Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00298/13.4BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/18/2020
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:CONTRATO VERBAL E DE FACTO; EMPREITADA; JUNTA DE FREGUESIA
Sumário:1 – Mesmo inexistindo contrato escrito, atenta a matéria dada como provada, sempre a Freguesia teria de suportar os custos da empreitada realizada, por se ter provado que a mesma foi realizada a seu favor.
A ausência de contrato escrito não autoriza a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido.

2 – A Junta de Freguesia não demonstra por que razão o empreiteiro havia de ter realizado trabalhos no Açude, para além da empreitada do Município, sem que a Junta de Freguesia o tivesse “encomendado”.
Por outro lado, mas no mesmo sentido, se não tivesse havido uma contratualização, ainda que verbal e de facto, certamente que a Junta de Freguesia também se não disporia a adiantar, por conta do valor em divida, 5.000€ à empreiteira.

3 – Não obstante a inexistência de um contrato escrito, mas sendo prestados os serviços verbalmente contratualizados, sem oposição, enquanto “Contrato de facto”, tais serviços terão de ser remunerados.
A inexistência de contrato escrito, não autoriza a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido.

4 – Não obstante se ter verificado uma irregularidade na formalização da contratualização controvertida, sempre estaríamos perante uma «relação contratual de facto», ou «contrato imperfeito» noutra terminologia, cujos trabalhos sempre teriam de ser remunerados.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:G., SA
Recorrido 1:Junta de Freguesia de (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso..
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A G., SA no âmbito da Ação Administrativa Comum intentada contra a Junta de Freguesia de (...), tendente ao pagamento de €18.511,27, acrescido de juros moratórios legais, calculados sobre o capital de €10.582, em resultado de falta de pagamento da adjudicação “em regime de empreitada de preço global, um conjunto de trabalhos de construção de “Açude no Ribeiro de (...)”, inconformada com a Sentença proferida em 11 de Outubro de 2019 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, a qual, em síntese, julgou improcedente a presente Ação, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão para esta instância, em 11 de novembro de 2019.
Formula a aqui Recorrente/G. nas suas alegações de recurso apresentadas, as seguintes conclusões:
“1. A sociedade comercial denominada “G., S.A.” intentou contra a JUNTA DE FREGUESIA DE (...), a ação a que os presentes autos se reportam, peticionando a condenação da Ré no pagamento da quantia global de 18.511,27€, acrescida de juros legais de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
2. Em sustentação do seu pedido alegou, em síntese, o seguinte continente factual;
“- Que se dedica à atividade industrial de construção civil, obras públicas e particulares;
- Que no exercício dessa atividade e na sequência de convite da Ré e sob instruções desta, foi-lhe adjudicada em regime de empreitada por preço global, um conjunto de trabalhos na construção de Açude no Ribeiro de (...), mostrando-se os trabalhos por si executados titulados nas faturas juntas sob os Documentos n.ºs 3 e 4 juntos com a petição inicial;
- A Autora realizou integralmente todos os trabalhos adjudicados pela Ré, os quais foram por esta recebidos e aceites sem qualquer indicação de defeito.
- A Ré pagou parte de uma fatura, estando em dívida o valor de capital de 10.582,00€, a que acrescem juros legais de mora contados desde a data de vencimento de cada uma delas;”
3. No apenso B aos presentes autos, a ora Recorrente foi admitida como habilitada na posição processual da Autora G. em razão de contrato de cessão de créditos celebrado com esta.
4. Após instrução e produção de prova, foram julgados como provados os seguintes factos:
“A) Por sentença de 16/03/2012, transitada em julgado, proferida nos autos de processo nº 526/12.3TBAMT do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, foi a Autora inicial (G.) declarada insolvente.
B) A G. dedica-se à indústria de construção civil, obras públicas e particulares.
C) A Ré, através do seu então Presidente, dirigiu à Autora convite para apresentar proposta para a construção da segunda fase do Açude no Ribeiro de (...). “O prazo máximo de construção é de 45 dias corridos, sendo a empreitada em regime de preço global.”
D) A Autora inicial G. remeteu à Ré duas faturas relativas a “diversos serviços realizados na obra de construção de Açude no Ribeiro de (...), cujos números, datas de emissão e valores se indicam:
- FT 40007 - 28/01/2004 - 7420,00€ acrescido de IVA - 7.791,00€.
- FT 50129 - 28/06/2005 - 7.420,00€, acrescida de IVA - 7.791,00€
E) Por conta da fatura n.º 40007, a Ré pagou à Autora em 07/09/2004, o valor de 5.000,00€, por transferência bancária.
F) A construção do açude em (…) foi uma obra projetada e lançada a concurso pela Câmara Municipal de (...) em 2001,
G) Tendo sido adjudicada à aqui Autora e paga integralmente pela Câmara Municipal de (...) em 2001.
H) O açude que se encontra construído não corresponde ao projeto indicado em F).
I) As faturas indicadas em D) referem-se ao convite indicado em F).
J) A última interpelação para pagamento foi efetuada em pelo Administrador de Insolvência da Autora cessionária em 2012.
K) As faturas indicadas em D) não foram pagas, à exceção do indicado em E), por falta de cabimento orçamental.”
5. E, foram julgados como não provados os seguintes factos:
“1. Quais os trabalhos contratados e executados pela Autora no Açude do Ribeiro de (...) por ordem do convite indicado em C).
2. Qual o valor global da empreitada adjudicada à Autora.
3. Que tivesse sido proferido ato de adjudicação da proposta/resposta ao convite.
4. Que tivesse sido celebrado contrato escrito.
5. Qual o prazo para pagamento das faturas.”
6. Com base nesta concreta decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo considerou que a Recorrente não logrou fazer a prova dos factos constitutivos do direito que invoca e, nessa medida julgou improcedente a presente ação.
7. A sentença recorrida é nula por verificação da hipótese normativa contida no artigo 615º, n.º 1, alínea c) do CPC.
8. De acordo com o entendimento vertido na sentença recorrida a Recorrente não logrou provar os factos constitutivos do direito de crédito que invoca deter sobre a Ré.
9. Designadamente, não logrou provar que haja executado quaisquer trabalhos sob ajuste da Ré, a específica natureza dos trabalhos executados, o valor global dos mesmos e o prazo de vencimento das faturas que titulam esses trabalhos.
10. Quanto a esta concreta matéria de facto, a mesma encontra-se em patente contradição com o elenco dos factos provados no mesmo douto aresto a fls. 3 e 4.
11. Do elenco dos factos provados, resulta assente precisamente o inverso; ou seja, que a Autora executou sob ajuste da Ré (independentemente da forma de adjudicação) a segunda fase dos trabalhos de construção do Açude no Ribeiro de (...).
