recorrido enfrentou a questão, nos conceitos usados, seja na Portaria nº 317-B/2000, que criou e regulamentou o Sistema de Incentivos a Projetos de Urbanismo Comercial (URBCOM), seja no Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros celebrado entre o autor e o IAPMEI ao seu abrigo.
3.25 A Cláusula Sexta do Contrato de concessão e Incentivos Financeiros enuncia efetivamente na alínea g) do seu § 1º, como sendo obrigação do promotor a de «organizar um processo individual do qual constarão todos os documentos de despesa devidamente numerados e classificados, devendo ser mantidos durante um prazo mínimo de 3 anos após a concretização do projeto».
Mas inclui também nas alíneas j) e k) como obrigação do promotor «enviar ao IAPMEI, após a conclusão do projeto, a “declaração de fiabilidade”» (alínea j)) e «prestar toda a colaboração solicitada com vista à elaboração do “relatório de execução”» (alínea k)).
3.26 Por seu turno a Portaria nº 317-B/2000, a propósito do pagamento dos incentivos concedidos, refere no seu artigo 35º que “o pagamento do incentivo pode processar-se por adiantamentos ou após a conclusão do projeto” (nº 1), e que “o promotor pode optar por solicitar o pagamento da totalidade do incentivo após a conclusão do projeto, mediante a apresentação dos documentos comprovativos das despesas e dos pagamentos, devidamente classificados e ordenados e após a verificação final” (nº 5).
Referindo-se simultaneamente, no artigo 38º nº 1 da Portaria nº 317-B/2000, já supra visitado, que “sem prejuízo de outros mecanismos de acompanhamento e controlo que venham a ser adotados, o acompanhamento e o controlo do projeto são efetuados na fase de conclusão do projeto”, com base nos documentos ali indicados, entre os quais, a declaração de fiabilidade documental e contabilística, subscrita pelo revisor oficial de contas ou técnico oficial de contas do promotor, de acordo com as respetivas obrigações legais (na qual se confirme que os documentos comprovativos da despesa apresentados como suporte da realização do investimento se encontram corretamente lançados na contabilidade e que o incentivo concedido foi contabilizado de acordo com o POC) (alínea a) do nº 1 do artigo 38º) e o relatório de execução física do investimento (onde se confirme que o investimento proposto e objeto do incentivo foi realizado pelos promotores nos termos constantes da candidatura) (alínea b) do nº 1 do artigo 38º).
3.27 Neste contexto, a obrigação, a cargo do promotor, de manutenção dos documentos de despesa atinentes ao projeto, haverá de perdurar não apenas até à fase da sua conclusão, com vista ao pagamento final e encerramento do projeto, mas para além deste, e pelo período de três anos, com vista, precisamente, a assegurar a efetividade de eventual posterior ação de controlo (de 1º nível) quanto à boa e correta execução do projeto, nos termos supra vistos.
3.28 Mas ao momento em que o autor concluiu as obras de remodelação do estabelecimento comercial, não coincide, naturalmente, o exato momento da conclusão do projeto e respetivo encerramento, já que após o terminus das referidas obras, isto é, da sua execução material, ainda se haveria de seguir o momento da apresentação, por parte do autor, enquanto promotor do projeto, dos documentos necessários com vista ao derradeiro pagamento (único ou final, consoante a modalidade de pagamento fosse por adiantamentos ou na totalidade) após verificação final pela entidade administrativa competente (cfr. artigos 35º e 38º da Portaria nº 317-B/2000).
3.29 E se assim é, falha o argumento do recorrente, não se podendo dizer que a concreta ação de controlo em causa nos presentes autos tenha sido desencadeada quando o autor já não estava obrigado a manter os documentos das despesas relativas ao projeto. Nem, por conseguinte, que ele tenha sido colocado numa situação de impossibilidade de comprovação do cumprimento das suas obrigações no âmbito do contrato, mormente as referentes aos pagamentos (forma de pagamento) das despesas e à realização da parte do investimento por capitais próprios, que foram as que vieram a estar na base da decisão de resolução do contrato de concessão de incentivos financeiros.
