Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00214/01-Coimbra
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2012
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO
ERRO NO PREENCHIMENTO DE DECLARAÇÃO
Sumário:Se o tribunal de 1ª instância anula parcialmente a liquidação de IRS que havia sido efectuada com base na declaração apresentada pelo contribuinte porque dá como provado que houve erro no seu preenchimento, a Fazenda Pública não ataca eficazmente a sentença se se limita a reafirmar que a liquidação foi efectuada com base na declaração do contribuinte, sem discutir a existência do erro no preenchimento.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:D...
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
A Fazenda Pública não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por D…, com residência na Urbanização…, em Coimbra, contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 1995, interpôs o presente recurso concluindo da seguinte forma as suas alegações:
«1 - O Meritíssimo Juiz do tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação em referência fazendo errada interpretação dos factos e errada aplicação das leis;
2 - A impugnação refere-se à liquidação adicional de IRS nº 5330904663, relativa ao ano de 1995, no montante de 1.075.532$00 (5.364,73 euros);

3 - O impugnante alicerçou a sua impugnação na ilegalidade da liquidação alegando errónea quantificação do rendimento colectável, referente ao ano de 1995 na parte em que excedeu a quantia global de 10.804.716$00 (53 893,70 euros);
4 - O impugnante apresentou a sua declaração mod.2 de IRS referente aos rendimentos do ano de 1995 em 16-04-1996 à qual foi atribuído o nº 7 do lote 50467;
5 - Nesta declaração o impugnante declarou rendimentos da categoria H (pensões) 5.644.800$00 (23.156,14 euros) relativo ao contribuinte A e 4.729.256$00 (23.589,43 euros) do contribuinte B. Declarou ainda como rendimentos da categoria B (advogado) resultado negativo no montante de 1642.848$00 (8.194,49 euros) que corresponde aos proveitos menos os encargos (1.076.500$00 – 2.719.348$00);
6 - Esta declaração deu origem à liquidação nº 5602684243 de 1996-08-26, com direito a reembolso de 87.306$00 (435,48 euros), foi pago em 06-09-1996 e aceitava-se a existência de perdas a reportar para os anos seguintes no valor de 8.194,49€;
7 - Em 14-04-1997 o impugnante apresentou a declaração mod.2 de IRS de 1996;
8 - No anexo D desta declaração o impugnante declarou rendimentos da categoria B, no valor de 1.642.848$00 (8.194,49 euros), que reportou ao ano de 1995, nos termos do disposto na alínea a) do nº2 do art. 65º do CIRS;
9 - Este rendimento, embora declarado na declaração referente ao ano de 1996, afectou a liquidação do imposto devido relativamente ao ano a que se reporta (1995);
10 - A nova liquidação do ano de 1995, motivada por este anexo D e incidente exclusivamente sobre os valores declarados pelo agora impugnante é a constante de fls. 17 dos autos;
11 - Através de acção inspectiva externa iniciada em 29-11-2009 aos exercícios de 1994 a 1997 foram efectuadas correcções técnicas à contabilidade de custos relativos a prestações de locação financeira no valor de 2.073.508$00 (10.342,61 euros):
Relativamente ao exercício de 1995, o valor negativo declarado da categoria B no montante de 1.642.848$00 (8.194,49 euros) foi corrigido para 430.660$00 (2.148,12 euros) positivos;
12 - O tribunal “a quo” retirou a presunção judicial de que o impugnante, ao preencher o Anexo D (reporte e fraccionamento de rendimentos referentes a anos anteriores), inscreveu naquele Anexo a obtenção de um rendimento referente ao ano de 1995, no montante de 1.642.848$00 (8.194,49 euros), quando queria reportar prejuízos referentes ao ano de 1995 naquele montante;
13 - E concluiu que o impugnante logrou provar que, só por lapso indicou como rendimentos auferidos no ano de 1995 a quantia de 1.642.848$00, quando queria inscrever essa quantia como prejuízos a reportar do ano de 1995, resultando assim óbvio que, o impugnante incorreu em erro no preenchimento do Anexo D, que entregou em conjunto com a declaração de IRS referente ao ano de 1996;
14 - Com o devido respeito, e salvo melhor opinião, discordamos dessa posição.