12. Está dado como assente, na alínea C) do elenco dos factos provados que a Ré endereçou à Autora convite para apresentar proposta para a construção da 2ª fase do Açude do Ribeiro de (...) – cfr. Doc. 2 com a petição inicial.
13. Resulta provado da alínea D) do elenco dos factos provados que a Autora inicial remeteu à Ré duas faturas relativas a serviços prestados na obra de construção do Açude do Ribeiro de (...) – cfr. Doc.s 3 e 4 com a petição inicial.
14. Resulta provado que, por conta da fatura n.º 40007, a Ré pagou à Autora em 07/09/2004, o valor de 5.000€ por transferência bancária – cfr. Recibo de fls. 98 e extrato bancário de fls. 99.
15. Resulta provado na alínea I) dos factos assentes que as faturas indicadas em D) dos mesmos referem-se ao convite identificado em C) – cfr. fls. 235 dos autos.
16. Resultou provado que, o Administrador de Insolvência da Autora inicial interpelou a Ré para pagamento das referidas faturas – cfr. Doc. 3 com a réplica.
17. Resulta provado na alínea K) do elenco dos factos provados, que as faturas objeto destes autos apenas não foram pagas à exceção do montante parcial indicado em E) por falta de cabimento orçamental.
18. Da análise global do elenco destes factos, julgados como provados, resulta objetivamente que a Autora inicial executou, sob adjudicação da Ré, os trabalhos elencados nas faturas n.º 40007 e 50129, razão porque constitui factualidade provada que a Ré pagou parte dos mesmos, sendo que o pagamento traduz expresso reconhecimento de dívida.
19. Tais faturas foram, uma e outra, rececionadas pela Ré, por si contabilizadas e em momento algum tendo sido devolvidas.
20. Ao dar-se como provado que a única razão pela qual a Ré não pagou a totalidade do preço das faturas indicadas em D) foi apenas por falta de cabimentação orçamental, subjacente a esta factualidade provada, está objetivamente a execução de trabalhos por conta e a mando da Ré.
21. A prova da falta de cabimentação orçamental traduz o reconhecimento da execução desses trabalhos e do crédito da Autora decorrente da respetiva realização.
22. Ao dar-se como provado nas alíneas F) e G) do elenco dos factos provados, que a construção do açude em (...) foi uma obra projetada e lançada a concurso pela Câmara Municipal de (...) em 2001 e que essa obra foi adjudicada à Autora inicial e a ela paga integralmente por aquela Câmara, aliado ao facto provado na alínea H) que o açude que se encontra construído não corresponde ao projeto indicado em F) (projeto da própria Câmara), resulta a demonstração de que esta obra comportou duas fases: uma inicial sob ajuste da Câmara (primeira fase) e outra de ampliação, adjudicada pela Ré (segunda fase).
23. Não se pode dar simultaneamente como provado que a Autora executou esses trabalhos como resulta dos factos provados sob as alíneas C), D), E), H), I), J) e K) e, simultaneamente, dar como não provado que não os executou por convite da Ré e que não provou o valor da empreitada global nos termos constantes dos pontos 1, 2 e 3 do elenco dos factos não provados.
24. Do exposto, resulta patente contradição entre os fundamentos de facto entre si e, entre estes e a decisão de direito, circunstancialismo que acaba por tornar a sentença ambígua e a decisão ininteligível, verificando-se, nesta parte, a nulidade da sentença prevista no artigo 615º, n.º 1, alínea c) do CPC.
25. Os factos julgados como provados sob as alíneas C) a K) da douta sentença recorrida são, no seu conjunto, suficientes para julgar a presente ação totalmente procedente por provada, reconduzindo-se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto ao elenco dos factos julgados como não provados sob os números 1, 2, 3 e 5 a fls. 4 daquela mesma sentença.
26. Está assente a formulação de convite através de carta dirigida à Autora inicial para a execução da 2ª fase da empreitada do Açude no Ribeiro de (...).
27. Está assente que, na sequência desse convite, a Autora emitiu à Ré duas faturas que titulavam o preço global da empreitada, ambas no valor unitário de 7.791,00€, o que dá o valor global da proposta apresentada pela Autora inicial de 15.582,00€, com IVA incluído;
28. Se está dado como provado que a Ré aceitou essas faturas, contabilizou-as, não as devolveu e pagou parte do preço, daqui resulta a prova de que efetivamente foi realizada a adjudicação, consignação dos trabalhos e execução dos mesmos pela Autora inicial.
29. Se resulta provado que esses trabalhos apenas não foram pagos na sua totalidade por falta de cabimentação orçamental, daqui resulta a prova da sua execução pela Autora inicial.
30. A Ré não impugnou os documentos que titulam a execução desses trabalhos, no caso concreto, a carta convite da própria, as faturas n.º 40007 e 50129, o recibo, a transferência bancária de parte do preço e a carta de interpelação do Administrador de Insolvência, sendo que a não impugnação destes documentos implica a sua aceitação em termos plenos e com o seu integral teor.
31. A Ré veio na segunda sessão de julgamento, juntar aos autos documento da sua autoria, com força probatória plena (fls. 235) e que traduz confissão expressa de factos que lhe são desfavoráveis.
32. Traduzido em comunicação dirigida ao Administrador da Insolvência da Autora inicial a qual demonstra que, de facto, aquela executou os trabalhos da empreitada titulados pelas faturas melhor identificadas na alínea D) do elenco dos factos assentes.
33. Da análise desta carta, dirigida ao Administrador de Insolvência da Autora inicial, colhe-se que a Ré refere “o montante da dívida solicitado das faturas n.º 40007 e 50129 de 28/01/2004 e 28/06/2005, respetivamente, referem-se a serviços nunca concluídos pela empresa G. Construções, S.A., nunca esta Junta de Freguesia recusou os pagamentos, contudo sempre afirmámos que só procederíamos à liquidação do referido valor quando a obra fosse concluída e aceite como devidamente acabada e de acordo com o caderno de encargos, o que está muito longe de acontecer.”
34. Esta comunicação da Ré exprime posição diversa e completamente contrária àquela que verte na sua Contestação, pois que nela reconhece que a Autora inicial executou os trabalhos na sequência de adjudicação daquela, que os mesmos se mostram titulados nas faturas n.º 40007 e 50129 e que apenas não lhos pagou porque, na sua tese, os mesmos não foram integralmente concluídos.
35. O que quer dizer que de acordo com a tese da Ré expressa em tal comunicação os trabalhos em causa foram executados pela Autora inicial sob adjudicação sua.
36. Resulta também desta comunicação a existência de um caderno de encargos da empreitada (facto que a Ré apesar de conhecer, intencionalmente omitiu na sua contestação).
37. Esta carta por si só, e sem mais, constitui instrumento suficiente para a Meritíssima Juíza a quo dar como provada a adjudicação, a execução dos trabalhos e o valor global dos mesmos correspondente à soma do valor total das duas faturas.
38. A referida comunicação da Ré traduz declaração confessória quanto à adjudicação e execução pela Autora inicial dos trabalhos de construção da segunda fase do Açude do Ribeiro de (...).