E foi precisamente o que aconteceu na concreta situação dos autos, tendo sido em abril de 2002 que o autor, enquanto promotor do projeto, entregou os documentos finais, entre os quais o mapa de despesas e investimento e respetiva declaração (cfr. Doc. nº 3 junto pelo autor com a sua Petição Inicial).
3.30 Falha, por isso, a sua tese, de que só era obrigado a manter a documentação até final do ano de 2004. E não se vislumbrando que a ação de controlo tenha sido iniciada, e o autor dela notificado, em momento em que já não se encontrava obrigado a manter tal documentação, não se pode concluir que à entidade administrativa estava já impedida de a levar cabo. Nem concomitantemente pode proceder a invocação de abuso de direito, em termos inquinadores da decisão de resolução impugnada na ação, por referência ao momento em que foi levada a cabo a ação de controlo.
3.31 Sendo neste contexto inócuo e irrelevante o alegado pelo recorrente no presente recurso a propósito da circunstância de lhe terem sido solicitados documentos, no decorrer do ano de 2007, se essa solicitação ocorreu no âmbito da ação de controlo a correr já desde 2005, e à qual o autor, enquanto promotor do projeto, havia sido já chamado a prestar esclarecimentos, colaborando com os serviços de auditoria.
3.31 Deve pois, ainda que com distinta fundamentação, manter-se o juízo de improcedência quanto a estas causas de invalidade feito pelo Tribunal a quo no acórdão recorrido.
3.32 Resta, pois, agora, averiguar se deve ser mantido o juízo de improcedência feito no acórdão recorrido quanto aos apontados vícios de violação de lei, por erro nos pressupostos que fundaram a decisão de resolução do contrato de concessão de incentivos financeiros, ou se pelo contrário, como propugna o recorrente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao assim decidir.
3.33 Resulta dos autos que a decisão de resolução do contrato de incentivos financeiros em causa nos autos, tomada no âmbito da ação de controlo, se fundou na alínea a) do nº 1 do artigo 15º do DL. nº 70-B/2000, de 5 de maio, e nas alíneas a) e c) da Cláusula Sexta e alínea a) da Cláusula Décima-Primeira do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros.
Assentando na verificação dos seguintes fundamentos de facto, assim enunciados pela entidade administrativa, tal, como, aliás, constam da notificação da decisão ao autor (vide Doc. nº 1 junto com a Petição Inicial):
- pagamentos em numerários de valor superior a € 250,00, sem comprovação de fluxos financeiros e sem que a Declaração de Fiabilidade do TOC lhes faça qualquer referência;
- não comprovação do cumprimento da condição de elegibilidade do projeto em que o financiamento inclui, pelo menos 10% do montante de investimento em capitais próprios, nos termos da al. e) do nº 1 do art. 13º da Portaria nº 317/2000, de 31 de maio.