15 - Relativamente ao ano de 1995 foram efectuadas pela AT três liquidações, a saber:

a) A primeira em consequência da declaração apresentada pelo impugnante em 16-04-1996 à qual foi atribuído o nº 7 do lote 50467, da qual resultou o reembolso de 87.306$00 (435,48€) que foi pago em 06-09-1996, e onde foram aceites a existência de perdas a reportar para os anos seguintes no valor de 8.194,48€;
b) A segunda liquidação efectuada em 18-02-1998 é rigorosamente igual à 1ª, limitando-se a eliminar o valor das perdas a reportar de acordo com as regras do art.54º do CIRS, à data;
c) A terceira liquidação em consequência da declaração oficiosa nº4 do lote 90259, resultou imposto a pagar no valor de 1.075.532$00 (5.364,73 €). Esta liquidação foi consequência da acção de fiscalização, que corrigiu os custos de 1.642.848$00 (8.194,48€) negativos para 430.660$00 (2.148,12€) positivos;
d) Esta última liquidação nº 5330904660 de 2000 foi efectuada em 28-06-2000 e foi precedida da notificação nº 644, de 14-01-2000, na qual se convidava os contribuintes e exercerem o direito de audição prévia à liquidação;
16 - O impugnante alega que a liquidação 5330904660 de 2000 resultou do facto de ter mencionado no anexo D da declaração mod.3 de 1996 um “Reporte”

17 - Com o devido respeito tal não corresponde à verdade.

18 - O reporte mencionado no anexo D da declaração de 1996, refere-se a rendimentos da categoria B (rendimentos não são prejuízos) auferidos em 1995, de acordo com o disposto no art.24º do CIRS (numeração em vigor à data dos factos).

19 - Neste contexto o “reporte” a que se refere o anexo D significa que aqueles rendimentos retrotraem a anos anteriores (e não se transportam para os exercícios seguintes), neste caso para o ano de1995;

20 - Diferente é o reporte a que se refere a expressão “perdas a reportar” inscritas nas liquidações que são prejuízos suportados, nos termos do art.54º do CIRS;

21 - A terceira liquidação resultou da acção da fiscalização, que corrigiu os custos da categoria B de 1.642.848$00 (8.194,48€) negativos para 430.660$00 (2.148,12€) positivos. Os restantes rendimentos da categoria B no valor de 1.642.848$00 (8.194,48€) resultaram do facto – que necessariamente teria de ser levado em conta nessa liquidação – de o sujeito passivo ter declarado no anexo D da declaração mod.3 do IRS de 1996 que nesse ano recebera aquele rendimento que pretendia reportarão ano de 1995 nos termos do art.24º do CIRS;

22 - O resultado da “fixação” efectuado pela fiscalização, findo o prazo para exercício do direito de audição, foi elaborada a declaração oficiosa e recolhidos os seus valores;

23 - Com fundamento nos documentos referidos no artigo anterior foi, pelos serviços Centrais, efectuada a liquidação;

24 - A “fixação” considerou os valores indicados na declaração do ano de 1995 apresentada em 16-04-1996 pelo impugnante e corrigiu-os com os valores apurados pelo Serviço de Inspecção Tributária, mas sem lhe adicionar – conforme manda a adequada técnica tributária – o valor do reporte, mencionado na declaração do ano de 1996 apresentada em 14-04-1997, no montante de 1.642.848$00 (8.194,48€);

25 - Este valor não foi, nem tinha que ser, relevado no acto de fixação porque ele não constava da declaração do ano de 1995 (foi declarado no anexo D da declaração do ano de 1996) e, nestas condições, seria sempre adicionado automaticamente pelo sistema informático no acto de liquidação, já que tal valor consta de declaração espontânea do sujeito passivo;

26 - Na acção inspectiva não corrigiu os rendimentos (proveitos) mas apenas as deduções específicas do art.26ºdo CIRS (custos fiscais);

27 - Salvo melhor opinião, somos de parecer que a fixação em causa foi correcta e legalmente elaborada e notificada.».