39. E, ainda que essa comunicação esteja exarada em documento particular, os factos nela contidos têm de se considerar provados nos termos aplicáveis a estes documentos, na justa medida em que se mostram aceites por ambas as partes.
40. Dispõe o art.º 376º, n.º1 do C.C., que o documento particular cuja autoria seja reconhecida faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor – hipótese verificada no caso vertente.
41. Dispondo o n.º 2 do citado art.º 376º que, os factos compreendidos nas declarações consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante – hipótese também verificada no caso vertente.
42. O Tribunal a quo ao desconsiderar este concreto elemento probatório, apto a provar a adjudicação e execução pela Autora inicial dos trabalhos de construção da segunda fase do Açude no Ribeiro de (...), violou o disposto no art.º 376º, n.º 1 do C.C., atenta a força probatória plena do citado documento da autoria da Ré, assim violando regras de direito probatório material.
43. No mesmo sentido, e, em sede de prova testemunhal vão as declarações das testemunhas J., L., D., M., J., J. e N..
44. A testemunha J., confirmou as faturas juntas como Documentos n.ºs 3 e 4 com a petição, confirmou as divergências, em termos de projeto e de execução, entre a obra adjudicada pela Câmara Municipal de (...) (Fase 1) e a obra adjudicada pela Ré (Fase 2) a qual se mostra titulada pelas faturas 40007 e 50192.
45. A testemunha L., confirmou a adjudicação da obra e consignação dos trabalhos, ainda que por forma verbal, fez o desenho junto aos autos a fls. 217 demonstrando as diferenças entre o projeto da Câmara e aquele outro de ampliação que está edificado no local da autoria da Ré.
46. A testemunha D., referiu, por um lado, que as faturas foram emitidas em data posterior à da execução da obra a pedido da Ré, e por invocadas razões de cabimento orçamental e, por outro lado, que a Junta de Freguesia Ré sempre reconheceu a dívida, nunca recusou o seu pagamento, apenas o tendo protelado por razões do foro financeiro.
47. A testemunha M., referiu o valor da empreitada de 15.000,00€, as faturas que a titulam, o pagamento parcial do valor de 5.000,00€ por conta do preço da empreitada e as interpelações feitas pela testemunha junto dos serviços financeiros da Ré visando o pagamento desses trabalhos, bem como deu nota da resposta a essas interpelações as quais foram sempre no sentido das invocadas dificuldades financeiras e nunca do não reconhecimento do crédito.
48. Em igual sentido foi o depoimento da testemunha J..
49. A testemunha J., Administrador da Insolvência da Autora inicial, referiu que logo em 2012, nos meses de Março e Agosto, contactou o então Presidente da Junta de Freguesia de (...), visando a cobrança do crédito e que o mesmo lhe terá dito não estar à época em condições de pagar as faturas indicadas em D) do probatório mas que o iria fazer.
50. A testemunha N., engenheiro civil e chefe de Divisão de Urbanismo e Projetos da Câmara Municipal de (...), referiu que a obra de Construção do Açude (fase 1) não foi rececionada definitivamente em 28/05/2013 porque “o que lá está não corresponde ao projeto da Câmara e que foi pago”.
51. O depoimento destas testemunhas foi valorado em termos de motivação probatória pela Meritíssima Juíza a quo e a respetiva credibilidade não foi abalada ou inquinada por qualquer outra testemunha ou outro meio probatório.
52. De tudo isto resulta que deverão ser retirados do elenco dos factos não provados e, ao invés, dados como provados, aqueles que resultam dos itens 1, 2 e 3 da sentença recorrida.
53. Do conjunto de todos estes elementos probatórios resulta que a obra de construção de Açude no Ribeiro de (...) comportou duas fases, ambas adjudicadas à Autora inicial, a primeira fase pela Câmara Municipal de (...), cujos trabalhos foram integralmente pagos, e a segunda fase pela Ré, cujos trabalhos foram apenas parcialmente pagos, pois só assim se compreende a existência de dois projetos distintos, um de construção, da autoria da Câmara, e outro de ampliação, da autoria da Ré.
54. Releva também em termos probatórios a existência de caderno de encargos da autoria da Ré no qual estão plasmadas todas as condições de execução da obra e cuja junção aos autos esta recusou, não obstante a esse documento contratual fazer referência na sua comunicação de 06/09/2012, junto na sessão de julgamento de 27/09/2019, a fls. 235.
55. Quanto ao facto julgado no item 4. dos factos não provados, conducente à ausência de contrato de empreitada reduzido a escrito e, em razão do vertido na comunicação da Ré de 06/09/2012, deverá ser dado como provado que, não obstante não ter sido reduzido a escrito o contrato de empreitada, a execução da obra pela Autora inicial obedeceu a um prévio caderno de encargos da autoria da Ré.
56. Não obstante se ter dado como não provado qual o prazo de pagamento das faturas, a resposta a este item deverá ser modificada pelo menos no sentido que a Ré se obrigou ao pagamento da fatura n.º 40007 na data em que procedeu ao seu pagamento parcial - 07/09/2004.
57. E quanto ao pagamento da fatura n.º 50129, na falta de prova de confissão expressa, a mesma deverá ser paga no prazo definido no decreto-lei n.º 59/99 de 02/03, ou seja, no prazo de 44 dias contados da data de emissão da referida fatura, nos termos definidos no artigo 212º daquele diploma legal, ou quando assim, não se entenda, a partir da citação da Ré para os termos dos presentes autos.
58. Nesta conformidade, deverão ser retirados do elenco dos factos não provados os itens 1, 2 ,3 e 5.
59. Em razão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto nos exatos termos em que a ora Recorrente o faz, resulta objetivamente a prova dos factos constitutivos do direito que invoca deter sobre a Recorrida, nos termos consignados no art.º 342º, n.º 1 do CC.
60. Os trabalhos executados pela Autora inicial correspondem à segunda fase de construção/ampliação do Açude no Ribeiro de (...), as faturas melhor identificadas em d) do probatório titulam esses trabalhos e a Ré pagou parte do preço desses trabalhos, só não tendo pago o preço remanescente por falta de cabimento orçamental.
61. Provou assim a Recorrente os factos constitutivos do seu direito de crédito sobre a Ré, específico circunstancialismo que impõe a revogação da douta sentença recorrida e, a sua substituição por douto acórdão que julgue a presente ação totalmente procedente por provada, com as legais consequências.
62. A douta sentença recorrida é nula nos termos do disposto no art.º 615º, n.º 1, alínea c) do CPC.
63. A douta sentença recorrida viola as disposições legais contidas no artigo 8º do C.P.T.A., e nos artigos 7º, 8º, 417º, n.º 2 e 431º, n.ºs 1 e 3 do C.P.C e, bem assim, nos artigos 342º, n.º 1, 376º, n.ºs 1 e 2 e 762º, todos do C.C.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e, substituindo-a por douto acórdão que julgue a presente ação totalmente procedente por provada, assim se fazendo JUSTIÇA.”