3.34 Na ação o autor propugnou que aqueles fundamentos não constituíam motivo bastante para a resolução do contrato de incentivos financeiros, dizendo que em nenhuma parte do contrato ficou estabelecido que o autor não poderia fazer pagamentos em numerário e reconhecendo que fez pagamentos em numerário de valor superior a 250,00 €, afirma que todavia comprovou esses fluxos financeiros logo que contactado pelo réu para o efeito na medida em que na comunicação enviada pelo autor ao réu em 16/03/2006 remeteu uma carta em que identificou todos os fornecedores que receberam por meio de numerário e de cheque bancário e juntou declarações escritas desses fornecedores em que eles afirmam o recebimento de quantias pagas pelo autor, tendo na mesma carta identificado os fornecedores que se tinham recusado a entregar-lhe essas declarações; e aceitando também que a declaração de fiabilidade do TOC por si entregue não fazia qualquer referência aos pagamentos em numerário de valor superior a 250,00€, defendeu que aquela declaração do TOC obedeceu à legislação à data em vigor, por o que então era exigido pelo artigo 38º alínea a) da Portaria nº 317/2000 era a apresentação de uma declaração de fiabilidade documental e contabilística, subscrita pelo revisor oficial de contas ou técnico oficial de contas do promotor, de acordo com as respetivas obrigações legais, na qual se confirmasse que os documentos comprovativos das despesas apresentados como suporte da realização do investimento se encontravam corretamente lançados na contabilidade e que o incentivo concedido foi contabilizado de acordo com o POC, e que, assim, a declaração apresentada pelo TOC do autor, aquando da conclusão do projeto corresponde a essas exigências e foi elaborada com base no modelo disponibilizado pelos serviços do réu (que juntou, respetivamente, sob Docs. 3 e 3-A com a PI); acrescentou ainda que a resolução do contrato prevista no artigo 15º nº 1 alínea a) do DL. nº 70-B/2000, de 5 de maio, está reservada para os casos de violação de obrigações emergentes do contrato por parte do promotor por facto que lhe seja imputável, e que no caso, o autor não violou as obrigações contratuais ou, quando muito, não conseguiu demonstrar o seu cumprimento, mas mesmo que o não tenha conseguido usou de todo o zelo e diligência que lhe eram exigíveis, concluindo que a decisão administrativa impugnada na ação, pela qual foi resolvido o contrato de concessão de incentivos financeiros, devia ser anulada por violação das Cláusulas Sexta nº 1 alínea f) do Contrato de Concessão de Incentivos, do artigo 38º da Portaria nº 317-B/2000 e do artigo 15º nº 1 do DL. nº 70-B/2000 - (vide, designadamente, artigos 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 70º, 71º, 75º, 76º, 77º, 78º e 79º da PI).
3.35 Defende o recorrente no presente recurso que os documentos comprovativos de despesa com capitais próprios estão juntos aos autos e consistem nas faturas/recibos existentes em nome do autor e que são de valor muito superior a 14.937,99 €, estando pelo menos enumeradas despesas de 54.236,65 €, tal como resulta do ponto 7 dos factos provados; que uma vez que o réu não logrou demonstrar, como se impunha, que essas faturas/recibos, apesar de estarem passados em nome do autor não foram pagos com capitais próprios, forçosa se torna a conclusão de que o réu não conseguiu demonstrar o alegado incumprimento, por banda do autor, da obrigação de concluir o projeto com 10 % de capitais próprios; que o acórdão recorrido, ao partir do pressuposto de que a prova do autor tinha de ser feita com declarações de fornecedores, e não com as faturas/recibos juntos aos autos, que atingem 54.236,65 €, violou as regras que regulam o ónus da prova (cfr. art. 342.º, n.º 1 do Cód. Civil) e ainda as que regulam o valor probatório dos documentos particulares não impugnados (cfr. art. 374.º, n.º 1 do Cód. Civil); devendo ser revogado o acórdão recorrido e em sua substituição julgada procedente a ação – (vide conclusões 8º a 11º das alegações de recurso).
E referindo-se ao outro dos fundamentos do ato impugnado, o terem sido realizados pagamentos em numerário em valor superior a € 250,00 sem que a declaração de fiabilidade do TOC lhes fizesse referência, sustenta que foi com a alteração legislativa feita através da Portaria n.º 113-A/2002, de 7 de Fevereiro, que se veio prever a obrigação de «Manter na empresa, devidamente organizados em dossiê, todos os documentos suscetíveis de comprovar as declarações prestadas na candidatura.” (cfr. alínea f)), e que também, face à alteração operada na redação do artigo 38.º da Portaria n.º 317-B/2000 através da Portaria n.º 113-A/2002, de 7 de Fevereiro, só a partir de então é que os TOC´s passaram a ter responsabilidade acrescida ao nível do acompanhamento e controlo das candidaturas ao programa URBCOM, já que só aí é que passou a ser exigida a “declaração de despesa de investimento” da qual constasse a confirmação de todas as despesas que serviram de base ao projeto; que assim o último dos fundamentos de resolução do contrato de incentivos corresponde a uma aplicação retroativa do regime instituído pela Portaria n.º 113-A/2002, de 7 de Fevereiro, já que, na data em que o projeto foi concluído essa Portaria não estava em vigor, e que, assim, a decisão de resolução do contrato com tal fundamento é ilegal, por violar o n.º 1 do artigo 12.º do Código Civil, impondo-se a revogação do acórdão recorrido, com a consequente prolação de decisão que julgue procedente a ação – (vide conclusões 21º a 28º das alegações de recurso)