Não houve contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista no processo.
Recolhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que a isso nada obsta.
Questão a decidir:
Saber se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento por ter anulado parcialmente a liquidação de IRS com base no erro do contribuinte no preenchimento do anexo D.
II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1. DE FACTO
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra deu como assente a seguinte factualidade:
«1 - A 16/04/1996, o ora impugnante apresentou na 2.ª Repartição de Finanças de Coimbra, a Declaração Anual de Rendimentos - IRS relativa ao seu agregado familiar e referente ao ano de 1995 (Declaração Mod. 2 e respectivos Anexos A e B, juntos de fls. 79 a fis. 81 dos autos e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais).
2 - Na Declaração, id. no parágrafo antecedente, o impugnante fez constar, no respectivo Anexo A, como rendimentos brutos da categoria H, a quantia global de Esc. 10.804.716$00 e no Anexo B, relativo a rendimentos independentes fez constar um prejuízo global de Esc. - 1.642.848$00;
(resultante da diferença entre os rendimentos: Esc. +1.076.500$00 e os encargos: Esc. -2.179.348$00).
3 - Na sequência da entrega da Declaração, referida nos parágrafos antecedentes, em 26/08/1996 foi efectuada a liquidação n.° 56026842430, mediante à qual foi restituída ao impugnante a quantia de Esc. 87.306$00, relativa aos rendimentos da categoria H e fornecida a indicação, a título informativo - perdas a reportar - no valor de Esc. 1.642.848$00 (liquidação de fls. 155 dos autos e que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais).
4 - Em 14/04/1997, o Impugnante apresentou, na 2.ª Repartição de Finanças de Coimbra, a Declaração Anual de Rendimentos - IRS relativa ao seu agregado familiar e referente ao ano de 1996 (Declaração Mod. 2 e respectivos Anexos, juntos de fls. 50 a fls. 53 dos autos e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais).
5 - Contudo, em conjunto com a Declaração mencionada no parágrafo antecedente, o impugnante apresentou um anexo D - reporte e fraccionamento de rendimentos - onde fez constar o reporte de rendimentos auferidos durante o ano de 1995, na quantia de Esc. 1.642.848$00 em vez de reportar essa quantia como perdas relativas ao ano de 1995 (Anexo D, da Declaração Mod.2, referente ao ano de 1996, junto a fls. 54 dos autos e que aqui se dá por reproduzido).
6 - Em 1999, o ora impugnante foi sujeito a fiscalização, que incidiu sobre os exercícios de 1994 a 1997 (Relatório de Inspecção de fls. 28 a fls. 49 dos autos e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).
7 - No âmbito da acção de inspecção, descrita no parágrafo antecedente, foram efectuadas correcções técnicas, relativas aos Rendimentos da Categoria B, auferidos pelo impugnante no ano de 1995, tendo sido aceite o montante dos rendimentos brutos declarados: Esc. 1.076.500$00 mas não foram aceites os encargos declarados: Esc. 2.719.348$00, cujo valor foi corrigido para Esc. 645.840$00 o que conduziu a um rendimento líquido, na categoria B, de Esc. 430.660$00 e a um rendimento colectável de Esc. 8.041.200$00 (citado Relatório de Inspecção e Documento de Correcção DC de fls. 112 a fls. 113 dos autos e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).
8 - Na sequência da acção de inspecção tributária, supra descrita, em 28/06/2000, a Administração Fiscal efectuou uma liquidação adicional de IRS, ao ora impugnante, relativa ao ano de 1995, no montante global de Esc. 1.075.532$00 na qual foi tida em conta, além do rendimento colectável, referido no parágrafo antecedente: Esc. 8.041.200$00, a quantia de Esc. 1.642.848$00 que o ora impugnante erroneamente declarou como rendimentos referentes ao ano de 1995, no Anexo D, mencionado em 4.1.5. (liquidação de fls. 154 dos autos que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais).
4.3.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados, no teor dos documentos juntos aos autos, maxime nos supra identificados, os quais não foram impugnados.
Da leitura dos mesmos, retirou o Tribunal a presunção judicial de que, o ora impugnante, ao preencher o Anexo D (reporte e fraccionamento de rendimentos referentes a anos anteriores), inscreveu naquele Anexo a obtenção de um rendimento, referente ao ano de 1995, no montante de Esc. 1.642.848$00 quando queria reportar prejuízos referentes ao ano de 1995 naquele montante.