Por Despacho de 3 de fevereiro de 2020 foi admitido o recurso interposto, mais tendo sido sustentada a decisão proferida, atenta a nulidade suscitada no Recurso.
Igualmente em 3 de fevereiro de 2020 veio a Junta de Freguesia de (...) apresentar as suas Contra-alegações de Recurso, nas quais concluiu:
“1. Salvo melhor e douto entendimento em contrário, a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em recurso, não está eivada do vício de nulidade que lhe é imputado nem existe contradição entre os fundamentos e a decisão proferida.
2. De acordo com as regras próprias da repartição do ónus da prova, incumbia à Recorrente fazer prova da causa de pedir na presente ação, especificando a concreta obra acordada entre a Insolvente G. e o Executivo da Junta de Freguesia ao tempo em exercício de funções, nos termos da Lei das Finanças Públicas - Lei nº 2/2007, de 15 de Janeiro - em vigor à data dos factos, o que manifestamente não logrou fazer.
3. O argumento aduzido de falta de cabimentação para o não pagamento reclamado também não colhe, por um lado porque a obra em causa foi projetada e lançada a concurso pela Câmara Municipal de (...) em 2001, que a pagou integralmente, pese embora não corresponda ao projeto remetido à Recorrente, que, por isso, não rececionada, conforme depoimento prestado pelo Técnico Municipal.
4. Acresce que a obra só poderia ser objeto de previsão orçamental se estivesse totalmente realizada ou em vias de o ser, o que não foi o caso atento o teor do documento de fls. 235 aceite pela Recorrente.
5. Contrariamente ao defendido por esta, as faturas remetidas à Recorrida e constantes dos autos, não têm idoneidade para, com razão de ciência, demonstrarem o objeto do contrato e, por consequência, a causa de pedir nos termos do ao tempo em vigor Decreto-Lei 59/99, de 2 de março: teriam de ser juntos o convite, os termos de adjudicação, o contrato, os autos de medição e, por fim, as faturas.
6. Como bem afirma a Meritíssima Juiz, a recorrente não provou, como lhe competia nos termos do previsto no artº 342º do Código Civil, os factos concretos que constituem a sua causa de pedir, pelo que falece o argumento por si deduzido segundo o qual o convite, as faturas emitidas e a carta que consta a fls. 235 dos autos, provam a dívida.
7. Finalmente, considerando a impugnação especificada e a defesa considerada no seu conjunto, rebate-se ainda o argumento de que os documentos juntos com a p.i. não foram impugnados.
8. Tudo o mais alegado pela Recorrente mais não são de que esforços interpretativos dos documentos e depoimentos prestados mas que não provam o que é essencial: a causa de pedir na presente ação.
9. Termos em que deverá ser mantida na íntegra a decisão recorrida, com todas as legais consequências daí resultantes, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 12 de fevereiro de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, que se consubstanciam em divergência quanto aos fundamentos de facto e direito adotados, mais se imputando a nulidade da Sentença Recorrida na medida em que os fundamentos da mesma, evidenciarão oposição com a decisão de direito emanada, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.