3.36 Recuperemos, de novo, as circunstâncias do caso e o quadro normativo convocado.
3.37 Já sabemos que a decisão de resolução do contrato de incentivos financeiros em causa nos autos se fundou na alínea a) do nº 1 do artigo 15º do DL. nº 70-B/2000, de 5 de maio, e nas alíneas a) e c) da Cláusula Sexta e alínea a) da Cláusula Décima-Primeira do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros.
E nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 15º do DL. nº 70-B/2000, de 5 de maio, ao abrigo do qual foi, no caso, resolvido o contrato de concessão de incentivos financeiros, este pode ser resolvido unilateralmente se se verificar uma situação de “…não cumprimento, por facto imputável à entidade beneficiária, dos objetivos e obrigações estabelecidos no contrato, incluindo os prazos relativos ao início da realização do investimento e da sua conclusão”.
Sendo que, por sua vez as alíneas a) e c) da Cláusula Sexta do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros, igualmente invocadas como fundamento da decisão de resolução impugnada na ação, estipulavam o seguinte, enquanto obrigações do promotor:
- alínea a): «demonstrar que executou integralmente o projeto de investimento nos termos e prazo fixados no processo de candidatura»;
- alínea c): «fornecer, dentro dos prazo que lhe forem fixados, todos os elementos que lhe forem solicitados pelas entidades com competências de acompanhamento e controlo»
3.38 Sabemos também que o DL. nº 70-B/2000, de 5 de maio, aprovou o enquadramento para a criação de um conjunto de instrumentos de política de ação económica a médio prazo para o período de 2000 a 2006, consubstanciados em apoios diretos e indiretos às empresas e demais agentes económicos, bem como à envolvente empresarial (cfr. artigo 1º). Sendo que os apoios a conceder nesse âmbito poderiam ser, entre outras, sob a forma de i) incentivos não reembolsáveis, ii) incentivos reembolsáveis, iii) bonificações da taxa de juro; iv) prémios de realização; v) capital de risco e mecanismos de garantia (cfr. artigo 11º nº 1), havendo de ser objeto de regulamentação específica, incluindo quanto às condições de atribuição, nomeadamente montantes, limites e prazos, através de portaria do Ministro da Economia ou de portaria conjunta do Ministro da Economia e dos membros do Governo competentes quando em razão da matéria tal se justificasse (cfr. artigo 11º nºs 1 e 2 e artigo 20º nºs 1 e 2). E que os termos do disposto no artigo 13º nºs 1 e 2 do DL. nº 70-B/2000, de 5 de maio a concessão dos apoios devia ser formalizada mediante contrato, cuja respetiva minuta haveria de ser previamente homologada pelo Ministro da Economia, dela devendo constar cláusulas relativas aos objetivos do projeto, ao montante do apoio financeiro concedido, aos direitos e deveres das partes e, sendo caso disso, às garantias a prestar.
3.39 Sabemos ainda que foi na alçada daquele DL. nº 70-B/2000, de 5 de maio que foi criado, pela Portaria nº 317-B/2000, de 31 de maio, o Sistema de Incentivos a Projetos de Urbanismo Comercial (URBCOM), com o respetivo Regulamento de Execução.