Pelo exposto, resulta óbvio que, o ora impugnante incorreu em erro no preenchimento daquele Anexo D.
4.4.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não há factos não provados com interesse para a questão a dirimir.».
II.2. DE DIREITO
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou procedente a impugnação deduzida por D… contra a liquidação de IRS do ano de 1995, por não aceitar o valor de Esc. 12.447.564$00 de rendimento global nela tido em conta.
Alegava o impugnante na petição inicial que o valor a considerar é o de Esc 10.804.716$00 (que resulta da soma do resultado líquido da categoria B no montante de 430.660$00 – notificado ao impugnante em resultado de acção de inspecção - com o montante de 10.374.056$00 de rendimentos da categoria H).
Com a contestação da Fazenda Pública ficou esclarecido que a diferença entre o rendimento global considerado na liquidação impugnada (Esc. 12.447.564$00) e o que o impugnante entende que se deve ter em consideração (Esc. 10.804.716$00) tinha a ver com o facto de o impugnante ter apresentado juntamente com a declaração de IRS do ano de 1996, o anexo D - de reporte e fraccionamento de rendimentos - onde fez o reporte de rendimentos ao ano de 1995, na quantia de Esc. 1.642.848$00.
Perante tal esclarecimento da Fazenda Pública o impugnante veio alegar que o preenchimento daquele anexo D se deveu a lapso, e que o que pretendia reportar era os prejuízos do ano de 1995.
O Tribunal recorrido deu como provado que o impugnante no preenchimento do anexo D reportou rendimentos quando o queria fazer era reportar os prejuízos de 1995. E concluiu que não podia ser somado ao rendimento tributável do ano de 1995 a quantia de Esc. 1.642.848$00, porque o impugnante não tinha auferido tal rendimento, anulando a liquidação impugnada na parte em que integrou aquele montante nos rendimentos tributáveis de 1995.
A Fazenda Pública não se conforma com o decidido insistindo nesta sede de recurso que foi o impugnante que indicou o montante Esc 1.642.848$00 como sendo reporte de rendimentos (e não reporte de prejuízos) e como tal a Administração Fiscal tinha de o considerar na liquidação impugnada porque «seria sempre adicionado automaticamente pelo sistema informático no acto de liquidação, já que tal valor consta da declaração espontânea do sujeito passivo».
Ora, a Fazenda Pública não impugna de forma eficaz a sentença.
Para o fazer teria de pôr em causa o facto que determinou a anulação (parcial) da liquidação – o erro do impugnante no preenchimento do anexo D.
Na verdade, a administração fiscal fez acrescer aos rendimentos do ano de 1995 o valor que o impugnante tinha inscrito no anexo D como sendo um reporte de rendimentos.
Mas, uma vez provado em tribunal que tal preenchimento se deveu a erro, que onde reportou rendimentos o impugnante pretendia reportar prejuízos, a declaração do contribuinte deixa de poder ser tida em conta e aquela actuação da administração tributária deixa de ter suporte, tal como entendeu o Tribunal recorrido.
Daí que só discutindo o facto levado ao probatório sob o n.º 5 – no qual foi consignado que «o impugnante apresentou um anexo D – reporte e fraccionamento de rendimentos – onde fez constar o reporte de rendimentos auferidos durante o ano de 1995, na quantia de Esc. 1.642.848$00 em vez de reportar essa quantia como perdas relativas ao ano de 1995», poderia a recorrente abalar a sentença recorrida, na qual em sede de fundamentação da matéria de facto ficou a constar que expressamente que o ora impugnante incorreu em erro no preenchimento daquele anexo D.
Ora, nas alegações e conclusões de recurso a recorrente não põe em causa este facto que alicerçou o decidido, antes reafirma que a liquidação foi efectuada com base na declaração do impugnante, que este fez um reporte de rendimentos e não de prejuízos, o que não é posto em causa na sentença. O que poderia abalar a sentença recorrida – o erro no preenchimento da do anexo D – não é atacado pelo recorrente, pelo que o recurso não merece provimento.
III – DECISÃO
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Fazenda Pública.
Porto, 22 de Fevereiro, de 2012
Ass. Paula Ribeiro
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Álvaro Dantas