III – Fundamentação de Facto
Foi em 1ª instância fixada a seguinte factualidade provada e não provada:
“Da prova produzida resultou provada a seguinte factualidade:
A. Por sentença de 16.03.2012, transitada em julgado, proferida nos autos de Proc. nº 526/12.3TBAMT do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, foi a Autora inicial (G.) declarada insolvente – cfr. doc. 1 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
B. A G. dedica-se à Indústria de construção Civil, obras públicas e particulares – acordo (art. 13º da Contestação);
C. A Ré, através do seu então Presidente, dirigiu à Autora o convite para “apresentar proposta para a construção da 2ª fase do Açude no Ribeiro de (...), “ O prazo máximo de construção é de 45 dias corridos, sendo a empreitada em regime de preço global. As propostas deverão ser entregues na sede da Junta de Freguesia de (...) em mão própria até 16 de Agosto de 2002” – cf. Doc. 2 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
D. A Autora inicial (G.) remeteu à ora Ré duas faturas relativas a “diversos serviços realizados na obra “construção de Açude no Ribeiro de (...)”, cujos números, datas de emissão e valores se indicam:
FT 40007 – 28.01.2004 - €7.420,00 + IVA = €7.791,00 – doc. 3;
FT 50129 – 28.06.2005 - €7.420,00 + IVA = €7.791,00 – doc. 4, juntos à p.i.;
E. Por conta da fatura nº 40007, a Ré pagou à Autora, em 07.09.2004, o valor de €5.000,00, por transferência bancária – vide recibo a fls. 98, extrato bancário a fls. 99;
F. A construção do açude em (...) foi uma obra projetada e lançada a concurso pela Câmara Municipal de (...) em 2001;
G. Tendo sido adjudicada à aqui Autora e paga integralmente pela CM de Miranda do Corvo;
H. O açude que se encontra construído não corresponde ao projeto indicado em F);
I. As faturas indicadas em D) referem-se ao convite indicado em C) – vide doc. junto em 27.09.2019 (fls. 235 dos autos);
J. A (última) interpelação para pagamento foi efetuada pelo administrador de insolvência da Autora cessionária em 2012 – cfr. doc. 3 junto à Réplica (fls. 100/101)
K. As faturas indicadas em D) não foram pagas, à exceção do indicado em E. , por falta de cabimentação orçamental.
Não se provou:
1. Quais os trabalhos contratados e executados pela Autora no Açude do Ribeiro de (...) por ordem do convite indicado em C); (Facto suprimido nesta instância – Artº 662º CPC)
2. qual o valor da empreitada global adjudicada à Autora; (Facto suprimido nesta instância – Artº 662º CPC)
3. que tivesse sido proferido ato de adjudicação da proposta/resposta ao convite; (Facto suprimido nesta instância – Artº 662º CPC)
4. que tivesse sido celebrado contrato escrito;
5. qual o prazo para pagamento das faturas.