E que nesse contexto que o artigo 31º da Portaria nº 317-B/2000 dispôs que “a concessão de apoio é formalizada entre o IAPMEI e os promotores, de acordo com as regras definidas no artigo 13.º do Decreto-Lei 70-B/2000, de 5 de Maio, segundo minuta tipo homologada pelo Ministro da Economia” (nº 1) e que “a celebração do contrato de concessão de apoio só terá lugar caso estejam total e devidamente comprovadas as condições de acesso e de elegibilidade”, de acordo com o estabelecido no respetivo Regulamento (nº 2).
3.40 Sabemos ainda que foi neste enquadramento normativo que, na situação em análise nos autos, foi concedido ao autor um financiamento, ao abrigo do Sistema de Incentivos a Projetos de Urbanismo Comercial (URBCOM), na sequência da candidatura n.º 21/03661 apresentada em 31/05/2000, para cuja concessão foi assinado em 06/03/2001, entre o autor e o IAPMEI, o respetivo Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros no Âmbito do Sistema de Incentivos a Projetos de Urbanismo Comercial (URBCOM) n.º 51/01/01575.03661, e que envolveu a atribuição de um incentivo não reembolsável no valor de 71.816,92 € correspondente a 66,6% do montante das despesas elegíveis consideradas, que totalizaram 107.835,12 €, assegurando o promotor o financiamento do projeto por capitais próprios em montante igual ou superior a 10% do total do investimento. (vide, designadamente, 1. e 4. do probatório).
3.41 O Tribunal de 1ª instância, a respeito do vício de erro nos pressupostos invocado pelo autor na ação, pronunciou-se nos seguintes termos, que se passam a transcrever:
«(…)
Quanto aos Vícios de Violação de Lei, por Erro nos Pressupostos:
Dos pagamentos em numerário de valores superiores a € 250,00
Alega o A. que fez alguns pagamentos em numerário de valores superiores a € 250,00, por ter criado esse hábito ao longo da sua vida profissional e em virtude das más experiências com instituições bancárias acumuladas ao longo da sua vida profissional.
Sustenta que sempre que realizou pagamentos em numerário, exigiu aos prestadores de serviços declarações comprovativas do recebimento das quantias e que o capital próprio utilizado resultou de dinheiro acumulado em 30 anos de exploração de um estabelecimento comercial em Ponte de Lima e da venda deste estabelecimento.
O R. invoca que os documentos apresentados pelo A. não permitem comprovar que as alegadas despesas efectuadas em dinheiro foram efectivamente realizadas.
Como é sabido, além do ónus de alegação, as partes têm também o ónus da prova nos termos do artigo 342.º do Código Civil: àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, sendo que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
Ou seja, cada uma das partes tem o ónus de alegação e de prova relativamente aos factos de que depende a aplicação das normas que lhe são favoráveis.
Em causa estão as despesas enumeradas no quadro do ponto 7 do probatório, no total de € 54.236,65.
Sendo que o A. juntou ao processo declarações de fornecedores a quem efectuou pagamentos em que estes atestam ter recebido o dinheiro, no montante global de € 11.642,15, importância bastante inferior à que foi posta em crise, e sem referência a alguns dos comprovantes – cfr. ponto 10 do probatório.
Ora, ao R. competia provar os factos constitutivos do seu direito à resolução do contrato, no caso o incumprimento da condição de elegibilidade do projecto (que menos de 10% do investimento foi efectuado com capitais próprios).
E ao A. competia provar que esse investimento com capital próprio foi efectuado em percentagem igual ou superior a 10%.
Isto porque no termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 13.º da Portaria n.º 317-B/2000, de 31 de Maio, constitui condição essencial de elegibilidade dos projectos serem financiados por capitais próprios em montante igual ou superior a 10% do total do investimento, condição que se igualmente prevista no n.º 3 da Cláusula Segunda do contrato celebrado.
E de acordo com o n.º 1 da Cláusula Décima Primeira, o R. poderia resolver o contrato sempre que o promotor, por facto que lhe fosse imputável, não cumprisse qualquer dos objectivos e obrigações aí estabelecidos.