IV – Do Direito
No que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se na decisão recorrida o seguinte:
“Veio a Autora invocar que por via da empreitada adjudicada, em regime de preço global, foram-lhe adjudicados uma série de trabalhos que se encontram documentados pelas faturas indicadas em D) do probatório.
À data do convite (em 2002), estava em vigor o D.L. nº 59/99, de 02/03, que na versão então em vigor dispunha:
“1 - Entende-se por preço global a empreitada cujo montante da remuneração, correspondente à realização de todos os trabalhos necessários para a execução da obra ou parte da obra objeto do contrato, é previamente fixado.
2 - Devem ser contratadas por preço global as obras cujos projetos permitam determinar a natureza e as quantidades dos trabalhos a executar, bem como os custos dos materiais e da mão-de-obra a empregar.
Sem entrar em desenvolvimentos quanto ao procedimento mega simplificado no caso, sempre teria de ocorrer um ato de adjudicação (vide art. 132º do DL 59/99).
No caso em apreço, não houve qualquer ato de adjudicação, não foi junta qualquer proposta ou outros elementos que permitissem identificar os trabalhos executados pela Autora no âmbito do convite a que alude a alínea C) do probatório.
Veio a Autora peticionar o pagamento daquelas faturas nos termos dos artigos 212º e 213º do DL 59/99, o qual dispunham:
Artigo 212.º Prazos de pagamento
1 - Os contratos devem precisar os prazos em que o dono da obra fica obrigado a proceder ao pagamento dos trabalhos executados e eventuais acertos, os quais não poderão exceder 44 dias, contados, consoante os casos: a) Das datas dos autos de medição a que se refere o artigo 202.º; b) Das datas de apresentação dos mapas das quantidades de trabalhos previstos no artigo 208.º; c) Das datas em que os acertos sejam decididos.
2 - Os contratos devem ainda precisar os prazos em que o dono da obra fica obrigado a proceder ao pagamento das revisões e eventuais acertos, os quais não poderão exceder 44 dias, contados consoante os casos previstos na legislação especial aplicável. 3 - Nos casos em que os contratos não precisem os prazos a que se referem os números anteriores, entender-se-á que serão de 44 dias.
Artigo 213.º Mora no pagamento
1 - Se o atraso no pagamento exceder o prazo estipulado ou fixado por lei nos termos do artigo anterior, será abonado ao empreiteiro o juro calculado a uma taxa fixada por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do ministro responsável pelo sector das obras públicas.
2 - Se o atraso na realização de qualquer pagamento se prolongar por mais de 132 dias, terá o empreiteiro o direito de rescindir o contrato.
3 - Em caso de desacordo sobre o montante indicado numa situação de trabalhos, de revisão de preços ou num mapa das quantidades de trabalhos, o pagamento será efetuado sobre a base provisória das somas aceites pelo dono da obra.
4 - Quando as somas pagas forem inferiores àquelas que, finalmente, sejam devidas ao empreiteiro, este terá direito aos juros de mora calculados sobre a diferença e nos termos do n.º 1 do presente artigo.
5 - O pagamento dos juros previstos neste artigo deverá efetuar-se até 22 dias depois da data em que haja tido lugar o pagamento dos trabalhos, revisões ou acertos que lhes deram origem.”
No caso em apreço não foi celebrado qualquer contrato onde fossem previstas as condições quer de realização da empreitada como do seu pagamento.
Aliás, nem sabemos que trabalhos (em concreto) ficou a Autora obrigada a realizar por via da carta convite. Tendo sido possível apurar que os serviços constantes das faturas indicadas em D) correspondem ao convite indicado em C). E que não terão sido pagos por falta de verbas orçamentadas.
E compreende-se que assim seja, atenta a Lei das Finanças Públicas, em vigor à data dos factos, ou seja a Lei nº 2/2007, de 15 de Janeiro.
Com efeito, a parca documentação trazida a juízo demonstra que se tratou mais de um “acordo” entre o então Presidente da Junta de Freguesia e a Autora cessionária, do que um contrato de empreitada.
E por via disso não pode a Autora vir reclamar os pagamentos e os meios jurídicos derivados do contrato que não celebrou, da proposta que não apresentou, e que assim aceitou. Até o ato de consignação foi por “telefone”, como referiu uma das testemunhas.
Mas ficou também demonstrado que pela Câmara Municipal de (...) foi adjudicada à Autora a construção do Açude em (...) foi integralmente paga por aquela edilidade.
E que a obra no local realizada pela Autora não corresponde à que foi adjudicada e paga pela Câmara. O que traz mais dúvidas ao Tribunal sobre que tipos de trabalhos foram executados pela autora em cada uma das “empreitadas”.
Como se alude no Acórdão do STJ de 04.06.2003, rec. 02S3701, acessível in www.dgsi.pt:
“O onus probandi respeita aos factos da causa, distribuindo-se segundo os critérios definidos no artigo 342º do Código Civil. A parte a quem compete o ónus tem o encargo de fornecer a prova do facto visada, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova (MANUEL ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, pág. 196). O ónus da prova tem ainda como consequência que a incerteza ou o non liquet do juiz acerca de qualquer ponto de facto, depois de consultadas as provas dos autos, se resolve em desfavor do sujeito processual ao qual incumbiu a prova do facto respectivo (idem, pág. 197). “
Pelo que no caso em apreço a Autora não conseguiu provar que tenha efectuado os trabalhos titulados pelas facturas indicadas em D) do probatório, cujo pagamento exige no âmbito de contrato de empreitada em regime global, como alude no art. 5º da petição inicial. Nem que trabalhos que foram contratados e como tal executados.
Sendo que a emissão de facturas, só por si, não permite a prova dos “serviços” nelas constantes, tendo sido impugnado pela Ré a realização dos trabalhos por estas titulados e não tendo a Autora conseguido fazer a prova de os ter realizado. Inexistem quaisquer autos de medição.
O que faz soçobrar os pedidos de condenação do réu ao pagamento das faturas indicadas em D) do probatório, na parte não paga (alínea k) do probatório).
Como se alude no citado Acórdão.
“… Nos termos do artigo 342º do Código Civil - e isso não é posto em causa nem pelas partes nem pelas decisões das instâncias -, "àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado", ao passo que "a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem invocação é feita".
Por factos constitutivos "entendem-se os factos idóneos, segundo a lei substantiva, para fazer nascer o direito que o autor se arroga contra o réu, isto é os factos de que depende o êxito da pretensão que o autor se propõe fazer valer, ou, por outras palavras, de que depende a procedência da acção" (ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, Coimbra, 1950, pág. 282).”
Se o autor não conseguir fazer a prova dos factos constitutivos, ou, mais precisamente, se os factos constitutivos não estiverem provados nos autos, a acção improcede; se os factos constitutivos ficam provados, a acção só improcederá se o réu lograr opor com êxito factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito.”
No caso vertente veio o Réu excepcionar que os trabalhos já se encontram pagos pela Câmara Municipal de (...).
Contudo não tendo sido demonstrado quais os trabalhos executados pela Autora no açude de (…), por conta da Junta de Freguesia de (...), fica prejudicada tal questão, ou seja de que os mesmos já foram pagos pela Câmara.
Em resumo, se a ação tem por fim exigir a responsabilidade civil emergente da falta de cumprimento do contrato, neste caso o pagamento de trabalhos, ao autor incumbe provar o nascimento da obrigação, ou seja que trabalhos ficou obrigada a realizar e que realizou a sua prestação (no caso em apreço a construção do açude 2ª fase de (...), como consta do convite indicado em C) do probatório. O que não foi feito.
Pelo exposto, outra não poderá ser a solução que não seja a de julgar a ação improcedente por provada.”

Vejamos:
A “G., S.A.” intentou contra a JUNTA DE FREGUESIA DE (...), a presente Ação Administrativa Comum, tendente à condenação da Ré no pagamento da quantia global de 18.511,27€, acrescida de juros legais de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

Entende a Recorrente que no exercício da sua atividade e no seguimento de convite da Ré, lhe foi adjudicada em regime de empreitada por preço global, um conjunto de trabalhos na construção de Açude no Ribeiro de (...), mostrando-se os trabalhos por si executados titulados pelas faturas que estão controvertidas.

A Junta de Freguesia pagou reconhecidamente parte de uma das faturas (5.000€), pelo que apenas estará em divida o valor de capital de 10.582,00€.

DA NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA
Vem desde logo suscitada a nulidade da sentença recorrida nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea c) do CPC.
Nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea c) do CPC, a sentença será nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

De acordo com a Recorrente a sentença terá concluído que não ficaram provados, designadamente, os factos constitutivos do direito de crédito que invoca deter sobre a Ré, em conformidade com os factos dados como não provados, o que a mesma contesta.

Entende a Recorrente que tendo sido dado como provado no facto C) que a Ré endereçou à Autora convite para apresentar proposta para a Construção da 2ª fase do Açude do Ribeiro de (...) e que (Facto D) a Autora remeteu à Ré duas faturas relativas a serviços prestados na obra de construção do Açude do Ribeiro de (...), tais factos determinariam que que não pudessem ser dados como não provados os factos qualificados como tal

O Tribunal de 1ª Instância, ao sustentar a sua decisão a este propósito, afirmou o seguinte:
“(...) Entende a recorrente que, considerando a factualidade dada como provada nas als. C), D) e I) do probatório se impunha a condenação da ré porquanto, o pagamento parcial das faturas constitui o reconhecimento expresso da dívida.
Salvo melhor entendimento, a alegação da autora não poderá proceder.
Com efeito, toda a factualidade dada provada nos autos, bem como os factos negativos, encontra-se fundamentada, nomeadamente com base no depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento.
Conforme se explica no discurso fundamentador da sentença, não resultou provado que entre as partes tivesse sido celebrado qualquer contrato escrito, pelo que não podia a autora “vir reclamar os pagamentos e os meios jurídicos derivados do contrato que não celebrou, da proposta que não apresentou, e que assim aceitou”, não se mostrando cumpridos os requisitos legais previstos nos artigos 212.º e 213.º do DL 59/99 e Lei n.º 2/2007.
Mas como também se refere na sentença recorrida, resultou demonstrado que a Câmara Municipal havia já adjudicado à autora a construção do Açude em (...), obra que pagou totalmente, sendo que, a obra que a autora viria a realizar no local não correspondia à que lhe havia sido adjudicada e paga pela Câmara, não tendo a autora logrado demonstrar quais os trabalhos realizados pela mesma em cada uma das “empreitadas”.
É que, como também se explicou na sentença, “a emissão de faturas, só por si, não permite a prova dos “serviços” nelas constantes, tendo sido impugnado pela Ré a realização dos trabalhos por estas titulados”, sendo que inexistem igualmente autos de medição.
Não padece assim a sentença em causa de qualquer nulidade por contradição, pelo que deverá a alegação de nulidade improceder.”

Sem necessidade de abundante desenvolvimento ou fundamentação, refira-se que se não reconhece a invocada nulidade, sendo que em sede de apreciação dos vícios relacionados com a apreciação da matéria de facto se verificarão as eventuais incongruências entre a matéria de facto provada e não provada, as quais, a verificarem-se, determinarão que estaremos em presença de “Erros de julgamento da matéria de facto” e não nulidades.
DA MATÉRIA DE FACTO
A Recorrente considera que os factos julgados como provados sob as alíneas C) a K) da sentença recorrida serão, no seu conjunto, suficientes para julgar a presente ação totalmente procedente por provada.

Mais impugna a Recorrente o elenco dos factos julgados como não provados sob os números 1, 2, 3 e 5 da sentença.

Se é certo que relativamente à alteração da matéria de facto, o entendimento que tem vindo a ser adotado pela Jurisprudência é relativamente limitativo e excecional, aqui, como se verá, há efetivamente necessidade de proceder a algumas correções, mormente ao nível dos factos dados como não provados.

Em qualquer caso, diga-se o seguinte:
Como sumariado, entre muitos outros, no Acórdão deste TCAN nº 766/13.8BEBRG, de 29-05-2020 “1 – O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.
Com efeito, em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida. (...)”

Em concreto, verifica-se efetivamente alguma incongruência entre a matéria de facto dada como provada e a não provada.

No entanto, em função da factualidade disponível nos Autos, mostra-se, efetivamente, que os factos dados como não provados, denotam algumas insuficiências e incongruências que importa corrigir.

Efetivamente, contesta-se que tenham sido dados como não provados os seguintes factos:
1. Quais os trabalhos contratados e executados pela Autora no Açude do Ribeiro de (...) por ordem do convite indicado em C);
2. qual o valor da empreitada global adjudicada à Autora;
3. que tivesse sido proferido ato de adjudicação da proposta/resposta ao convite;
(...)
5. qual o prazo para pagamento das faturas.
Resultou provado que:
Foi enviado convite à aqui Recorrente pela JF para a execução da 2ª fase da empreitada do Açude no Ribeiro de (...);
Correspondentemente, a Autora emitiu à Ré duas faturas que titulavam o preço global da empreitada, ambas no valor unitário de 7.791,00€, o que dá o valor global da proposta apresentada pela Autora inicial de 15.582,00€, com IVA incluído;

Tendo sido dado como provado que a Ré aceitou essas faturas, que não as devolveu e chegou a pagar parte do preço, resulta com clareza que tal só poderia ter ocorrido perante a verificação da adjudicação de empreitada, ainda que, de facto, como se verá.

Resulta ainda provado (Facto K), que o restante pagamento só não ocorreu, por falta de cabimentação orçamental, o que denota igualmente o reconhecimento da divida, e correspondentemente, da realização de trabalhos.

Sublinha-se que não foram impugnados os documentos que titulam a execução dos trabalhos, designadamente, a carta convite da JF e as faturas 40007 e 50129, bem como o recibo relativo à transferência bancária de parte do preço.

Os referidos factos contrariam, por natureza, a circunstância de alegadamente não ter havido adjudicação.

Em face do que precede, e em função da prova testemunhal transcrita pelo próprio Recorrente, entende-se que deverão ser suprimidos dos “Factos não provados” os itens 1, 2 e 3, nos termos do Artº 662º nº 1 CPC.

É pois manifesto que a obra de construção de Açude no Ribeiro de (...) comportou duas fases, a primeira, por iniciativa da Câmara Municipal de (...), cujos trabalhos foram integralmente pagos, e a segunda, pela Junta de Freguesia, cujos trabalhos apenas terão sido parcialmente pagos.

Mantêm-se os restantes factos não provados (4 e 5), por não resultarem os mesmos provados, como decidido em 1ª instância.