Ora, o montante global do investimento contratualizado era de € 149.379,99 – cfr. a Cláusula Primeira do contrato -, pelo que o investimento mínimo a realizar através de capitais próprios seria de € 14.937,99.
Sendo que, face ao que foi alegado pelo A. e apreciados os meios de prova por si carreados para os presentes autos, apenas resulta provado o pagamento dos ditos € 11.642,15.
É que não basta alegar ou demonstrar que o dinheiro existia no património do A.: era mister comprovar a quantia que foi efectivamente aplicada no projecto.
E, deste modo, não foram fornecidos todos os elementos justificativos solicitados pela entidade com competência de acompanhamento e controlo, ao arrepio do contratualizado na alínea c) da Cláusula Sexta do acordo celebrado.
Tendo o acto impugnado sido igualmente fundamentado no incumprimento da obrigação relativa ao investimento mínimo através de capital próprio.
Finalmente, uma vez que os elementos solicitados eram suportes contabilísticos, a solicitação do órgão de controlo não surge desadequada, desnecessária nem desproporcional, já que nos termos do artigo 121.º do CIRC, os sujeitos passivos de IRC são obrigados a manter em boa ordem, durante o prazo de 10 anos, um processo de documentação fiscal relativa a cada exercício. E, assim sendo, a sua ausência ou insuficiência é imputável ao Autor.
Pelo que, sem necessidade de apreciar o argumento relativo à Declaração de Fiabilidade, lhe falece no ponto razão, pois nos apontados termos da Cláusula Décima Primeira basta um incumprimento para o R. poder resolver o contrato.
(…)»
3.42 Ora, este juízo é de manter, pela simples razão de que a consideração, feita na decisão administrativa impugnada, de que não estava comprovado o cumprimento da condição de elegibilidade do projeto em que o financiamento inclui, pelo menos 10% do montante de investimento em capitais próprios, nos termos da al. e) do nº 1 do art. 13º da Portaria nº 317/2000, de 31 de maio, não se mostra errada.
Isto por falta de demostração documental, em sede de ação de controlo, da efetiva realização de despesa e investimento pelo autor, enquanto promotor do projeto, através de capitais próprios, em montante que atingisse aquela percentagem mínima, como era exigido pela alínea a) do nº 1 da Cláusula Sexta do Contrato de Concessão de Incentivos.
Mostra-se, pois, inadequada a argumentação esgrimida pelo recorrente em sede do presente recurso, a propósito do ónus da prova.
Aliás, na Petição Inicial da ação o autor, diz até, que na comunicação enviada ao réu em 16/03/2006 remeteu uma carta em que identificou todos os fornecedores que receberam por meio de numerário e de cheque bancário e juntou declarações escritas desses fornecedores em que eles afirmam o recebimento de quantias pagas pelo autor, tendo na mesma carta identificado os fornecedores que se tinham recusado a entregar-lhe essas declarações. Ficaram, pois, por demonstrar, em sede de ação de controlo, esses fluxos financeiros e por comprovar a efetiva realização da percentagem mínima de 10% do montante do investimento em capitais próprios.
Significando que o entendimento que a entidade administrativa fez, de não comprovação do cumprimento daquela condição do contrato de concessão de incentivos, enquanto obrigação a cargo do autor, não se encontra eivado do indicado vício de erro sobre os pressupostos de facto como bem foi considerado no acórdão recorrido.
Razão pela qual tinha que improceder, como improcedeu, o pedido impugnatório dirigido à decisão de resolução do contrato.
Deve, pois, manter-se a decisão de improcedência do pedido impugnatório vertida no acórdão recorrido. O que se decide.
***
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo-se, ainda que com fundamentação não integralmente coincidente, a decisão de improcedência da ação proferida pelo acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo, artigos 7º e 12º nº 2 do RCP, e artigo 189º nº 2 do CPTA.
Notifique.
D.N.
Porto, 28 de junho de 2019
Ass. Helena Canelas
Ass. Isabel Costa
Ass. João Beato