Quanto ao facto não provado 4, por se referir explicitamente à celebração de Contrato Escrito, é manifesto que tal não se verificou, sem prejuízo do entendimento que adiante se explicitará, quanto à existência de “contrato de facto”.

No que concerne ao prazo de pagamento das faturas, nada a esse respeito resulta provado, o que terá implicações relativamente ao pagamento de juros de mora.

DA DECISÃO DE DIREITO
À data do convite para a execução dos trabalhos em causa (2002) estava em vigor o Decreto-Lei n.º 59/99, de 02/03.

Aqui chegados, e atenta a matéria dada como provada, resulta que a Junta de Freguesia adjudicou de facto à aqui Recorrente, empreitada relativa à segunda fase de construção/ampliação do Açude no Ribeiro de (...), cujos trabalhos efetuados se encontram titulados nas faturas indicadas no ponto D) do probatório.

O preço global da empreitada resulta assim da soma das duas referidas faturas, valor não impugnado pela Junta de Freguesia.

Tendo a referida adjudicação sido efetuada por via verbal, subjaz ao procedimento estarmos em presença de um contrato de facto.

A Junta de Freguesia chegou até a pagar um valor por conta do total em divida, o que permite concluir pela confissão, sendo que o remanescente apenas não terá sido pago, por falta de cabimento orçamental (Facto Provado K).
Como resulta do sumariado no acórdão deste TCAN nº 126/12.8BEMDL, de 12.06.2019, mesmo inexistindo contrato escrito, atenta a matéria dada como provada, sempre a Freguesia teria de suportar os custos da empreitada realizada, por se ter provado que a mesma foi realizada a seu favor.
Como se sumariou no identificado Acórdão “A ausência de contrato escrito não autoriza a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido”.
Na realidade, a Junta de Freguesia não demonstra por que razão o empreiteiro, aqui Recorrente, havia de ter realizado trabalhos no Açude, para além da empreitada do Município, sem que a Junta de Freguesia o tivesse “encomendado”.
Por outro lado, mas no mesmo sentido, se não tivesse havido uma contratualização, ainda que verbal e de facto, certamente que a Junta de Freguesia também se não disporia a adiantar, por conta do valor em divida, 5.000€ à empreiteira.
De realçar ainda que no procedimento, a Junta de Freguesia nem sequer nega a existência da dívida, apenas alegando incapacidade orçamental para saldar o remanescente do valor reclamado.
Já noutra perspetiva, mas ainda assim, no mesmo sentido decisório, afirmou-se no acórdão deste TCAN nº 949/11BEBRG, de 17/04/2015, aqui aplicado mutatis mutandis, que “(…) Tal como relativamente aos serviços prestados ao abrigo de um contrato entretanto declarado nulo, perante a inexistência de um contrato, resultante da sua caducidade, e continuando a ser prestados os serviços anteriormente contratualizados, sem oposição, enquanto “Contrato de facto”, tais serviços terão de ser remunerados. A inexistência de contrato, por caducidade do mesmo, não autoriza “a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido.”
O que é incontornável é que o contratualizado no âmbito do contrato de empreitada de facto, é que o mesmo não terá deixado de ser executado, pois, caso contrário, como afirmado já, não teria a Junta pago 5.000€, nem afirmaria que só não pagaria o remanescente por insuficiência orçamental.
Com efeito, e como se afirmou já, mesmo tendo-se verificado uma irregularidade na formalização da contratualização controvertida, sempre estaríamos perante uma «relação contratual de facto», ou «contrato imperfeito» noutra terminologia, cujos trabalhos sempre teriam de ser remunerados.
Em linha com o Acórdão do Colendo STA nº 047638 de 21-09-2004, a Junta de Freguesia sempre teria de ser condenada no pagamento dos trabalhos prestados no âmbito da empreitada verbalmente contratualizada, pois que mesmo verificando-se irregularidades formais, tal não autorizaria que se tirasse como ilação que o negócio jurídico seria equivalente a um nada, como se pura e simplesmente não tivesse acontecido.
Efetivamente, da factualidade provada é possível concluir que as partes mantiveram no âmbito da identificada empreitada, relações contratuais, sendo que a Junta de Freguesia nunca se terá oposto à realização dos trabalhos que foram sendo realizados.
Em resumo, mesmo reconhecendo insuficiências formais na controvertida empreitada, verbalmente contratualizada, ainda assim, sempre a Junta de Freguesia teria de dar satisfação às suas obrigação contratuais pois que o contratualizado não poderia ser “equivalente a um nada”, sendo que, se fosse caso disso, sempre estaríamos em presença de “Contrato de facto”.
Dos juros de mora.
No que concerne a juros, é indubitável que os juros de mora só podem ser contados a partir do momento que a obrigação subjacente se torna líquida, válida e eficaz, ou seja, a partir da decisão judicial.

De outro modo estaria a Junta de Freguesia obrigada a pagar juros de mora por uma obrigação ainda não liquidada e legitimada por decisão judicial, pois só a partir desta foram conferidos efeitos jurídicos a uma obrigação verbal.

Assim sendo, tendo o Tribunal conferido validade a um contrato verbal, enquanto contrato de facto, afastando o efeito anulatório adveniente do incumprimento de requisito formal, que obrigaria à formalização do contrato por escrito, deverá a Junta de Freguesia ser condenado a pagar à aqui Recorrente, para além dos valores de capital ainda em dívida, também os correspondentes juros de mora, a partir da sua validação pelo tribunal, pois que só com a decisão judicial se consolidou e liquidou a obrigação de pagamento.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao Recurso:
a) Revogando-se a Sentença Recorrida,
b) Mais se determinando o pagamento por parte da Junta de Freguesia à aqui Recorrente, do remanescente de capital em divida - 10.582€
c) Acrescido dos juros de mora, a partir da sentença judicial.
*
Custas pela Recorrida (4/5) e Recorrente (1/5)
*
Porto, 18 de dezembro de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa